domingo, 20 de setembro de 2009

AS ORIGENS ANDINAS


A origem da civilização andina situa-se num período entre 3.000 a.C. e 1.800 a.C, quando suas bases foram delineadas. Plantas e animais domésticos foram importantes nesse período – o resultado de uma longa relação entre povos e ambientes durante o período lítico (12.000 a 3.000 a.C).

Dois tipos de tradição cultural surgem nesse período: o das TERRAS ALTAS e o das REGIÕES DESÉRTICAS DA COSTA, com influência mútua apesar da distinção.




O sítio de LA GALGADA exemplifica bem esse período. Situado no meio caminho entre a floresta tropical e a costa, tinha um centro cerimonial com duas grandes plataformas e duas construções menores sobre elas, com a fachada pintada com cal branca. Feitos com argila e pedra, com uma praça circular escavada na frente, tinham uma lareira central subterrânea, alimentada por dutos de ventilação; ali se queimava pimenta – o que parece ser parte de um ritual religioso – mas também servia de cripta para os mortos. Essa dupla função da câmara é uma pratica que se tornou muito difundida depois: locais de rituais são, também, sepulturas sagradas de seus ancestrais.

Em diversas sepulturas humanas bem preservadas, foram encontradas plumas de pássaros das florestas tropicais, ossos de cervo, turquesa, conchas de spondylus e cristais de sal. Nessa época primitiva, os habitantes de La Galgada parecem não ter usado o lhama ou a alpaca como animais de carga ou como fonte de lã.

Embora La Galgada estivesse entre a costa e a montanha, fazia parte da chamada TRADIÇÃO RELIGIOSA KOTOSH, que é mais conhecida nas terras altas. Esses centros cerimoniais são característicos por seus pequenos recintos particulares, mais apropriados para um número limitado de devotos do que para o grande público das cerimônias – como é típico na costa. Construídos por comunidades locais, esses centros primitivos parecem ter enfatizado seu ritual no que eles chama de ORIFÍCIOS DE FOGO – localizados no centro de depressões onde holocaustos eram oferecidos. Essas características eram regular e cuidadosamente “enterradas”, assim aumentando o nível de novas, mas idênticas, estruturas construídas no topo, elevando as colinas muito parecidas com os montes artificiais do Oriente Médio.

Em Kotosh, onde a atividade religiosa pode ser detectada desde 2.800 a.C., a estrutura mais famosa é o TEMPLO DAS MÃOS CRUZADAS, que possui dois frisos de baixo-relevo de mãos cruzadas. Oferta de porquinho-da-índia e de lhamas também foram encontradas em nichos durante as escavações. Próximo desse, fica o sítio de SHILLACOTO e, mais além, em direção às florestas tropicais, está WAIRA-JIRCA, que também parece ter construções da mesma época. Apesar de fazer uso dos mesmos cultos de fé e atividades, os sítios da Tradição Religiosa de Kotosh também mostravam variações locais. Em HUARICOTO, por exemplo, as construções não eram de pedra e davam a impressão de uma versão menos sofisticada; no entanto, holocaustos eram feitos, incluindo os de conchas e cristais de quartzo.

Além das montanhas, na costa desértica, encontramos a HUACA PRIETA, na nascente do rio Chicama. Os habitantes dependiam de uma mistura de cultivo de plantas locais, como feijão e pimenta, e recursos marítimos obtidos da coleta de moluscos e da pesca com rede. Foi em Huaca Prieta que a tradição de cabaças entalhadas com temas artísticos chegou à região do atual Peru, vinda do povo Valdívia (Equador). Sua decoração consistia em desenhos abstratos de rostos e figuras zoomórficas.

Huaca Pietra e La Galgada compartilhavam muitos aspectos da cultura material da época – cestas de palha, cabaças e tecidos de algodão trançado. O processo técnico da produção enfocava formas geométricas, e não é surpresa eu os desenhos abstratos que incorporavam quadrados, linhas retas, diamantes, fossem uma característica da arte de tecer primitiva. Apensar disso, desenhos claramente representativos eram feitos – os tecidos da Huaca Pietra mostram condores, peixes e serpentes de duas cabeças.

Além desses desenvolvimentos, a prática andina de construir uma grande arquitetura cerimonial também começa nessa época. Na costa, os sítios de RIO SECO, SALINAS DE CHAO, BANDURRIA e ÁSPERO (vide artigo no mês de Abril/2009, desse blog) têm uma arquitetura cerimonial que dá ênfase a plataformas planas onde os rituais podiam ser observados por um grande número de pessoas e, dessa forma, possuíam uma função pública. Indícios arqueológicos sugerem que alguns desses sítios foram provavelmente construídos por povos de diversos vales, que vieram juntos construir o que eram, na verdade, monumentos corporativos.

A própria Áspero, situada na nascente do vale Supe, na costa norte do Peru, parece ter prosperado por volta do ano 3000 a.C. Sua área de 12 hectares inclui seis plataformas maiores e onze menores. Dois dos monumentos de Áspero foram investigados de modo arqueológico, HUACA DE LOS IDOLOS e HUACA DE LOS SACRIFÍCIOS. Diversas sepulturas foram escavadas, mas talvez a descoberta mais atípica tenha sido o depósito de 13 estatuetas de argila crua, encontradas no cume da Huaca de los Idolos. Todas estavam quebradas; a maior parte representava mulheres, várias das quais deveriam estar grávidas. Se essas estatuetas representavam sacrifícios ancestrais, ou foram utilizadas em rituais xamânicos, é desconhecido.

O maior monumento dessas época originária é EL PARAISO, localizado a apenas 2 quilômetros do oceano, no Vale Xilon. Data de aproximadamente 2.000 a.C. El Paraíso ocupa uma área de 58 hectares e é composto de nove edifícios principais, todos construídos de blocos de pedra totalizando 100 mil toneladas. A técnica de construção aplicada empregava a coleta de pedras colocadas em redes de fibras chamadas SHICRAS e usadas como aterro. Uma estimativa é que levou 2 milhões de dias de trabalho para erguer todas as estruturas de El Paraíso.

Em forma de U, dentro foram encontradas várias depressões circulares, cheias de carvão, levando à interpretação de que seriam “orifícios de fogo” usados de forma ritual. Os indícios incluem restos de plantas e peixes, embora em quantidade não suficiente para sugerir que os construtores viviam no local.

No final desse período civilizatório, os vales da costa do Peru viram o desenvolvimento da arquitetura em larga escala em grandes centros com populações entre mil e três mil pessoas. Tais centros eram auto-sustentáveis em uma economia misturada de agricultura e recursos marítimos e claramente cooperavam através das fronteiras do vale (e talvez política e etnicamente) a fim de construir tais estruturas corporativas em massa, como El Paraíso e Caral.

CARAL é um sítio que cobre 110 hectares de arquitetura cerimonial e residencial e inclui um agrupamento próximo de montes e plazas conhecido como CHUPACIGARRO. Parece que o sítio foi ocupado por volta de 2.450 a.C, na época em que as plazas circulares escavadas foram construídas. Há oito outros grandes sítios com arquitetura monumental no Vale Supe (além de Áspero) e, junto com outros sítios primitivos similares aos dos vales adjacentes de Pativilca, Fortaleza e Huaura, são tão precoces que foram designados como grupo NORTE CHICO (Pequeno Norte). É possível que quando investigações futuras iluminarem esses sítios do início do Peru pré-histórico, se conheça ainda melhor o alto grau de cooperação social que destaca esse período que se define firmemente como uma característica única do início da civilização andina, que foi desenvolvida regionalmente em épocas posteriores até o período inca.


Baseado no texto de Nicholas J. Saunders

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