quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ORAÇÃO QUÉCHUA


Ah! Wiracocha, poder de tudo o que existe...
Seja homem, seja mulher,
Ele é sagrado.

Senhor de toda luz nascente,
Criador,
Que és tu? Onde estás?
No mundo superior, no mundo inferior,
ou deste lado do mundo?
Onde está teu poderoso assento?

Ah! Dize-me somente, do oceano celeste
ou dos mares terrestres, onde habitas...
Senhor, teus servidores de olhos fechados
querem ver-te.

O Sol, a Lua, o dia, a noite,
O calor e o frio não são livres.
Eles seguem tuas ordens, seu caminho está marcado.
E eles chegam onde tu lhes perviste...

Onde e a quem enviaste o cetro brilhante?
Oh! Criador que fazes maravilhas

e coisas nunca vistas,
Misericordioso Wiracocha, grande sem medida,
Faze com que se multipliquem as criaturas
E guarda aqueles a quem dás a vida
E segura-os bem em tuas mãos.

Ouve, Wiracocha, jardineiro do mundo
Que revigora as entranhas da terra,
Quer os huacas e diz que elas são sagradas,
Portador das grandezas onde quer que estejas,

Sempre jovem, cheio de orvalho úmido, Wiracocha
Que o céu, dizes tu, se faça do vazio da terra
E tu colocas os guardiães no mundo subterrâneo.

Todo-Poderoso Wiracocha,
Wiracocha que está presente,
Wiracocha senhor de tudo,
Senhor da beleza do mundo
Que a tudo criou dizendo:

"Que seja homem, que seja mulher
E todos os frutos da terra",
Onde te encontras... nas nuvens, nas sombras?

Nossa oferenda, recebe-a onde quer que estejas
Wiracocha!


---------------------------------------------------------------------------

Enquanto milhões de homens desaparecem para sempre, no corrrer dos séculos, o Sol - supremo vencedor de cataclismos - reaparece todos os dias, impassível. Por isso, os povos andinos lhe ergueram, nos próprios lugares de sua miraculosa e benefica ressurreição diária, monumentos cujas dimensões colossais lhe representem a perenidade.

Essa oração é parte do "Canto Sagrado a Wiracocha", entoado por um grande sacerdote inca, pouco antes de falecer, em 1550, e anotado por uma Nusta (donzela inca, dedicada ao Sol) a pedido do padre Cristobal Molina, apelidado de "O Cuzquenho". Quatrocentos anos depois, esse manuscrito foi encontrado e traduzido por Rafael Aguillar, um grande quechuísta, reconstruindo pelo menos parte desse hino. Ele é um dos raros e autênticos documentos que se possui sobre a poesia e a visão do mundo inca.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

PROFECIA GUARANI

Ara kañy rire, ara pyaú ramove
cheé, yuyra'ikãgã amoñe'ery jevy va'erã
amoprõ j evy va'erã ñe'eng,
e'i Ñande Ru Tenondé.

Depois de fundir-se o espaço e amanhecer um novo tempo,
eu hei de fazer que circule a palavra-alma novamente
pelos ossos de quem se põe de pé,
e que voltem a encarnar-se as almas,
disse nosso Pai Primeiro.

A'e ramo katu, yvypo amboae
kuéry tupã ramo oó va'eã;
ekovia, jeguakava tenondé yvy
rupa jave i re opu'ã va'erã.

Quando isso acontecer
Tupã renascerá no coração do estrangeiro;
e os primeiros adornados novamente
se erguerão sobre a terra por toda a sua eternidade.

Narração de Pablo Werá, no início do século XX

O CÉU GUARANI


A observação do céu sempre esteve na base do conhecimento de todas as sociedades do passado, submetidas em conjunto ao desdobramento cíclico de fenômenos como o dia e a noite, as fases da Lua e as estações do ano. Os indígenas há muito perceberam que as atividades de caça, pesca, coleta e lavoura estão sujeitas a flutuações sazonais e procuraram desvendar os fascinantes mecanismos que regem esses processos cósmicos, para utilizá-los em favor da sobrevivência da comunidade.

Diferentes entre si, os grupos indígenas tiveram em comum a necessidade de sistematizar o acesso a um rico e variado ecossistema de que sempre se consideraram parte. Mas não bastava saber onde e como obter alimentos. Era preciso definir também a época apropriada para cada uma das atividades de subsistência. Esse calendário era obtido pela leitura do céu. Há registros escritos sobre sua ligação com os astros desde a chegada dos europeus ao Brasil, mas é possível que se utilizassem desse conhecimento desde que deixaram de ser nômades.

É evidente, no entanto, que nem todos os grupos indígenas, mesmo de uma única etnia, atribuem idênticos significado a um determinado fenômeno astronômico específico, e a razão disso está no fato de cada grupo ter sua própria estratégia de sobrevivência. Além disso, considerando que não dependem, de maneira uniforme, de suas moradias, caça, pesca ou de trabalhos agrícolas, as constelações sazonais, por exemplo, oferecem aos distintos povos uma enorme diversidade de interpretação.

Para acessar essa cosmologia é preciso considerar, entre outros pontos, a localização física e geográfica de cada grupo, como os que habitam o litoral e o interior, ou diferentes latitudes. Junto à linha do Equador, por exemplo, não há muito sentido em referir-se às estações do ano em função de variação da temperatura local. Além de reduzidas, nem sempre essas oscilações refletem o que se pode caracterizar como verão ou inverno. O clima da região tropical é caracterizado, fundamentalmente, em função da maior ou menor abundância de chuvas.

Os indígenas são profundos conhecedores do seu ambiente, plantas e animais, nomeando as várias espécies. Os Guarani, por exemplo, associam as estações do ano e as fases da Lua com o clima, a fauna e a flora da região em que vivem. Para eles, cada elemento da Natureza tem um espírito protetor. As ervas medicinais são preparadas obedecendo a um calendário anual bem rigoroso.

Em 1758, na 10ª edição de seu livro “Systema Naturae”, o botânico e médico sueco Karl von Linné (1707-1778) classificou todos os seres vivos até então conhecidos com as noções de gênero e espécie. Ele incluiu 39 espécies (14 mamíferos, 15 aves, 2 répteis e 8 peixes) das 1.370 catalogadas pelo astrônomo alemão Georg Marcgrave (1610 -1644), considerado o primeiro naturalista a estudar a fauna brasileira. Linné considerou os índios Guarani como "primus verus systematicus", dando, assim, o devido crédito à contribuição intelectual desta etnia à ciência da sistemática ou taxonomia, por cuja criação ele é internacionalmente reconhecido.

Os Guarai, em virtude da longa prática de observação da Lua, conhecem e utilizam suas fases na caça, no plantio e no corte da madeira. Eles consideram que a melhor época para essas atividades é entre a lua cheia e a lua nova (lua minguando), pois entre a lua nova e a lua cheia (lua crescendo) os animais se tornam mais agitados devido ao aumento de luminosidade.

Certa noite de lua crescente estava observando as constelações com os Guarani na ilha da Cotinga, Paraná. De repente, um deles me disse que seria melhor observarmos quando não houvesse Lua. Rapidamente, com meu conhecimento ocidental, respondi que estava de acordo, pois o brilho da Lua ofuscava o brilho das estrelas, embora conseguíssemos enxergar bem a Via Láctea. Ao que ele retrucou dizendo que, na realidade, o que o incomodava era a quantidade de mosquitos, muito menor quando não há Lua. Nunca havia percebido essa relação, que de fato existe, entre as fases da lua e a incidência de mosquitos.

Os Guarani que atualmente habitam o litoral também conhecem a relação das fases da Lua com as marés. Além disso, associam a Lua e as marés às estações do ano (observação dos astros e dos ventos) para a pesca artesanal. Segundo eles, o camarão é mais pescado entre fevereiro e abril, na maré alta de lua cheia, enquanto a época do linguado é no inverno, nas marés de quadratura (lua crescente e lua minguante). Em geral, quando saem para pescar, seja no rio ou no mar, os Guarani já sabem quais as espécies de peixe mais abundantes, em função da época do ano e da fase da Lua.

Até o ritual do "batismo" (nimongarai ou nheemongarai, em guarani), em que as crianças recebem seu nome, depende de um calendário luni-solar e da orientação espacial: o plantio principal do milho (avaxi) ocorre, geralmente, na primeira lua minguante de agosto. Após a colheita do milho plantado nessa época é que realizam o “batismo” das crianças. Esse evento deve coincidir com a época dos "tempos novos", caracterizada pelos fortes temporais de verão, geralmente o mês de janeiro. O nome dado à criança guarani vem de uma das cinco regiões celestes: zênite, norte, sul, leste e oeste. Cada região possui nomes típicos, representando a origem das crianças.

A astronomia envolveu todos os aspectos da cultura indígena. O caráter prático dos seus conhecimentos pode ser reconhecido na organização social e em condutas cotidianas que eram orientadas por rituais cujas datas eram definidas pelas posições dos astros.

A comunidade científica conhece muito pouco da astronomia indígena e da sua relação com o ambiente, patrimônio que pode ser perdido em uma ou duas gerações pelo rápido processo de globalização, que tende a homogeneizar as culturas e assim perder as nuances da diversidade. Esse risco ocorre, também, pela falta de pesquisa de campo e pelas dificuldades em documentar, avaliar, validar, proteger e disseminar os conhecimentos astronômicos dos indígenas do Brasil. Atualmente, há um grande interesse internacional na proteção e conservação do conhecimento tradicional e de práticas ancestrais de indígenas e das comunidades locais, para a conservação da biodiversidade.

Para os Guarani o Sol é o principal regulador da vida na Terra e tem grande significado religioso. Todo o cotidiano deles está voltado para a busca da força espiritual do Sol. Os Guarani, por exemplo, nomeiam o Sol de KUARAY, na linguagem do cotidiano, e de NHAMANDU, na espiritual.

Os Guarani determinam o meio-dia solar, os pontos cardeais e as estações do ano utilizando o relógio solar vertical, ou gnômon, que na língua tupi antiga, por exemplo, chamava-se Cuaracyraangaba. Ele é constituído de uma haste cravada verticalmente em um terreno horizontal, da qual se observa a sombra projetada pelo Sol. Essa haste vertical aponta para o ponto mais alto do céu, chamado zênite. O relógio solar vertical foi utilizado também no Egito, China, Grécia e em diversas outras partes do mundo.

Na cosmogênese Guarani, Nhanderu (Nosso Pai) criou quatro deuses principais que o ajudaram na criação da Terra e de seus habitantes. O zênite é o próprio NHANDERU e os quatro pontos cardeais representam esses Deuses: o norte é JAKAIRA, deus da neblina vivificante e das brumas que abrandam o calor, origem dos bons ventos; o leste é KARAI, deus do fogo e do ruído do crepitar das chamas sagradas; no sul, NHAMANDU, deus do Sol e das palavras, representa a origem do tempo-espaço primordial; e no oeste, TUPÃ, é deus das águas, do mar e de suas extensões, das chuvas, dos relâmpagos e dos trovões.

O calendário guarani está ligado à trajetória aparente anual do Sol e é dividido em tempo novo (ara pyau) e tempo velho (ara ymã). Ara pyau é o período equivalente à primavera e verão ocidentais, sendo ara ymã o período equivalente ao outono e inverno.


O dia do início de cada estação do ano é obtido através da observação do nascer ou do pôr-do-sol, sempre de um mesmo lugar, por exemplo, da haste vertical. O Sol sempre nasce do lado leste e se põe do lado oeste. No entanto, somente nos dias do início da primavera e do outono, o Sol nasce exatamente no ponto cardeal Leste e se põe exatamente no ponto cardeal Oeste. Para um observador no Hemisfério Sul, em relação à linha leste-oeste, o nascer e o pôr-do-sol ocorrem um pouco mais para o norte no inverno e um pouco mais para o sul no verão. Utilizando rochas, por exemplo, para marcar essas direções, os tupis-guaranis materializavam os quatro pontos cardeais e as direções do nascer e do pôr-do-sol no início das estações do ano.

Para os tupis-guaranis, a Lua (Jaxi, em guarani), principal regente da vida marinha, é considerada do sexo masculino, o irmão mais novo do Sol. A primeira unidade de tempo utilizada pelos tupis-guaranis foi o dia, medido por dois nasceres consecutivos do Sol. Depois veio o mês (também chamado jaxi), determinado a partir de duas aparições consecutivas de uma mesma fase da Lua. Os tupis-guaranis consideravam essa fase como sendo o primeiro filete da Lua que aparecia do lado oeste, ao anoitecer, depois do dia da lua nova (jaxy pyau), dia em que a Lua não é visível por se encontrar muito próxima da direção do Sol.

Além de serem utilizadas como calendário mensal, as fases da Lua serviam para orientação geográfica, pois a Lua brilha por refletir a luz do Sol, ficando a sua parte iluminada no lado em que se encontra o Sol. Entre a lua nova e a lua cheia (jaxy guaxu) o hemisfério iluminado aponta para o lado oeste, enquanto entre a lua cheia e a lua nova, a indicação é do lado leste. As fases da Lua também permitiam obter as horas da noite: o primeiro filete, depois da lua nova, aparece ao anoitecer, do lado oeste, e desaparece minutos depois, a lua crescente (jaxy endy mbyte) aparece desde o anoitecer até meia-noite, a lua cheia do pôr-do-sol ao nascer-do-sol e a lua minguante (jaxy nhenpytu mbyte) fica visível da meia-noite ao amanhecer.

Segundo d'Abbeville, "os Tupinambá atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois". Assim, mesmo antes dos europeus, os Tupinambá já sabiam que perto dos dias de lua nova e de lua cheia as marés altas são mais altas e as marés baixas são mais reduzidas do que nos outros dias do mês. O conhecimento da periodicidade das marés antes dos europeus pode ser explicado em virtude de a relação entre as marés e as fases da Lua ser melhor observada entre os trópicos, região em que se localiza a maior parte do Brasil.

Baseado em texto de Germano Afonso

domingo, 27 de dezembro de 2009

ASTROLOGIA PRÉ-COLOMBIANA


As civilizações pré-colombianas que viveram nas Américas atingiram um nível de conhecimento astronômico notável, como comprovam as inscrições que figuram em suas pinturas rupestres, bem como em suas estelas. Uma notável descoberta astronômica foi efetuada recentemente pela equipe do Museu Nacional, chefiada pela arqueóloga Maria Beltrão, na Bahia, onde se encontrou o que poderia ser talvez a mais antiga representação de um cometa associada a três estrelas, de brilho diferentes. Os registros de pintura rupestres, no Brasil, são muito freqüentes.


Na localidade de Pedra Lavrada, na Paraíba, existe uma representação das Plêiades, aglomerado aberto de estrelas que teve importância enorme na cultura indígena brasileira como marco inicial do período da chuva. Em Varzelândia, em Minas Gerais, existe uma representação de um Sol ao lado de um crescente lunar, que poderia estar associado à explosão da supernova do ano 1054, que os chineses registraram e que, segundo o astrônomo Miller, teria sido assinalada em pinturas rupestres elaboradas por antigos habitantes da América do Norte. Apesar de todas as descobertas arqueológicas efetuadas, ainda não fora assinalada nenhuma representação cometária tão notável. A completa ausência de uma linguagem, ou mesmo de um sistema de contagem, deixam os arqueoastrônomos totalmente desorientados quanto à interpretação, ao contrário do que ocorre com as inscrições legadas pelos maias e astecas. De fato, os maias, com seu sistema de contagem na base vinte, conseguiram resultados notáveis na determinação dos períodos de visibilidade dos principais astros, bem como na elaboração de um sistema de calendário muito preciso.


Os astecas e os maias foram, por razões religiosas, o que aliás ocorreu com todos os povos primitivos, observadores muito assíduos e cuidadosos dos fenômenos celestes. Eles sabiam reconhecer os planetas, avaliar, com notável precisão, a duração do ano, das estações e do mês lunar, o movimento do Sol, a revolução sinódica de Vênus, etc. Com auxílio destes conhecimentos, conseguiam prever eclipses da Lua e do Sol.

Além de observatórios azimutais que se baseavam na observação do nascer e ocaso dos astros no horizonte, construíram os primeiros observatórios zenitais, os quais permitiam observar o instante de culminação de determinados astros no céu. Convém lembrar que outros povos utilizavam, em geral, o primeiro sistema de observação, que tinha, como plano fundamental de referência, o horizonte.

Apesar dos seus instrumentos terem sido muito rudimentares, foi graças às observações minuciosas e repetidas que se tornou possível aos maias atingirem uma precisão notável na determinação dos períodos sinódicos de alguns astros, dentre eles o do planeta Vênus.

O valor do período sinódico de Vênus, intervalo de tempo que decorre entre duas posições iguais e sucessivas do planeta no céu, foi estimado em 584 dias segundo os maias, valor muito próximo do atualmente aceito 583,9 dias.

Uma das grandes preocupações dos maias foi seu interesse pela medida do tempo. Ao constatar que determinados fenômenos se repetiam a intervalos regulares, imaginaram que estes eventos deviam se reproduzir em outras datas.

Essa preocupação em datar tudo está muito bem assinalada nas inscrições de seus monumentos, aos quais põem as datas do início e fim em que foram elaborados.

Possuíam dois calendários: um solar, de 18 meses de 20 dias, e mais 5 dias complementares e, um outro, ritual, religioso, que compreendia 20 períodos de 13 dias, designados cada um deles por um nome particular precedido do número 1 ao 13. Um calendário semelhante era adotado pelos astecas.

O atual período de tempo decorrido entre o aparecimento de Vênus, como estrela da manhã, e como estrela da tarde, é muito próximo do valor do ano ritual de 260 (263 dias em média). Por outro lado, 3 ciclos de 260 dias são quase exatamente iguais ao período sinódico de Marte (779,94).

A associação desses dois calendários maias permitia a repetição dessa sequência idêntica a cada 18980 dias, correspondendo a 52 anos do calendário solar (52x365=18980) e a 73 anos do calendário ritual (73x260= 18980). Como a aritmética maia desconhecia as frações e, sendo os períodos astronômicos quase todos fracionários. Assim, o dobro do ano ritual (520 dias) era equivalente a três metades do ano eclipse de 346,62 dias (3x172,31=519,93), fator que deve ter sido importante nas suas previsões de eclipses.

Grande parte do conhecimento da civilização maia, que conhecia o conceito de zero antes dos ocidentais, perdeu-se nas mãos destruidoras dos conquistadores fanáticos, que se consideravam “donos” da cultura, da sabedoria e da verdade.

Baseado em texto de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

ORAÇÃO MAIA


CUT IP´IL K´INE C´K´AMIC A THAN YUM
Ao nascer o Sol recebemos tua palavra, Senhor


TUMEL YETEL U ZAZILE C´AHAL C´PATIC TU LACAL BAAL

Porque com sua luz despertamos e contemplamos tudo


C´ILICBA XANTUMEN PALALOOB XAN

Contemplamo-nos também porque somos teus filhos


LEBETICO CU ZAAZTALE C´K´UBCA TECH

Por isso, ao amanhecer, nos entregamos a ti


TIAL CA CALANTON. YETEL TOONE CANZAH TECH MIATZIL

Para que aproximes de nós e nos ensines tua sabedoria


A UICH CU PACTICON CU YILCOOM. YUM

É teu rosto que nos olha e nos contempla, Senhor


LEBETIC C´K´UBICBA T TECH TAA YETEL YUM HUNAB K´U

Por isso, nos entregamos a ti, Pai e Senhor Hunab K´u


YETEL TECH CU CU K´UBIC C´PALALOOB

E te entregamos nossos filhos


HEBXTU K´UBAHOON C´YUMOOB TI TECH

Como nossos pais nos entregaram a ti


YUM HUNAB K´U A UOHEL BAAX CA BETIC TETEL

Senhor Hunab K´u, tu sabes o que fazes conosco


TOONEC C´K´ATICTECH YUM HUNAB K´U CA A CANZAHOOB LE BEHO

Nós te pedimos, Senhor Hunab K´u, que nos ensines o caminho


ANTON YUM HUNAB K´U U TIAL CA ZUTNAG LE IN LAK´ECHO

Ajuda-nos, Senhor Hunab K´u, para que retorne esse amor fraterno


C´K´ATICTECH C´YUM HUNAB K´U TIAL MA ZATAL.

Te pedimos, Doador de Movimento e Medida, para não nos perder.


OH! YUM HUNAB K ´U!

Oh! Senhor Hunab K´u


Baseado em texto de Hunbatz Men
---------------------------------------------------------------------------------------


É importante pronunciar as palavras no idioma maia (mântrico). Revivendo a cultura maia estará cumprindo as profecias e fará parte desse ciclo, dentro do qual se manifesta o divino, e se tornará filho de HUNAB K´U em sua memória universal.

A DANÇA DO SOL


As tribos nômades das grandes planícies da Amérida do Norte tem uma sociedade menos complexa que a dos agricultores e edificadores do Mississipi, cuja civilização era, aparentemente, influenciada pelas culturas da América Central, embora prestassem atenção as estações e ciclos naturais.

Poucas tribos, como a Skidi Pawnee, apesar
de manter tradições elaboradas relacionadas às estrelas e cerimônias temporais de acordo com o movimento sazonal das constelações, parecem ter se interessado menos pelos solstícios. A maior parte das tribos, do Texas ao Canadá, do Mississipi às Montanhas Rochosas, particularmente a Nação Sioux, participam de uma cerimônia comum - a DANÇA DO SOL, tradicionalmente comemorada no período da lua cheia mais próxima do solstício de verão. Nesta ocasião, as pessoas acampam em círculos ao redor de uma árvore de algodão - a coluna do Sol - e constróem um pavilhão circular, o Pavilhão da Dança do Sol, com 28 colunas. A coluna central representa WAKAN-TANKA, o centro de todas as coisas. A entrada é orientada para o leste, na direção do nascer do Sol no equinócio. A cerimônia completa demora dezesseis dias: oito de preparação, quatro de realização e quatro de abstinência. Trata-se de um período de renovação, cura, purificação e oração. O propósito que têm ao realizar a Dança do Sol é a renovação de seu povo e de seu mundo. O período em que se realiza o rito, na metade do verão, quando o Sol está mais alato no céu e os dias são mais longos, é muito importante.

Thomas Mails, pastor luterano, que escreveu muito sobre as tradições espirituais dos nativos norte-americanos, descreve o ponto alto dessa cerimônia:

"Quando a Dança do Sol é realizada corretamente, no último dia e algumas vezes por outros dias, cada um daqueles homens é perfurado por dois espetos de madeira (algumas vezes, garras de águia) colocados sob a pele do tórax. Então, esteas espetos ssão presos a uma corda resistente e a outra ponta desta corta é amarrada na Coluna do Sol. Os homens, em um círculo em volta da Coluna do Sol, vão para frente quatro vezess, rezando e tocando a coluna, e depois jogam-se para trás com força, até que os espetos se quebrem ou saiam da pele. Um método alternativo é colocar dois espetos sob a pele da parte superior da omplata. Estes espetos são, então, amarrados às cabeças de grandes búfalos por tiras de couro. Os animais são arrastados ao redor do círculo até que o peso deles solte ou quebre os espetos."

É difícil para nós entendermos a importância cerimonial da dor e do auto-sacrifício no contexto dessas culturas nativas. Europeus e norte-americanos tendem a negar ou evitar o sofrimento e a morte a todo custo. No entanto, para os índios, estes são fatores essenciais da roda da vida. Não hás vida sem sacrifício, dor e morte. A Dança do Sol é uma oportunidadae de agradecimento e renovação, e o sacrifício da carne reafirma este profundo comprometimento.

Os indios Witchita, do Kansas, construíam suas vilas ao redor
do Círculo do Conselho, que consistia de uma colina central rodeada por uma vala em forma elíptica. O arqueólogo Waldo Wedel, do Instituto Smithsonian, investigou três desses círculos localizados em Rice County, em 1967, e descobriu que são equivalentes: estão distantes um do outro cerca de 1,5 km e os traçados de ligação de um ao outro estão alinhados com o nascer do sol no solstício de verão e com o pôr-do-sol no solstício de inverno. Wedel notou, também, que um dos círculos, chamado Hayes, tem o eixo maior voltado para a direção do nascer do sol no solstício de verão. O eixo do outro círculo, chamado Tobias, foi posicionado na direçeão do pôr-do-sol no solstício de verão.

Mais distante, na direção oeste, ao longo da face oriental das cadeias rochosass, estendendo-se do norte do Colorado ao Canadá, localizam-se o restante de 50 círculos de pedras, conhecidos como Roda de Cura. Cada um deles é composto por pequenas rochas e está centralizado em uma pilha de rochas. sa maior parte das rodas são radiadas, e, em muitos casos, os raios são orientados de acordo com posicionamentos astronômicos. O círuclo mais bem estudado até agora foi o Bighorn Medicine, localizado na montanha Medicine, perto de Sheridan, em Wyoming, que incorpora o nascente e o poente no solstício de verão e também dois alinhamentos estrelares. O círculo Fort Smith Medicine localiza-se na Reserva Crow Indian, ao sul de Montana, cujo raio mais longo aponta na direçaõ do nascer do sol no solstício de verão. Já a roda chamada Moose Mountain Medicine, localizada em Saskatchewan, assinala o mesmo evento celestial que a roda Bighorn. Aroda Bighorn Medicine tem 28 raios, o mesmo número de colunas do tradicional pavilhão da Dança do Sol.

É difícil precisar a data da construção dessas rodas de cura, bem como quem foram seus construtores ou para que eram usadas. No entanto, parece que estão relacionadas aos rito sazonais como a Dança do Sol, na qual se reuniam tribos de diferentes lugares para vários dias de celebração, cerimônias e orações dirigidas ao Sol e aos Espíritos.

Baseado no texto de Richard Heinberg

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

WARACHIKU - A Iniciação dos Jovens no Solstício de Verão

Os jovens que acompanharam os líderes à festa de Qhapac Raymi e aqueles que residiam na própria Cuzco, passavam a noite ao pé da colina onde estava o Templo do Sol.

No dia seguinte, ao nascer do sol, os rapazes eram levados em procissão para o alto da colina e, pela primeira vez, participavam dos sacrifícios rituais conduzidos pelo próprio Sapa Inca. E, assim, começava a FESTA DE INICIAÇÃO: um conjunto de ritos e provas que tinham a finalidade de admiti-los como membros adultos e responsáveis no seu clã, provando serem capazes de desempenhar as funções que lhes seriam confiadas para o bem do ayllu (clã).

No final desses rituais, perante as imagens dos deuses e das múmias, os sacerdotes do Sol entregavam a cada rapaz a sua huaracá (funda de guerra) e sua mirca uncu (veste colorida, bordada de branco e vermelho, com cordões azuis terminados em borlas vermelhas), um gládio de pau de palmeira e uma lança. Eles, então, em conjunto, brandiam as armas, prestavam homenagem aos deuses e às múmias de seus ancestrais e juravam obediência ao Inca.

A seguir, as jovens mocinhas se aproximavam dos sacerdotes e recebiam suas vestes próprias de mulheres adultas: o asco (um vestido comprido e uma pequena blusa) e a Iliclla (espécie de mantilha). Ganhavam, então, o título de SAPAY COYA NUSTA (princesa virgem) ou simplesmente NUSTA (virgem). A presença delas servia como encorajamento para os rapazes. Ao fim de cada prova, elas também eram encarregadas de dar de beber aos participantes e para tanto, muniam-se de cântaros contendo chica. Era o momento de cada uma mostrar quem era seu preferido e estimulá-lo para as provas seguintes.

Já com vestes e suas armas, os jovens desciam para o vale, onde seus pais e os chefes dos ayllus os aguardavam. Esses, então, tocavam nas pernas deles com as fundas dizendo:

"SEJA VALOROSO COMO NÓS TEMOS SIDO.

SEJA JUSTO E RETO, HERDEIRO DA HONRA DE SUA RAÇA.

MOSTRE-SE DIGNO DOS SEUS ANTEPASSADOS!"

Com essas invocações terminavam os ritos preparatórios. Os rapazes iam, então, para um campo afastado da cidade, preparado para eles passarem aquela noite, onde encerram o dia com danças. As nustas levaram-lhes chica e os estimulavam para os dias seguintes, quando começariam as lutas esportivas, a exercícios e a cerimônias religiosas.

Ao amanhecer, os participantes deveriam correr até o santuário de Anahuarca, a três quilômetros dali, no alto de uma colina, onde era cultuado o Deus Falcão. As nustas já os aguardavam lá, estimulando-os com palavras e gritos.

As provas esportivas se alternavam com cerimônias de sacrifícios. O ponto de partida e de chegada eram sempre santuários que comemoram a lembrança de episódios religiosos ou históricos incas. Ao fim de cada prova, os anciãos fustigavam os jovens, para ensinar-lhes a disciplina e a idéia do sacrifício. O dia encerrava-se sempre com mais danças, festas e cânticos.

O vigésimo primeiro dia era o mais importante: os jovens eram levados para o alto da colina de Yavira e, após grandes sacrifícios às divindades dos ayllus, o Sapa Inca entregava a cada um as insígnias de seu clã e brincos com as cores e símbolos próprios.

A Festa da Iniciação terminava com a cerimônia da purificação, quando os jovens banhavam-se nas águas sagradas de Calizpulquio. Em seguida, eram-lhes furadas as orelhas para a colocação dos brincos. E, por fim, eles iam, com uma grande pompa, buscar a imagem de HUYANA PUNCHA ("o dia novo"), depositada no templo do outono enquanto duravam as festas de iniciação, e levá-la templo do Sol.

Após isso, cada chefe pegava a sua múmia e acompanhado pelos novos adultos – rapazes e moças –, voltavam à sua região.

QHAPAC RAYMI - Solstício de Verão andino

Em ABYA-YALA (América Andina), a cosmovisão natural informa que a Terra e a vida dependem do SOL. Por isso, os solstícios e equinócios são as principais festividades.

De agosto a setembro os campos são arados. Assim, quando chegava o equinócio da primavera, a terra está nua; o solo mostra a cor da terra pura, cheia de sulcos, pronta para receber a semente. Acontece, então, o KOYA RAYMI – a Festa da Rainha, marcando o início do ano agrícola. Nessa festa, os homens cavam, enquanto as mulheres semeiam os grão, pedindo que Pachamama acolha suas sementes e que Inti, o Sol, ajude a obter boas colheitas.

Entre outubro e novembro, começam a surgir os primeiros brotos. As crianças e jovens são, então, encarregados de espantar os pássaros, enquanto as mulheres e mocinhas têm o encargo de manter as valas de irrigação desimpedidas. A principal preocupação neste período é proteger as plantas que começam a germinar.

Em dezembro, os andinos cuidam dos tenros pés de milho e plantam a coca – cujas folhas, quando mascadas, atuam como estimulador. E é nesse contexto que acontece o solstício de verão: a semente brotou do ventre da Terra, que a alimentou e, agora, é uma planta pequenina mas cheia de vida, beleza e fortaleza. E isso faz o povo festejar a NOVA VIDA: plantas, crianças e jovens são lembrados no festival de QHAPAC RAYMI – O GRANDE FESTIVAL DA NOVA VIDA.

O ritual do QHAPAC RAYMI, antigamente era celebrado com mais majestade que atualmente. Pois como se trata de uma festividade dedicada à continuação da vida, estava explicitamente dedicada às novas gerações, às crianças e particularmente aos jovens que, durante esse festival, passavam pelo Grande Ritual, tornando-se parte viva, ativa e sujeito da sociedade.

Durante o ritual, consagrava-se, também, os recém-nascidos e os adultos presenteavam as crianças com roupas e as ferramentas mais essenciais para que se tornem os CONTINUADORES, assim como lhes eram ensinados os valores e as danças típicas do povo. Desta forma, iam transmitindo de geração em geração o compromisso natural com a vida e com o clã.

Duas semanas antes do Qaphac Raymi, todas as regiões preparavam suas múmias, cobrindo-as com novos mantos coloridos e novas jóias. Os chefes de cada ayllu (clã) – acompanhado pelos nobres locais e por todos os rapazes púberes e mocinhas em menarca (eram chamadas de nustas) de seu clã –, as carregavam nas costas, em procissão solene, até Cusco, onde eram colocadas no INTIHUASI – Templo do Sol. O próprio Sapa Inca, vestido a rigor, as recebia com a devida reverência.

No dia do solstício, antes do alvorecer, cada chefe colocava sua múmia nas costas e, acompanhado apenas pelos nobres de sua região, as levava até a praça central de Cuzco – a Huacaypata, o coração da cidade e de todo o Tawantinsuyo. Ali, eram colocadas sobre um dossel de plumas, voltadas para o ponto onde o sol nasceria, e às suas costas ficavam o chefe e os nobres que a representavam. O Sapa Inca, vestindo uma túnica de lã de vicunha bordada de ouro e prata, com braceletes de ouro nos punhos e tornozelos e usando o llauto (coroa emblemática inca, insígnia da raça) sentava-se no tiyana (banco de ouro) para, junto com as múmias, esperar em silêncio, o aparecimento do PUNCHA INCA, o "Senhor do Dia": o Sol.

Logo que os primeiros raios acariciavam o cume das montanhas, o Inca se levantava à frente dos nobres e entoava o hino de Inti. Depois, sentava-se novamente no tiyana e os chefes dos clãs repetiam, em coro, o canto sagrado, cujo ritmo se acelerava à medida que o Sol se elevava no horizonte, ao mesmo tempo, inclinavam-se e levantavam-se alternativamente, de olhos fitos no astro que subia sobre os cumes.

Usando seu bracelete de ouro, o Sapa Inca fazia os raios de sol concentrarem-se sobre a palha de uma fogueira e, assim, acendia o fogo sagrado, que seria mantido por todo o ano, no Templo do Sol. Nessa fogueira, os servidores lançavam os lhamas e porquinhos-da-índia imolados.

Durante toda a manhã, duzentas Nustas (virgens) vinham trazendo cada uma um cântaro de uma bebida de fermentado de milho e um ramalhete de folhas de coca. Coroadas de flores, entravam em fila de cinco no adro em que se iam realizar os sacrifícios.

À tarde, efetuavam-se outras tantas cerimônias. Ao fim do dia, traziam pás de ouro e o Sapa Inca trabalhava a terra com uma delas. Depois dele, todos os chefes de clãs faziam o mesmo.

Ao se aproximar o entardecer, os cantos alegres eram substituídos por tristes e melancólicas melodias, enquanto o Sol desaparecia por trás da cordilheira. Os assistentes erguiam as mãos para o céu, em sinal de súplica e se prosternavam para adorar o astro evadido. Escoltadas pelos nobres, as múmias dos Incas, voltavam então para a Intihuasi.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

AYVU RAPYTA - Os Fundamentos do Ser


AYVU RAPYTA já foi traduzido por Tupã Kuchuvi como "OS FUNDAMENTOS DA LINGUAGEM HUMANA". Para o pensamento guarani, ser e linguagem, alma e palavra são uma coisa só. a palavra "ayvu" expressa o espírito como som vivo, sopro-luz primeiro, aquilo que é eterno em cada indivíduo e que vivifica o corpo e manifesta-se no reino humano sob a pele da palavra, pelo sopro que a preenche.

O espírito-sopro, a vida-luz, que é em essência o ser humano, de acordo com a visão guarani, desdobrou-se em três: ayvu ("espírito"), ñe'eng ("alma") e tu ("som-matéria, corpo").

A tradição guarani diz "ñe'eng" para designar a fala humana e aplica-o também para o cantar das aves, o chilrear dos insetos, etc. No entanto, dependendo do momento, esse significado se aprofunda: "ñe'eng" ganha o sentido de porção divina da alma, palavra-alma, assim como e'en'g-ey é o espírito que os Seres-Trovão (deuses) enviam para que se encarne em um ser que está para nascer, segundo os registros de Tupã Kuchuvi.

A palavra-poema de um pajé anuncia a hierarquia divina, desdobrada do Grande Mistério, que viria co-criar o Universo e, sobretudo, o ser humano. Este é percebido como "alma-palavra" - é o que se expressa mediante a linguagem e por meio do pensamento. Ser e som têm o mesmo sentido. Para essa percepção é necessário ampliar o nosso conceito de som para além da vibração sonora; percebê-lo como corpo-vida, princípio dinâmico da luz, cuja forma denominamos "consciência".

Léon Cadogan, antes de tornar-se Tupã Kuchuvi, disse que havia sido justamente essa a parte que o havia levado a penetrar fundo, durante anos, a fim de compreender a cultura Guarani. Disse ainda que permaneceu seis anos transcrevendo hinos, conselhos e mitos. Um dia, na aldeia, perguntou a Pablo Werá:

- Se tivesses discorrendo sobre as ñe'e porã tenondê (as Palavras Formosas) e teus netos te perguntassem o significado de "ayvu rapyta", o que responderias?

- "Ayvru rapyta oguero-jera, oguero-yudra, Ñande Ru tenondê ñen'ey mbyterãs" (O ser fundamenta-se no fato de ter sido desdobrado do nosso Pai Primeiro, o ser fez-se parte da divindade primeira como medula, palavra-alma, da coluna do Criador).
O Ser emerge do Todo, mas nao se desfaz do Todo. Da mesma forma que o Todo se desdobra em dimensões (sete) e mundos (três), o Ser acompanha. No Mundo-Céu, o Ser e o Todo manifestam-se como unidade; no Mundo-Terra, o Ser e o Todo manifestam-se como diversidade; no Mundo-Intermediário, o Ser e o Todo manifestam-se expresssando a marca do masculino (jequaka) e a marca do feminino (jasuka) e colocando a vida em movimento. Esses três mundos acontecem de modo interdependente e fundamentam o Ser.
As dimensões do Ser vibram em tom de sete notas ancestrais, incluindo-se o silêncio. Essas cordas vibrantes interpenetram-se, gerando a música da vida, totalizando o Ser.


Baseado em texto de Kaka Werá Jecupé

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

MAÍRA

NANDERUVUÇU OU PETEÍ, PYTY AVYTEPY AÑOÜOJICUAÃ
- História da criação do mundo e dos seres -

Antes, só os morcegos eternos voavam na escuridão sem começo. Veio, então, Nanderuvuçu, que se descobriu sozinho a si mesmo e esperou. Chegada a hora, ele juntou as mãos em concha, soprou dentro o seu alento, abriu os olhos e lançou do olhar uma luzinha... Na penumbra daquele ventinho morno, ele foi inventando suas criações.

Começou fazendo as terras altas e baixas, sustentando-as com escoras. Depois abriu rios e lagos. Pôs, então, nas águas novas, as primeiras criaturas: os Juruparis, seus prediletos. a eles deu a flauta-vivente - Jacuí - para terem música; também deu os peixes para pescar e até roçados para comerem com fartura. Os Juruparis mesmos são meio peixes, da cintura para baixo, e meio gente, da cintura para cima. foi também a eles que Naderuvuçu deu a noite que dormia no fundo das águas mais profundas...

O Velho criou, em seguida, os Curupiras, que andam por aí até hoje, escondido nas matas. São gente incompleta. A um falta uma perna; outro tem os pés voltados para trás. Esse tem um olho só; aquele tem olhos fora do lugar. Sua ocupação é comer a alma dos que se perdem à noite na mata.

Só depois dos Juruparis e dos Curupiras, Nanderuvuçu aprendeu a criar gente inteira. Criou, então, nossos avós - os Mairum Ambir. Mas os fez sem maldade nenhuma. Não havia homens nem mulheres, todos eram iguais. E não tinham ânus: comiam e vomitavam pela boca para tornar a comer. Mas todos tinham uma vulva dentada como boca de piranha, que só servia para ter coito com Nanderuvuçu.

O pênis do Velho era uma cobra-raiz que crescia por debaixo da terra. Bastava dar três pancadinhas em qualquer lugar para surgir ali o pênis de Nanderuvuçu, pronta para sururucar. Quem sururucasse, gozava e dava gozo a Nanderuvuçu. Só que, depois, tinha que mijar num pode. Passados cinco dias, aquela urina fermentada criava uma criança pequena como uma piaba, que ia crescendo, devagar, na água que se botava para ele todo dia.

Foi também Nanderuvuçu quem criou os bichos todos. Desenhava com cuidado até gostar. Aí soprava seu alento sobre o desenho e o bicho levantava espantado. Ele ia enxotando, mandando embora - "Xô! Xô!"

Mas não eram animais como os de agora. Todas as criaturas viviam em aldeias e falavam suas línguas como gente. A cada uma o Velho deu uma prenda para ser seu orgulho. O Urubu-Rei recebeu o fogo; o Veado, o sal. Um passarinho azul - o Ouimeê - ganhou a pimenta; o Sapo-Cururu, o fumo. A Irara era a dona do mel; Mutum, do jenipapo; a Aranha, do algodão; a Arara, do urucum. Cada coisa boa era de um bicho, que não repartia com ninguém.

Aquele mundo do Velho não tinha dia nem noite, somente penumbra. E tinha pouca comida. E Nanderuvuçu gostava de fazer brincadeiras duras com suas criações. Só queria divertir-se. Umas vezes mandava um aguaceiro que inundava tudo e as gentes, os bichos e os Curupiras tinham que lutar para não vivarem rãs. Outras vezes fazia chover fogo, as árvores e as macegas queimavam; as gentes, os bichos e os Curupiras passavam muito calor; só os Juruparis, que viviam dentro d'água, não sentiam nada. Fosse o dilúvio de águas ou fosse cataclismo de fogo, eles estavam sempre bem, olhando lá do meio das suas lagoas e rindo muito da luta do povinho. O Velho, esse, então, chegava a perder o fôlego nas gargalhadas que dava. O barulhão das risadas dele era o de trovoadas com raios e coriscos. Enchia de medo o coração daquele povinho.

Um dia, o Velho Ambir quis sentir suas criações. Arrotou e lançou o arroto no mundo para ser seu filho. O arroto girou vagaroso pelos ares, navegando no escuro e olhando as coisinhas mais quentes que pulsavam, vivas, lá embaixo. Viu, então, no meio da penumbra, uns seres maiores que se destacavam, imponentes. Eram as árvores esparsas! Desceu numa delas, entrou bem no cerne. Daí de dnero começou a provar o sentir das árvores. Baixou pelas raízes que desciam e com elas comeu terras e bebeu águas. Ergueu-se, depois, com o tronco ereto, orgulhoso de si, subindo e se esgalhando e se abrindo em ramos. Circulou com a seiva e sentiu, lá em cima, a grande fronde de folhas mil, vibrando ao vento.

Muito tempo esteve Maíra gozando naquele ser esgalhado, folhento, o sentimento de ser árvore. Gostou. Principalmente das palmeiras que sobem eretas para abrir seus leques no mais alto. Dá gosto subir pelo parafuso troncal acima, sentindo a dor das cicatrizes de tantas folhas que morreram para a palmeira crescer e dar cocos.

Daquele capão da mata, Maíra fez nascer outro e depois outro e outros, para sentir mais o mundo das árvores. Assim fez a floresta enorme, a selva selvagem, cobrindo tudo de árvores sem conta. Através delas, sentia as terras de diferentes gostos, os frios das águas subterrâneas, o canto dos rios, a paz as lagoas, mas sobretudo, os ares e seus ventos farfalhantes. Por tempos e tempos, Maíra verdejou, sentindo o mundo como floresta e fazendo a floresta crescer sobre o mundo.

O filho do Velho Nanderuvuçu, multiplicou-se, assim, pela primeira vez, como árvore e floresta. Depois, dizem, experimentou ser vários outros seres. Mas voltava sempre ao grande ser folhudo que lhe dava mais contentamento: a mata. Com ela, se estendia, lançava mais frondes pelo ar; mais caules para ao céu; mais raízes terra adentro.

O filho de Nanderuvuçu estava ali, disperso, quando viu um dia, passar por perto nosso antepassado Mosaingar, que chamou sua atenção. Maíra gostou, quis ver o mundo com seus olhos. Baixou, vestiu-se na pele de Mosaingar e, bem dentro dele, fez para si mesmo um oco, um útero. Lá dentro, sentado, percebeu a simetria dos lados esquerdo e direito - com tudo duplicado, mas diferente, invertido - daquele Avô que seria sua mãe. Sentiu, primeiro, a estranheza daquele corpo de pele lisa, desnuda de pelos, mas encabelado aqui e ali. Depois, os pés também nus, descalços de cascos, pisando no chão com os dedos abertos, flexíveis. Admirou as duas pernas sustenando, sozinhas, o corpo ereto, esbelto. Gostou dos dois braços estendendo-se em mãos opostas, que se abrem em dedos hábeis e se arrematam em unhas, sem agressividade de garras. Experimentou, com prazer, a amplitude da caixa dos peitos com seus foles de respirar.

Descobriu, então, encantado, a cabeça móvel com suas fendas de ver, de ouvir, de cheirar, de provar. Parou al i para melhor gozar Mosaingar através dos sentidos. Percebeu então, com gozo, que o corpo todo se sentia, sabendo bem como e onde estava cada uma de suas parates inumeráveis. Sentiu que Mosaingar era a melhor criação de Nanderuvuçu.

Um dia, Maíra pediu a Mosaingar - que seria sua mãe - que colhesse e provasse uma fruta ali bem na frente. Mas ele bateu na barriga e disse: "Não! Filho que ainda não nasceu não fala!"

Maíra se zangou também. Agarrou os miúdos de Mosaingar e começou a puxar e repuxar para obrigá-lo a obedecer. Afinal, Mosaingar, não suportando a dor, pegou aquela fruta para morder, mastigar e engolir. Reconehceu que era boa, que se podia comer. Logo depois Maíra quis sentir a forma e o cheiro da flor.

Estava Maíra nesses trabalhos de conhecer e provar o mundo dos Antigos quando viu correndo ali, pelo mato, e fazendo caretas engraçadas, um bichinho à toa; esse gambazinho fedorento, o Micura-sarinqüê. Ele achou engraçado, gostou e pensou lgo:

- Aí está quem há de ser meu irmão gêmeo!

Chamou o Micura para dentro do oco da barriga de Mosaingar. Mas Mosaingar não queria que entrasse e se trancava, fechando as pernas, apertando as coxas. O pobre do micura cumprindo a voantade de Maíra subia, subia... Mosaingar gritava que não, batendo em Maíra na barriga e mordendo o micura com a vagina dentada. Maíra perdeu a paciência e teve que quebrar, do lado de dentro, toda aquela dentatura para o irmão entrar. Micura, afinal, entrou e gosto do quentinho lá de dentro. Ficou enrodilhado, olhando para Maíra e Maíra olhando prá ele.

Ali ficaram os dois, conversando e crescendo. Às vezes brigavam. Um dia Maíra reclamou que aquele mundo lá de fora era feio demais, escuro demais... Por isso ele queria voltar atrás, para a morada de Nanderuvuçu. Queixava-se muito, lamentava-se e começou a chorar, dizem. Micura escutava, enrolado no seu cantinho do útero de Mosaingar. Depois disse:

- Esse mundo ai fora é o meu. Não tenho outro. Vou é sasir para fora e viver nele. Vou fazer o que puder. Minha morada é ai. Lá para trás não há nada. Eu não choro, brigo.

Maira olhou para ele, admirado daquela coragem de viver, achou bom e pensou que talvez pudesse melhorar a criação de Nanderuvuçu. E disse:

- Vamos nascer, Micura?

Deu uma volta ínteira no útero de Mosaingar, que se agachou de dor, pensando que já era hora de parir. Pôs a mão no ventre e perguntou:

- Filhos de não sei quem, já vou parir? Veja bem, você nasce sem pai. Não sururuquei com o pênis de Nanderuvuçu. Como é que você vai nascer, se não é filho dele?

Maíra, lá de dentro, respondeu:

- Ora, Mosaingar, nossa mãe, não se importe. Você vai parir dois gêmeos. Não somos filhos de eus. Somos filhos do Velho. Somos os pais do homem que há de ser.

Maíra e Micura nasceram paridos como gente no meio dos mairuns.

Fragmento de "Maíra", de Darcy Ribeiro.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

TESTEMUNHO QUÉCHUA

Que arco-íris é este negro arco-íris
que se levanta?
Para o inimigo de Cuzco horrível flecha que amanhece.
Por toda parte granizada sinistra golpeia.


Meu coração pressentia
a cada instante,
até em meus sonhos, assaltando-me,
em sono profundo,
a mosca azul anunciadora da morte;
dor interminável.



O sol torna-se amarelo, anoitece,
Nuvens do céu já estão ficando negras;
a mãe Lua, angustiada, com o rosto enfermo,
torna-se pequena.
E tudo e todos se escondem,
desaparecem, padecendo.


As lágrimas em torrentes, juntas,
se recolhem.
Que homem não cairá em pranto
por quem amou?
Que filho não há de existir
para seu pai?


Gemendo, dolente, coração ferido,
sem glórias.
Que pomba amante não dá seu ser
ao amado?
Que delirante e inquieto cervo selvagem
a seu instinto não obedece?


Lágrimas de sangue arrancadas, arrancadas
de sua alegria;
espelho vertente de suas lágrimas,
retratai seu cadáver!
Banhai todos, em sua grande ternura,
vosso regaço.


As nobres escolhidas se inclinaram, juntas,
todas de luto,
o Huillaj Umu se vestiu de seu manto
para o sacrifício.
Todos os homens desfilaram
para suas tumbas.


Mortalmente sofre sua tristeza delirante
a Mãe Rainha;
os rios de suas lágrimas saltam
sobre o amarelado cadáver.
Seu rosto está duro, imóvel.


Sob estranho império, acumulados os martírios,
e destruídos;
perplexos, extraviados, negada a memória,
sozinhos;
morta a sombra que protege,
choramos;
sem ter a quem ou aonde nos voltar,
estamos delirando.


Suportará teu coração,
inca,
nossa errante vida
dispersada,
pelo perigo sem conta
cercada, em mão alheias,
pisoteada?


Teus olhos que como flechas de felicidade feriam
abre-os;
tuas magnânimas mãos
estende-as;
e com essa visão fortalecidos,
despede-nos


Cântivo de Apu Inca Atawallpaman
clamando, contemplando a destruição de um mundo,
a desolação de um povo naufragado no descaminho e na escravidão.