segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

SAMBAQUI

Existem muitas elevações em boa parte da costa brasileira, quase sempre ao lado de praias e lagoas. Parecem dunas, mas por baixo da rala camada de areia e vegetação, existem milhões de conchas de ostras, mexilhões e, principalmente, berbigões (vôngoles), atingindo dezenas de metros de altura e até 2 km de diâmetro. São os SAMBAQUIS – um tesouro arqueológico de uma época muito anterior ao desembarque dos portugueses.

Em todos os continentes existem construções pré-históricas semelhantes, mas em nenhum outro lugar elas são tão grandes, tão numerosas e associadas a uma cultura tão duradoura quanto aqui no Brasil. O maior sambaqui, na Praia de Garopaba, Santa Catarina, tem 35 metros de altura e 500 metros de comprimento. E o mais antigo, em Paranaguá, no Paraná, foi erguido há 7.000 anos, milênios antes que os egípcios construíssem a primeira pirâmide (em 2.500 a.C.). Já os mais recentes têm apenas 1.000 anos, menos que muitas igrejas européias. Os Sambaquis fluviais parecem ser mais antigos que os litorâneos, mas há mais de 10.000 anos o nível do mar era bem mais baixo que atualmente, tendo subido gradativamente pelo derretimento do gelo polar em decorrência do final da idade do gelo, atingindo 3 m acima do nível de hoje há 6.000 anos e depois descendo novamente. Assim, se houve algum Sambaqui anterior a essas datas, foi coberto pelo mar e desapareceu para sempre.

Esses estranhos monumentos estão sendo estudados pelos arqueólogos, que tentam desvendar os costumes dos seus moradores. Eles tinham uma cultura mais complexa que a da maioria dos outros povos pescadores e caçadores-coletores conhecidos.

Os habitantes do sambaquis do litoral do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul possuem a mesma cultura e constituição genética, parecendo constituir um mesmo povo – chamado de SAMBAQUEIROS.

Os sambaqueiros do litoral eram baixinhos, porém robustos. Os homens mediam 1.60m, em média, e as mulheres, 1,50m. pela análise de seus esqueletos, sabe-se que as más condições de higiene os tornavam muito vulneráveis a doenças. A mortalidade infantil era alta e os sobreviventes raramente ultrapassavam os 35 anos de idade. Os grupos reuniam até 100 pessoas, instalados em um ou mais sambaquis ao mesmo tempo. Enfrentavam os enxames de mosquitos e o cheiro onipresente de marisco podre.

A pesca era o principal meio de sobrevivência dessas comunidades. Os sambaquieiros pescavam com redes, que lançavam a partir de canoas, tanto no mar quanto nos rios. Os moluscos eram apenas um complemento da alimentação. As frutas e raízes também faziam parte do cardápio, mas eles não sabiam cultivar alimentos. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão porque nos sambaquis não foram encontradas peças de cerâmica cozida, necessárias para o preparo de gêneros como o milho e a mandioca. Em alguns sambaquis havia vestígios de caça; em outros, não. Tinham artefatos como anzóis feitos de ossos, furadores de ferrões de arraias e pesos de redes esculpidos em pedra, além de dentes de tubarão furados para fazer colares. Ossos encontrados desses indivíduos apresentam lesões por esforços repetitivos, indicando que eram remadores e viveram grande parte de suas vidas na atividade de pesca.

No mesmo chão em que construíam suas casas, faziam fogueiras e dormiam. Aí também sepultavam os seus mortos. Encaravam isso, aparentemente, com a maior naturalidade. Os rituais fúnebres tinham um papel cultural importante: os corpos eram enterrados com comida e artefatos como machados, colares de dentes de tubarão e estatuetas de pedra, aparentemente para preparar o defunto para uma viagem espiritual.

No mesmo sambaqui, às vezes, é possível distinguir padrões diferentes de sepultamento: alguns mortos recebiam um tratamento mais elaborado. Para os arqueólogos, isso parece indicar algum tipo de hierarquia ou diferenciação social. Não se sabe ao certo o que levava essa gente a amontoar conchas. Talvez o fizessem para instalar suas cabanas em uma base seca que os protegesse do solo úmido do litoral. Os sambaquis também podiam servir como marcos territoriais, simbolizando a posse de uma área e, enquanto tal, teriam a mesma intencionalidade das pirâmides egípcias e dos templos micênicos.

Os sambaqueiros fluviais são um pouco diferentes dos litorâneos. Há sambaquis de 10.000 anos no Vale do Ribeira – cercania da atual cidade de São Paulo. Diferentemente dos Sambaquis litorâneos, ao invés de conchas de bivalves usavam como cobertura das sepulturas o “megalobulimus”, um caracol terrestre da região, muito comum naquela época. Os homens também eram diferentes. Estudos arqueoantropológicos indicam que eles vieram do planalto, embora adotando a cultura do litoral. Hoje já sabemos muitas coisas sobre eles através dos estudos dos vestígios encontrados em escavações arqueológicas. Restos de ossos calcinados de animais nos indicam que eram caçador-coletores e tinham o produto da caça como principal alimentação. Consumiam preás, cotias, pacas, capivaras, catetos, queixadas, antas, cervos, animais ainda hoje existentes na Mata Atlântica. Batedores, raspadeiras, percutores, machados, furadores, anzóis e outros artefatos feitos de pedra e ossos de animais também foram encontrados. Não produziam cerâmicas.

O “Homem de Capelinha”, do sítio arqueológico de Jacupiranga, foi datado de 9.000 anos atrás e é um dos mais antigos de toda América. Análises bio-antropológicas apontam semelhanças étnicas com “Luzia”, um esqueleto datado de 11.000 anos atrás, de um sítio em Minas Gerais. Ambos possuem características negróides.

Os sambaquieiros desapareceram por volta do ano 1.000. Foram eliminados pelos tupis, indígenas mais guerreiros e que já dominavam a agricultura. Deve ter ocorrido mistura de raças entre os dois povos, pois provavelmente foram os sambaquieiros que ensinaram os tupis como se pesca no mar. Em um país como o Brasil, com uma costa tão extensa, é uma herança das mais úteis.

Em muitos sambaquis também foram encontradas estatuetas de animais – chamadas de zoólitos, ou seja, animais esculpidos em pedra. Com suas formas estilizadas, não causariam estranheza em uma exposição de arte moderna, mas esses zoólitos provavelmente tinham funções rituais. Os arqueólogos acreditam que as concavidades que aparecem em alguns deles serviam para preparar tinturas

Só na década de 1960 os Sambaquis passaram a ser protegidos por lei, depois de séculos de depredação. Hoje, ainda restam 958, a maioria no litoral, mas isso representa menos de 20% dos Sambaquis que existiam no começo do século XX. Infelizmente grande parte dos Sambaquis litorâneos foram destruídos por indústrias mineradoras; as conchas ricas em calcáreo eram moídas juntamente com os ossos das sepulturas, sendo o produto obtido utilizado na fabricação de cimento, cal e fertilizantes.


Texto com acréscimo de contribuições do Prof Melander, historiador e pesquisador em arqueologia pré-histórica brasileira.

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