domingo, 20 de setembro de 2009

A AMÉRICA NO ANO 1000 D.C


No ano 1000 d.C., os Andes abrigavam dois grandes Estados. Um deles, tinha como base o lago Titicaca – o lago montês a 3.600 metros de altitude e mais de 190 quilômetros de extensão. As montanhas ao seu redor são desoladas e gélidas, mas o lago é comparativamente quente e, por isso, as terras que o circundam são menos açoitadas pelo frio do que aquelas terras altas adjacentes. Pois tirando vantagem exatamente desse clima mais favorável, o povoado de TIWANAKU se tornou centro de uma grande comunidade política organizada. Um agrupamento de municipalidades (mais do que um Estado propriamente dito), os tiwanakotas viviam sob a influência religiosa-cultural do centro.

Tiwanaku soube tirar vantagem das diferenças ecológicas extremas entre a costa do Pacíficos, as montanhas escarpadas e o altiplano, para criar uma densa rede de comércio: peixes do mar; lhamas do altiplano; frutas, verduras e grãos dos campos ao redor do lago... Estimulada pela riqueza, a cidade de Tiwanaku expandiu-se numa maravilha de pirâmides e monumentos grandiosos, com água corrente nas casas, esgoto encanado e muros pomposamente pintados. Tiwanaku está entre as cidades mais impressionantes do mundo.

No ano 1000 d.C., sua população estava em torno de 115 mil pessoas, com outras 250 mil nos campos circundantes – números que Paris não alcançaria antes de 1.500.

Ao norte e a oeste de Tiwanaku, situava-se o Estado rival de WARI, que se estendia por mais de 1.600 quilômetros ao longo da crista dos Andes. Mais rigidamente organizado e com mais vocação militar do que os tiwanakotas, os governantes wari construíram fortalezas em massa, particularmente ao longo de suas fronteiras. A capital situava-se nos c umes, perto da cidade moderna de Ayacucho, abrigando por volta de 70 mil pessoas. Warii era uma concentração febril de aléias e templos murados, pátios ocultos, tumbas reais e edifícios residenciais de até seis andares. A maior parte das construções tinha reboco branco, fazendo a cidade reluzir ao sol da montanha.

Por volta do ano 1000 d.C houve uma sucessão de acontecimentos climáticos terríveis, que duraram cerca de 80 anos. Tempestades de poeira engoliram os planaltos e escureceram as geleiras nos picos acima (amostras de gelo, colhidas na década de 1990, sugerem esses acontecimentos). Depois ss, veio a fieira punitiva de secas, de muito mais de uma década de duração, interrompidas por enchentes gigantescas (registros de sedimentos e de anéis de árvores descrevem a seqüência). A causa do desastre continua a ser objeto de pesquisa, mas alguns climatologistas acreditam que o Pacífico é sujeito a eventos “mega-niños” – versões mortalmente fortes dos bem conhecidos padrões El Niño, que hoje causam devastação no clima das Américas. Em 1925 e 1926 um forte El Niño (não um “mega”) abateu-se sobre a Amazônia com tanto calor seco que incêndios súbito mataram centenas de pessoas na floresta. Rios secaram, os leitos acarpetados de peixes mortos. Um mega-niño no século XI pode ter causado as secas naqueles anos, causando uma violenta mudança climática que pôs severamente à prova as sociedades Wari e Tiwanaku.

Seja como for, pouco depois do ano 1000 d.C., os tiwanakotas cindiram-se em fragmentos que só seriam reunidos novamente quatro séculos depois, quando os Inkas assumiram o governo da região.

Na mesma época, na península de Yucatán, no México, pátria dos MAIAS, a cidade de CALAKMUL cobria uma área de nada menos que 65 quilômetros quadrados, com milhares de edifícios e dúzias de reservatórios e canais. Os pesquisadores limparam e fotografaram mais de 100 monumentos. Em 1994, paleógrafos identificaram o nome antigo da cidade-Estado: KAAN, o Reino da Cobra.

Uma coleção de cerca de 12 reinos e cidades-Estado numa rede de alianças e feudos tão enovelados quanto aqueles da Alemanha no século XVII, o reino Maia foi o berço de uma das culturas intelectualmente mais sofisticadas do mundo. Tinham vários sistemas de escrita, estabeleceram vastas redes de comércio, fizeram mapeamentos das órbitas dos planetas, criaram um calendário de 365 dias e registraram sua história em “livros” dobrados em sanfona, feitos de papel fabricado a partir da casca da figueira. Mas sua maior façanha intelectual foi a invenção do “zero”: o primeiro “zero” registrado nas Américas ocorreu em um entalhe maia de 357 d.C., possivelmente antes do zero sânscrito que chegou à Europa só no século XII.

Os Maias entraram em colapso mais ou menos no mesmo período que as civilizações Tiwanaku e Wari e pelo mesmo motivo: uma enorme seca! Os maias, amontoados aos milhões numa terra pobremente adequada à agricultura intensiva estariam perigosamente próximos de exceder a capacidade de suporte dos seus ecossistemas. A seca, possivelmente causada pelo mega-niño, teria apenas antecipado uma catástrofe que já parecia eminente.

Ao norte dali, mais para perto das montanhas, situavam-se as beligerantes e cindidas cidades-Estado de ÑUDZAHUI (Mixtec) e os TOLTECA, a 1.600 metros de altura onde hoje está a Cidade do México. Essas duas civilizações viviam uma guerra shakesperiana, explicada por acusações de embriaguez e incesto, forçando a saída do rei há muito empossado, Topiltzin Quetzalcoatl, em 987 d.C. Ele fugiu com barcos carregados de legalistas para a península de Yucatán, prometendo retornar. Em 1000 d.C., Quetzalcoatl tinha conquistado a cidade maia de Chichén Itzá e a estava reconstruindo à imagem tolteca.

A sudoeste dos Estados Unidos encontramos a sociedade mississipiana do Meio-Oeste: CAHOKIA, o maior centro populacional ao norte do Rio Grande. A construção começou por volta do ano 1000 d.C., sobre uma estrutura de barro que cobriria finalmente 6 hectares, elevando-se a cerca de 30 metros de altura. Mais alto do que qualquer coisa em volta por quilômetros. Sobre o monte, situava-se o templo dos reis divinos, que eram responsáveis por manter o clima favorável à agricultura.

Continuando para o norte, encontramos a última terra assentada: o reino dos caçadores-coletores – os POVOS INDÍGENAS DAS GRANDES PLANICIES. Eles viviam no interior, remota e esparsamente assentados; suas vidas eram tão distantes dos senhores wari ou toltecas quanto os nômades das Sibéria o eram dos altos e nobres personagens de Beijing. Os grupos das Planícies nos deixaram cinqüenta anéis de pedras, reminiscências da Idade da Pedra. Em 1000 d.C., relações comerciais já haviam coberto o continente por mais de mil anos, com madrepérola do golfo do México sendo encontrado sem Manitoba, e cobre do lago Superior em Louisiana.

No atual estado do Acre, naquele ano 1000 d.C. encontramos uma rede de pequenos povoados associados em terraplanagens circulares e quadradas em padrões muito próprios. Naquela época, o rio Amazonas era muito mais povoado do que é agora. As populações pescavam no rio e cultivavam nas planícies aluviais, e em algumas partes do terreno elevado. Os pomares dos povoados estendiam-se por quilômetros a partir da faixa ribeirinha. Os amazônicos praticavam uma espécie de agro-silvicultura, cultivando árvores sem qualquer semelhança com o tipo de agricultura praticado na Europa, na África ou na Ásia.

Os MARAJOARAS, na foz do Amazonas, naquele ano, tinha uma população estimada em 100 mil habitantes. E a 960 quilômetros rio acima, existia um outro povoamento de igual tamanho atualmente conhecido como TAPAJÓS. Ocupavam uma área de mais de 4.800 quilômetros de extensão, espessamente coberta por fragmentos de louça e artefatos de cerâmica. A região pode ter sustentado ate 400 mil habitantes, o que faria dela, em tão, um dos maiores centros populacionais do mundo.

As Américas antes de 1492 era um lugar supreendentemente diversificado e florescente, de uma agitação de línguas, comércio e culturas, de uma região em que dezenas de milhões de pessoas amavam, odiavam e cultuavam, como pessoas fazem em toda parte do mundo. Muito desse mundo desapareceu após Colombo, varrido por doenças e subjugação. Foi tão abrangente o apagamento que, em poucas gerações, nem conquistadores saibam que aquele mundo tinha existido. Agora, contudo, ele está ressurgindo. Cabe-nos dar uma olhada...

Baseado no texto de Charles C. Mann

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