quarta-feira, 27 de julho de 2011

NÓS, O RIO, OS MONTES, O MUNDO E TUDO


Declarações de um jovem quechua, em La Paz, na Bolívia, sobre a diferença entre a forma como o branco e seu povo pensa o mundo e se pensa nele:

Os brancos pensam tudo opondo uma coisa à outra. E isto está certo para muitas coisas, porque o quente é o oposto do frio assim como o alto é o oposto do baixo. O destino de alguns opostos é o complemento e assim são o homem e a mulher, o inverno e o verão e a noite e o dia. Mas os homens brancos quase sempre pensam os opostos como coisas separadas uma da outra e as duas de algum tipo de todo, de que são parte e que lhes dá sentido. Por exemplo: entre os brancos se diz "meu quarto" por oposição a todos os outros quartos de uma casa; "minha casa", por oposição a todas as outras de uma mesma rua; "a minha rua", por oposição às outras ruas de um bairro; "meu bairro", por oposição a todos os bairros de uma mesma cidade; "a minha cidade", por oposição a todas as outras. Ou então se diz "cidade" e a imagem é a de alguma coisa que o homem fez e separou dos rios, das matas, dos montes e das cordilheiras. Assim, ele diz que há um Deus, por oposição a tudo o mais, e que ele criou "o céu e a terra", mas está no céu e deixou terra os homens. A terra é um criação de Deus, mas é separada dele e dos homens. É profana, é para "fazer coisas" e pode ser possuída, comprada ou vendida. Por isso, os brancos inventaram o arame e a cerca. Cercam as casas e os campos, separam tudo de tudo e dão uma importância enorme em saber "o que é de quem".

Os índios da minha gente pensam as mesmas coisas ao contrário. O meu quarto existe entre os outros e eles e outros cômodos formam uma casa. As casas só podem ser pensadas junto com s outras, no ayllu, na aldeia. As aldeias todas juntas são o lugar de um povo e não se separam do mundo à volta delas. Assim como meu quarto se continua na casa e a minha casa, nas outras e todas na aldeia, a aldeia e os seus caminhos são parte das terras de batatas e milho, dos pastos do gado, dos bosques. E tudo isso existe dentro dos mesmos círculos de vida em que estão os rios e se prolonga pelos montes e pelas cordilheiras. E vai além, por todos os círculos da terra, das águas, dos espaços em que existem lugares e tempos e seres vivos. Assim, quando penso no meu quarto, só consigo imaginá-lo "num círculo de círculos", onde tudo se continua e complementa.

Por isso, para o índio não é difícil pensar que ele mora, o mesmo tempo, em uma choupana, em um aldeia, em um lugar natural do altiplano, nos montes, nos rios e tudo e na Terra inteira, e no universo e nas estrelas.

Os brancos parece que só se sentem vivendo n o que possuem e por isso "ser dono" é tão importante. Eles são muito inseguros e sofrem muito por isso. O Deus deles está muito longe nos céus, que é o oposto da terra. Por isso, ele precisa ser invocado poderosamente, para escutar as súplicas dos seus filhos. Alguns dizem que Deus está dentro de seus corações, mas eu acho que eles não crêem nisso, porque senão não seriam tão amedrontados, mesmo quando parecem ser tão poderosos. Nossos Deuses não, eles estão ai pelos montes e convivem conosco por toda a parte. Os nossos Deuses não estão em, eles são. A própria terra é nossa mãe e ela é viva e, por isso, é fecunda e nos alimenta: "Pachamama".

Texto de Carlos Rodrigues Brandão

sexta-feira, 1 de julho de 2011

ACAMPAMENTO INDÍGENA REVOLUCIONÁRIO - AIR



O Acampamento Indígena Revolucionário (AIR), alvo de contínuas ações policiais e para-policiais a serviço do GDF e do Governo Federal, instalado há sete meses defronte ao Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, contra o Decreto Presidencial 7056/09 e exigindo a exoneração imediata de Márcio Meira da Presidência da Funai e de toda a sua cúpula, apresentou, desde o começo, a sua pauta de reivindicações - conhecida como “Os 11 Pontos do AIR” - ao Povo Brasileiro, à imprensa nacional e estrangeira e aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário Nacionais.

Mesmo acreditando que a luta do Movimento Indígena Revolucionário levará inexoravelmente à derrubada do tirano Márcio Meira e de toda a sua cúpula da presidência da Funai e à revogação do Decreto Presidencial 7056/09, as lideranças Indígenas Revolucionárias, pautadas pelo bom senso, sempre souberam ser tarefa quase impossível destituir a Casa Civil e o Ministério da Justiça de um Presidente de República que conta com mais de 80% de aprovação popular (hoje com 77%, segundo a imprensa). Porém, os acontecimentos das últimas semanas, somado aos pleitos nascidos das discussões do Congresso Indígena Permanente, sediado no Acampamento Indígena Revolucionário, Esplanada dos Ministérios, obrigaram a adoção de mais quatro pontos na pauta do AIR, sendo eles: A) a exoneração imediata do representante do CIMI (Conselho Indígena Missionário) no Gabinete Pessoal da Presidência da República, Paulo Maldus, e a exoneração imediata do Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, de todo o seu Gabinete e de todos os seus assessores diretos, incluindo a destituição do chefe da Segurança do Ministério da Justiça; B) a criação urgente de uma Comissão, nomeada pelo CNDI (Conselho Nacional de Política Indigenista), para monitorar e fiscalizar a gestão dos fundos da PPTAL (Projeto Integrado da Proteção às Populações Indígenas da Amazônia Legal), cerca de 22 milhões de dólares hoje sob a responsabilidade da atual gestão da Funai; C) a criação de um Colegiado Eleitoral Indígena - somando a população de todos os indígenas adultos, aldeados e urbanos, do Brasil - para Eleição Direta para a Presidência da Fundação Nacional do Índio, sendo que o Presidente da Funai terá mandato de três anos e total independência do Ministério da Justiça e da Casa Civil da República; D) a extinção imediata do Projeto DOBES, que privatiza, sem consulta prévia, o acesso às matrizes - registros - das Línguas Indígenas Brasileiras, com o Estado Nacional entregando à iniciativa privada estrangeira o mais precioso patrimônio imaterial dos povos indígenas brasileiros - a LÍNGUA - e cometendo, assim, crime de lesa-humanidade.

AS 15 REIVINDICAÇÕES DO ACAMPAMENTO INDÍGENA REVOLUCIONÁRIO (AIR)

1) Revogação do Decreto Presidencial 7056/09, publicado em 28 de dezembro de 2009, “privatizando” a Funai e extinguindo Postos Indígenas, Administrações Regionais do órgão e direitos adquiridos - violando, ainda, a Constituição Brasileira, o Estatuto do Índio, os Direitos Humanos e as convenções internacionais às quais o Brasil é signatário. A Revogação desse Decreto se dá em função da ausência de ampla publicidade que deveria antecedê-lo e a grave ofensa a inúmeros interesses indígenas identificados após a sua edição, contrariando a imposição constitucional exposta nos artigos 231 e 232 e na Resolução 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário), que determinam ser imposição do Governo a proteção de tais interesses;

2) Exoneração imediata do Presidente da Funai e do CNPI, Márcio Meira, e de toda a sua cúpula. A Exoneração do senhor Márcio Meira – e de seus assessores direitos – da Fundação Nacional do Índio (Funai), se dá em função às repetidas violações à Constituição Brasileira, às convenções internacionais às quais o Brasil é signatário e aos Direitos Humanos, documentadas exaustivamente pelo AIR e à disposição dos interessados, não havendo condições para que o senhor Márcio Meira e sua equipe trabalhem mais com Povos Indígenas ou em qualquer órgão onde sejam manejados Direitos Humanos;

3) Instauração imediata de processos criminais, administrativos e éticos, com a participação dos indígenas do AIR e observadores indígenas internacionais, OIT, OEA, ONU e MERCOSUL para apurar atos criminosos e violações a interesses indígenas e direitos internacionalmente protegidos dos seguintes servidores: o representante do CIMI (Conselho Indígena Missionário) no Gabinete Pessoal da Presidência da República, Paulo Maldus; dos assessores do Ministro de Estado da Justiça; do Presidente; vice-presidente e demais assessores da FUNAI, por terem articulado e comandado pessoalmente os crimes cometidos contra os indígenas que protestam, pacificamente, em frente ao Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF, comprovados por meio de documentação audiovisual e impressa do AIR; exoneração imediata do Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, de todo o seu Gabinete e de todos os seus assessores diretos, incluindo o chefe da Segurança do Ministério da Justiça, bem como, todos os conselheiros de políticas indígenas que aprovaram, direta ou indiretamente, as medidas violadoras dos Direitos e dos Interesses Indígenas;

4) Autonomia Indígena na gestão do Patrimônio, Direitos e Interesses, criando o CNDI (Conselho Nacional de Direito Indígena, objeto da Sug nº 02/2010, de iniciativa da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), que aprovará os nomes que irão, por meio de Eleição Indígena Direta, presidir a Fundação Nacional do Índio (Funai), e demais órgãos de gestão dos direitos relacionados à Saúde, Educação, Sustentabilidade, Cultura e Meio Ambiente;

5) A criação de um Colegiado Eleitoral Indígena - somando a população de todos os indígenas aldeados e urbanos do Brasil, incluindo os que ainda não possuem a dita “carteira de índio”, expedida pela Funai - para Eleição Direta para a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), sendo que o Presidente da República Federativa do Brasil não terá mais poderes para nomear ou indicar o nome para a presidência do órgão nem interferir nas diretrizes do Presidente da Fundação Nacional do Índio eleito democraticamente pelos Povos Indígenas Brasileiros, tendo a Presidência da Funai mandato de três anos e completa autonomia do Ministério da Justiça e da Casa Civil da República;

6) Realizar Concurso Público, respeitando o Bilingüismo e a Diferenciação Cultural e Étnica, para regularizar a situação funcional dos Agentes de Saúde e dos Professores Indígenas;

7) Criar mecanismos de centralização, unificação e controle da verba federal destinada ao seguimento social indígena de modo a interferir no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano);

8) Reconhecer aos indígenas a condição de consultores ambientais e Defensores de Direitos Sociais, Culturais e Religiosos para efeito de gestão sustentável dos Parques e Áreas de Proteção Ambiental e prioridade na participação nos projetos destinados a essa finalidade;

9) Implementação imediata das Resoluções das Conferências de Saúde, Educação, Meio Ambiente e Direitos Humanos relacionadas ao seguimento social indígena;

10) As políticas públicas indígenas respeitarão aos princípios jurídicos relacionados à Diferenciação Cultural, ao Bilingüismo, à Indisponibilidade, à Imprescritibilidade e a Inalienabilidade dos Direitos Indígenas;

11) Extinção imediata do Projeto DOBES, que privatiza o acesso às Línguas Indígenas Brasileiras, com o Estado Nacional criando obstáculos para a ampla divulgação e estudo da língua e do conhecimento dos Povos Originários e entregando à iniciativa privada estrangeira o mais precioso Patrimônio Imaterial dos Povos Indígenas Brasileiros, o Idioma; devolução imediata da propriedade intelectual das Línguas Nativas Brasileiras (matrizes) àqueles que detêm a sua posse, os falantes (pelo Concurso Público Diferenciado e Bilíngue como forma efetiva de fortalecimento das Línguas Indígenas Brasileiras);

12) Respeito às Terras Indígenas (T.I.s), impedindo a interferência dos organismos de Estado, em especial às forças policiais e militares;

13) Criação urgente de uma Comissão Indígena, nomeada pelo CNDI (Conselho Nacional de Política Indigenista), para monitorar e fiscalizar a gestão dos fundos da PPTAL (Projeto Integrado da Proteção às Populações Indígenas da Amazônia Legal), cerca de 22 milhões de dólares hoje em mãos de Márcio Meira e Ongs parceiras; 14) Criação do Fundo Social Indígena, sob a administração direta do CNDI (Conselho Nacional de Direito Indígena);

15) Regularização da mineração em Terras Indígenas, sob domínio e controle dos Povos Originários Brasileiros.

“Dinheiro é lixo!”
Mário Juruna (Herói da Resistência Indígena)

texto tirado de www.acampamentorevolucionarioindigena.blogspot.com