sábado, 28 de abril de 2012

GUARANI - UM POVO QUE CAMINHA


Um povo “a caminho” é um povo com horizontes em busca de sentido. Na mitologia dos irmãos gêmeos, a humanidade encontra-se a caminho do seu fundamento e princípio de todo princípio, Nhande Ru Vuçu, Nosso Grande Pai, que fecundou nessa realidade a humanidade deixando sua Palavra (Ayvu) como o legado do sentido. O sentido que se fez eterno dentro do tempo de encontro e comunhão, a festa (Arete) e que prossegue na estória cíclica como a lua (Jase) costuma apresentar-se no céu, mas progressiva como o caminhar para um lugar santo (Mba’e Marangatu). Por isso que o guarani é um povo santo que caminha espiritualmente em busca do lugar sagrado afastado de infelicidades (yvy imarãe), onde é possível entrar em comunhão com seu sentido, o Nosso Grande Pai. Esse caminho converte-se em migração necessária quando o território entra em colapso e a crise ameaça converter o território sagrado, centro da cultura guarani e morada de seres divinos (Yvypyte), em território do mal.

O território é a condição para o caminhar. Sem território não há caminho e sem caminho não se sabe do sentido. Mas quem colocou a noção do sentido? O sentido “se faz ver” a partir da experiência do sagrado (marangatu), não como fruto da vontade humana e sim como a invasão do eterno no passageiro tempo e inesperado momento da vida, como uma luz “reflexo de divina sabedoria” (CADOGAN, 1992, p. 24-25) e “iluminado pelo reflexo do seu próprio entendimento... o vento original”, que reconstrói o espaço-tempo original (Arayma) (CADOGAN, 1992, p. 29-31) para a humanidade e que “vem primeiro e deixa-se conhecer no meio das trevas primogênitas” (MELIÀ, 1991, p. 51). Trata-se do Sagrado que se revela primeiro e invade o ser humano como uma totalidade (OTTA, 1966, p. 23 e seguintes; PIAZZA, 1983, p. 18) para reordenar o sentido do caminhar.

Assim, o território é mais que uma terra, um espaço sagrado (Yvypyte) onde se caminha no tempo reconstruído para a eternidade (Arete), o que é possível entender pelo sentido que a palavra fundamental (Ayvu Rapyta) ilumina e deixa pronunciar. Alguns ritos guaranis costumam representar esse caminhar para o encontro com o Pai. O caminhar não é periférico, ao redor do território, é um caminhar que integra a pessoa humana como um todo no processo de interiorização como pessoa, comunitário como povo e humano como morador do espaço e tempo. O caminhar torna-se evidente quando a pessoa é capaz de declarar o grande canto – a capacidade de pronunciar a Palavra que lhe foi encomendada, que lhe vincula com a essência do seu próprio ser – que coloca a pessoa em condições de aperfeiçoamento pessoal (aguyje) (MELIÀ, 1991, p. 67 e seguintes; CADOGAN, 1959, p. 49; SUSNIK, 1984-85, p. 96-102).

Para os Mbya Guarani, o território se engendra na base da vara do Nhande Ru Vusu, na morada dos seres divinos e onde se origina o espaço e tempo primogênitos. Isso também é conhecido como o centro da terra (Yvypyte) porque seu fundamento não é a natureza em si, mas o ato religioso que a gerou e a sustenta. A terra é o fundamento em que se conserva acesa a memória da Palavra colocada na humanidade, a qual se pode cantar, rezar, celebrar o Arete e deleitar-se dos seus frutos e aperfeiçoá-la. Por isso a terra do centro é o grande território do sagrado, Yvypyte.

A experiência histórica mostrou que esse território sagrado foi invadido pelo mal. O Arete ficou impossível e o caminhar não era mais seguro, diante do prenúncio da destruição da terra (NIMUENDAJU, 1987, p. 67-71) que de torna evidente. A maior experiência desse medo foi encontrar-se desterritorializado, experiência largamente constatada historicamente que confirma aquelas evidências.

Por efeito dessa constatação, surge a tradição da Yvy marãe, terra-sem-mal. Essa imagem, amplamente divulgada e de profundo significado, fascina, ainda hoje, os teólogos cristãos que assemelharam-na com o lugar e o momento teológico no horizonte de sentido.

A Yvy marãe encarna o sentido de pertença e identidade do guarani, não apenas como uma questão cultural e/ou antropológica, mas, sobretudo, teológica e religiosa. Isso é conhecido pelos guaranis como teko guarani, ou “modo de ser”. Esse sentido, no horizonte da terra sem mal, chama ao cuidado dos territórios onde caminhar, e uma experiência privilegiada no tempo e no espaço sagrado. O caminhar sugere que o teko guarani não é um plano de normas no qual estão predeterminados os caminhos para peregrinar, mas é um processo de busca de sentido, no qual o caminho é feito ao caminhar para encontrar-se com o Nosso Grande Pai. Nessas experiências, fundamentam-se os empreendimentos econômicos, sociais e religiosos. A qualidade específica desse modo de ser com a terra se exprime no termo tekoha, ou o lugar onde o modo de ser se realiza, tanto ritualmente como historicamente traduzido como o respeito ao meio ambiente e suas relações humanas.

A festa é o tempo mais que perfeito para concretizar a experiência de encontro com Nhande Ru Vuçu. Ela retorna à origem cujas estruturas produtivas e relações sociais comunitárias da tradição se espelham. É um tempo em que a yvy marãe se “historifica” na harmonização entre humanidade, divindade, território e sentido. Isso significa que as pessoas podem entrar em contato com seus antepassados; que o sagrado e o humano partilham o mesmo espaço da terra do centro (Yvypyte); e que isso faz sentido porque pode ser revelado na Palavra cantada.

O tempo sagrado é o tempo originário da recriação, em que se reinicia a fecundação e o destino da humanidade no território sagrado. A festa é o tempo sagrado liturgicamente que perpassa toda história humana, mas é celebrado no horizonte da linguagem humana fundamental (Ayvu Rapyta).

Festa é tempo de encontro privilegiado eternizado na convivência recíproca e na participação comunitária dos benefícios da terra. Nela se redistribuem os frutos elaborados das colheitas. Mas se torna um tempo pleno porque o ser humano consegue celebrá-lo com a máxima e mais comovedora experiência da recepção do dom da Palavra feita canto místico, narração de uma verdade existencial como pessoa, povo e humanidade.

Foi nas reduções que a linguagem humana mostrou o seu grande poder simbólico e semântico, em grande parte ao serviço da conversão cristã. Melià diz que apesar de sua utilização pelo cristianismo, muitos guaranis tentaram uma “repalavración”, na qual a “gramática religiosa” permanece guarani, apesar do impacto de novos conceitos religiosos que orientavam sua semântica, porque o guarani sempre intentou entender o todo, desde a sua Palavra Fundamental (Ayvu Rapyta), que organiza o sentido do seu universo sagrado. Assim, muitas formas religiosas significavam pouco ou nada para o guarani, porém a gramática e a semântica religiosa guarani era, no fundo, preservada para indicar a verdade do sagrado guarani.

A adesão à Palavra Fundamental orienta a vida toda, cobrindo- a de sentido. Por isso se diz que a Palavra é todo, isto é, que está presente em toda a atividade humana desde o pensar até a possibilidade de sonhar. Ela revela o sentido positivo da vida e mantém uma especial densidade inspiradora presente em momentos de crises existenciais, provocando um espaço para poder proferir e até emitir seu canto sagrado.

O campo semântico da Palavra inspirada guarani está ligado ao profetismo religioso, quer dizer, a capacidade de comunicar a verdade acerca da situação existencial humana e seu destino último. Todo humano é profeta e portador de uma palavra original cantada como o sentido de sua existência.

O território guarani é terra natal de profetas, que determinam o modo de ser autoridade (METRAUX, 1967, p. 23). O orgulho guarani era ser livre, porque nessa condição fundamentava-se seu poder de decisão inalienável, que era o poder delegado para autoridades por meio de assembleias. A comunidade é a célula de poder máxima e nela se delegava, baseado no princípio intocável da liberdade, o representante que nas assembleias cuidaria pelos interesses da sua comunidade local no conjunto das comunidades organizadas em nação. Mas a liberdade não foi apenas um conceito histórico, era principalmente uma condição para descobrir sentidos e significados dos tempos.

Os espanhóis afirmaram que “no existe entre ellos superior... y cada uno hace lo que quiere” (MONUMENTA PERUANA VI, 1974, p. 63-64). Considerados indômitos, que vivem “em brutal liberdade” (COMAJUNCOSA-TAMAJUNCOSA, 1836; 1971, p. 99-100) descaracterizaram sua liberdade como apenas uma questão social ou política. É simbólico o caso dos cristãos missionários que exortavam para que alguns grupos guaranis renunciassem a sua identidade de Yjambae, que quer dizer “homens sem dono” (PIFARRÉ, 1989, p. 176) e reconhecessem a autoridade colonial que tem a tutela de Deus. Essas tentativas fracassaram e só o poder da guerra aplacou o desejo de liberdade.

Mas a liberdade guarani fundamenta-se no desejo de estar por perto da Palavra que o Pai entregou para fundamentar o sentido humano. Isso foi transposto na certeza guarani de ser um povo “dono do saber” (Arakuaa Ija) entregue pelo Pai no território como lugar sagrado de uma experiência intransferível de liberdade, porém compreensível desde qualquer tradição mesmo não sendo a própria guarani. O território é sentido como máxima expressão de liberdade para buscar o princípio que fundamenta a existência humana. Assim, o território é abertura de sentidos e de possíveis interpretações. A liberdade não se determinava na autoridade de uma doutrina, mas na possibilidade de sonhar a Palavra que Nhande Ru Vuçu deu como sentido à humanidade.

Baseado em texto de Victor René Villavicencio Matienzo

sábado, 21 de abril de 2012

ANHANGA


Anhanga, segundo Thevet, ratificado por Simão de Vasconcelos, é um sinônimo de Jurupari, termo muito utilizado pelos tupinambá do Maranhão (onde estiveram Évreux e Abbeville), por influência de outras mitologias amazônicas muito difundidas.

Não há um mito claro sobre a origem de Anhanga. Thevet fala, de uma forma muito displicente, que Anhanga é o mais terrível espírito criado pelo “Grande Tupã” – o que não me soa como ideia tupinambá. E também não sabemos se o diabo filho da Lua e engendrado num jacaré, conforme relato de Francisco Soares, é anhanga. Não obstante, é hipótese improvável demais, porque anhanga parece preexistir a Jaci e Pirapanema, como se intuiu do relato de Thevet.

Em Thevet, Anhanga é aparentemente uma personagem específica, e não uma classe de seres. O tupi não distinguia a categoria de número, morfologicamente. Isso pode ter levado à interpretação de que o substantivo “anhanga” estivesse no singular e fosse um nome próprio. No mito, Anhanga está no fundo das águas e os gêmeos Jaci e Pirapanema têm que enfrentá-lo para roubar o anzol e a isca com os quais ele pesca o peixe anhá. Léry e Thevet afirmam que ele atormenta as anguera (“alma”) que foram covardes, ou seja, que não vingaram os parentes mortos, matando e comendo inimigos. Seria esse um exemplo da escravidão que anhanga impõe: os mortos submetidos têm que moquear o peixe que o senhor pesca. Todavia, devo confessar que a ideia de um Anhanga que atormenta os mortos me parece influenciada pela mitologia cristã. O mais provável é que as almas dos covardes acabem indo morar no mundo subterrâneo, o mundo aquático por excelência, onde não há prazer possível (que só se encontra na Terra sem mal) e onde anhanga as assusta e espanca, como pode fazer com os vivos. Aliás, Thevet fala que anhanga “carrega” a alma dos mortos: ou seja, pode arrastá-las par ao mundo subaquático e impedi-las de alcançar a terra sem mal.

A ligação de anhanga com a água e os mortos é evidente. O que não é tão certo é que ele seja um ente único. Francisco Soares e Jácome Monteiro afirmam que os anhanga – no plural, sem maiúscula – são a alma dos mortos. Ora, se retomamos os textos de Thevet, não é difícil perceber uma segunda leitura possível: sendo anhanga sinônimo de morto, neste contexto, os mortos é que viveriam no fundo das águas, pescariam e moqueariam o anhá, seu alimento. Anhá é uma espécie de cascudo, que não pega anzol, e são conhecidos por nadarem rendes ao fundo dos rios.

Uma hipótese é que anhanga são a alma dos primeiros mortos, aqueles queimados no incêndio enviado pelo Velho. Na falta de um mito explícito sobre sua origem, a gênese dos anhanga decorre implícita e naturalmente dessa passagem. Senão, vejamos: enquanto o Velho vivia entre os homens, não faz sentido falar em morte; é o Velho que cria a morte, enviando o fogo do céu. Cabe perguntar: o que foi feito da alma desses primeiros homens? Ou foram aniquiladas, ou ficaram na terra. Não temos testemunhos claros sobre a aniquilação de almas; mas sabemos que o incêndio foi apagado por uma grande chuva, que arrastou as cinzas e se alojou na grande depressão, formando o oceano. É natural que pensemos que as almas desses primeiros homens (que para os Tupinambá possuíam uma certa materialidade) fossem arrastadas nesse mesmo turbilhão, indo habitar as profundezas das águas. Estas profundezas, como se disse, são a morada de anhanga. Logo, essas almas são os anhanga. Isso dá consistência à proposição de Francisco Soares e Jácome Monteiro.

É por terem sido queimadas que os anhanga ainda temem o fogo e são repelidos por ele. Não creio que recebessem oferendas de objetos e se aplacassem: aqui há confusão entre anhanga e Curupira em fontes que tendem a unificar os “diabos”, atribuindo a uns características de outros.

Évreux escreve que jurupari, ou anhanga, habitam particularmente o lugar onde os mortos são enterrados. Creio que se trate não de moradia, mas de um lugar que atrai sua presença, pois anhanga pode devorar os cadáveres se não houver alimento na sepultura e – porque persegue as anguera – pode rondar as sepulturas em algumas circunstâncias. Por essa e outras razões, os Tupinambá mudavam de residência quando havia já muita gente enterrada.

Anhanga pode vir à terra e aparecer aos vivos, para persegui-los, segundo Thevet e Léry, particularmente dentro d’água ou nas margens de rios e fontes. Pode ser também em terra. Thevet diz que ele pode assumir diversas formas e tanto ele quanto Staden afirmam explicitamente que os índios só saem da oca à noite munidos de fogo, para afugentá-lo.

Devemos a Simão de Vasconcelos a única tentativa de definir anhanga em face de outras entidades. Segundo esse cronista, anhanga é um espírito mau, opinião que não ajuda muito, mas que serve para colocá-lo no nível mais alto de periculosidade, em relação aos demais.

Creio que Thevet não tenha razão quando diz que anhanga possa fazer o bem ou o mal; e que se comunique, para esse fim, com pajés e caraíbas. O contexto dessas afirmações é claramente o de ritos ligados à consulta do espírito UIUCIRÁ, que prediz o futuro.

Outro dado que me parece sem fundamento é a identificação de anhanga com Caajara, que identifiquei com o Curupira, e o indecifrável Raa-onan, que pode ser kaa-onan. Os cronistas em geral tendiam a classificar todos esses espíritos como diabos e confundirem uns com outros.

Texto de Alberto Mussa

quarta-feira, 18 de abril de 2012

RIO+20



A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20, que será realizada na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 13 e 22 junho de 2012, contará com representantes dos 193 Estados-membros da ONU e com milhares de participantes dos mais variados setores da sociedade civil.

A Rio+20 é um processo intergovernamental dirigido pelos Estados-membros das Nações Unidas, com forte engajamento do sistema ONU e da sociedade civil. Diversas reuniões preparatórias dos Estados-membros estão sendo realizadas nos meses que antecedem a Conferência, para discutir o objetivo e os temas propostos. A Conferência contará com a participação de Chefes de Estado e de Governo, bem como de outros representantes, e deverá resultar em documentos consensuais.

Desde a Rio-92, a sociedade civil participa de forma essencial na promoção do desenvolvimento sustentável.  De acordo com o sistema das Nações Unidas, os chamados “grupos principais” – organizações não-governamentais, grupos empresariais, comunidades indígenas, autoridades locais, organizações de agricultores, grupos de crianças e jovens, trabalhadores e sindicatos, entidades de mulheres e a comunidade científica e tecnológica, todos terão espaço para representar a sociedade civil.

A participação de indivíduos também é muito importante para o êxito da Conferência. Todos poderão contribuir com envio de sugestões, divulgação das informações e participação em eventos da Conferência. Antes do evento, o público em geral pode participar por meio de sugestões, escrevendo em alguma das línguas oficiais da ONU (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês, russo) para o email: uncsd2012@un.org.

Também é possível participar dos diversos eventos paralelos à agenda intergovernamental que estão sendo planejados para o período de realização da Conferência. Eles acontecerão em áreas reservadas pelo Comitê Nacional de Organização para a sociedade civil e suas programações serão divulgadas oportunamente neste sítio e pela imprensa.

Os dois temas centrais da Rio+20 – a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável – foram aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas de forma consensual entre os 193 países que integram a ONU. Nas reuniões do processo de preparação, os países têm apresentado propostas sobre esses temas, buscando resultados que possam ser adotados na Conferência.

A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA ERRADICAÇÃO DA POBREZA
A “economia verde” constitui um instrumento para a aplicação de políticas e programas com vistas a fortalecer a implementação dos compromissos de desenvolvimento sustentável em todos os países da ONU. Para o Brasil, a “economia verde” deve ser sempre enfocada no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, uma vez que os temas de economia e de meio ambiente (“verde”) não podem ser separados das preocupações de cunho social.

O debate sobre “economia verde” aponta para oportunidades de complementaridade e de sinergia com outros esforços internacionais, englobando atividades e programas para atender às diferentes realidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. É importante relembrar que a redução das desigualdades – em nível nacional e internacional – é fundamental para a plena realização do desenvolvimento sustentável no mundo.

ESTRUTURA INSTITUCIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
As discussões sobre a estrutura institucional têm buscado formas para melhorar a coordenação e a eficácia das atividades desenvolvidas pelas diversas instituições do sistema ONU que se dedicam aos diferentes pilares do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental). Os países têm debatido, principalmente, maneiras pelas quais os programas voltados ao desenvolvimento econômico, ao bem-estar social e à proteção ambiental podem ser organizados em esforços conjuntos, que realmente correspondam às aspirações do desenvolvimento sustentável.

Algumas das propostas já apresentadas propõem a reforma da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável (CDS), com o objetivo de reforçar seu mandato de monitoramento da implementação da Agenda 21, adotada durante a Rio-92, e seu papel de instância de coordenação e de debate entre representantes dos países e da sociedade civil. Quanto à reforma das instituições ambientais, vários países têm apontado a importância de que sejam fortalecidas as capacidades de trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), aumentando a previsibilidade dos recursos disponíveis para que essa instituição apoie efetivamente projetos em países em desenvolvimento. A reforma da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável deverá observar o equilíbrio entre as questões sociais, econômicas e ambientais.

Fonte: SITE OFICIAL RIO+20 - http://www.rio20.gov.br 

terça-feira, 17 de abril de 2012

DECLARAÇÃO DA IV CÚPULA DE LÍDERES INDÍGENAS DAS AMÉRICAS


TECENDO ALIANÇAS PELA DEFESA DA MÃE TERRA

Nós, os Governos dos Povos, Nações e Organizações Indígenas da América do Sul, da América Central, da América do Norte e do Caribe, no exercício de nosso direito à livre determinação e em defesa da Mãe Terra, proferimos juntos a palavra.

CONSIDERANDO
1. Que o modelo de desenvolvimento econômico implementado pelos Estados do continente americano desconhece nossa realidade e nosso próprio desenvolvimento; omite o reconhecimento de Bem Viver, o equilíbrio e a harmonia de nosso ser indígena com a Mãe Terra.

2. Que as políticas estatais de mitigação e redução dos impactos da mudança climática têm resultado ineficazes e têm evidenciado seu fracasso, promovendo a mercantilização do ambiente.

3. Que a adoção e a implementação da Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas deve ser um compromisso dos Estados para deter o etnocídio de nossos povos.

4. Que a folha de coca tem um caráter sagrado, milenar e cultural e é alimento material e espiritual para nossos povos.

5. Que se deve garantir o exercício da livre determinação de nossos povos e fortalecer nossa qualidade de Governos Próprios nas instâncias internacionais.

6. Que os Estados Americanos medem a iniquidade social e/ou a prosperidade dos Povos Indígenas através de indicadores e metas generalizadas e não através do exercício efetivo de nossos direitos reais sobre os territórios ancestrais, impedindo o dever de protegê-los, respeitá-los e salvaguardar a Mãe Terra como sujeito de direitos.

7. Que a integração regional deve consolidar-se como um espaço de reconhecimento e respeito a nossos povos ancestrais, bem como a superação da iniquidade social e de toda prática colonialista nas relações entre os Estados e entre esses e os povos.

DECLARAMOS aos chefes de Estado da região, reunidos nos dias 14 e 15 de abril de 2012, na VI Cúpula das Américas, realizada em Cartagena de Índias, Colômbia, o seguinte:

I. Frente ao modelo de desenvolvimento econômico:
1. Este foi reduzido à intervenção e ao despojo ilegítimo de nossos territórios, bem como à superexploração dos bens naturais que conservamos milenarmente, submetendo-nos inevitavelmente ao genocídio e ao extermínio.

2. Afirmamos que a superação da iniquidade social de nossos povos deve ser alcançada através da adoção e da implementação de instrumentos jurídicos e de políticas públicas que nos protejam e garantam o exercício de nossos direitos, prevenindo potenciais vulnerações, a devastação de nosso território, bem como tudo o que ponha em risco nossa sobrevivência física e permanência cultural.

3. A integração regional deve superar a perpetuação da intervenção econômica, política e social em nossos territórios.

II. Frente à mudança climática
1. Dado o caráter de ser vivo que tem a Mãe Terra, existe a necessidade de implementar nossas contribuições e práticas milenares que mitigam e reduzem os impactos do fenômeno da mudança climática.

III. Frente à Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas
1. Requeremos um compromisso serio e respeitoso por parte dos Estados dirigido a fortalecer econômica e politicamente o processo de concertação com as autoridades e organizações representativas dos povos indígenas da região que permita adotar e implementar ao término de um ano esse instrumento jurídico e, consequentemente, que se cumpra com os deveres e obrigações que, por natureza, são inerentes aos Estados. Manifestamos nossa preocupação com a decisão de países como Estados unidos e Canadá de retirar-se do processo de negociação, colocando em risco o consenso e os acordos já celebrados em 13 anos de negociações.

2. Respeitar o princípio de progressividade dos direitos e abster-se de incorporar na Declaração Americana de Direitos dos Povos Indígenas disposições regressivas e ter como padrão mínimo para as negociações a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Instamos a fomentar o diálogo e não fechar os canais de comunicação sobre os eixos fundamentais para a proteção dos povos indígenas.

IV. Frente ao Direito à livre determinação e ao reconhecimento de Governos Próprios dos Povos Indígenas.
1. Implementar um espaço de diálogo e de articulação permanente e horizontal dentro da estrutura da OEA, com o fim de garantir a consolidação dos princípios democráticos dentro da organização. Essa instância deve avançar na implementação e seguimento das políticas governamentais que atinjam aos povos indígenas bem como avaliar a continuidade dos acordos celebrados entre os Estados e os indígenas do continente, como também as decisões tomadas no marco do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

2. Respaldamos todos os processos de consulta aos povos indígenas no marco do Convênio 169, da OIT.

3. Despenalizar o consumo da folha de coca em seu estado natural por ter caráter sagrado, milenar e cultural e é alimento material e espiritual para nossos povos.

4. Que os governos das Américas contribuam à democratização da palavra e de suas estratégias de comunicação próprias, mediante a abertura e a execução conjunta com organizações indígenas, verdadeiras políticas públicas diferenciais no tema da comunicação indígena. Legitimar o mandato da Primeira Cúpula Continental de Comunicação Indígena de Abya Yala, realizado em Cauca, Colômbia, como guia para os planos estratégicos dos povos e Estados no tema da comunicação diferencial.

V. Frente ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
1. Instamos aos órgãos de proteção do Sistema Interamericano (Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos) a proteger os direitos dos povos indígenas, em consonância com os instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos, onde deverá primar a proteção dos povos indígenas acima da execução do modelo de desenvolvimento econômico extrativo e de desterritorialização adiantado pelos Estados da região.

2. Convocamos aos Estados a reconhecer e aplicar os mandatos do Sistema Interamericano.

VI. Frente aos Direitos Humanos:
1. Solicitamos aos Estados que, frente à existência de qualquer conflito, primem as soluções políticas; nesse sentido, instamos ao Estado colombiano a gerar todas as condições no que seja de sua competência, para buscar uma solução política ao conflito armado que nos atinge, do contrário, se perpetuará o extermínio ao qual atualmente estão submetidos nossos irmãos colombianos.

2. Exigimos respeito dos Estados para com nossos territórios e a nós mesmos, em razão da campanha de militarização e de criminalização a que somos submetidos na região.

3. Convidamos à adoção de uma Convenção Americana que proteja real e efetivamente o direito ao Consentimento Prévio, Livre e Informado. Esse instrumento jurídico deve ser respeitado pelos Estados em consonância com o caráter de direito humano do mesmo e seu conteúdo indivisível com a existência dos povos indígenas.

4. As políticas desenhadas para proteger e implementar os direitos dos povos indígenas devem ser construídas de maneira concertada e garantir seu enfoque diferencial.

5. Colocar todos os esforços para a proteção das crianças, das mulheres e dos jovens indígenas.

6. Consolidar a segurança jurídica dos territórios indígenas, ratificar nossa ocupação e posse ancestral, bem como garantir o gozo efetivo do direito à propriedade territorial.

Recomendamos
Apoiamos da demanda marítima da Bolívia e instamos aos Estados envolvidos a encontrar soluções definitivas o mais breve possível, no marco da integração regional para o Bem Viver e para a prosperidade de Abya Yala (Américas).

No marco de integração dos povos, especificamente dos indígenas e sendo 2012 o ano de reencontro, de reconciliação, de novos tempos, sugerimos que a República irmã de Cuba possa participar da próxima Cúpula das Américas.

Finalmente, mantemos nossa disposição de continuar fortalecendo os processos democráticos e de diálogo na região, considerando que, enquanto os Estados do hemisfério manifestem sua vontade política e avancem na construção de vias de discussão, nossos Governos Próprios caminharão rumo a construção de um Tratado de Direitos dos Povos Indígenas que ratifique nossos direitos milenares e fortaleça nossas alianças em defesa da Mãe Terra.

Com o propósito de fortalecer nossa integração e unidade, adicionalmente decidimos constituir o Conselho das Organizações Sociais dos Povos de Abya Yala (Américas).