

Os primeiros habitantes do Peru aparecem no registro arqueológico antes de 10.000 a.C. Aparentemente, viviam uma parte do ano nos contrafortes das montanhas, coletando e caçando; quando o inverno chegava, eles marchavam para a costa mais quente.
Em 8.000 a.C., os paleoamericanos tinham se irradiado por todo o oeste da América do Sul. Alguns grupos se estabeleceram em cavernas nas montanhas, matanco vicuñas do tamanho de veados com lanças; outros tiravam peixes dos mangues; ainda outros permaneciam na praia como seus antepassados tinham feito, fazendo redes e colocando-as na água. No crestado deserto do Atacama, os Chinchorro criaram as primeiras múmias da história.
As múmias chinchorras eram frequentmente repintadas, indicando que não eram logo enterradas, mas mantidas em exibição, talvez durante anos. Pode-se especular que os pais enlutados não fossem capazes de deixar partir o corpo dos seus filhos numa sociedade que considerava que o espírito aderia à carne. O que é certo é que as múmias chinchorras são a primeira manifestação de um fenômeno que marcou as sociedades andinas em todo o caminho até os Inka: a crença de que o morto preservado e venerado podia exercer um forte impacto sobre os vivos.
Uma das regiões dessa costa é conhecida, hoje, como NORTE CHICO, formada por quatro estreitos vales fluviais - Huaura, Supe, Pativilca e Fortaleza. Eles convergem para uma fatia de litoram com menos de 48 quilômetros de comprimento. Que, como todo o resto, é uma zona agronômica impraticável: estéril, nebulosa, quase desprovida de chuvas, sísmica e climaticamente instável. Exceto ao longo dos rios, nada cresce a não ser líquen. Não obstante, em algum momento antes de 3.200 a.C., e posivelmente antes mesmo de 3.500 a.C., algo aconteceu ali, pois encontramos, nessa área, um complexo de sítios extraordinários: a concentração de pelo menos 25 grandes centros cerimoniais/residenciais, única em toda a América do Sul. Metaforicamente, a maior parte dos Andes é coberta por pequenos grãos de areia (entre 3.000 e 1.800 a.C.); em uns poucos pontos, há formigueiros que se distinguem na paisagem de grãos desarticulados... No Norte Chico, há um vulcão!

Entre esses centros, destacamos ASPERO, com meia dúzia de montes-plataforma, de tipo templo, alguns com 5m de altura, que são indícios de uma cultura mais avançada materialmente do que se imaginaria para a época e o local. Hoje sabe-se que Aspero pode ter chegado a 17 montes-templos construídos entre 4.900 e 3.000 a.C.
CARAL emerge do solo arenoso como uma portentosa formação de 60 hectares de terraplanagens: seus grandes montes-plataforma, um com 20 metros de altura e 33 m de um dos lados; duas praças cerimoniais circulares rebaixadas; meia dúzia de complexos de montes e plataformas; grandes edifícios de pedra com apartamentos residenciais, foi fundada antes de 2.600 a.C.

Essas cidades devem ter tido um governo centralizado que instigava e dirigia o trabalho. No Norte Chico, em outras palavras, o Homo sapiens experimentou um fenômeno que antes só tinha ocorrido uma vez, na Mesopotâmia: a emergência, para o melhor ou o pior, de líderes com prestígio, influência e posição hierárquica bastantes para induzir seus súditos a fazerem trabalho pesado. Era a segunda experiência do gênero de HUMANOS COM GOVERNO! O Norte Chico é um dos únicos dois lugares que INVENTOU o Governo. Em todos os demais lugares, ele foi herdado ou emprestado. As pessoas nasceram em sociedades com governo, ou viram os governos dos vizinhos e copiaram a idéia. Mas no Norte Chico, as pessoas PRODUZIRAM UM GOVERNO.
De onde provém o governo? O que faz as pessoas decidirem abrir mão de uma parte de sua liberdade pessoal em nome dele? O que elas ganham com isso? No Norte Chico, o Governo não parece ter decorrido da necessidade de defesa mútua, pois as 25 cidades não são localizadas estrategicamente e não tem muralhas defensivas. Também não se encontra nenhuma evidência de guerra - como edifícios queimados ou corpos mutilados. Em vez disso, a base do poder dos governantes era o bem econômico e espiritual comum. O governo era quase certamente teocrático, com líderes induzindo seus seguidores a obedecerem através de uma combinação de ideologia, carisma e reforço positivo habilmente cronometrado. Espalhado uase que a esmo, em torno do topo dos montes, há pedregulhos queimados e oxidados, demostrando serem "pisos de lareira". O que insinua restos de banquetes; ou seja: os governantes estimulavam e premiavam a força de trabalho durante a construção e a manutenção do monte organizando churrascos celebratórios de peixe e raiz de bananeirinha-da-índia, diretamente no local do trabalho. Depois, eles misturavam os restos ao monte, incorporando a celebração na construção. Também foram encontradas 32 flautas feitas de ossos de asa de pelicano, guardadas num nincho no templo principal.

O Norte Chico acendeu a fogueira cultural. Ao longo dos 3 mil anos seguintes, o Peru hospedou diversas culturas, mas a despeito da sua variedade, todas parecem ter bebido na fonte do Norte Chico. O tipo de intercâmbio estabelecido, cobrindo uma extensa área; propensão para o coletivo; projetos de obras cívicas festivas; alto valaor dos téxteis e da tecnologia têxtil... o Norte Chico parece ter estabelecido o modelo para todas essas práticas.
Baseado no texto de CHARLES C. MANN
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