terça-feira, 30 de junho de 2009

RAÍZES...


Na época do Império Chimu, às margens do rio Paquisllamga (atualmente chamando de Lambayeque), por volta do ano 1.000, as tradições mencionam a existência de um outro grande povo – os ATUMURUNA –, às margens do Titicaca, cerca de 3.500 metros acima de altura, no meio dos Andes.

Esse povo teria o mesmo que fundou o império Chimu. E por isso a civilização TIAHUANACO, iniciada por eles, têm uma forte influência cultural da civilização Chavin e, ao mesmo tempo, uma indiscutível inovação, tornando-se berço e ponto de partida de uma cultura e um império sem precedentes.

Tiahuanaco foi fundada na margem sul do Lago Titicaca, com suas águas ligeiramente salobras e geladas, formado por cerca de quarenta rios que nascem das geleiras vizinhas, que o cercam. Um lugar inóspito e selvagem; uma planície sem árvores que se estende entre montanhas de neves eternas.

As crônicas de Gregório García, do século XVIII, conta que, segundo as crenças locais, houve um tempo em que a região de Tiahuanaco estava imersa em trevas. Nesse tempo, saiu do grande lago Titicaca, um grande líder chamado KON TICSI WIRACOCHA, que criou, de uma só vez, o Sol e a Lua, e todas as estrelas. Esse herói aparece em todos os relatos variantes da região, apontando Wiracocha como um deus criador que, porém, intervém em um mundo que já existia, mas era desorganizado e obscuro. Ele surge como um clarão fugaz e fosforescente de Titi, o enorme felino de fogo, empoleirado na ponta rochosa que emergia das águas. Portanto, o papel “criador” de Wiracocha é o de transformar a desorganização em cosmos! Tarefa difícil, pois choca-se com a desobediência dos homens.

E acordo com um dos maiores quipucamayoc do fim do império inca, Tiahuanaco foi construída sobre as ruínas da velha Chucura, a antiga capital de um povo “selvagem”, por ordem de um “poderosíssimo senhor” – um soberano pré-incaico. Que Fernando de Montesino identifica como sendo Inti Capac – o Sol-Rei

Tiahuanaco é uma metrópole insólita, cujo complexo arquitetônico cobre cerca de quatrocentos e cinqüenta mil metros quadrados, uns vinte quilômetros a sudeste do lago Titicaca, no coração de um pequeno vale alongado, relativamente estreito, em forma de ferradura. Uma linha convexa, ininterrupta em várias centenas de quilômetros, de sedimentos e fósseis marinhos, indica que o Titicaca se elevara do mar há alguns milhões de anos. A cidade ciclópica foi concebida segundo uma rigorosa orientação astronômica, seguindo o norte geográfico e um sistema meteorológico que condicionou esta orientação. Percebe-se claramente a simetria intencional dos eixos que emanam todos de uma grande pirâmide.

Não conhecemos a extensão exata do que foi o domínio tiahuanaco. A geografia das principais ruínas que lhes são atribuídas pelos arqueólogos, situa a maior parte desse império no território da Bolívia e sul do Peru. Mas isso não exclui que por um sistema de alianças ou de vassalagem, os Atumuruna tenham conseguido estender sua influência bem além de suas fronteiras. Mais audaciosos que os incas, ainda que menos metódicos, eles não hesitaram, parece, em enfrentar as tribos primitivas da floresta virgem e a navegar nos vários afluentes do Amazonas, segundo os estudos de Jaques de Mahieu, confirmados pela arqueologia. “Ainda que o centro da civilização de Tiahuanaco tenha sido sempre situado nas regiões que circundam o Lago Titicaca”, escreve Rafael Karsten, “muitos fatos falam em favor da teoria segundo a qual ela teve uma extensão bem maior. As escavações arqueológicas ao sul da Bolívia e do distrito de Cochabamba, à beira da floresta virgem, trouxeram cerâmicas leves do gênero de Tiahuanaco. Da mesma forma, vasos pintados no mesmo estilo foram encontrados em toda a costa, de Trujillo a Nazca. A única explicação possível é que os tiahuanacos estenderam outrora seu domínio até o oceano e que os povos subjugados adotaram a arte e o estilo de seus conquistadores. No norte, igualmente, como o demonstram achados arqueológicos, esta civilização estendeu-se em um certo momento até o Equador meridional”. As tradições aymarás falam que Wiracocha marchou à frente de seus exércitos até o Equador, ao norte, até o Chile, ao sul, penetrando, a leste, nas planícies da Amazônia e do Paraguai.

Jacques de Mahieu situa a queda do império Tiahuanaco por volta das últimas décadas do século XIII. As circunstâncias deste desastre não são muito claras mas sabemos que um povo vindo do norte do Chile, comandados por um curaca (líder) chamado Cari, travou várias batalhas com as tribos leais ao império. Algumas notícias colhidas por Gregório García, sem suas crônicas, no Equador, falam que um “Ser” vindo do norte, chamado KON, que foi vencido e expulso por uma divindade mais poderosa chamada PACHACAMAC.

As tradições contam, no entanto, que nem todos os sobreviventes das batalhas fugiram pelo mar. Um grupo teria se escondido por anos nas montanhas ao norte do lago Titicaca. Vários relatos sobre os antecedentes familiares do fundador da dinastia incaica – Manco Capac – estabelecem com quase certeza absoluta a filiação entre os Atumuruna e os Incas. Uma prova tangível é oferecida por algumas múmias escondidas em Cuzco, encontradas por Juan Pólo de Ongardo alguns anos após a conquista espanhola. Seus traços são impressionantemente tiahuanacotas.

Um segundo grupo de refugiados de Tiahuanaco foi descoberto na floresta tropical do noroeste paraguaio, nos limites da atual Bolívia, por Jacques de Mahieu – que estudou os índios guaranis de Cerro Moroti. As minuciosas investigações apontam para a conclusão de que o antigo caminho que liga a região de Tiahuanaco à região central do Paraguai (onde, atualmente, está Assumpção) fora a única salvação daqueles fugitivos, apressados pelo tempo e perseguidos pelas tropas de Cari.

Os contatos entre o planalto boliviano e o Paraguai foram, sem dúvida, mais numerosos e mais intensos do que se acreditava até pouco tempo. O coronel Fawcett escreveu, em 1924, que “os índios mantêm ainda a tradição homens que chegaram no Paraguai, descendentes de um povo que tinha colonizado a região”. No final do século XVI, os guaranis paraguaios informa aos espanhóis que eram descendentes de um império Grand Moxo, situado a noroeste, cuja capital estava situada numa ilha no meio de um lago imenso. Interessante é que esses guaranis conheciam metais que não trabalhavam: ouro (cuarepotyyu), prata (cuarepotytin) e cobre (cuarepotyné) – os metais do planalto andino. Podemos então afirmar que os ancestrais dos guaranis são os Atumuruna, instalados em algumas praças fortes paraguaias, que a derrocada do império de Tiahuanaco impediu de voltar à sua base de partida... e que se transformaram em “caminheiros” (‘mbiá, na lingua guarani) à procura da Terra sem Males que fica à margem da “grande água”.


Baseado no texto “A Civilização Inca”, de Jean-Claude Valla

domingo, 28 de junho de 2009

RIOS PROFUNDOS

Uma folha se desprende do galho de uma árvore e desce suavemente até o chão. O relógio da natureza continua girando. Os pássaros continuam cantando, os rios correndo – não há trégua – e os homens seguindo os passos de seus destinos. Enquanto isso, na seqüência natural – da vida – vem surgindo uma lembrança no meu pensamento, que vai tomando forma, até se tornar uma imagem clara, tão clara quando a árvore que deixa cair suas folhas à frente da minha janela. Era uma bela manhã de sol...

A civilização inca – aparentemente – é muito desconhecida, como se uma nuvem escura pairasse sobre aqueles céus, um povo sem memória, uma história sem fatos. E esse “silêncio” sempre me incomodou. Como era possível uma civilização daquele porte, raiz da cultura americana, até pouco tempo – 500 anos! – reinando absoluta em nossos territórios, com legados e construções tão impressionantes, Machu Pichu soberana no alto daquelas montanhas, e tanto silêncio em volta? Nas escolas, nos livros de história, na mídia, nos cinemas, na literatura, parece que aquele povo nunca existiu?!

É claro que no Peru existem muitos estudos, museus, as próprias ruínas e muitos especialistas no assunto. Mas entre os setores mais esclarecidos da sociedade americana em geral, nos meios intelectuais, gente que sabe de tudo sobre gregos, romanos, Idade Média, Renascimento, existe pouquíssima informação sobre os incas. O máximo que dão notícias é do imperador Atahualpa, que está à frente do império na chegada dos espanhóis, e assim mesmo sem maiores referências. Lembro bem o dia que ouvi – pela primeira vez – a frase célebre, dita em tom solene, à mesa de um elegante restaurante, entre brindes com um saboroso vinho tinto: “Meu amigo, isso é básico, todos sabem que a história é escrita pelos vencedores...”

Certo. Ingenuidade minha pensar diferente. Minha vontade naquele momento era resgatar o que considerava ser nossa memória, a memória americana...

Algo que impressiona muito é a descrição (do século XVI, feita por Garcilaso de la Veja, um mestiço, filho de mãe inca e pai espanhol) da cidade de “Cozco”, capital do império, por volta daquele ano de 1500. Uma verdadeira metrópole, com mais de 200 mil índios – alguns estudiosos estimam 300 mil, mas não existe um registro preciso – de diferentes nações, que mantinham vivas suas tradições, usavam seus ornamentos e vestes específicas, tinham seus dialetos, ao mesmo tempo que falavam todos uma língua comum – o quéchua – e era tudo organizado, cada região da cidade, as ruas, as praças, os templos, os mercados, as águas canalizadas, a impressionante “Fortaleza de Cozco”, os jardins, tudo enfim. Tanto é que muitos estudiosos se referem a ela como sendo a oitava maravilha do mundo e dizem que era “outra Roma em seus tempos”. E em volta da cidade tudo distribuído, as áreas de agricultura, a criação de animais, além das outras e grandes regiões do império, com cidades erguidas imitando a capital, e os impressionantes caminhos que as uniam. Faziam ainda grandes festas e cerimônias, em que exaltavam suas crenças e tradições, e acudiam as famílias de cada província, tudo administrado com grandes cuidados. A verdade é que é uma grande história, fundamental para entender o encontro das duas civilizações com as guerras e a matança que ali houve.

E o que aconteceu depois, o legado e as tradições daquele povo, suas escolas e conhecimentos. A história oficial – aquela contada pelos “vencedores” – diz que tudo se perdeu, foi soterrado pelo tempo. Mas existem muitos mistérios que os livros oficiais nunca explicaram. A cidade sagrada de Machu Pichu, por exemplo, da qual ninguém dava notícia na época da conquista – e de tudo sabiam aqueles índios, especialmente o que envolvia seus reis – e que só foi descoberta em 1911. O que aconteceu entre 1533, quando Pizarro tomou definitivamente a cidade de Cosco, e o começo do século XX? São quase 400 anos, será que não havia ninguém lá esse tempo todo? Será que os incas estavam todos ali, ao alcance dos espanhóis? Ou alguns se recolheram às montanhas com seus conhecimentos? Quem quer que tenha erguido – e administrado – aquela cidade no alto daqueles picos, com toda a sua engenharia, era dotado de finíssimos conhecimentos. E tem mais: quando descobriram Machu Pichu, a cidade estava vazia, deserta, e não havia sinal de alguma guerra ou de alguma peste que tivesse destruído aquele povo, mais bem parecia ter sido abandonada. E se foi assim, para onde foram? Será que sobreviveram ao holocausto da colonização e depois sumiram? Os incas mantinham vivas suas histórias e tradições – sua memória – oralmente, não possuía escrita. Então eram necessárias pessoas, não havia livros, talvez aqueles conhecimentos nem coubessem em letras, só seres humanos – iniciados – podiam ser portadores de seus conhecimentos. Os sacerdotes sabiam muito bem disso e certamente tiveram sempre a preocupação de preparar novos discípulos – como faziam com todas as honras no tempo do império – de geração em geração, pois assim, enquanto houvesse sacerdotes iniciados, sua tradição estaria viva. Então eu pergunto: será que conseguiram? Ou se perderam, como afirmam em silêncio os livros acadêmicos?

Este é o grande quebra-cabeça que pretendo montar. E a tese que defendo é de que as águas daquele rio – como de outras tradições nativas americanas – nunca secaram, nem se perderam, mas continuaram correndo por novos leitos, atravessando outras paisagens, se misturando com outras vertentes e ganhando novas formas e roupagens. As tradições incaicas se fundiram com outros povos e sobreviveram, continuaram pulsando em diversas nações indígenas, assim como entre curandeiros populares, xamãs, e muito especialmente entre os chamados “ayahuasqueiros”, pelo interior do Peru e da Bolívia, até que na segunda metade do século XX, com novas roupagens, ganharam o mundo moderno, penetrando agora por suas cidades e avenidas.

Esta é a tese que defendo e o estudo que pretendo desenvolver, buscando as raízes dessas tradições, e sua sobrevivência até os dias atuais.


Texto de Fernando Ribeiro, no livro "Os Incas, as Plantas de Poder e um Tribunal Espanhol"

quarta-feira, 24 de junho de 2009

HINO AO SOL

Aconteceu!
O Fogo penetrou a Terra!
Não caiu ruidosamente sobre os montes como o raio em seu fragor.
Sem abalo, sem trovão, a chama iluminou tudo por dentro.
Desde o coração do menor átomo à energia das leis mais universais,
Ele tão naturalmente invadiu,
Individual e conjuntamente,
Cada pedra, cada curso de água, cada liame da realidade
Que o Cosmo inflamou-se espontaneamente.

Na humanidade que hoje se engendra,
Ele prolongou o ato sem fim de seu nascimento.
Subiu das profundezas da Terra
E iluminou-nos tenazmente.
Paciente e infalivelmente elimina toda sombra.

O Fogo brilha no Umbigo do Mundo.
Um Fogo Novo abrasa a nossa vida
e acende o nosso coração sul-americano.
O amor com que Inti nos abraça
nos lança na aventura do amor com uma paixão renovada.
Espírito ardente, Fogo fundamental, Poder brilhante.
Jardineiro do mundo
Que revigora as entranhas da Terra,
Que cria as huacas e as faz sagradas

AH! HUIRACOCHAN TITICAPAC...
HUIRACOCHAYA CUSILLU QUISPIYU PUNCHAO

domingo, 21 de junho de 2009

INTI RAYMI


INTI RAYMI (em quéchua, Festa do Sol) é um festival religioso incaico em homenagem a INTI, o Deus Sol. Marca o solstício de inverno do hemisfério sul, no dia 24 de junho de cada ano – considerado o dia mais frio nos Andes. Esse dia também comemora o nascimento de Manco Capac e Mama Ocllo e a fundação da cidade de Cusco, equivalendo a um “ano novo inca”. É, portanto, a festa nacional inca por excelência!

Os preparativos começavam no Qorikancha (Templo do Sol), na Acllawasi (Casa de Mulheres Escolhidas) e em Huacaypata (a praça principal de Cuzco, hoje chamada de Praça de Armas).

Três dias antes da festa, se apagava todo fogo ou tição em toda a extensão do Tahuantinsuyo. Não era permitido cozinhar e, portanto, todo o povo fazia jejum – alimentando-se só de vegetais, água e milho seco.

Na madrugada do dia 24 de junho, o Sapa Inca (inca supremo), como Intiq Churin (Filho do Sol) e o Intip Yanan (Sacerdote do Sol) se dirigiam para a Haucaypata, através da Intik Iqllu (Rua do Sol, atual Rua Loreto), acompanhados pelos generais, príncipes e toda a nobreza, vestidos com pele de pumas, penas de condores ou de outros animais da mitologia andina. Os Panacas (líderes de clãs incas) e os Curacas (chefes tribais) levavam solenemente os Mallki (as múmias de seus ancestrais), que eram colocadas em pontos privilegiados, voltados para o nascente, para que assim pudessem presenciar toda a cerimônia. O cortejo era feito no meio de cantos solenes e danças, com todos descalços, menos o Sapa Inca. Ao chegarem na praça, ele tirava suas sandálias e parava voltado para o horizonte, em posição solene, esperando o nascer do sol. Todos o imitavam e, envolto pelas sombras, a multidão esperava com grande respeito e profundo silêncio a aparição do deus Inti. Segundo relata o Inca Garcilaso de la Vega, toda a população da cidade participava desse ritual; cerca de umas 100 mil pessoas.

Quando o sol surgia, todos o saudavam com a Muchay - sonoros beijos oferecidos com as mãos. E logo de colocavam de cócoras (posição de adoração) para entoar o wakay taky (canto solene), agradecendo pelas colheitas recebidas durante o ano. Expressavam sua gratidão a Inti que, com sua luz e sua virtude, criava e sustentava todas as coisas na terra. Começam cantando baixinho e iam aumentando de intensidade na medida em que o sol se erguia no horizonte, chegando ao clímax emocional e religioso pelo meio da manhã.

Nesse momento, o Sapa Inca tomava dois vasos de ouro – chamados akilla –, cheios de aqha (cerveja de milho), fabricada pelas Acllas (mulheres consagradas, as “Virgens do Sol”) especialmente para essas cerimônia. O vaso da mão direita era oferecido ao Sol... e derramado num canal dourado que ia da praça até o Templo do Sol, representando que o deus a bebia. A seguir o Sapa Inca bebia um pouco do vaso da mão esquerda e o passava aos nobres, para que todos brindassem ao Sol. Dessa forma, eles queriam “induzir” o deus Inti – que nesse momento estava no ponto de maior distanciamento da Terra – a voltar para seus filhos, abraçando-os e aquecendo-os de novo com seus raios, fecundando a terra e dando todo o bem-estar ao Tahuantisuyo - o reino dos seus filhos.

Por fim, o Sapa Inca, usando um bracelete côncavo de ouro polido concentrava os raios do Sol sobre um monte de palha e algodão até que ele se incendiasse em fogo novo. Havia, então, uma grande explosão de alegria, fogo era distribuído para todas as casas (e para os curacas levarem às suas comunidades). Numa monumental parada, com muito canto e dança, o Sapa Inca e o Intip Yanan levavam o fogo sagrado para o Qorikancha, onde seria conservado acesso pelas Acllas. Depois, o Sapa Inca se deveria consumir o Sanqhu (uma espécie de "pão sagrado", feito com farinha de milho e gotas do sangue de lhama sacrificada). Seu consumo era inteiramente religioso à maneira de uma hóstia cristã.

A partir daí, começavam os sacrifícios de lhamas e porquinhos-da-índia e todos se retiravam e continuavam festejando por vários dias, com muita diversão, músicas, danças, comida em abundância e muita chicha (cerveja de milho).

O último Inti Raymi com a presença do Sapa Inca, foi realizado em 1535, por Manco Inca.

Em 1572, o Vice-Rei Francisco de Toledo, a pedido da Igreja Católica, proibiu a comemoração, por considerá-la uma cerimônia pagã e contrária à fé cristã. O Inti Raymi, no entanto, continuou a ser celebrado clandestinamente nas pequenas comunidades rurais, até que, em 1944 um grupo de intelectuais e artistas cusquenhos, chefiados por Faustino Espinoza Navarro (que em 1953 fundaria a Academia do Idioma Quéchua), decidiu resgatar a cerimônia e apresentá-la como um espetáculo folclórico, destinado a toda a população de Cusco. A versão foi apresentada toda no idioma quéchua, com sua correspondente tradução ao castelhano para facilitar uma melhor compreensão para a maioria da população. A partir de então, o Inti Raymi voltou a ser celebrado no dia 24 de junho de cada ano, recuperando seu status de "Festival Ritual de la Identidad Nacional" e um símbolo da cultura nacional peruana, constituindo-se numa atração nacional e internacional.


domingo, 14 de junho de 2009

ALBA - Alternativa Boliviana

Dentro da crescente assimetria que existe hoje em dia entre as classes sociais dos proprietários e não-proprietários dos meios de produção, espacializada na relação que existe entre os países centrais e periféricos, a questão da dicotomia nas áreas científico-tecnológicas entre eles é um elemento de fundamental importância. Segundo Hugo Chávez (2003), Presidente da Venezuela, o regime internacional de definição e proteção da propriedade intelectual, através das patentes, está orientado a acentuar esta dicotomia. Nesse sentido a Alternativa Bolivariana para América Latina e Caribe - ALBA, busca a criação, fomento e proteção de saber latino-americano, frente à desigualdade dos tratados bilaterais de livre comércio e da ALCA.

A ALBA corresponde a um modo de integração diferente na medida em que põe ênfase nos problemas de fundo das economias latino-americanas, como são a pobreza e a exclusão social. Fundamenta-se na criação de mecanismos para criar vantagens cooperativas entre as nações, de maneira que as desigualdades existentes entre eles sejam compensadas. Desta maneira a ALBA prioriza a verdadeira integração latino-americana, na medida em que entre países desiguais a integração só favoreceria aqueles que possuem uma melhor posição desde o inicio das negociações. Assim sendo, propõe-se a criação de Fundos Compensatórios cuja finalidade seria o investimento na correção de assimetrias regionais entre os próprios países latino-americanos.

Chávez ainda corrobora que antes das negociações dos tratados bilaterais, mais de 50 países não tinham uma estrutura legal formal que protegesse as patentes de produtos farmacêuticos, por exemplo, com o qual seus mercados internos dispunham de medicamentos genéricos a preços inferiores do que os oferecidos pelas empresas donas das patentes. De tal forma que os medicamentos genéricos que são mais baratos e podem chegar à população mais necessitada podem desaparecer do mercado como conseqüência dos direitos monopólicos outorgados por tais acordos.

A partir da introdução de patentes, os preços de diversos produtos aumentam consideravelmente e o consumo destes tende a se reduzir drasticamente. Em suma, amplos setores sociais ficarão ainda mais excluídos e restritos do acesso a estes produtos.

Atualmente 80% das patentes de alimentos modificados geneticamente são apropriadas por 13 multinacionais e as 5 maiores companhias agro-químicas controlam quase todo o mercado mundial de sementes.

Neste contexto o estabelecimento de patentes sobre diversas formas de vida e a apropriação a partir da expropriação do saber camponês ou comunitário por parte das grandes multinacionais de sementes e agro-químicos mudam os padrões de produção camponesa em escala global. Inclusive estes - os camponeses – podem tornar-se mais dependentes da intervenção produtiva e tecnológica das grandes multinacionais.

Certamente os setores que são sensíveis à implantação de patentes científicas e de direitos de propriedade intelectual são importantes eixos dinâmicos no processo de concentração de capital e na intensificação das desigualdades sociais, decorrentes da própria reprodução do capital. Na atualidade os ativos intangíveis que dizem respeito ao conhecimento e acúmulo de técnicas, tecnologias, know-how´s e inovações, são geradores de lucros significativos em função do direito de propriedade e da outorga (permissão) da exploração desses descobrimentos através de royalties.

O investimento dos EUA em atividades de Pesquisa e desenvolvimento (I&D: Investigación y desarrollo) é mais do que dez vezes o investimento brasileiro no ano de 1990. Já no ano 2000 os Estados Unidos investiram 264.634 milhões de dólares enquanto que o Brasil, “maior economia da América Latina”, investiu somente 13.564 milhões. Os Estados Unidos solicitam quase nove vezes mais patentes do que o Brasil e quase quatro vezes mais do que a somatória da Argentina, Brasil, México, Peru e Venezuela.

Neste contexto, novas alternativas de integração que levam em consideração o fortalecimento das áreas do saber científico-tecnológico já vem sendo gestadas. Estas novas iniciativas, diferentes da ALADI e do MERCOSUL põem ênfase nos problemas mais urgentes da América Latina: a luta contra a pobreza e a exclusão social, compreendendo que nessa luta, a área de ciência e tecnologia é uma peça estratégica.

Assim, a ALBA se coloca como uma nova iniciativa para nosso continente num momento social histórico. Esta alternativa de integração busca reverter o significativo aumento na taxa de dependência tecnológica latino-americana e a tendência declinante (dos últimos dez anos) no gasto em ciência e tecnologia por parte dos países da região.


PORTAL ALBA :

Texto de Fiorella Macchiavello - Mestranda em Geografia na UFSC

domingo, 7 de junho de 2009

LOS HIJOS DEL SOL

Ñoqan kani Intiq Churin, taytallaysi kachamuwan
Ñoqan kani Intiq wawan, taytallaysi kamachiwan
Sou filho do Sol, e vou em busca do meu povo...
Sou um dos filhos do Sol, e vou encontrar minha gente...

sábado, 6 de junho de 2009

GEOBIOLOGIA ANDINA


“Eu não tenho certeza que o homem, originalmente, só tenha tido cinco sentidos. E o homem tem, talvez, dez ou quinze. Mas ele não sabe mais disso. Os homens que eu conheci, sim, sabem-no ainda.”
Manuel Scorza, escritor peruano falando sobre a gente "simples" dos andes.

A visão mágico-religiosa do mundo, concebida pela tradição andina, buscava respeitar, reverenciar e interagir com as forças do céu, da terra e da natureza, como os APUS (poderes das montanhas). A arte de trabalhar as energias cosmo-telúricas, conhecida atualmente como geobiologia, é encontrada praticamente em todos os povos antigos: chineses, egípcios, hebreus, gregos, romanos, árabes, celtas; todos a conheciam e praticavam com diferentes nomes e nuances culturais. Na época dos incas, os amautas eram os artistas que buscavam o sagrado conhecimento do céu e da terra - yachay.

Os amautas eram ao mesmo tempo sacerdotes, astrônomos, agrônomos, arquitetos e engenheiros; tinham conhecimentos de história, filosofia, medicina, geologia e geobiologia. Eles trabalhavam sua sensibilidade e aprimoravam seus sentidos ao ponto de detectarem fissuras nas rochas das pedreiras de onde retiravam os gigantescos blocos de suas construções ou encontrarem fontes de água subterrânea em regiões desérticas.

Eles buscavam utilizar esse conhecimento aplicando e potencializando determinados padrões energéticos benéficos ao desenvolvimento da vida; isso se refletia no vigor e saúde das plantações e das pessoas ao redor dos lugares de poder - as Huacas. Ainda hoje, o milho que cresce no Vale Sagrado é único pelo seu tamanho, diversidade, qualidade e sabor.

O sucesso agrícola incaico, associado às reações emocionais e internas do ser humano junto às Huacas, atestam a eficácia do trabalho geobiológico realizado pelos antigos na região andina.

É por isso que tanto se diz que em Machu Picchu a pessoa é envolta em uma agradável sensação de paz e reconforto. Machu Picchu e muitas outras obras do povo andino foram planejadas para interagir com as energias do céu e da terra. Muitas construções estão alinhadas com os astros, poderes do céu, e localizadas em lugares especiais da Terra, seguem padrões harmônicos, produzindo, ainda hoje, efeitos notáveis.

Trata-se de um conhecimento que pode ser estudado e aplicado ainda hoje, não apenas na região da Cordilheira dos Andes e nem somente pelos antigos amautas, mas em nossas habitações e lugares de trabalho e por pessoas que aprimorem capacidades e sentidos latentes em todos os seres humanos.

Ka W Ribas, amauta runa da Tradição Andino-Amazônica
Autor do livro "A CIÊNCIA SAGRADA DOS INCAS"

CONHECIMENTO ANCESTRAL

Muito temos a aprender com o conhecimento ancestral dos antigos americanos e sua cultura, ainda viva e vigorosa em muitos lugares e países de todo continente. Em alguns locais, a herança indígena se diluiu ou misturou-se de tal forma com outras culturas que se apresenta quase que imperceptível. Já em outras regiões, a tradição nativa permaneceu bastante forte e palpável, como no caso da extensa região da cordilheira dos Andes.

Dentre esses ensinamentos encontra-se o profundo respeito e reverência com que esses povos tratavam a todas as manifestações e formas de vida. Os antigos enxergavam na natureza o sagrado e dessa forma estruturaram e organizaram seu universo. Eles estabeleceram uma ética ecológica que a civilização industrial moderna parece desconhecer quando agride e despreza a mãe-Terra. Recuperar das culturas ancestrais essa ética e valores seriam de grande benefício para todos nós e para o planeta.Todos os elementos do mundo indígena se reconhecem e se baseiam nestes valores e princípios, encontrando-se interligados através de uma visão holística que privilegia a unidade, a interdependência e a interdisciplinidade.

A milenar tradição andina, através de sua última e grandiosa civilização anterior à chegada dos europeus - os Incas - estruturou seu universo e desenvolveu-se mantendo o vínculo com a natureza e a ética ecológica.

A genialidade do homem andino possibilitou um modelo de civilização onde o controle de técnicas agrícolas era associado a conhecimentos astronômicos e ao respeito pela natureza, Pachamama. O império inca, chamado de Tawantinsuyo (quatro cantos do mundo), possui o mérito de ter erradicado a fome dentro dos limites de seu vasto território, composto de áreas dos atuais Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Chile e Argentina.

Para isso, utilizaram antiqüíssimos padrões e técnicas, aplicando-os em um âmbito geográfico considerável. O império dispunha para seu uso e distribuição de uma enorme variedade e quantidade de produtos: desde a costa do pacífico, passando pela cordilheira, até os Andes Amazônicos.Os incas fomentaram e puseram em prática uma infinidade de recursos agrícolas para intensificar a produção de alimentos e assim fazer frente à crescente demanda, desmedida em função da limitação de terras cultiváveis em contraste com a extensão territorial do império.

Precisamente a natureza, exígua em matéria de terras de cultivo, gerou uma crise alimentícia permanente que somado ao aumento populacional levou ao desenvolvimento cultural dos povos andinos e explicam sua fisionomia tanto material como institucional. Assim moldaram sua forma de administração e organizaram seu universo mágico-religioso, onde suas divindades principais eram deuses ligados ao sustento.Para obter o máximo da produção agrícola, fundamental foi conhecer os delicados ciclos da natureza andina, identificar as estações e estabelecer um preciso calendário relacionado à agricultura, observando as estrelas, o Sol e a Lua.

E nesse campo, os astrônomos andinos aprofundaram bastante seu conhecimento compondo, junto à arquitetura, impressionantes espaços rituais, cujas construções estavam alinhadas astronomicamente e marcavam solstícios e equinócios.

Através da arqueoastronomia (o estudo dos vestígios arqueológicos e sua relação com a astronomia) podemos perceber o alcance deste conhecimento, sua relação com a cultura, a religião e sua importância na manutenção de um gigantesco império agrícola.

Também com finalidade de ampliar e melhorar a produção agrícola, mas indo além disso, os incas praticaram a geobiologia - arte milenar de trabalhar as energias do céu e da terra.

Oferendas e rituais realizadas em determinadas datas, nos lugares de forte energia cosmo-telúrica (chamados de HUACAS pelos Incas), afetariam o padrão energético das plantações ao redor, além de causar outros efeitos aos seres vivos, inclusive ao homem.

É por isso que tanto se diz que em Machu Picchu a pessoa é envolta em uma agradável sensação de paz e reconforto. Machu Picchu e muitas outras obras do povo andino foram planejadas para interagir com as energias do céu e da terra. Muitas construções estão alinhadas com os astros, poderes do céu, e localizadas em lugares especiais da Terra, seguem padrões harmônicos e produzem, ainda hoje, efeitos notáveis.

Ka W Ribas, amauta runa da Tradição Andino-Amazônica