domingo, 19 de setembro de 2010

A MÃE DE TODOS OS GRÃOS

A Quinoa é uma planta anual que pode atingir mais de 2,50 m de altura. Algumas variedades podem não passar de um metro de altura, como a variedade chamada Real. A magnificência da Quinoa se revela nos panículos imponentes de cores variadas: verde, amarelo, vermelho, ocre, marrom... A cultura da Quinoa é relativamente fácil e ela é uma planta resistente. Ela pode então crescer nos Andes em até 4000 metros de altitude e existe até uma outra espécie, Chenopodium pallidicaule, que cresce em altitudes podendo atingir 5000 metros, em regiões altas com neve durante nove meses do ano. Segundo a variedade, o crescimento da Quinoa dura de 90 a 220 dias. Numerosos agricultores Canadenses realizaram experiências coroadas de sucesso e isso até o 51º paralelo. Quanto à sua produtividade, ela é muito aceitável e pode variar nas melhores parcelas de 3 a 5 toneladas por hectare.

Os Incas chamavam a Quinoa de “CHISIYA MAMA”, que, em Quéchua, significa “mãe de todos os grãos”. Ela era para eles uma planta sagrada, e era o imperador Inca que todos os anos semeava os primeiros grãos, usando um utensílio de ouro. Durante o solstício, os grandes sacerdotes Incas a ofereciam ao sol em vasos de ouro.

Recentes pesquisas arqueológicas indicam que a Quinoa era cultivada por volta de 5000 anos antes de Cristo na Bacia de Ayacucho no Peru. Segundo o arqueólogo David Browman, de 70 à 90 % das sementes descobertas no sítio de Chiripa (1350 aC-50 dC) perto do Lago Titicaca são sementes de Quinoa. Nesse mesmo sítio, por volta do ano 1000 aC, as sementes de Quinoa aumentam de tamanho, sinal de domesticação e de melhora. É ao redor do Lago Titicaca que se encontra a maior diversidade de Quinoas e o centro de origem dessa planta se encontra no Peru ou na Bolívia. Sua extensão atual na América do Sul coincide quase com os limites do império Inca, para o Norte na região de Bogotá na Colômbia e para o Sul até a ilha de Chiloé na costa Chilena. Sua cultura se estende também ao território dos Araucanianos, cultura extremamente criativa que nunca foi conquistada pelos Incas.

A Quinoa constitui a base alimentícia das grandes civilizações pré-colombianas. Assim, o centro cultural de Tiahuanaco que foi particularmente florescente, do ano 600 ao ano 1200, era muito dependente da cultura de Quinoa, pois ele era localizado às beiras do Lago Titicaca, a 4200 metros de altitude. O império Inca que lhe sucedeu, podia ainda contar com a cultura do milho, pois sua capital Cuzco era situada a 450 metros mais baixo em altitude. Até o momento da conquista espanhola dois terços da população do que é hoje o Peru vivia nas terras onde reinava a cultura da Quinoa.

Na época da invasão européia, a Quinoa constituía o segundo alimento, por ordem de importância, dos povos andinos. O primeiro era a batata e o terceiro era o milho. Os espanhóis adotaram rapidamente o milho que crescia em altitudes inferiores e em climas mais clementes.


Em compensação, os espanhóis não prestaram nenhuma atenção a Quinoa e esse desprezo pode se explicar de muitas maneiras. Primeiro, os espanhóis levaram com eles os cereais ocidentais – centeio, trigo, aveia e cevada, assim como ovinos e bovinos. As batatas constituíam um bom complemento desses alimentos enquanto a proteína extremamente equilibrada da Quinoa só suscitava pouco interesse por causa da grande abundância de carne produzida nos ranchos, de forma extensiva, nas vastas terras que se despopulavam muito rapidamente. Em seguida, a Quinoa, sem glúten, se prestava pouco à panificação enquanto o pão constituía uma das bases alimentícias da Europa. Em seguida, se as amostras de Quinoa experimentadas pelos espanhóis não tinham sido retiradas de sua película amarga de saponina, havia poucas chances que delas serem apreciadas ao seu justo valor. Além disso, eles descobriram a cultura sem dúvida por causa de sua característica sagrada e as conotações religiosas que a envolviam.

O que os conquistadores não adotaram, eles arruinaram. Eles desmantelaram o sistema agrícola altamente sofisticado e muito produtivo que os Incas e seus predecessores tinham estabelecido. Os Incas tinham desenvolvido estruturas muito complexas de cooperação e trocas de trabalhos a fim de manter a infra-estrutura agrícola das estradas, dos terraços e das obras de irrigação. Essas estruturas não puderam ser preservadas, pois a população foi destruída por terríveis epidemias e forçada, em escravidão, a trabalhar nas minas e em outras atividades econômicas impostas pelos conquistadores.

Por volta do final do século XVI, a relocalização das populações indígenas nas “reducciones”, tipos de pequenas comunidades, facilitou o controle colonial, assim como o recrutamento para os trabalhos forçados, e impediu o trabalho coletivo necessário ao mantimento da infra-estrutura agrícola. No espaço de um século, os povos da serra, mesmo se eles foram muito menos atingidos pela conquista que os povos das regiões costeiras, foram reduzidos a um sexto do que eram antes da época da colonização. A Quinoa desapareceu com a sociedade e o sistema agrícola que a havia portado. Apesar disso, restos do antigo sistema agrícola perduraram nos vilarejos indígenas e são esses vilarejos que, durante séculos contribuíram para a preservação dessa cultura antiga.

Texto da Kolopelli Seed Foundation

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ASTRONOMIA TUPI-GUARANI

Em 1632, Galileu Galilei publicou o livro: “Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo; ptolomaico e copernicano”, onde afirmava que a principal causa do fenômeno das marés seriam os dois movimentos circulares da Terra: o de rotação em torno de seu eixo (diário) e o de translação em torno do Sol (anual), desconsiderando a influência da Lua.

Em 1612, o missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville passou quatro meses entre os Tupinambá do Maranhão, da família tupi-guarani, localizados perto da Linha do Equador. Seu livro “Histoire de la mission de pères capucin
s en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines”, publicado em Paris em 1614, é considerado uma das mais importantes fontes da etnografia dos indígenas do tronco tupi. Nesse livro, publicado dezoito anos antes do livro “Diálogo” de Galileu, d’Abbeville escreveu: “Os tupinambá atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois”. Além disso, a maioria dos antigos mitos indígenas sobre o fenômeno da pororoca, que traz uma grande onda do mar para os rios volumosos da Amazônia, mostra que ele ocorre perto da lua cheia e da lua nova, demonstrando o conhecimento, por esses povos, da relação entre as marés e as fases da Lua.

Somente em 1687, setenta e três anos após a publicação de d’Abbeville, Isaac Ne
wton demonstrou que a causa das marés é a atração gravitacional do Sol e, principalmente, da Lua sobre a superfície da Terra. Esses fatos mostram que, muito antes da Teoria de Galileu, que não considerava a Lua, os indígenas que habitavam o Brasil já sabiam que ela é a principal causadora das marés.

Os indígenas observavam os movimentos aparentes do Sol para determinar, o meio dia solar, os
pontos cardeais e as estações do ano utilizando o GNÔMON, que consiste de uma haste cravada verticalmente no solo, da qual se observa a sombra projetada pelo Sol, sobre um terreno horizontal. Ele é um dos mais simples e antigos instrumentos de Astronomia, sendo chamado de Kuaray Ra'anga, em guarani e Cuaracy Raangaba, em tupi antigo.

Um tipo
de gnômon indígena, que temos encontrado no Brasil, em diversos sítios arqueológicos, é constituído de uma rocha, pouco trabalhada artificialmente, com cerca de 1,50 metros de altura, aproximadamente em forma de tronco de pirâmide e talhada para os quatro pontos cardeais. Ele aponta verticalmente para o ponto mais alto do céu (chamado zênite), sendo que as suas faces maiores ficam voltadas para a linha norte-sul e as menores para a leste-oeste. Em geral, o zênite é o domínio do Deus maior da etnia considerada; os pontos cardeais são os domínios dos quatro deuses que o auxiliaram na criação do mundo e de seus habitantes; os pontos colaterais são domínios das esposas desses deuses.

Em volta do gnômon indígena há rochas menores (seixos) que formam uma circunferência e três linhas orientadas para as direções dos pontos cardeais e do nascer e do pôr-do-sol nos dias do início de cada estação do ano (solstícios e equinócios). Chamamos esse monumento de rochas, constituído pelo gnômon e pelos seixos, de Observatório Solar Indígena, devido à sua relação com os movimentos aparentes do Sol.

Em 1614, Claude d'Abbeville escreveu que os tupinambá também observava
m o movimento do nascer e do pôr-do-sol e o seu deslocamento na linha do horizonte, que efetua entre os dois trópicos, limites que jamais ultrapassam. Eles sabiam que quando o Sol vinha do lado norte trazia-lhes ventos e brisas e que, ao contrário, quando vinha do lado sul, trazia chuvas. Eles contavam perfeitamente os anos, pelo conhecimento do deslocamento do Sol de um trópico a outro. Dividiam o ano pela época das chuvas e pela época dos ventos ou, ainda, pelo tempo dos cajus.

Além da orientação geográfica, um dos principais objetivos práticos da astronomia indígena era sua utiliz
ação na agricultura. Os indígenas associavam as estações do ano e as fases da Lua com a biodiversidade local, para determinarem a época de plantio e da colheita, bem como para a melhoria da produção e o controle natural das pragas. Eles consideram que a melhor época para certas atividades, tais como, a caça, o plantio e o corte de madeira, é perto da lua nova, pois perto da lua cheia os animais se tornam mais agitados devido ao aumento de luminosidade, por exemplo, a incidência dos percevejos que atacam a lavoura. A incidência de mosquitos também é muito maior na lua cheia do que na lua nova. Esse fato pode ajudar a combater o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, pois é muito mais eficaz dedetizar perto da lua cheia.

Os indígenas que habitam o litoral também conhecem a relação das fases da Lua com as marés. Eles associam as marés às estações do ano para a pesca artesanal. Em geral, quando saem para pescar, seja no rio ou no mar, já sabem quais as espécies de peixe mais abundantes, em função da época do ano e da fase da Lua. Por exemplo, eles pescam a gurijuba (Arius parkeri), o peixe mais tradicional da região de Belém, PA, principalmente entre as fases de lua minguante para a nova, nos meses de outubro e novembro.

Para os guarani, do sul do Brasil, até o ritual do “batismo”, em que as crianças recebem seu nome, depende de um calendário lunissolar: o plantio principal do milho ocorre, geralmente, na primeira lua minguante de agosto. Após a colheita do milho plantado nessa época é que realizam o batismo das crianças. Esse evento deve coincidir com a época do máximo do “tempo novo”, caracterizada pelos fortes temporais de verão, geralmente o mês de janeiro, quando os guarani celebram a colheita do milho e o ritual do batismo.

As constelações indígenas diferem das concepções das sociedades exteriores ocidentais principalmente em três aspectos.

Primeiro, as principais constelações ocidentais registradas pelos povos antigos são aquelas que interceptam o caminho imaginário que chamamos de eclíptica, por onde aparentemente passa o Sol, e próximo do qual encontramos a Lua e os planetas. Essas constelações são chamadas zodiacais. As principais constelações indígenas estão localizadas na Via Láctea, a faixa esbranquiçada que atravessa o céu, onde as estrelas e as nebulosas aparecem em maior quantidade, facilmente visível à noite.

Segundo, os desenhos das constelações ocidentais são feitos pela união de estrelas. Mas, para os indígenas, as constelações são constituídas pela união de estrelas e, também, pelas manchas claras e escuras da Via Láctea, sendo mais fáceis de imaginar. Muitas vezes, apenas as manchas claras ou escuras, sem estrelas, formam uma constelação. A Grande Nuvem de Magalhães e a Pequena Nuvem de Magalhães são consideradas constelações.

O terceiro aspecto que diferencia as constelações indígenas das ocidentais está relacionado ao número delas conhecido pelos indígenas. A União Astronômica Internacional (UAI) utiliza um total de 88 constelações, distribuídas nos dois hemisférios terrestres, enquanto certos grupos indígenas já nos mostraram mais de cem constelações, vistas de sua região de observação. Quando indagados sobre quantas constelações existem, os pajés dizem que tudo que existe no céu existe também na Terra, que nada mais seria do que uma cópia imperfeita do céu. Assim, cada animal terrestre tem seu correspondente celeste, em forma de constelação.

O Cruzeiro do Sul fica em plena Via Láctea, sendo a constelação mais conhecida dos indígenas do Hemisfério Sul, que a utilizam para determinar os pontos cardeais, as estações do ano e a duração do tempo à noite. As Plêiades ficam em segundo lugar, sendo utilizadas para calendário.

Segundo d’Abbeville, os tupinambá conheciam muito bem o aglomerado estelar das Plêiades e o denominavam “Seichu”. Quando elas apareciam no lado leste, ao anoitecer, afirmavam que as chuvas chegariam como chegavam, efetivamente, poucos dias depois. Como a constelação aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no fim para tornar a reaparecer em igual época, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo decorrido de um ano a outro. Da mesma maneira, atualmente para os tembé, que habitam o norte do Brasil, o surgimento das Plêiades anuncia a estação da chuva e o seu ocaso, quando elas desaparecem no lado oeste, ao anoitecer, indica a estação da seca. Para os guarani do s
ul do país, o aparecimento das Plêiades anuncia o verão, enquanto o seu desaparecimento indica a proximidade do inverno.

Além dessas duas constelações, há outras que servem para calendário e orientação geográfica, tais como o Colibri, o Homem Velho, a Ema e a Cervo-do-Pantanal, todas elas localizadas na Via Láctea.

Devemos ressaltar o valor pedagógico do ensino da astronomia indígena para os alunos do ensino fundamental de todo o Brasil, por se tratar de uma astronomia baseada em elementos sensoriais (como as Plêiades e a Via Láctea), e não em elementos geométricos e abstratos, e também por fazer alusão a elementos da nossa natureza (sobretudo fauna e flora) e história, promovendo auto-estima e valorização dos saberes antigos, salientando que as diferentes interpretações da mesma região do céu, feitas por diversas culturas, auxiliam na compreensão das diversidades culturais. Em geral, por solicitação da comunidade pesquisada, entregamos uma cartilha bilíngüe, em português e na língua nativa, com o resgate do conhecimento astronômico obtido e, também, uma réplica do observatório solar, para serem utilizadas como material didático nas escolas indígenas.

Texto de Germano B. Afonso

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

CONTROLE DO TEMPO PRÉ-COLOMBIANO

Ao levantarem seus olhos para o céu, os astrônomos incas nada mais faziam do que dar continuidade a uma prática muito antiga, que teve início com as nações andinas a cerca de 2000 aC. Desde os primórdios da ocupação humana na Cordilheira dos Andes, o homem buscou compreender o meio ambiente para dele forjar os alicerces de sua sociedade.

Ao longo de toda Cordilheira, tanto no litoral desértico quanto no Altiplano, os arqueólogos encontraram vestígios de construções que tinham como função, compreende
r a natureza e suas particularidades. O viajante que hoje se aventurar por essas regiões remotas de nosso continente, poderá ainda experimentar a dura prova que é sobreviver sob condições climáticas selvagens. Somente assim podemos compreender a verdadeira obsessão dos antigos povos pela observação do meio ambiente.

Uma das mais surpreendentes descobertas nesse sentido, ocorreu na região do lago Titicaca, a 3812 m de altitude, relacionada a antiga cultura CHIRIPA (1350 aC - 100 dC). O morro rochoso de Quesasani, ao lado da atual cidade boliviana de Copacabana, eterno centro de peregrinações religiosas, é guardião de um monumento conhecido popularmente como "Forca do Inca": trata-se de duas colunas naturais de rocha, entre as quais existiam sete traves do mesmo material; hoje apenas uma se mantém intacta. As primeiras referências foram feitas pelos conquistadores espanhóis. Concluíram - em sua mentalidade militarista - que as traves e colunas serviam para enforcar os marginais da nação incaica. Daí seu nome. Em 1880, o viajante Charles Wiener - buscando semelhança com monumentos europeus - chamou-as de dólmens, fazendo uma clara referência a Stonehenge, na Inglaterra.

O mistério da obra só foi devidamente esclarecido em 1983, quando Juan de la Cruz Zapata, especialista em física cósmica da Universidade Maior de San Andrés, desenvolveu estudos dos quais concluiu serem as colunas, usadas para prever os movimentos lunares e a chegada de eclipses. Podemos dizer hoje com toda certeza, que o
monumento foi um observatório astronômico.

Em finais da década de 80, o arqueólogo Oswaldo Rivera Sundt confirmou essa tese, datando o local em 1764 aC. Descobriu pedras que foram desgastadas propositadamente para que os raios solares pudessem projetar-se nas traves. Essas "deformações" rochosas serviram para marcar datas fundamentais à observação do meio ambiente. Através das projeções solares, os pré-colombianos puderam organizar seu ano e suas plantações.

A exemplo da nação Chiripa, outras utilizaram calendários e marcações solares e lunares para organizar seu dia-a-dia. O meio ambiente rude e selvagem moldou características curiosas nos homens andinos: a da constante observação climática, do animismo e do culto a natureza. Os pré-colombianos tornaram-se especialistas em observar as mu
danças - por menores que fossem - do clima. Ao visitar a região do lago Titicaca, pude conversar com camponeses de origem aymara que se utilizam de sinais do meio ambiente para programar a vida de suas comunidades. Indícios de geadas, coloração do céu, coachar dos sapos, direção do vento e revoada de pássaros até hoje são utilizados para esse fim. Preocupa-os em especial a degradação do meio ambiente que já começa a atingir a região do Altiplano, causada pelo crescimento desordenado das cidades e pelas queimadas na floresta Amazônica brasileira, que emitem nuvens gigantescas de fumaça através dos vales pré-cordilheiranos. Essa névoa aquece e desequilibra o meio ambiente do Altiplano, interferindo nos indícios climáticos, tão necessários às comunidades andinas.

O controle do meio ambiente permitiu durante a ocupação regional da nação TIWANAKU (1580 aC - 1200 dC) um desenvolvimento sem igual n
a produção de alimentos. Através da criação de canais artificiais, criaram sistemas de plantio conhecidos atualmente como Camellones, que ainda não foram superados em eficiência por nenhum outro sistema da história. Os maiores Camellones chegaram a atingir 200 metros de comprimento por 50 de largura. Foram plataformas artificiais, erguidas em várias camadas (pedra, argila, cascalho e terra), com aproveitamento total dos terrenos alagadiços. Essa avançada técnica agronômica levava em consideração as observações do meio e o microclima noturno formado em terrenos de altitude, às margens do Titicaca. Os produtos plantados nesse sistema, como batatas e outros tubérculos regionais, chegam a produzir 10 vezes mais do que um plantio normal. Além do que, os produtos atingem um tamanho individual até 5 vezes os atualmente conhecidos.


No mundo INCA (1200 - 1532 dC) os astrônomos - ou Pachap Onanchac - eram os responsáveis oficiais pelo estudo do céu (Hanan Pacha) e pela observação climática. Seu conhecimento era passado verbalmente entre os profissionais da área. Por esse motivo, hoje sabemos pouco sobre seus estudos astronômicos, mas o suficiente para compreendermos que eles buscavam aperfeiçoar os métodos de seus antecessores. Sabiam que o meio ambiente era um poderoso aliado.

O homem andino aprendeu, através da observação, que a agricultura estava vinculada ao ciclo do tempo. Existia o período propício para plantar e colher, que era determinado pelo frio, calor, geadas, chuvas e secas. O estudo da astronomia foi antes de
tudo, a vontade dos homens em dominar o tempo, garantindo assim sua própria continuidade. Podemos dizer que, de forma prática, a observação do meio ambiente levou ao avanço da agricultura, e o sucesso desta, à necessidade de aprender mais sobre astronomia. Controlar o tempo e compreender o clima era antes de tudo, dominar o poder político e religioso da região. Poder esse que durante muito tempo ficou em mãos de uma classe especial de sacerdotes.

As poucas - e conflitantes - informações sobre o uso de calendários baseados na observação do meio ambiente nos foram deixadas pelos conquistadores espanhóis. Tudo leva a crer que os incas utilizavam durante certo período, dois sistemas de controle do meio para suas plantações: uma lunar e outra solar. O lunar era dividido em 12 partes (ou meses) correspondendo a cada uma delas, uma atividade ou festa específica, geralmente relacionada com o p
lantio e colheita. Já o ano solar despendia um período diferente do lunar: ao final de cada ano, "sobravam" mais de 10 dias em relação ao lunar, que deveriam ser reintegrados de alguma forma ao ciclo normal das colheitas. Até o momento, não se sabe exatamente a solução encontrada por eles para solucionar esse excedente de dias. Contudo, temos conhecimento que o Inca Pachacuty mandou erguer 12 colunas ao redor da capital Cusco, que serviam para observar os azimutes. Assim, medindo as sombras projetadas no solo, conseguiam estipular a época correta dos solstícios e equinócios.



Os incas tinham, a exemplo de outros povos, seus observatórios solares e astronômicos, de forma geral chamados Sucanas. O tipo mais conhecido deles é sem dúvida o Intihuatana, ou "lugar onde se amarra o sol", construção já utilizada por nações pré-incaicas, que consistia de um círculo de pedras - sendo algumas propositadamente maiores - em cujo centro erguia-se um pequeno obelisco. A coluna não projetava sombra ao meio-dia, mas o fazia nas demais horas, sobre as rochas ladeadas, registrando assim o passar do tempo.

Tudo indica que o calendário incaico tinha uma função basicamente agrária. Não parecia existir - ao contrário de outros povos americanos - qualquer espécie de relação a marcação de dias de sorte, azar ou períodos premonitórios. Os astros eram compreendidos principalmente como elementos indicadores de secas e chuvas. Essa era sua principal função. O mesmo não ocorria com observações de outros fenômenos como cometas, eclipses e arco-íris, que podiam anunciar guerras, invasões, pestes ou incertezas para as sociedades andinas.

Podemos dividir assim o ano incaico, partindo do calendário lunar, tendo como mês de início o correspondente a semeadura da terra:

Junho – Awkay Kushi - INTI RAYMI (Festa do Sol)
Julho – Chana Warkis - Purificação terrena
Agosto – Yapakis - Purificação geral (semeadura)
Setembro – Raya Koymi - Sitwa (expulsão das doenças)
Outubro – Uma Raymi - Festa da água
Novembro – Ayamarka - Procissão dos defuntos
Dezembro – Kapaj Raymi - CAPAC RAYMI (Grande Festa)
Janeiro – Juchuy Pukuy - Pequena madurez
Fevereiro – Qatun Pukuy - Grande madurez
Março – Pacha Pukuy - Pacha Puchuy (Maturação)
Abril – Ariwakis - Dança do milho jovem
Maio – Qatun Kuski - Colheita


Baseado em texto do historiador Dalton Delfini Maziero.

sábado, 11 de setembro de 2010

LEI Nº 11.645


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de março de 2008; 180º da Independência e 120º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Fernando Haddad

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

TUPÃ


Muitos procuraram interpretar o significando da palavra TUPÃ. Tais interpretações, porém, não nos parecem satisfatórias.

Primeiramente, há os que atribuem a essa palavra o significado de “PAI EXCELSO”, fazendo-a derivar de TUBA (pai) e AMA (excelso). Logo TUBAMA passaria depois a TUPANA ou TUPÃ.

Concedamos que a palavra AMA, “estar em pé”, viesse a designar “excelso”, o que na prática a língua tupi não atesta.

Seria preciso aceitar também que o “B” de TUBA passasse a “P”, o que igualmente nesta circunstância não é atestado pelo tupi. Não queremos negar a possibilidade de transformação do “b” em “p” nesse idioma, e é por isso mesmo que dissemos “nesta circunstância”; mas geralmente se dá o contrário: o “p”, antes do som não nasal, pode mudar-se em “b”. Alias, pela própria índole da língua e mais conforme às leis fonéticas universais, o som nasal de AMA, sendo sonoro, deveria conservar o “b” que é consoante sonora; o “p” é surda.

Além disso, a palavra TUPÃ deveria mudar o “t” inicial em “r”, porque todas as palavras começadas em “t”, exceto alguns nomes como os onomatopaicos, devem mudá-lo em “r” quando se acham em relação sintática com uma palavra precedente. Mas a palavra “tuba” é dessas que, segundo a regra geral, tem o “t” móvel; donde: “xe ruba”, meu pai, “akûé kurumí ruba”, o pai daquele menino, etc. Mas ainda: a palavra “tupã” tem o “t” imóvel; diz-se “xe tupã”, meu deus, e não “xe rupã”, etc. Logo...

Ainda mais: a forma primitiva de TUPÃ era TUPANA, que no tupi colonial ainda se encontra e sobre a qual temos o testemunho dos padres Anchieta e Nóbrega. Portanto a terminação AMA não tem fundamento. Os tupis distinguiam bem o “m” do “n”, e até nos finais, como por exemplo: “xe mim”, esconder-me; “xe min”, tenho lança, etc.

Outros dão outra explicação. O padre Montoya, por exemplo, em seu “Tesoro de La Lengua Guarani”, no verbete “TUPÔ, diz: “compuesto de TU, admiração, y PA, pregunta: MANHU? Qui est hoc? – Nombre que aplicaron a Dios”. Também segue essa explicação o Prof. Dobritzhoffer.

Montoya faz relação do modo de exclamar dos índios com o dos judeus quando viram o maná.

Se a palavra TUPÃ fosse composta de admiração TU e da interrogação PÃ, não estaria isto conforme o idioma guarani. De fato, a admiração TU era só usada pelos homens, enquanto TUPÃ, era empregada por eles e pelas mulheres. Mas vá lá que depois passassem a usá-la também as mulheres. Quanto a este primeiro elemento há algo favorável: o “t” é imóvel, igual ao da palavra “Tupã”. Todavia o segundo elemento, a partícula interrogativa “pã”, que melhor seria “pang”, cuja forma plena, atestada pelo próprio Montoya, é “panga” (composta talvez de “pe” e “ang” ou “anga”, e portanto igual a “piã” ou “piang”) não poderia mudar-se sem mais nem menos em “pana”, como seria de fato a terminação de TUPÃ: “tupana”. Logo...

O Dr. Hartt apresenta a sugestão de que TUPÃ se derive do verbo TEAPU, roncar, pois no Amazonas o mesmo verbo é dito TEAPUAN.

Quanto a isso, basta observarmos que esta sugestão está certa quanto ao sentido da palavra TUPÃ; mas, quanto à forma, a coisa, muda, porque a palavra TEAPU ou mesmo TEAPUAN (conforme ele cita), que propriamente no tupi colonial era TYAPU, tem o “t inicial móvel, enquanto TUPÃ não o tem, segundo vimos acima. E as palavras derivadas seguem a forma da primitiva. Logo...

Por fim outros querem ainda derivar TUPÃ da raiz TUP ou TOP do quéchua, que significa “queimar”, “calor” e portanto “brilhar”, dizendo-a derivada do sânscrito. O segundo elemento seria a palavra ANG ou ANGA, alma, espírito.

Quanto ao sentido e quanto à forma, essa relação com o quéchua e com o sânscrito estaria certa. Mas a palavra TUPÃ indicaria antes o raio ou relâmpago do que o trovão; e os índios distinguiam bem os raios ou relâmpagos dos trovões, tanto assim que possuíam palavras para designar cada um deles, embora em um ou outro dialeto tupi hodierno, como por exemplo o pauaté e o aoiampi, seja usada a mesma palavra “tupã” para significar tanto o trovão como o raio ou relâmpago. O contrário porém é certo, isto é, que TUPÃ indique o trovão, conforme veremos mais adiante.

Além disso, poderíamos dizer melhor que se relaciona com a raiz indo-européia TUN, bater, raiz essa onomatopaica que encontramos parecida no ramo tupi-guaraní, e, por isso, por ser onomatopaica, pode achar-se em outras línguas, sem relação alguma dever existir entre elas. Por esta razão temos no guarani TU, golpe, MBOTU, bater, e no grego TYPOS, golpe, TYPTO, bater, etc.

Não queremos afirmar aqui nenhuma relação do indo-europeu com o tupi-guarani, não obstante a nossa opinião particular seja um tanto favorável, e por muitas razões. Aliás, esperamos poder em um próximo artigo apresentar fatos, bastantes e interessantes, a respeito de tal relação.

O segundo elemento seria a palavra ANG ou ANGA, alma. Logo, TUPANG ou melhor TUPANGA daria TUPÃ ou TUPANA. Assim significaria, como querem, “espírito brilhante, resplandecente”. Não poderia isto acontecer por dois motivos: um, baseado na forma – como explicaria a mudança, apenas nesta palavra, de TUPANGA para TUPANA? Gostaríamos que nos dessem outros exemplos em outras palavras tupis. O segundo motivo é próprio da estrutura, da construção, da sintaxe do ramo lingüístico tupi-guarani. Para significar “espírito brilhante”, a palavra ANGA estaria em colocação errada, diferente das demais formas de composição da língua: deveria nesse caso vir antes, porque os nomes, indicando uma qualidade, devem vir depois. Logo...

Até aqui vimos as explicações dos outros. Agora devemos apresentar a nossa.


O nosso ponto de vista é que a palavra TUPÃ ou TUPANA é composta de TU, onomatopéia de “golpe”, e PANA (ou PÃ), palavra também onomatopaica, designativa de “pancada”, “barulho”, “som”. De TU deriva-se YTU, golpe d’água, cachoeira; MBOTU, bater em, golpear, chocar-se com. De PANA o verbo MOPANA, bater, fazer soar. Portanto, TUPANA significaria “barulho de golpe”, “som de pancada”, “som de golpe”. É o trovão.

A esse respeito vejamos o testemunho dos padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta:

Falando sobre os Tupinambás e os Tupiniquins, Nóbrega assim escreve, na carta sobre as “Informações das Terras do Brasil”: “Essa gentilidade nenhuma cousa adora, nem conhece a Deus; somente aos trovões chama TUPANA, que é como quem diz cousa divina. E assim nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus, que chamar-lhe Pae Tupana” (Cartas Jesuíticas, I; Manuel da Nóbrega: Cartas do Brasil, 159-1560, pag. 99).

E o padre Anchieta nas suas “Informações do Brasil e de suas Capitanias”, 1584, assim escreve: “Nenhuma criatura adoram por Deus, somente aos trovões cuidam que são Deus, mas nem por isso lhes fazem honra alguma, nem comumente tem ídolos nem sortes...”

A forma tupi é propriamente TUPANA; foi generalizada a foram TUPÃ talvez por influência indireta do guarani. A palavra TUPANA primeiramente significou o trovão, que era também a representação do poder divino, e daí significou o próprio Ser Supremo. Por isto os jesuítas a aplicaram a Deus e ela passou a indicar igualmente “dia santo”, como neologismo cristão.

Os índios, atribuindo a Deus a mesma palavra que designava o trovão, não fugiram à regra geral. De fato o homem não teria podido ser preciso em definir a natureza de Deus, exceto pela revelação; por isto o chamavam com um nome que lhe designasse algum atributo aparente.

No indo-europeu a palavra DEUS vem da raiz DIV, que significa “brilhar”. Daí temos DEVAS no sânscrito, deus, divus, divinus no latim, ZEUS (dieus), DIOS em grego, etc. Daí, também, vem as palavras DIES do latim, DIAUS, o céu iluminado, do sânscrito, etc, etc. Por conseguinte DEUS no indo-europeu era “o brilhante”, “o resplandecente”, na maioria dos seus dialetos.

Por outra parte, no mesmo indo-europeu, encontramos outra designação. No inglês, no alemão, no gótico diz-se respectivamente GOD, GOTT e GUTH, que provavelmente representam um tipo GHU-TOM, derivado da raiz GHU (com “u” breve), sacrificar, ou mesmo da raiz GHU (com “u” longo), invocar. No sânscrito há as duas derivações, um breve: HUTA, significando “aquele a quem se faz um sacrifício”; a outra longa: HUTA, “aquele que é invocado”.

No hebraico temos a forma ELOAH, geralmente usada no plural ELOHIM, como também a forma EL, para designar Deus. Ora, estas formas são derivadas da raiz EL, que significa “força”, “forte”. E cognatas à forma hebraica, há as palavras ILAH do árabe (que com o artigo faz ALLAH), ELAH do aramaico, ALAHA do siríaco. Deus seria para estes “o forte”, “o poderoso”.

Portanto não tememos em afirmar que a palavra TUPÃ ou melhor TUPANA, significando “trovão”, possa designar o Ser Supremo, principalmente se considerarmos que, entre os Romanos, Júpiter (diupater), o pai dos deuses, era chamado de TOPANS, o tonante, o retumbante.


Estavam pois certos os jesuítas ao aplicá-la a Deus, o Deus como é concebido pelos cristãos, isto é, o Deus verdadeiro criador e senhor de todas as coisas.

Texto de Geraldo C. Lapenda,
in “Boletim Universitário” – Recife, 15 de Junho de 1953

sábado, 4 de setembro de 2010

MORAL GUARANI

Muita gente, por ignorar a cosmovisão Guarani, se pergunta várias vezes “por que eles não trabalham como nós” ou “por que não constroem como nós”. Mas essas questões – e suas respostas – passam pela questão filófico-religosa.

O Guarani tem uma concepção muito espiritual da vida. Ele não vem à terra para viver eternamente; é um simples transeunte em direção a outra meta. Por essa razão, para o Guarani a terra, os animais, os vegetais, os minerais, enfim, toda a natureza não tem dono!

O Guarani vem ao mundo para buscar uma perfeição, um estado de plenitude – o AGUYJE. Para isso ele deve conviver harmonicamente com seus semelhantes e com a natureza que o rodeia. Deve usar a natureza racionalmente, pensando fraternal e solidariamente com todos os demais. Na natureza, cada componente tem um JARÝI ou PÓRA (gênio protetor) que se manifestam para advertir ou punir os que ousarem abusar da natureza. Por exemplo, quem mata vinte pássaros quando precise de apenas um para alimentar-se e à sua família, ou para dar a algum ancião.

O uso da natureza não deve levar ao seu esgotamento. Ao primeiro sinal disso, o Guarani parte em busca de uma terra nova, fértil, virgem, não explorada ainda – a yvy marã’ÿ. Assim, o lugar abandonado terá tempo para se regenerar e servir a outros. Esta é a razão fundamental do constante peregrinar Guarani. Em princípio, o indígena se dedicará à simples coleta (po’o – “po” = produto; “o” = extrair, pegar). O nomadismo não tem sua causa unicamente na necessidade de migrar após o falecimento de algum líder “cuja alma ficará rondando e prejudicando naquele lugar, como muitos pensam. Sua motivação fundamental é a necessidade do yvy marã’ÿ. Recordamos que eram comum o culto dos ossos – Léon Cadogan informa muito bem isso em seu livro “Ayvu Rapyta”:os indígenas recuperam os ossos de seus mortos e os levam consigo, frequentemente fazendo-lhes oferendas, cantos e danças (ñembo’e jeroky), inspirados no mito de PA’I RETE KUARAY.

Outro sinal dessa consciência de que a vida terrena é passageira, é o fato de os indígenas não dão seu nome a lugares – costume comum entre os ocidentais, que dão nome a cidades, ruas, etc. Pelo contrário, eles tomam seu nome da natureza. O indígena é um profundo protetor e conhecedor da natureza. Sua vida só tem sentido dentro da natureza que o rodeia; fora desse âmbito, nada faz sentido para ele.

Quando à religião, podemos ressaltar que ela é o centro de onde emanam todos os comportamentos e a cultura indígenas. Os Mby’a crêem em ÑANDE RU TENONDE (nosso pai primeiro) e veneram ÑANE RAMÓI PAPA (nossos antepassados). Essa concepção de um Pai Primeiro é algo notavelmente chamativo, que nem todas as culturas originais chegaram a desenvolver. O Deus dos Guarani criou o universo, a terra, os animais, os vegetais, minerais, o ser humano e tudo o que existe a partir de seu amor. Mas primeiro criou o fundamento da linguagem humana: a PALAVRA (ñe’e). Pois só com ela é possível criar o HINO SAGRADO (ñe’e porã tenonde). Assim as características fundamentais de Ñanderu são o amor, a palavra e o hino sagrado. Por isso a PALAVRA tem um valor imenso para os Guarani.

Por outro lado, a busca da aguyje passa pelo TEKOKATU, ou seja, a vida plena. O indígena busca o tekokatu através de exercícios morais e físicos e a convivência harmônica com a natureza. A palavra “katu” (ngatu) é, também, uma unidade de medida para avaliar o alcance da civilização guarani. Katu quer dizer “perfeito”. O Guarani, portanto, tem a noção de “perfeito” e de “perfeição”, que nem todas as culturas originárias desenvolveram.

Além do tekokatu, o indígena chega à aguyje pela TEKOJOJA (vida justa, igualitária) que só é possível através da vivência de JEKUPYTY (solidariedade).

Só quem conhece o mundo profundo dos Guarani pode avaliar o extraordinário grau dessa civilização. O que explica porque, 500 anos depois da chegada dos europeus aqui, a palavra Guarani continua viva e falada pela maioria das pessoas do cone sul, sobretudo.


Texto de ATENEO DE LENGUA Y CULTURA GUARANI