quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Q'OM... um povo cavaleiro


Os Q’OM são uma etnia que habita no Grande Chaco. Seu nome significa “homem”. Os Guarani os chamam de “TOVA” ou “TOBA”, que significa “frente”, pois os Q’om têm o hábito de raspar a parte dianteira dos cabelos, aumentando a testa. No Paraguai costuma-se chama-los de EMOK, que significa “próximo” ou “paisano”.

Os primeiros contatos com os espanhóis aconteceu no século XVI. Até o século XIX eram um povo predominantemente caçador-coletor, seminômade, com uma acentuada divisão sexual do trabalho: os homens, desde cedo, dedicavam-se à caça e à pesca (tapir, cervos, guanacos e uma grande variedade de aves); as mulheres eram responsáveis pela coleta de frutos, tubérculos, raízes e mel, bem como de uma agricultura incipiente - de batata, mandioca e milho -, apenas para a subsistência familiar, sem excedente para acumulação.

O encontro com os espanhóis introduziu o uso do cavalo na cultura Q’om. Passaram a usá-los com freqüência a partir do século XVII, tornando-se grandes criadores e hábeis cavaleiros. Isso influenciou também na vestimenta típica: passaram a usar uma capa de couro com capuz, que os protegia dos galhos e espinhos as árvores muito baixas do Chaco, bem como dos pumas e jaguares que faziam tocaia nesses galhos.
Com a adoção da equitação, puderam estender seus domínios, tornando-se a etnia dominante do Chaco Central. Realizavam incursões no Paraguai, no Chaco Austral e na região pampeira, armados com arco e flecha, para assaltar as populações próximas às suas fronteiras.

Os Q’om mostraram-se o povo mais resistente à aculturação e tornaram difícil a entrada dos ocidentais na região chaquena, chegando a ameaçar a cidade de Santa Fé, em 1858. Em 1919, a última resistência Q’om foi abatida pelo exército argentino, na batalha que ficou conhecida como “Massacre de Napalpí”. A partir de então, os Q’om se viram cada vez mais ameaçados pelo avanço da civilização ocidental; muitos tornaram-se trabalhadores assalariados nas plantações de algodão ou na construção civil.

Os Q’om tem um sistema de crença animista e xamanista, com um bem desenvolvido culto a Espíritos da Natureza. Até hoje mantém a tradição da transmissão oral de seus conhecimentos religiosos, mesmo entre aqueles que oficialmente adotaram o cristianismo. A maioria ainda recorre aos PIO’OXONAK (xamãs) como médicos e curandeiros.

Atualmente, as maiores aldeias Q’om encontravam-se no leste do Tarija, na Bolívia; no oeste de Formosa, no centro do Chaco e no norte de Santa Fé, na Argentina; e no Chaco Boreal, no Paraguai. Mantém-se, portanto, em seu território ancestral, em comunidades rurais coordenadas por associações ou um líder eleito pela comunidade.

Cultivam pequenas áreas ou trabalham como peões temporários para os fazendeiros argentinos, bolivianos e paraguaios. Também produzem um grande artesanato de cerâmica e tecidos a base de fibra de caraguatá (bromélia típica da região).

Na Argentina, o último censo registrou 20.600 Q’om (dos quais, 19.800 são falantes da língua nativa, o QOMLAQTAP); no Paraguai são 700 pessoas e na Bolívia, apenas 146. Porém, cerca de 60.000 argentinos que vivem nas cidades da região do Chaco reconhecem-se descendentes dos Q’om. Na segunda metade do século XX, muitos se viram forçados a migrar para as cidades de Roque Sáenz Peña, Resistência, Santa Fé, Grande Rosário e até Buenos Aires. Em tais núcleos urbanos, quase em sua totalidade vivem nas zonas economicamente mais deprimidas. No entanto, ainda constituem o grupo originário mais numeroso na atualidade, conservando um certo agrupamento de castas que conduzem com uma organização política milenar.

IDENTIDADE INDÍGENA


Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!
Mas caio da vida e da morte
E range o armamento contra nós.
Mas enquanto eu tiver o coração acesso
Não morre a indígena em mim e
E nem tão pouco o compromisso que assumi
Perante os mortos
De caminhar com minha gente passo a passo
E firme, em direção ao sol.
Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro
Carrego o peso da família espoliada
Desacreditada, humilhada
Sem forma , sem brilho, sem fama.
Mas não sou eu só
Não somos dez, cem ou mil
Que brilharemos no palco da História.
Seremos milhões unidos como cardume
E não precisaremos mais sair pelo mundo
Embebedados pelo sufoco do massacre
A chorar e derramar preciosas lágrimas
Por quem não nos tem respeito.
A migração nos bate à porta
As contradições nos envolvem
As carências nos encaram
Como se batessem na nossa cara a toda hora.
Mas a consciência se levanta a cada murro
E nos tornamos secos como o agreste
Mas não perdemos o amor
Porque temos o coração pulsando
Jorrando sangue pelos quatro cantos do universo.
Eu viverei 200, 500 ou 700 anos
E contarei minhas dores pra ti
Oh!!! Identidade
E entre uma contada e outra
Morderei tua cabeça
Como quem procura a fonte da tua força
Da tua juventude
O poder da tua gente
O poder do tempo que já passou
Mas que vamos recuperar.
E tomaremos de assalto moral
As casas, os templos, os palácios
E os transformaremos em aldeias do amor
Em olhares de ternura
Como são os teus, brilhantes, acalentante identidade
E transformaremos os sexos indígenas
Em órgãos produtores de lindos bebês guerreiros do futuro
E não passaremos mais fome
Fome de alma, fome de terra, fome de mata
Fome de História
E não nos suicidaremos
A cada século, a cada era, a cada minuto
E nós, indígenas de todo o planeta
Só sentiremos a fome natural
E o sumo de nossa ancestralidade
Nos alimentará para sempre
E não existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses
Desnutrição
Que irão nos arrebatar
Porque seremos mais fortes que todas a células cancerígenas juntas
De toda a existência humana.
E os nossos corações?
Nós não precisaremos catá-los aos pedaços mais ao chão!
E pisaremos a cada cerimônia nossa
Mais firmes
E os nossos neurônios serão tão poderosos
Quanto nossas lendas indígenas
Que nunca mais tremeremos diante das armas
E das palavras e olhares dos que “chegaram e não foram”.
Seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!
E te direi identidade: Eu te amo!
E nos recusaremos a morrer
A sofrer a cada gesto, a cada dor física, moral e espiritual.

Nós somos o primeiro mundo!

Aí queremos viver pra lutar
E encontro força em ti , amada identidade!
Encontro sangue novo pra suportar esse fardo
Nojento, arrogante, cruel...
E enquanto somos dóceis, meigos
Somos petulantes e prepotentes
Diante do poder mundial
Diante do aparato bélico
Diante das bombas nucleares

Nós, povos indígenas
Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver os frutos de nosso país, sendo dividido
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós.

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O texto é o testemunho das lágrimas de uma indígena vendedora de bananas, a refugiada Maria de Lourdes de Souza, filha do índio Chico Sólon, desaparecido das terras indígenas paraibanas por volta de 1920, quando se instalava ali, a neocolonização da agricultura algodoeira causando a fuga de famílias indígenas, oprimidas pela escravidão moderna.

Texto de ELIANE POTIGUARA
in “METADE CARA, METADE MÁSCARA” Global editora

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

WICHI... povo chaquenho


WICHI ou WEENHAYEK, é um povo originário do Chaco, no centro da América do Sul. Os quéchuas lhes atribuíram o nome de matacos (espécie de tatu, comum na região), como foram chamados pelos colonizadores até o final do século XX. Sua língua faz parte da família mataco-mataguayo – que inclui os Chorote, Maká, Chulupí, Matagayo e Vejoce. Em relação a estes últimos, seu parentesco com os Wichi atuais é tão estreito que estão sendo considerados como facções de uma mesma etnia.

Muitos antropólogos lhes atribuem uma origem patagônica, apesar de indubitáveis caractéristicas culturais tipicamente amazônicas e andinas, inclusive nos traços físicos - estaturas geralmente menor que as de outras etnias chaquenses da família patagônica. Assim como os povos andinos, os Wichi são monogâmicos, têm a posse familiar da terra e o hábito de estocar o excedente agrícola – o que lhe dá um certo sedentarismo.

Os Wichi vivem em aldeias (huef ou huet) organiizadas por parentesco e coordenadas por um chefe ancião e um conselho comunitário de homens. Suas moradias são choças (huep) em forma de cúpula de 2 a 3 metros de diâmetro, construídas com ramas, onde conviviam todos os membros de uma família.

Desenvolveram uma agricultura de subsistência que, praticamente se resume à horticultura. Sua estrutura básica é o modo de produção caçador-coletor: o sustento principal vem da caça, da pesca e da coleta. As mulheres se dedicavam ao cultivo de pequenas abóboras e à coleta de coco de palmeira (pindó, yatay e caranday), alfarroba, feijões selvagens e mel. Como entre muitos povos caçadores-coletores, a situação ecológica de interdependência com os animais é tal que os Wichi costumam dar-lhes o qualificativo de "irmãos".

Têm um “calendário” circular com base lunar: o início do ano (okä nek' chum) é celebrado no período que corresponde ao mês de agosto, quando começa a nawup ("lua das flores"); em novembro começa a yachup ("lua das alfarrobas"); no final do nosso verão vem a estação lup ("lua das colheitas") e, a seguir, a fwiyeti(up) ("lua das geadas").

Seus utensílios e artefatos são principalmente de madeira (por exemplo, os "paus de lavoura" que mantinham alguma semelhança com as llakta dos povos andinos). Mas também têm instrumentos de pedra polida, desenvolveram a cerâmica e têm produção têxtil e cestaria usando sobretudo a fibra de caraguatá (Bromelia hieronymi), planta muito usada comum na região.

Seu sistema de crenças pode ser classificado como animismo e xamanismo. Cultuam sobretudo os Espíritos da Natureza, que lhes são mais próximos, porém acreditam em um Criador: Tokuah ou Tokuaj, que rege o mundo.

A partir de 1870 começaram a ser reduzidos pelo homem branco, forçados a trabalhar na colheita de algodão, na safra de cana de açúcar ou como lenhadores. Em 1914, missionários ingleses criaram uma “missão” em seu território, visando converte-los ao anglicanismo; tais pastores se retiraram em 1982, durante a Guerra das Malvinas, o que permitiu aos Wichi recuperarem vários traços culturais anteriores e reorganizarem-se como comunidade tradicionais. Só em 1986 foi admitido o bilinguismo nas escolas da região que habitam.

Os Wichi habitavam tradicionalmente as zonas ocidentais do Chaco Central e Austral, principalmente a margem esquerda do Rio Bermejo. Atualmente, vivem principalmente na região de Tarija (Bolívia) e do Chaco Saltenho (Argentina), para onde foram empurrados pela crescimento das sociedades de origem ocidental.

Durante o século XX suas condições de vida foram de muita pobreza, subsistindo com o cultivo de pequenas porções de terra, a coleta, caça e pesca dos degradados recursos chaquenhos, ou a venda de artesanatos de grande valor artístico e técnico (os homens fazem esculturas em madeira e as mulheres produzem tecidos de caraguatá e pequena cerâmicas). Como os integrantes de outras etnias originárias na América do Sul, os Wichi se tornaram “crioulos”, migrando para zonas urbanas, onde vão morar em bairros humildes. Muitos se converteram ao cristianismo, particularmente às linhas evangelistas e pentecostais.

No início de 2006 eram a segunda comunidade indígena do Chaco Saltenho e contam com escolas bilíngües para não perder suas tradições. Censos realizados no período de 2003-2004 indicam que cerca de 36.500 se reconhecem como pertencentes à etnia wichi. Cerca de 47% fala quase exclusivamente seu idioma (desses, 80% são mulheres).

domingo, 15 de agosto de 2010

KAWESKAR... os nômades do mar

Os KAWESKAR são um povo nômade, navegadores pequenos e magros, que vivia nos canais da Patagônia chilena, entre o Golfo de Penas e o Estreito de Magalhães, mas chegavam facilmente às ilhas que ficam a oeste da Terra do Fogo. Seu nome significa “PESSOA” ou “SER HUMANO”.

A unidade básica Kaweskar era a família nuclear, que se deslocava sozinha em sua canoa, em busca de alimento. Em tempos mais difíceis, duas ou três famílias se juntavam para apoio mútuo. Suas cabanas eram pequenas, feitas com armadura de madeira e cobertas com pele de foca.

A canoa e
ra a peça mais importante e apreciada de seu patrimônio material. Fabricada em madeira cinza de coique – árvore perene que nasce no sul do Chile -, media cerca de 8 ou 9 metros. Grande o suficiente para acomodar toda a família.

Vestiam-se com uma capa de pele de foca, que lhe cobria os ombros e as costas, amarrada ao pescoço com tiras de couro ou fibra. Essa roupa os deixava sempre secos, naqueles canais de mar agitado. A evangelização e, posteriormente, a aculturação os obrigou a trocar essa roupa pelas européias, que se mostraram muito inadequadas, uma vez que ficaram sempre muito molhadas. Essa mudança aumentou o número de qawásqar com problemas de saúde – particularmente respiratórios –, provocando muitas mortes.

Alimentavam-se habitualmente de lobo-marinho e focas. Eventualmente, de baleia, quando encontrava uma encalhada na praia. Nesse caso, várias famílias se reunião ao redor da carcaça por semanas ou até meses, conservando a carne e curtindo o couro.

Suas ferramentas eram de pedra, madeira, osso de baleia e concha de mariscos. Confeccionavam arco e flecha, fundas, arpões e facas para trabalhar com os troncos com os quais faziam suas canoas. Usavam fibras vegetais e animais para confecção de cestos e canastras. O metal só foi conhecido através do contato com os brancos.

Suas crenças giravam em torno de ALEP-LÁYP, o Espírito Bom, que protegia contra o naufrágio e oferecia a baleia aos Kaweskar. Mas também criam em AYAYEMA, o Espírito do Caos, KAWTCHO, o Espírito da Noite, e MWOMO, o Espírito do Ruído – o que provoca avalanches de neve. Quando alguém adoecia ou se feria gravemente, os qawásqar buscavam ajuda com seus xamãs. Caso esse percebesse que a morte era inevitável, o doente era deixado sozinho em sua cabana, para que pudesse encontrar os Espíritos e fazer a Grande Travessia. Depois de morto, seu corpo era envolto em uma pele de foca, colocado em sua canoa cheia de pedras e lançado ao mar.

Acredita-se que os Kaweskar tenham chegado àquela região em torno de 6.000 anos atrás. O primeiro contato com os europeus colonizadores foi no século XVI, quando então eram certa de 2.500 a 3.000 pessoas. No fim do século XVIII, sua região foi invadida por grande quantidade de barcos baleeiros inglês e norte americanos, trazendo doenças e causando um grande desequilíbrio à sociedade Kaweskar. Na segunda metade do século XIX, os Salesianos conseguiram autorização de fundar uma Missão na Ilha Dawson, com o propósito de evangelizar os Kaweskar, dando início a um processo de assimilação cultural e transformação de hábitos ancestrais daquele povo. Em 1900 não eram mais que 1.000 Kaweskar; em 1924, restavam apenas 240.

Em 1937, o Governo Chileno criou a base aérea de Porto Eden – a última reserva Kaweskar. Em 1992, eram apenas 60 indígenas; em 2000, não se conhecia mais que 17 qawasqar. Os últimos qawasqar foram Jérawr Asáwer, que faleceu 2003, Alberto Achacaz Walakial, que faleceu em 2008, com cerca de 79 anos.

domingo, 8 de agosto de 2010

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

Artigo 1
Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos.

Artigo 2
Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.

Artigo 3
Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Artigo 4
Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodeterminação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas.

Artigo 5
Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado.

Artigo 6
Todo indígena tem direito a uma nacionalidade.

Artigo 7
1. Os indígenas têm direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança pessoal.
2. Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Artigo 8
1. Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura.
2. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção e a reparação de:
a) Todo ato que tenha por objetivo ou conseqüência privar os povos e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distintos, ou de seus valores culturais ou de sua identidade étnica.
b) Todo ato que tenha por objetivo ou conseqüência subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos.
c) Toda forma de transferência forçada de população que tenha por objetivo ou consequência a violação ou a diminuição de qualquer dos seus direitos.
d) Toda forma de assimilação ou integração forçada.
e) Toda forma de propaganda que tenha por finalidade promover ou incitar a discriminação racial ou étnica dirigida contra eles.

Artigo 9
Os povos e pessoas indígenas têm o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena, em conformidade com as tradições e costumes da comunidade ou nação em questão. Nenhum tipo de discriminação poderá resultar do exercício desse direito.

Artigo 10
Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso.

Artigo 11
1. Os povos indígenas têm o direito de praticar e revitalizar suas tradições e costumes culturais. Isso inclui o direito de manter, proteger e desenvolver as manifestações passadas, presentes e futuras de suas culturas, tais como sítios arqueológicos e históricos, utensílios, desenhos, cerimônias, tecnologias, artes visuais e interpretativas e literaturas.
2. Os Estados proporcionarão reparação por meio de mecanismos eficazes, que poderão incluir a restituição, estabelecidos conjuntamente com os povos indígenas, em relação aos bens culturais, intelectuais, religiosos e espirituais de que tenham sido privados sem o seu consentimento livre, prévio e informado, ou em violação às suas leis, tradições e costumes.

Artigo 12
1. Os povos indígenas têm o direito de manifestar, praticar, desenvolver e ensinar suas tradições, costumes e cerimônias espirituais e religiosas; de manter e proteger seus lugares religiosos e culturais e de ter acesso a estes de forma privada; de utilizar e dispor de seus objetos de culto e de obter a repatriação de seus restos humanos.
2. Os Estados procurarão facilitar o acesso e/ou a repatriação de objetos de culto e restos humanos que possuam, mediante mecanismos justos, transparentes e eficazes, estabelecidos conjuntamente com os povos indígenas interessados.

Artigo 13
1. Os povos indígenas têm o direito de revitalizar, utilizar, desenvolver e transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradições orais, filosofias, sistemas de escrita e literaturas, e de atribuir nomes às suas comunidades, lugares e pessoas e de mantê-los.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir a proteção desse direito e também para assegurar que os povos indígenas possam entender e ser entendidos em atos políticos, jurídicos e administrativos, proporcionando para isso, quando necessário, serviços de interpretação ou outros meios adequados.

Artigo 14
1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus sistemas e instituições educativos, que ofereçam educação em seus próprios idiomas, em consonância com seus métodos culturais de ensino e de aprendizagem.
2. Os indígenas, em particular as crianças, têm direito a todos os níveis e formas de educação do Estado, sem discriminação.
3. Os Estados adotarão medidas eficazes, junto com os povos indígenas, para que os indígenas, em particular as crianças, incluindo as que vivem fora de suas comunidades, tenham acesso, quando possível, à educação em sua própria cultura e em seu próprio idioma.

Artigo 15
1. Os povos indígenas têm direito a que a dignidade e a diversidade de suas culturas, tradições, histórias e aspirações sejam devidamente refletidas na educação pública e nos meios de informação públicos.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes, em consulta e cooperação com os povos indígenas interessados, para combater o preconceito e eliminar a discriminação, e para promover a tolerância, a compreensão e as boas relações entre os povos indígenas e todos os demais setores da sociedade.

Artigo 16
1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer seus próprios meios de informação, em seus próprios idiomas, e de ter acesso a todos os demais meios de informação não indígenas, sem qualquer discriminação.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para assegurar que os meios de informação públicos reflitam adequadamente a diversidade cultural indígena. Os Estados, sem prejuízo da obrigação de assegurar plenamente a liberdade de expressão, deverão incentivar os meios de comunicação privados a refletirem adequadamente a diversidade cultural indígena.

Artigo 17
1. Os indivíduos e povos indígenas têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos estabelecidos no direito trabalhista internacional e nacional aplicável.
2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas específicas para proteger as crianças indígenas contra a exploração econômica e contra todo trabalho que possa ser perigoso ou interferir na educação da criança, ou que possa ser prejudicial à saúde ou ao desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social da criança, tendo em conta sua especial vulnerabilidade e a importância da educação para o pleno exercício dos seus direitos.
3. As pessoas indígenas têm o direito de não serem submetidas a condições discriminatórias de trabalho, especialmente em matéria de emprego ou de remuneração.

Artigo 18
Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões.

Artigo 19
Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem.

Artigo 20
1. Os povos indígenas têm o direito de manter e desenvolver seus sistemas ou instituições políticas, econômicas e sociais, de que lhes seja assegurado o desfrute de seus próprios meios de subsistência e desenvolvimento e de dedicar-se livremente a todas as suas atividades econômicas, tradicionais e de outro tipo.
2. Os povos indígenas privados de seus meios de subsistência e desenvolvimento têm direito a uma reparação justa e equitativa.

Artigo 21
1. Os povos indígenas têm direito, sem qualquer discriminação, à melhora de suas condições econômicas e sociais, especialmente nas áreas da educação, emprego, capacitação e reconversão profissionais, habitação, saneamento, saúde e seguridade social.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes e, quando couber, medidas especiais para assegurar a melhora contínua das condições econômicas e sociais dos povos indígenas. Particular atenção será prestada aos direitos e às necessidades especiais de idosos, mulheres, jovens, crianças e portadores de deficiência indígenas.

Artigo 22
1. Particular atenção será prestada aos direitos e às necessidades especiais de idosos, mulheres, jovens, crianças e portadores de deficiência indígenas na aplicação da presente Declaração.
2. Os Estados adotarão medidas, junto com os povos indígenas, para assegurar que as mulheres e as crianças indígenas desfrutem de proteção e de garantias plenas contra todas as formas de violência e de discriminação.

Artigo 23
Os povos indígenas têm o direito de determinar e elaborar prioridades e estratégias para o exercício do seu direito ao desenvolvimento. Em especial, os povos indígenas têm o direito de participar ativamente da elaboração e da determinação dos programas de saúde, habitação e demais programas econômicos e sociais que lhes afetem e, na medida do possível, de administrar esses programas por meio de suas próprias instituições.

Artigo 24
1. Os povos indígenas têm direito a seus medicamentos tradicionais e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e minerais de interesse vital do ponto de vista médico. As pessoas indígenas têm também direito ao acesso, sem qualquer discriminação, a todos os serviços sociais e de saúde.
2. Os indígenas têm o direito de usufruir, por igual, do mais alto nível possível de saúde física e mental. Os Estados tomarão as medidas que forem necessárias para alcançar progressivamente a plena realização deste direito.

Artigo 25
Os povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer sua própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem, e de assumir as responsabilidades que a esse respeito incorrem em relação às gerações futuras.

Artigo 26
1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.
2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido.
3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.

Artigo 27
Os Estados estabelecerão e aplicarão, em conjunto com os povos indígenas interessados, um processo equitativo, independente, imparcial, aberto e transparente, no qual sejam devidamente reconhecidas as leis, tradições, os costumes e regimes de posse da terra dos povos indígenas, para reconhecer e adjudicar os direitos dos povos indígenas sobre suas terras, territórios e recursos, compreendidos aqueles que tradicionalmente possuem, ocupam ou de outra forma utilizem. Os povos indígenas terão direito de participar desse processo.

Artigo 28
1. Os povos indígenas têm direito à reparação, por meios que podem incluir a restituição ou, quando isso não for possível, uma indenização justa, imparcial e equitativa, pelas terras, territórios e recursos que possuíam tradicionalmente ou de outra forma ocupavam ou utilizavam, e que tenham sido confiscados, tomados, ocupados, utilizados ou danificados sem seu consentimento livre, prévio e informado.
2. Salvo se de outro modo livremente decidido pelos povos interessados, a indenização se fará sob a forma de terras, territórios e recursos de igual qualidade, extensão e condição jurídica, ou de uma indenização pecuniária ou de qualquer outra reparação adequada.

Artigo 29
1. Os povos indígenas têm direito à conservação e à proteção do meio ambiente e da capacidade produtiva de suas terras ou territórios e recursos. Os Estados deverão estabelecer e executar programas de assistência aos povos indígenas para assegurar essa conservação e proteção, sem qualquer discriminação.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir que não se armazenem, nem se eliminem materiais perigosos nas terras ou territórios dos povos indígenas, sem seu consentimento livre, prévio e informado.
3. Os Estados também adotarão medidas eficazes para garantir, conforme seja necessário, que programas de vigilância, manutenção e restabelecimento da saúde dos povos indígenas afetados por esses materiais, elaborados e executados por esses povos, sejam devidamente aplicados.

Artigo 30
1. Não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos povos indígenas, a menos que essas atividades sejam justificadas por um interesse público pertinente ou livremente decididas com os povos indígenas interessados, ou por estes solicitadas.
2. Os Estados realizarão consultas eficazes com os povos indígenas interessados, por meio de procedimentos apropriados e, em particular, por intermédio de suas instituições representativas, antes de utilizar suas terras ou territórios para atividades militares.

Artigo 31
1. Os povos indígenas têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das propriedades da fauna e da flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas. Também têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver sua propriedade intelectual sobre o mencionado patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais.
2. Em conjunto com os povos indígenas, os Estados adotarão medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício desses direitos.

Artigo 32
1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos.
2. Os Estados celebrarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo.
3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual.

Artigo 33
1. Os povos indígenas têm o direito de determinar sua própria identidade ou composição conforme seus costumes e tradições. Isso não prejudica o direito dos indígenas de obterem a cidadania dos Estados onde vivem.
2. Os povos indígenas têm o direito de determinar as estruturas e de eleger a composição de suas instituições em conformidade com seus próprios procedimentos.

Artigo 34
Os povos indígenas têm o direito de promover, desenvolver e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando existam, costumes ou sistema jurídicos, em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.

Artigo 35
Os povos indígenas têm o direito de determinar as responsabilidades dos indivíduos para com suas comunidades.

Artigo 36
1. Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras.
2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas eficazes para facilitar o exercício e garantir a aplicação desse direito.

Artigo 37
1. Os povos indígenas têm o direito de que os tratados, acordos e outros arranjos construtivos concluídos com os Estados ou seus sucessores sejam reconhecidos, observados e aplicados e de que os Estados honrem e respeitem esses tratados, acordos e outros arranjos construtivos.
2. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado de forma a diminuir ou suprimir os direitos dos povos indígenas que figurem em tratados, acordos e outros arranjos construtivos.

Artigo 38
Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão as medidas apropriadas, incluídas medidas legislativas, para alcançar os fins da presente Declaração.

Artigo 39
Os povos indígenas têm direito a assistência financeira e técnica dos Estados e por meio da cooperação internacional para o desfrute dos direitos enunciados na presente Declaração.

Artigo 40
Os povos indígenas têm direito a procedimentos justos e equitativos para a solução de controvérsias com os Estados ou outras partes e a uma decisão rápida sobre essas controvérsias, assim como a recursos eficazes contra toda violação de seus direitos individuais e coletivos. Essas decisões tomarão devidamente em consideração os costumes, as tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos povos indígenas interessados e as normas internacionais de direitos humanos.

Artigo 41
Os órgãos e organismos especializados do sistema das Nações Unidas e outras organizações intergovernamentais contribuirão para a plena realização das disposições da presente Declaração mediante a mobilização, especialmente, da cooperação financeira e da assistência técnica. Serão estabelecidos os meios para assegurar a participação dos povos indígenas em relação aos assuntos que lhes afetem.

Artigo 42
As Nações Unidas, seus órgãos, incluindo o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, e organismos especializados, particularmente em nível local, bem como os Estados, promoverão o respeito e a plena aplicação das disposições da presente Declaração e zelarão pela eficácia da presente Declaração.

Artigo 43
Os direitos reconhecidos na presente Declaração constituem as normas mínimas para a sobrevivência, a dignidade e o bem-estar dos povos indígenas do mundo.

Artigo 44
Todos os direitos e as liberdades reconhecidos na presente Declaração são garantidos igualmente para o homem e a mulher indígenas.

Artigo 45
Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de reduzir ou suprimir os direitos que os povos indígenas têm na atualidade ou possam adquirir no futuro.

Artigo 46
1. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de conferir a um Estado, povo, grupo ou pessoa qualquer direito de participar de uma atividade ou de realizar um ato contrário à Carta das Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes.
2. No exercício dos direitos enunciados na presente Declaração, serão respeitados os diretos humanos e as liberdades fundamentais de todos. O exercício dos direitos estabelecidos na presente Declaração estará sujeito exclusivamente às limitações previstas em lei e em conformidade com as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Essas limitações não serão discriminatórias e serão somente aquelas estritamente necessárias para garantir o reconhecimento e o respeito devidos aos direitos e às liberdades dos demais e para satisfazer as justas e mais urgentes necessidades de uma sociedade democrática.
3. As disposições enunciadas na presente Declaração serão interpretadas em conformidade com os princípios da justiça, da democracia, do respeito aos direitos humanos, da igualdade, da não discriminação, da boa governança e da boa-fé.

DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS - 2

A declaração dada em Genebra por Navi Pillay, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, para lembrar o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto de 2010).

“Temos motivos para celebrar o progresso alcançado ao tornar os direitos humanos uma realidade para os povos indígenas, mas esse Dia Internacional dos Povos Indígenas também é uma ocasião para lembrar que não há espaço para a complacência. As constantes violações dos direitos dos povos indígenas, em todas as regiões do mundo, merecem nossa atenção e ação máximas.

A lacuna entre os princípios da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a realidade permanece ampla, enquanto povos indígenas continuam a sofrer discriminação, marginalização em áreas como saúde e educação, pobreza extrema, desprezo por suas preocupações ambientais, desalojamentos de suas terras tradicionais e exclusão de participação efetiva em processos decisórios. É particularmente desconcertante que aqueles que trabalham para corrigir esses erros são, frequentemente, perseguidos em decorrência do apoio dado aos direitos humanos.

Em vários países, novas ferramentas foram criadas para que povos indígenas se manifestem sobre tomadas de decisão e o fim das violações aos direitos humanos. Estamos também encorajados pelo fato de que o apoio à Declaração continua aumentando, inclusive em países que originalmente votaram contra este notável documento.

Entretanto, devemos redobrar nossos esforços para construir uma verdadeira ‘Parceria em ação e dignidade’ – tema dado pela Assembleia Geral para a Segunda Década Internacional dos Povos Indígenas do Mundo – enquanto trabalhamos juntos em direção à aplicação completa dos direitos afirmados na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas para a sobrevivência, dignidade e bem-estar dos povos indígenas do mundo.

Precisamos trazer os direitos e a dignidade daqueles que mais sofrem para o centro de nossos esforços. Isto requer mudanças em práticas, mas também precisamos melhorar leis e instituições, sem as quais avanços não são sustentáveis.

Neste Dia Internacional, reafirmemos nosso comprometimento em traduzir as palavras da Declaração em ações efetivas. Manter esta promessa é nossa obrigação.”

Texto do UNIC - RIO DE JANEIRO
Centro de Informações das Nações Unidas / RJ

DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS

Para marcar a importância da cultura indígena, as Nações Unidas comemoram anualmente o DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS, sempre no dia 9 DE AGOSTO. Neste ano, será nesta segunda-feira. O foco será a celebração dos cineastas indígenas, em conexão com o tema da Sessão de 2010 do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, “Desenvolvimento com cultura e identidade”.

Em sua mensagem, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, destacou que os povos indígenas sofrem com o racismo, saúde precária e pobreza desproporcional. “Em muitas sociedades, suas línguas, religiões e tradições culturais são estigmatizadas e rejeitadas. O primeiro relatório da ONU sobre o Estado dos Povos Indígenas do Mundo, de janeiro de 2010, apresentou estatísticas alarmantes. Em alguns países, povos indígenas estão 600 vezes mais vulneráveis a contraírem tuberculose em relação ao resto da população. Em outros, uma criança indígena tem a expectativa de vida 20 anos menor do que seus compatriotas não-indígenas”.

Segundo a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, existem motivos para celebrar o progresso alcançado ao tornar os direitos humanos uma realidade para os povos indígenas. Ela destacou, no entanto, que o Dia Internacional dos Povos Indígenas também é uma ocasião para lembrar que “não há espaço para a complacência. As constantes violações dos direitos dos povos indígenas, em todas as regiões do mundo, merecem nossa atenção e ação máximas”.

O Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo foi declarado pela Assembléia Geral em dezembro de 1994, para ser comemorado todos os anos durante a primeira Década Internacional dos Povos Indígenas do Mundo (1995-2004). Em 2004, a Assembléia proclamou a Segunda Década Internacional, 2005-2015, com o tema “UMA DÉCADA DE AÇÃO E DIGNIDADE”.

Na Sede da ONU em Nova York, haverá na própria segunda-feira uma exibição de vários curtas-metragens de cineastas indígenas, seguido de um debate com alguns deles. Em ocasião ao Dia, uma série de filmes também serão exibidos em todo o mundo.

É o caso do curta brasileiro “Marangmotxingo Mïrang – Das crianças Ikpeng para o mundo” (2002, legendas em inglês), em que quatro crianças Ikpeng falam sobre sua vida na aldeia e mostram suas famílias, brinquedos e comemorações. Contrastando com gerações anteriores, elas estão conscientes de seu patrimônio cultural e como ocorreram mudanças desde a geração de seus avós. O curta venceu diversos prêmios.



“Povos Taino contados fora de existência”
(Porto Rico, 2010) conta a história deste povo originário das Ilhas Caribenhas, incluindo Porto Rico, e que foram considerados extintos. Ao se organizarem para participar do censo de 2010, compreenderam que podem usar esta ferramenta para fazer valer sua existência enquanto povo indígena.




“Sikumi no gelo” (Alaska, 2008) fala sobre um caçador Inuit que guia sua matilha no frio Oceano Ártico e acaba se tornando inesperadamente testemunha de um assassinato. Vencedor do Prêmio do Júri de Curtas no Festival Sundance 2008.



“U Bej X Sabina (O caminho de Sabina)” (México, 2009) fala da história de uma menina indígena que aprende sobre seus direitos contidos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.



Texto do UNIC – RIO DE JANEIRO
Centro de Informações das Nações Unidas / RJ

sábado, 7 de agosto de 2010

ODE AOS BOTOCUDOS

Padre Antônio Vieira (foi um) pregador jesuíta que viveu no Brasil na segunda metade do século XVII. Seus sermões ficaram famosos não apenas pela qualidade da língua portuguesa, que soube usar com precisão, mas também pela crítica aos hábitos pouco decentes dos colonizadores dos primeiros tempos. Li vários sermões e notei que alguns deles parecem ter inspirado o autor das estátuas dos Profetas, que tanto me fascinam e que estão sempre a me apontar o céu ora azul, ora cinza, deste outeiro de Bom Jesus de Matosinhos (em Congonhas do Campo). Um desses sermões me chamou especialmente a atenção, porque manifesta preocupação com a sorte desses índios que ainda hoje, passados mais de duzentos anos, penam pelas mesmas montanhas, fugindo de uma escravidão mal disfarçada. Foi pregado no primeiro domingo da Quaresma, em 1653, na cidade de São Luís do Maranhão, a terra natal de Gonçalves Dias. Começa com um versículo de Mateus - Haec omnia tibi dabo, si cadens adoraveris me -, e afirma que "todos os índios d'este Estado, ou são os que vos servem como escravos, ou os que moram nas aldeias de el-rei como livres, ou os que vivem no sertão em sua natural e ainda maior liberdade: os quais por esses rios vão comprar ou resgatar (como dizem) dando o piedoso nome de resgate a uma venda tão forçada e violenta, que talvez se faz com a pistola nos peitos".

O curioso é que mesmo esse vigoroso pregador conclui sua prédica tentando conciliar o interesse dos poderosos senhores coloniais, cujas atividades dependiam exclusivamente da mão de obra escrava ou semiescrava dos índios, com algumas regras que propõe para combater a crueldade; aceita como escravos perpétuos todos os índios que forem resgatados das aldeias onde já eram prisioneiros de guerra e seriam devorados ritualmente; outros, que houvessem sido escravizados por tribos inimigas, também poderiam ser adquiridos como escravos pelos portugueses. Esses, para possuírem legitimidade como escravos, precisavam ser aprovados por um grupo de notáveis, entre eles o governador, o ouvidor geral e prelados das quatro grandes congregações religiosas que militavam no pais: carmelitas, franciscanos, mercedários e jesuítas. "Todos os que deste juízo saírem qualificados por verdadeiramente cativo se repartirão aos moradores pelo preço por que foram comprados". Ou seja, até mesmo as mais esclarecidas mentes do tempo julgavam-nos passíveis de servidão.

Assim, nada mais natural do que uma reação permanente por parte dessas nações; dominadas, seriam sempre escravizadas, sob a desculpa de cristianização. De batalha em batalha, de resgate em resgate, a nação brasileira foi se construindo nessa guerra continua, enquanto as nações indígenas foram desaparecendo. Ainda existem centenas de grupos indígenas vivendo nos sertões inóspitos do Brasil. Pouco se conhece deles, principalmente dos que habitam as profundas selvas da Amazônia. O que parece seguro é que, cada um, por sua vez, será atacado à medida que a colonização do pais caminhar para o norte e para o oeste. E esse dia com certeza chegará e tais guerras serão cada vez mais rápidas, mais destruidoras; a tecnologia milita a favor dos brancos e contra os índios.

Os portugueses quando começaram a ocupar o Brasil, possuíam armas de tecnologia precária, antigos arcabuzes que mal acertavam um alvo a três metros de distância. Lutavam com espadas, facas, porretes; suas armas não eram tão superiores assim às armas dos botocudos, por exemplo. Mas, ao longo dos últimos quatrocentos anos, a indústria bélica desenvolveu-se como nenhuma outra na Europa. Foram inventados rifles ligeiros, potentes, fáceis de carregar e com balas muito mais velozes. Canhões pesados e leves, bombardas de longo alcance, bombas de todos os tipos e miras de alta precisão com cálculos definidos por uma nova ciência, a balística, que passou a fazer parte dos currículos de engenheiros militares e mesmo de engenheiros civis. Enquanto isso, enfiados nas selvas, tentando sobreviver, os índios mantiveram suas armas, exatamente as mesmas de quatrocentos anos atrás, quando começaram a enfrentar os colonizadores. Naqueles anos eram atacados permanentemente, mas resistiam com relativa facilidade ao fogo das armas portuguesas, que possuíam limitada capacidade de ataque. Havia até mesmo certo equilíbrio nas batalhas. A indústria bélica, ao evoluir, permitiu aos europeus romper esse equilíbrio e ganhar um poder de destruição absurdo. Assim, acompanhando os rastros da roda da história, podemos prever um futuro bem difícil para ao pouco que resta das nações indígenas nesse pais.

(...)

Assim se constroem as nações: sobre os escombros de outras nações derridas. Assim nessa América, os impérios e repúblicas se multiplicaram sobre os restos destruídos de tantos índios. Os botocudos foram apenas mais um povo esmagado para que a nação brasileira surgisse, e sua destruição pequeno incidente na engrenagem da história. Sua memória aos poucos desaparecerá no magma denso do povo renovado, mescla de sangue de vitoriosos e derrotados.

Texto de Murilo Carvalho, in "O Rastro do Jaguar"