segunda-feira, 30 de novembro de 2009

XONDARO... a arte marcial guarani

Os índios guaranis possuem uma interessante técnica de luta desconhecida pela maioria dos brasileiros, até mesmo pelos adeptos das artes marciais. Ela se denomina XONDARO (pronuncia-se xondáro) e curiosamente lembra aspectos das práticas orientais, como a ênfase no equilíbrio, gestos baseados nos movimentos de animais e a atitude de “desviar-se” — preferindo não se contrapor ao oponente, deixando-o gastar suas energias.

A técnica propicia uma eficiência tal que, segundo os guaranis, os antigos guerreiros Xondaro conseguiam agarrar flechas em pleno vôo. Assim como a capoeira, que pode exercer a função de luta ou de dança — conforme as circunstâncias —, a Xondaro também possui um papel múltiplo. Luta, dança e canto. Porém, como música e dança, a Xondaro está totalmente integrada às experiências religiosas xamânicas, aparentemente não sendo exercitada isoladamente como folguedo.

O guarani Timóteo Verá Popyguá prestou um depoimento sobre o assunto, em 1998, incluído no CD "Memória Viva Guarani" (Ñande Reko Arandu), contando que os guaranis são iniciados na Xondaro — que ora ele identifica como dança e ora como exercício guerreiro — desde pequenos. E que o objetivo é desenvolver o equilíbrio do corpo e a saúde. Explicou que o principal treinamento hoje em dia envolve o ato de desviar-se. A antropóloga Deise Lucy Montardo pôde assistir a alguns desses treinos nas aldeias que visitou para elaborar sua tese de pós-graduação na USP, Através do mbaraka: música e xamanismo guarani. “No ritual observa-se um comportamento que remete, de nosso ponto de vista, à noção de artes marciais. Um dos treinamentos mais significativos efetuados nos rituais guaranis é o aprender a ‘desviar-se’ em danças/lutas. O comportamento de não se contrapor, característico dos Guarani, é trabalhado corporalmente”, relatou ela.

Popyguá falou também da grande utilidade e eficiência da técnica no que se refere ao aprimoramento dos sentidos, da agilidade, do senso de direção — extremamente necessários para a vida na mata. Disse que o reflexo do guerreiro possibilitava a ele agarrar flechas no ar. Referiu-se também ao fato de que os praticantes da Xondaro são guardiões das aldeias e também dos rituais xamânicos, agindo como uma espécie de soldados da chamada OPY (casa de reza), bem como assistentes dos pajés.

A seguir, um resumo do depoimento:

(...) "O menino começa a dançar, começa a frequentar esta dança. Ele tem seu próprio equilíbrio no seu próprio corpo. Xondaro, hoje em dia, a gente pratica mais para desviar, para dançar, para ter equilíbrio e para ter saúde. A prática do Xondaro é comum entre os guaranis.
(...)
"Xondaro é preparado para ser guerreiro. Tem certos ensinamentos. Eles ensinam com borduna, com arco e flecha. Na época, o guarani usava arco e flecha, ele atirava numa pessoa. E a pessoa, se fosse Xondaro, pegava aquela flecha, com o reflexo. Então, tudo isto eles ensinavam dentro do Xondaro. Principalmente para você sair para caçar, para o mato, para eles não se perderem, como é que ele tem que andar, como é que ele tem de retornar. (...) Tudo isto tem cada sentido. E o mestre Xondaro explica porque.
(...)
"Os Xondaro da casa de reza (opy) são guardiões. Este é o Xondaro ocayguá. (...) Tem Xondaro na porta da casa de reza, do lado de fora e do lado de dentro. Também acompanha o pajé quando ele vai benzer uma pessoa doente.
(...)
"Tem outro Xondaro que é o Xondaro da aldeia mesmo. Antigamente a gente falava Xondaro ovay. A pessoa que pode guerrear no momento de ataque. O Xondaro da casa de reza não vai sair por aí guerreando. Aquele Xondaro da comunidade, sim, vai. Sempre tinha esta função. Não hoje."

As pessoas que vêem os guaranis vendendo artesanato nas calçadas sujas das cidades ou na beira das estradas, com suas roupas maltrapilhas, seu jeito tímido e encolhido, os olhos baixos, sua fala que é mais silêncio do que palavra — aparentemente conformados com um suposto destino trágico e inexorável — possivelmente não imaginam a força e a vitalidade espirituais que ainda restam a esses brasileiros originais. As pessoas não conjeturam a vontade de viver e a resistência à opressão que são refletidas em inúmeros aspectos de seu cotidiano nas ocas. Um desses aspectos é o ritual noturno. Pouca gente sequer sonha o que é uma noite numa aldeia guarani.

Todos os dias, geralmente a partir das 16:00 h, durante cerca de quatro horas — às vezes prolongando-se muito mais, indo até o nascer do sol — eles dançam, cantam, oram, curam. E executam a Xondaro. Principalmente como dança e música.

O rito xamânico diário é denominado de PURAHÉI pelos subgrupos mbyá e chiripá e de JEROKY pelos subgrupos kaiová e nhandeva. Ali a Xondaro (ou Sondaro, como se escreve às vezes) aparece primeiramente como um exercício baseado no movimento de certos animais.

“Sobre o Sondaro, (a antropóloga Maria Inês) Ladeira afirma que seu intuito é o aquecimento, isto é, esquentar o corpo para as rezas noturnas e proteger a opy; e que sua coreografia segue o princípio de três pássaros: o colibri (para aquecimento do corpo), o gavião (para evitar que o mal entre na opy) e a andorinha, cuja coreografia é uma luta onde um deve ‘derrubar’ o outro com os ombros ou esquivar-se de um possível tombo (para fortalecer os sondaro contra o mal)” — diz Deise Montardo em sua tese.

Quando se assiste a essas danças guaranis, de acordo com a antropóloga, “a associação com a noção que temos de lutas marciais é imediata. É comum a várias artes marciais a mimese de animais. No tai-chi, por exemplo, a maioria dos movimentos tem nomes de atos dos animais” . E prossegue: “Nestas danças/lutas, segundo (Ivori José) Garlet, quando dançadas dois a dois, a região a qual objetivam acertar é a dos ilíacos, ossos da bacia. Nas danças em roda, o yvyra’ija — o dançarino/guerreiro xondaro, ajudante do xamã— vai passando o popygua (instrumento composto por duas varas amarradas) por baixo dos pés das pessoas que vêm em sentido contrário, aumentando, aos poucos, a sua altura em relação ao chão.” Arthur Benite, guarani da aldeia do Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC), contou à antropóloga que os mestres Xondaro, se treinam bastante, conseguem “se negar até de bala”, ou seja, defendem-se até de tiros. Segundo Benite, um dos treinamentos é feito no ritual noturno, quando o mestre fica no meio do círculo e chama um por um, da direita para a esquerda, para dançar.

Candida Graciela Chamorro Arguello, no artigo "O rito de nominação numa aldeia mbyá-guarani do Paraná", publicado na revista Diálogos, da Universidade de Maringá (PR) deu mais detalhes sobre a prática Xondaro num ritual noturno:
“Quase toda a aldeia já estava reunida em frente da casa de reza (opy), no início da tarde; os xondaro, porém, iniciaram sua dança somente às 15 horas. A dança iniciou-se ao som do violino de três cordas. Os integrantes se posicionaram em círculo. Embora mais suaves, seus movimentos lembravam a capoeira afro-brasileira. Os dançarinos alternavam o apoio de seus corpos sobre cada uma das pernas. O tronco era levemente inclinado ora para frente, ora para os lados, ora para trás. O corpo demonstrava a versatilidade de seus membros. Os braços, as pernas, o tronco, a cabeça, os ombros, com muita leveza, eram dirigidos em direção ao alvo: o corpo do outro. Semelhantemente, com a mesma destreza, cada xondaro tentava evitar que seu corpo fosse alcançado pelo ataque daquele que era seu ‘inimigo’.
(...)
Os xondaro são homens (meninos, adolescentes e adultos) treinados fisicamente para a luta. (...) No relato de alguns, antigamente, esta dança era uma preparação para defesa, em caso de ataque dos brancos (jurua), por isso alguns traduzem o termo por ‘dança física’. (...) Ela desenvolve as crianças, tornando-as ágeis (irari) e espertas (imba’e kuaa), além de alegrar e divertir (ombovy’a) toda a comunidade.
(...)
Indagados sobre a possibilidade desta dança ter sido aprendida de outros povos indígenas ou dos brancos, os Mbyá-Guarani de Palmeirinha são categóricos em afirmar que não. (...) Durante a dança, o líder do grupo enfrentou várias vezes o desafio dos dançarinos. Estes, um por um, sem sair do círculo, aproximavam-se dele e iniciavam uma luta corporal nos passos da dança. A dança foi ficando mais interessante, como se em cada gesto progredisse uma narrativa. O líder esquivava-se com facilidade dos movimentos que procuravam alcançá-lo. Nesse sentido, a dança dos xondáro se assemelha a um folguedo, cuja trama consiste em o líder se manter intocado, em ele não ser ‘ferido’.
(...)
Assim, a dança se prolongou por quase três horas, incluindo algumas pausas. Nesse tempo, todos os que faziam parte do ritual demonstraram ser detentores de resistência e equilíbrio corporal (...)”

Quando se defronta com fenômenos tão ricos como a Xondaro torna-se fácil constatar — como o fazem diversos antropólogos, etnógrafos, historiadores e arqueólogos — que parte notável da tradição indígena, tão vasta e complexa, ainda não foi devidamente estudada, compreendida e divulgada.

Mesmo as culturas exaustivamente inventariadas, como a guarani, ainda constituem um desafio aberto. Egon Schaden, um dos maiores pesquisadores da temática guarani, costumava pregar que “é necessário se destruir o mito de que a sociedade Guarani já é bastante conhecida e se insistir na urgência de se retomar o estudo dessa cultura (...)”.

Outro nome de grande expressão, o paraguaio León Cadogan, também dizia que os guaranis são tão conhecidos que até pareceria supérfluo um estudo a seu respeito. Porém, advertia ele, “este conhecimento é muito superficial”. O antropólogo Aldo Litaiff, da Universidade Federal de Santa Catarina, concorda com Cadogan: “Esta situação (de superficialidade) persiste atualmente”. O etnógrafo Bartomeu Meliá, talvez o maior investigador vivo da cultura guarani lamenta que “as grandes questões sobre a vida guarani — enigmas que atraem e fascinam — ainda não conseguiram ser respondidas de maneira aceitável.” Diversos fatores concorrem para essa realidade, mas o principal deles é a prática costumeira das classes dominantes de tentar ser sempre a escritora exclusiva da História, só estimulando estudos de temas que lhes interessam. E sob o enfoque que lhes interessa.

Na outra ponta está o ressabiamento justificado do índio, que cansado de ser explorado e desprezado, ergue a cabeça com dignidade e se fecha em copas, preferindo não expor nem a si e nem a seus conhecimentos àqueles que nunca o ouviram com respeito.

Afirma Meliá: “O rosto Guarani, deformado pelos preconceitos e multiplicado de mil formas pelos interesses dos tempos e das situações, que para os Guarani nunca deixaram de ser coloniais, esse rosto Guarani nega-se a aparecer e refugia-se numa palavra não escutada pela nossa sociedade, numa palavra que ele guarda no segredo de sua casa, no seu opy e no íntimo de suas entranhas”.

Baseado em texto do jornal "A Nova Democracia"


domingo, 29 de novembro de 2009

DEPRECAÇÃO


Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz!

Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
Teus filhos que choram tão grande mudança.

Anhangá impiedoso nos trouxe de longe
Os homens que o raio manejam cruentos,
Que vivem sem pátria, que vagam sem tino
Trás do ouro correndo, voraces, sedentos.

E a terra em que pisam, e os campos e os rios
Que assaltam, são nossos; tu és nosso Deus:
Por que lhes concedes tão alta pujança,
Se os raios de morte, que vibram, são teus?

Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz.
Teus filhos valentes, temidos na guerra,
No albor da manhã quão fortes que os vi!
A morte pousava nas plumas da frecha,
No gume da maça, no arco tupi!

E hoje em que apenas a enchente do rio
em vezes hei visto crescer e baixar...
Já restam bem poucos dos teus, qu'inda possam
Dos seus, que já dormem, os ossos levar.

Teus filhos valentes causavam terror,
Teus filhos enchiam as bordas do mar,
As ondas coalhavam de estreitas igaras,
De flechas cobrindo os espaços do ar.

Já hoje não caçam nas matas frondosas
A corça ligeira, o trombudo coati...
morte pousava nas plumas da flecha,
No gume da maça, no arco tupi!

O Piaga nos disse que breve seria,
A que nos infliges cruel punição;
E os teus inda vagam por serras, por vales,
Buscando um asilo por ínvio sertão!

Tupã, ó Deus grande! descobre o teu rosto:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
Teus filhos que choram tão grande tardança.

Descobre o teu rosto, ressurjam os bravos,
Que eu vi combatendo no albor da manhã;
Conheçam-te os feros, confessem vencidos
Que és grande e te vingas, qu'és Deus, ó Tupã!


Poema de Gonçalves Dias

TUPA E A ERVA-MATE

Na crença Guarani, TUPÃ é o Espírito do Trovão e Protetor da Chuva. Ele é parte da família do Grande Criador - NHANDE RÚ ETE (Nosso Pai Verdadeiro) para os Guarani M'byá; HANDE DJARA (Nosso Senhor Altíssimo) para os Guarani Nhandeva ou NHANDE RÚ VUSSÚ ( Nosso Pai Imenso) para os Guarani Kaiová. É Tupã quem torna a terra fértil todos os anos através dos brilhos de fogo (Tataendy) raios e chuvas. Fato cientificamente comprovado: os raios energizam a terra para que ela se torne fértil. Para o Guarani existem duas estações de ano: o Recomeço (Primavera e Verão) e a Dormência ou Descanso da Natureza (Outono e Inverno). Tupã está associado à primeira!

Já nas crenças de grande parte dos povos Tupi, TUPÃ é o Pai Maior, aquele que habitou a Terra. Todos os homens descendem de Tupã. Junto com Tupã, os principais Deuses são chamados de Mãe como GuaráCy (Mãe-Sol) que nos dá a sustentação no espaço e nos dá o calor; JaCy (Mãe-Lua) que nos dá os sonhos e a luz durante a noite e alguns elementos da Terra durante o dia... como a água, por exemplo; e YbiCy, a Mãe Natureza ou a Mãe-Terra.

Contam os mais velhos que em algum lugar no meio das coxilhas, vivia uma tribo guarani cujo cacique tinha muita fama de valentia, bravura e sabedoria. Era um exemplo para seus comandados. Todos os índios queriam ser como ele, lutar como ele, caçar como ele, ter o conhecimento de tudo o que ele sabia. Outro motivo de orgulho para o cacique era a sua linda e formosa filha, Caá-Yari, muito admirada pelos jovens guerreiros.

Mesmo com tantas razões para ser um homem altivo e feliz, o chefe índio andava acabrunhado, triste... Uma tristeza vinda lá do fundo da alma. O cacique estava se enveredando pelos caminhos da velhice e tinha medo de ficar sozinho.

Além disso, estava preocupado com sua sucessão. Não tinha filho homem e precisou escolher para sucedê-lo o mais valoroso entre os guerreiros da tribo. Justo o bravo pela qual sua filha Caá-Yari estava apaixonada. Era um grande problema a afligi-lo. Pela lei dos guaranis, a mulher do chefe da tribo tinha de acompanhá-lo em quaisquer de suas viagens, fossem caçadas, fossem batalhas, fossem missões de paz ou a busca de novas terras. Assim, se Caá-Yari casasse com o guerreiro escolhido para se tornar o novo cacique, muitas vezes teria que se ausentar da tribo. Com a filha longe, o velho chefe não sabia se ia agüentar continuar vivendo.

Caá-Yari conhecia as apreensões do pai. E para não magoá-lo, a bela índia amava seu adorado em segredo. A filha zelosa sabia que, só com o pensamento de vê-la longe, o cacique caía numa melancolia danada.

O desprendimento de Caá-Yari era percebido pelo chefe indígena. Sua dor e angústia eram tantas que decidiu procurar TUPÃ, o Grande Pai, aquele que costuma ordenar todas as coisas do mundo. O cacique tinha consciência de que não poderia exigir a presença da filha ao seu lado para sempre e pediu a Tupã que lhe desse um companheiro para as horas de solidão. Como forma de atender o pedido, Tupã mostrou ao cacique uma árvore grande, de folhas verdes. Dessa árvore mandou que o índio retirasse, secasse e torrasse as folhas, fazendo com elas uma bebida amarga e quente, mas deliciosa. Seria sua companhia para quando ninguém estivesse junto a ele. Para preencher o vazio da saudade. E assim foi criada a erva-mate.

Tupã também ensinou o cacique a partir o porongo e a fazer um canudo de taquara. Junto com a erva, surgiram a cuia e a bomba do chimarrão. Arraigando-se ao hábito da nova companhia, o cacique pôde finalmente confirmar seu sucessor como legítimo líder da tribo e, ao mesmo tempo, abençoar a união dele com sua filha. Agora, quando os dois jovens estivessem longe, o velho índio teria sempre ao seu lado o antídoto para espantar a tristeza.

Por ter sido a razão principal do surgimento da erva-mate, Caá-Yari passou a ser o espírito protetor dessas árvores.

Baseado em texto de Heitor Kaiovám e do Centro Cultural Gaucho

sábado, 28 de novembro de 2009

OS PRIMEIROS CONSTRUTORES

Pouco se sabe sobre os primeiros colonizadores que construíram estruturas de pedra monumentais nos vales e nas terras altas da América Andina. Uma dessas primeiras estruturas foi a HUACA DE LOS IDOLOS, em Aspero, no Vale Supe, ao norte de Lima, por volta de 2750 a.C. Outros sítios contemporâneos floresceram em El Paraiso, no Vale Chillon; Rio Seco, no Vale Chancay; Bandurria, no Vale Huaca; Piedra Parada e Salinas de Chao, no Vale Chao... Evidência de radiocarbono em Aspero sugere datas tão antigas quanto 3000 a.C., antecedendo as monumentais estruturas egípcias. Essas construções implicam na organização de uma sociedade complexa, abundante em trabalho.

A antiga cidade de pedra de CHAVÍN DE HUANTA, de 900 a.C., tem cerca de 3.150 m de altura e está localizada entre os picos das montanhas "brancas", que formam a segunda cordilheira dos Andes, em direção ao interior vindo do Pacífico. Esse "vale" alto é abençoado com terras férteis e chuvas abundantes, e servido pelo rio Huachesca, que desagua no Maranõn, no Amazonas e, finalmente, no Oceano Atlântico, a leste. Tanto as montanhas negras quanto as brancas (com topo coberto de neves eternas) são voltadas para o interior, paralelas à costa, dividindo o Peru ao meio, apresentando um obstáculo formidável para a comunicação leste-oeste. O centro cerimonial também é localizado na junção de duas entre apenas dez gargantas, estrategicamente posicionado para obter vantagem do comércio andino. As duas cordilheiras se encontram novamente no interior, a sudeste de Lima, antes de mais uma vez se dividirem em três seções paralelas descendo o Peru: as cordilheiras ou serras oeste, central e leste. Mais uma vez, as três se unem no sul de Cuzcos, nas terras altas, antes de se dividirem em duas - a cordilheira oeste segue para o sul, enquanto a cordilheira real continua em direção sudeste, proporcionando uma rota pelas terras altas a Tihuanaco, na atual Bolívia.
Os chavín apareceram pouco depois de seus ancestrais das terras altas, por volta de 800 a.C. Eles desenvolveram comércio facilitado por barco, aproveitando-se dos vastos depósitos de excremento branco de pássaros, conhecido localmente como guano, que se acumularam por m ilhares de anos em muitas das ilhotas próximas à costa. O guano era usado para fertilizar as terras peruanas e como mercadoria exportada para os povos vizinhos, em troca de uma variedade de mercadorias, incluindo conchas de ostras de água quente, carnes salgadas e outros produtos alimentícios.

Não resta dúvida que havia vínculos comerciais entre as regiões costeira e das terras altas. O sala do oceano era frequentemente carregado para a terra junto com peixes e moluscos, uma valiosa fonte de iodo, eficaz na prevenção e cura de cretinismo e gota, comuns nas regiões montanhosas. O comércio funcionava nos dois sentidos, com os habitantes das regiões altas fornecendo iguarias extremamente necessárias para compensar as catástrofes provocadas pelo El Niño ao longo da costa.

Baseado no texto de Maurice Cotterell

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A MODERNIDADE INCA

Respondendo ao desafio da natureza e principalmente do relevo, e apesar dos obstáculos que lhes opunha uma população esclerosada em suas estruturas ancestrais, os incas criaram um anova ordem social e política, um verdadeiro império que, considerado no contexto de sua época, devia ser visto como quase sem paralelo na História. O reino de Tahauantinsuyu, no tempo de Pachacutéc, Tupac Yupanqui e Huayna Capac era um Estados, no sentido moderno da palavra, tão imponente que suscita obrigatoriamente nossa admiração, pois mostra o gênio dos homens que o fundaram.

Um estado tão moderno, de fato, que sua modernidade foi a origem de numerosas discórdias de escolas. Nenhuma civilização suscitou tantas polêmicas e confrontações quanto a dos Incas. Há mais de um século que historiadores e sociólogos se dividem a respeito da natureza exata da sociedade peruana. Um dos artesãos mais conhecidos e mais competentes desta batalha foi Louis Baudin, que publicou, em 1928, sua famosa obra sobre "O Império Socialista dos Incas" e cujos trabalhos, apesasr de sua antiguidade, resisitram admiravelmente às modas estruturalistas e às doenças infantis da nova etnologia. A tese apresentada neste livro não era nova, pois o sociólogo alemão Heinrick Cunow já havia criticado suas premissas em 1896: "A história que fala de sábios soberanos incas que, mais pela bondade que pela violência, transformaram massas bárbaras, ignorantes da agricultura, em monarquia absoluta, não passa de uma vasta e fantástica lenda. O comunismo das instituições do império inca não é outro senão este comunismo agrícola, muito antigo, nascido naturalmente da organização em tribos entre os povos hoje civilizados, em um certo estágio de sua evolução social".

Em 1964, a polêmica ainda continuava a existir, pois Louis Baudin respondeu vivamente, por ocasião da publicação de um novo livro, às críticas que Alfred Métraux formulara contra sua tese. "Este autor", escreveu ele, "comesssssste o erro de desprezar os escritoress que não participam de sua opinião, aplicando-lhes epítetos injuriosos. Desta forma ele desconsidera-se a si mesmo. Além disso, não sendo economista, ele deveria abster-se de trazer soluções definitivas a difíceis problemas econômicos que ele não estudou, como o da definição do socialismo".

De fato, Louis Baudin nucna fez sua a tese do comunismo agrícola e não hesitou, ao contrário, em reprovar alguns autores sul-americanos, como J. C. Mariategui ou R. R. Haya de laTorre, por terem abusado do termo COMUNISMO, que lhe parecia equívoco, carregado de um conteúdo historicamente preciso demais para dar conta de uam realidade tão complexa quanto a sociedade peruana, cujos membros estavam inseridos em comunidades unidas pelo sangue e por uma série de vínculos familiares e afetivos. O historiador, que é também um economista, prefere o termo SOCIALISMO, que ele aplica naõ tanto a estas comunidades mas à organização que os Incas tentaram sobrepor à ordem social tradicional.

"Examinando de perto", admite ele, "este belo edifício está longe de ser perfeito e apresenta múltiplos elementos de imperfeição, alguns provenientes de disparidades de origem antigas destinadas a desaparecer com o tempo, por exemplo, sobrevivência de trocas privadass; outros, inconciliáveis com o comunismo, mas não com o coletivismos, como a redução da socialização de terras aos meios de produção por atribuição a cada família de uam superfície de terra cultivável e não de uma quantidade de gêneros alimentícios; alguns, enfim, tomando a aparência de brechas, cuja multiplicação parece dever provocar no futuro um estouro do sistema".

Uma socieade sem propriedade individual, sem mercado, sem moeda, sem preços, sem rendas privadas, onde a oferta é regulamentada, a demanda simplificada, a adaptação de uma a outra assegurada por meio das estatísticas, e onde o funcionalismo permite a avaliação das necessidades e das possibilidades de produção, a constituição de estoques reguladores e uma rigorosa aplicação das sanções, não pode ser qualificada retroativamente de socialista. Sem dúvida deve-se evitar projetar sobre uma civilização, relativamente afastada no tempo e no espaço, categorias e etiquetas nascidas de nossas sociedades industriais, mas seria um erro negar as analogias ou recusar, por receio de europeocentrismo, toda análise racional.

John V. Murra, autor americano, assinala o caráter feudal das relações de vassalos com suserano que uniam, por movimento dialético de submissão e concorrência, os curacas (líderes locais) ao Inca. A monarquia cuzquenha foi, num primeiro tmepo, o centro em volta do qual articularam-se as nações que, voluntária ou forçosamente, reconheciam o inca como o mais poderoso dos senhores. Depois, num segundo tempo, quando seu poder tornou-se mais manifesto, ele procurou duplicar esta hierarquia semifeudal por uma outra hierarquia, a dos funcionários, dos altos funcionários do Estado e dos governadores gerais, encarregados de vigiar as autoridades tradicionaiss e suplantá-las.

O absolutismo imperial não tentou sistematicamente quebrar as estruturas antepassadas. Ele contentou-se a cercear as prerrogativas das nações. No plano econômico, a política dos imperadores não foi muito diferente: tratava-se menos de modificar os mecanismos de produção que de aumentar a eficácia e o rendimento, por um esforço de racionalização. O "socialismo" incaico adaptou-se maravilhosamente ao "socialismo" tribal, cuja regra fundamental de reciprocidade criava entre os indivíduos ou os grupos simétricos uma permuta daquilo que Karl Polany chama de "presentes e contrapresentes".

A nova classe dirigente, entretanto, fez inovações, introduzindo uma segunda regra: a da redistribuição, que supunha uma hierarquia - e mesmo uma burocracia - capaz de organizar o duplo movimento de coleta dos produtos para o centro e, depois, de redistribuição destes produtos para os grupos.

"Pode-se dizer", afirma Nathan Wachtel (em La Vision des Vaincus, 1971), "que a reciprocidade caracteriza a vida econômica ao nível das comunidades rurais e que a redistribuiçõa resulta da organização estatal, sendo o centro coordenador encarnado pelo Inca. Mas a redistribuição não se opõe à reciprocidade. Ela entra, ao contrário, em seu prolongamento e baseia nela a sua ideologia. Neste esquema, um lugar particular deve ser atribuído aos chefes locais - os curacas -, cuja importância foi durante muito tempo negligenciada: eles constituem exatamente o ponto de junção entre a reciprocidade comunal e a redistribuição estatal".

Num pais como o Peru, dominado pela diversidade das altitudes, solos e climas, as culturas sempre variavam consideravelmente no seio de uma mesma regiãos. Os camponeses das montanhas trocavam seus produtos contra os dos vales inferiores, e esta complementação entre as terras altas e baixas fundava o que John W. Murra chama de uma ECONOMIA VERTICAL. Desse modo, os habitantes de Chucuito, no Lago Titicaca, trocavam a lã de lhama ou o charqui (a carne seca deste animal) pel omilho de Sama e do Moquega, e pela coca de Larecaja e de Capinota, nos vales quentes do interior. Algumas redess de reciprocidade podiam espalhar-se em dois ou três quilômetros, aproximadamente.

O planalto, particularmente desfavorecido, era reservado à batata, que os camponeses chamavam de "papa", e da qual algumas das setecentas variedades cresciam até a cinco mil metros de altitude. O clima de puna permitia o preparo do chuno - batata secada alternativamente no gelo e no sol, que se podia conservar durante vários anos. O milho, de implantação mais recente, chocou-se com os limites muito precisos do frio e da seca, entree mil e quinhentos e três mil e quinhentos metros de altitude, e com o costume dos índios de cultivá-lo apenas em pequenas quantidades para fins, sobretudo, rituais. Foram os incasa que, tendo constatado que o milho se conservava melhor que a batata, levaram seus súditos a difundir sua cultura.

Baseado no texto de Jean-Claude Valla

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

YVY MARÃ EY... a Terra Sem Mal

Contam os Guarani que em tempos muito antigos existiu uma Primeira Terra – a YVY TENONDE.

Ela surgiu quando NHANDERU desceu no meio da água, num raio de luz e criou uma ilha pequena, que foi aumentando de tamanho. Nhanderu usou terremotos para criar montanhas e baixios, para que Yvy Tenonde não ficasse planas. Nessa terra, os habitantes viviam na amizade de Nhanderu.

Quando tudo ficou pronta, Nhanderu foi embora. E, com ele, a luz resplandecente que tinha em seu peito. Yvy Tenonde ficou escura. Mas com pena dos humanos e dos animais, Nhanderu gerou seu filho – KUARAY, o Sol e lhe disse:

- Vá ao mundo, você será meu herdeiro.

Kuaray concordou e falou:

- Eu vou andar do começo do mundo (leste) até o seu meio – Yvy Mbyte (o zênite do céu na terra; o umbigo do mundo). E depois, do meio da terra caminharei até o fim do mundo (oeste).

Este é, então, o CAMINHO DO SOL (Peabiru). Feito todos os dias para iluminar o mundo que tinha ficado escuro.

Naquele tempo, por sua boa conduta, os habitantes conseguiam facilmente chegar na YVY MARÃ EY, a Terra sem Mal, morada de Nhanderu – a Nhandery retã. Chegavam lá tanto em vida quanto após a morte, em corpo e alma. Sem dificuldade atravessavam a “grande água”, o mar, e alcançavam a Terra sem Mal.

Ai, por uma série de comportamentos errados dos habitantes, estes foram ficando “fracos”. Nhanderu então mandou um dilúvio. Assim, sem forças, os mais fracos não conseguiram ir para a Terra sem Mal, não escaparam das águas. Se afogaram. Os menos fracos sobreviveram, viraram GUARDIÕES, mas o mundo se tornou YVY VAÍ – a Terra Imperfeita –, que é essa que se conhece hoje. E a ida à Terra sem Mal tornou mais difícil.

Ela continuou à disposição dos Guarani, porém com a condição de que se “erguessem”. Teriam também que adquirir “leveza” necessária para serem transportados ate ela. Após a morte ou mesmo em vida. Para ficar “leve”, o Guarani tem que seguir as regras do modo de ser guarani quanto à alimentação, o jejum, a reza, a dança, os cantos, os rituais na OPY (casa de oração) e outros ensinamentos dos pajés.

Para os Guarani, a Terra sem Mal é uma aldeia sagrada, existente numa ilha localizada no meio da “Grande Água”, para o lado onde o Sol nasce. É a morada de Nhanderu e de sua esposa NHANDECY, a Nossa Mãe, e de todos os ancestrais guarani, os índios “antigos” os pajés poderosos que guiam os que estão na Terra Imperfeita com seus conselhos. Na Yvy Marã Ey, as flechas caçam sozinhas e os Guarani podem viver de acordo com seus costumes e são imortais.

Lá vivem o tangará, o sabiá e a arara e diversas aves migratórias. Elas vêm em visita à Terra Imperfeita, mas como não conseguem acostumar-se aqui, sempre retornam para Yvy Marã Ey. Lá também existem outros animais, muitas flores, árvores como o cedro e a canela. Todos eles – animais, árvores e também as pedras – falam como gente. Há um mel muito gostoso, pão de milho doce, canjica. Á água é boa e farta. Entre as plantas, existe o divino MILHO AZUL.

Nhanderu fica numa cabana, deitado numa rede. Ao seu lado, no chão , está o JAGUAR AZUL. E acima, no teto, o MORCEGO ORIGINAL. Na porta, uma SERPENTE. Há quem diga que se trata de uma caninana.

Nhandecy, a esposa, está sempre por perto. Ela é a mãe dos gêmeos sagrados – Kuaray, o Sol, e Jacy, a Lua – e de Tupã.

Tupã é o relâmpago, as chuvas e os oceanos. Nhandecy é muito apegada a ele e, às vezes, o chama para conversar. Ele então sai de sua morada, que fica no oeste do mundo, para os lados dos Andes e do Pacífico, e vai à Terra sem Mal, no leste. Para isso ele usa um APIKÁ, uma canoa com acendo redondo, levando dois índios como ajudantes. Tupã chega no casebre da mãe, desembarca bem na frente de Nhandecy e, então, conversam. Enquanto isso, seu tembetá de cristal relampeja constantemente em seu lábio inferior.

O Morcego Original algum dia, não se sabe quando, poderá comer o Sol. E se, então, o Jaguar Azul descerá cantando, com ordem de atacar e destruir a humanidade. Os Guarani têm a responsabilidade de manter o comportamento de acordo com sua cultura e seu antigo “sistema”, conversando sempre com os deuses nas opys. Têm a missão de cuidar da Terra e orientar a humanidade, para evitar esse desastre. Se a cultura Guarani e os guaranis desaparecerem, o Morcego comerá o Sol e Nhanderu dará ao Jaguar Azul a ordem de destruição.
Baseado em texto de Rosana Bond

terça-feira, 10 de novembro de 2009

TAPEPUKUS, TAPIRAPÉS E PEABIRUS

Quando os europeus invadiram a América, encontraram um imenso território já civilizado, ao contrário do que comumente se diz.

A civilização americana era representada por centenas de nações indígenas, com características diversas, fecundas e valiosas. Em selvas, montanhas, campos, geleiras, pântanos e litorais, estavam os INCA do Peru; os ASTECA do México; os TUPI e do Brasil; os CHIBCHA da Colômbia; os MAIA-QUICHÊ do México e Guatemala; os GUARANI do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina; os MAPUCHE do Chile; os SIOUX e APACHE dos Estados Unidos, e muitos outros.
Eram autores do mais perfeito calendário da humanidade (Maia); detentores do mais vasto conhecimento de medicina fitoterápica do mundo (tupi e guarani); conhecedores do avançado conceito matemático do zero (Olmeca e Asteca) mil anos mais cedo do que no Egito, Índia e Europa; descobridores da relevância das manchas claras e escuras da Via Láctea para o saber astronômico (Guarani e Inca); artífices de irrigação artificial e técnicas de recuperação de desertos (Chimu); de engenharia única para a construção de cidades flutuantes (Uru); idealizadores do conceito arquitetônico de apartamentos (Chaco), tendo construído em Pueblo Bonito, no Novo México, uma espécie de condomínio planejado que foi o maior dos USA até o século XIX; descobridores do efeito das lunações sobre as marés (Tupi e Guarani), que o europeu Isaac Newton só constataria em 1687. Construtores da gigantesca Tenochtitlan (Asteca), a maior cidade do mundo no século XVI, com seus 1 milhão de habitantes e infraestrutura de alta qualidade. Praticantes de cirurgia cerebral; mumificação; arquitetura peculiar contra terremotos; técnicas de estatística avançadas (não praticadas na Europa da época); sistema eficiente e veloz de correios, desconhecido pelos europeus; extensa rede de estradas só comparável ao Império Romano, porém com canaletas de água potável e fresca ao longo de todas elas, bem como árvores frutíferas nas laterais, sem falarmos da higiene e da saúde – enquanto a Europa de 1500 enaltecia o hábito de não banhar-se e convivia-se com ambientes fétidos, bocas negras de cáries e pestes sucessivas, boa parte dos nossos índios praticava a faxina doméstica e externa, a limpeza dentária e o banho diário, até mesmo nas regiões mais frias.

Ao pisar no Novo Mundo, um dos primeiros fatos que os europeus descobriram foi que a costa marítima, de norte a sul, do Canadá ao Uruguai, era dotada de CAMINHOS. Mais tarde verificaram que esses existiam também no interior, cruzando o território em todas as direções.

Uns eram simples trilhas, provavelmente originadas por animais em busca de alimento e água, que foram reaproveitadas pelos índios para seu uso. Outros eram verdadeiras estradas, com pavimento e recursos sofisticados, que causaram impacto nos invasores. As nações iroquesas, por exemplo, possuíam uma rota terrestre e fluvial entre o Canadá e o nordeste dos Estados Unidos. Só o trecho terrestre somava cerca de 2.000 quilômetros. A ESTRADA NATCHEZ, construída por indígenas mississipenses (EUA), com cerca de 700 quilômetros, ligava a atual cidade de Natchez a Naschville, no Tennessee.

As mais notáveis vias de comunicação indígena do continente norte-americano ficam no México. E são antiqüíssimas. Entre 1200 a.C e 400 a.C., muito antes das famosas estradas astecas, o povo Olmeca, da área central do golfo do México, abriu uma ampla rede, com aproximadamente 1.600 km. Começava nas imediações de San Luiz Potosi, ao norte da atual capital mexicana, atravessava o país, descia pela Guatemala, El Salvador, Nicarágua e ai dar na Costa Rica. E acordo com os arqueólogos, os caminhos olmecas seriam primordialmente de comércio de matérias primas que faltavam em sua região, particularmente o basalto e a obsidiana.

Séculos mais tarde, o povo Asteca instituiu uma estrada conhecida como POCHTECA. Uma via comercial, de deslocamento militar e de cobrança de impostos, que partida da populosa cidade de Tenochtitlán para todas as direções do império, indo, ao norte, até Oxitipán e, ao sul, até Chiapas, fronteira com a Guatemala. A oeste, ia até Michoacan e, a leste, até Vera Cruz.

Na América do Sul, bem irrigada por rios, teve milhares de rotas fluviais. Mas as rotas terrestres também eram abundantes. Muitas eram aquelas trilhas de animais aproveitadas pelos indígenas. No Brasil eram chamadas de TAPIRAPÉS – caminhos do tapir ou anta. Outras foram abertas pelos próprios indígenas para atividades variadas, tais como plantar, caçar, pescar, coletar vegetais, mineirar, comercializar, guerrear, levar mensagens ou simplesmente se comunicar com aldeias de parentes e de outros povos. Algumas possuíam uma importante função espiritual-religiosa, como estradas para visitar locais sagrados, homenagear os Deuses e ancestrais, buscar o paraíso, etc.

Os caminhos terrestres abundavam mesmo na selva amazônica e Alto-Xingu. Os Kuikuro possuíam estradas, pontes e praças interligando suas aldeias, construídas entre 1250 d.C e 1600 d.C. Os Tupinambá do século XVI tinham caminhos que iam do Rio de Janeiro à Bahia, mais de trezentas léguas.

Mas de todas as vias citadas nos relatos dos invasores e colonizadores, as mais impressionantes são, sem dúvida, as estradas incas. No eixo principal (sul-norte) tinha 16.000 quilômetros, entre Chile, Peru, Equador e Colômbia. Nos secundários, outros milhares unido o Oceano Pacífico (oeste) à Argentina e Bolívia (sudeste e leste), somando 40.000 quilômetros.

Integrando-se a essa rede, o PEABIRU é uma estrada interoceância, ligando o Atlântico (litoral de Santa Catarina e São Paulo) ao Pacífico (litoral do Peru e Chile), 1000 anos antes da chegada de Colombo. Boa parte da América do Sul é um legado desse caminho, com um trajeto aproximado de 4.000 km (3.800 km até o litoral do Peru ou 4.300 até o litoral do Chile). Sua linha sudeste-noroeste acompanhava o movimento aparente do Sol, nascente-poente.

Muitas vezes identificado pelos guarani como sendo um TAPEPUKU (“Caminho Comprido”), faz referência geográfica e espiritual às danças guarani em busca da Terra sem Males, localizada no oceano e procurada no leste e no oeste da América do Sul. Ou seja: no Atlântico e no Pacífico.

Baseado no texto de Rosana Bond