tag:blogger.com,1999:blog-60390316032373640002024-03-13T19:45:05.852-07:00CHAKARUNAHERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.comBlogger340125tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-83649302896375986302017-09-14T11:03:00.002-07:002017-09-14T11:04:48.087-07:00A JUSTIÇA INDÍGENA ORIGINÁRIA<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">A justiça comunitária, ou justiça originária indígena campesina, é o sistema jurídico dos povos indígenas, administrado pelas autoridades originárias e regido pelas normas e procedimentos por meio dos quais os povos indígenas, originários e comunidades campesinas regulam a vida de suas comunidades e solucionam conflitos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Quando acontece um roubo na comunidade aimara de Calangachi, perto do Lago Titicaca, no departamento de La Paz, vários passos devem ser seguidos. A vítima, em primeiro lugar, deve ir até as autoridades responsáveis, os secretários de Justiça. Em seguida, as autoridades mobilizam toda a comunidade para comunicar que uma família sofreu um roubo e inicia-se uma investigação. <i>“Começam a deliberar, a rastrear. O campo não é de cimento nem de tapete, onde não se pode ver nada. No campo, se podem ver as pegadas na terra”</i>, explica Rodolfo Machaca, dirigente da comunidade.</span></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Localizado o acusado, este é submetido a uma censura moral por parte de toda a comunidade. Publicamente, ele – ou ela – deve explicar as razões do delito. <i>“O ladrão fala, pode dizer a verdade ou mentir. Mas isso não interessa. O que interessa é que nesse momento ele reflita profundamente sobre o que fez e devolva o que roubou”</i>, aponta Machaca. A penalidade é pedir desculpas não só para a vítima, como também para toda a comunidade, além de se comprometer a não voltar a cometer o mesmo erro. Também pode ter que compensar a comunidade com trabalho (construção de adobes, trabalho nas terras das escolas, reforma de prédios comunais).</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXjZox35_qUSHPjP6Sfl9_NaF6QeGNjxqP3Qkwr9ibxN8YUOMHQIH1asXqD_JzK7xfK7IKsQgC_v-lsGZlMXFlW4rAy7v0ddN3ycGYR8TilDBd_2y0cWIg2ukTbf5of2167GbfbaEETw/s1600/justica.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1067" data-original-width="1600" height="425" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXjZox35_qUSHPjP6Sfl9_NaF6QeGNjxqP3Qkwr9ibxN8YUOMHQIH1asXqD_JzK7xfK7IKsQgC_v-lsGZlMXFlW4rAy7v0ddN3ycGYR8TilDBd_2y0cWIg2ukTbf5of2167GbfbaEETw/s640/justica.JPG" width="640" /></a></div>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">E, em Calangachi, se recebe um huascazo, uma chicotada, como forma simbólica de garantir que não se desviará do caminho correto. Mas a punição não se resume a isso. Durante um bom tempo, a pessoa é vigiada de perto por todos da comunidade, e uma pessoa da sua família deve responsabilizar-se por sua conduta. <i>“Os olhos de todos os comunários ficam voltados para essa pessoa, onde está, o que está fazendo, se está trabalhando. Todos vigiam. A intenção é fazer com que ela comece a trabalhar e a se comportar bem”</i>, completa Rodolfo Machaca.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Segundo o conjunto de normas de muitas comunidades, a mentira e a preguiça também são vistas como delito. Isso porque afetam diretamente a comunidade e a convivência harmônica entre seus membros. <b>Ama sua, Ama llulla, Ama quella</b> (Não seja ladrão, não seja mentiroso, não seja preguiçoso) são normas de fundamental importância para os povos quéchua e aimara. E como romper essas regras é um delito, também são vistos como uma vergonha, passível de punição.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i>“No caso da mentira, é igual. Convoca-se o comunário para que explique por que mentiu. Depois de horas de conversa, ele começa a falar e se conscientiza, desde o coração, passa a dizer a verdade e explica por que mentiu. As autoridades recomendam que não faça isso, mas, por um tempo, mesmo que ele esteja falando a verdade, tudo o que sair dos seus lábios não é crível para a comunidade. Para recuperar a confiança, tem que corrigir sua conduta. É uma sujeição psicológica, para restaurar a pessoa. Isso se chama ‘inserção’ na comunidade”</i>, explica Machaca.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><b>COMUNIDADE</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Em cada comunidade, vivem entre 80 e 100 famílias, dependendo das características de cada região. Cada grupo tem suas próprias regras e normas, de acordo com usos e costumes muitas vezes milenares. <i>“Isso serve para regular o caráter de uma família, de uma pessoa e da coletividade</i>”, salienta Rodolfo Machaca. Essas normas têm a ver com o mesmo significado de “ser” comunidade: ali, todos são família e qualquer dano ao outro é visto como grave. <i>“A vida tem de ser harmônica. Harmônica com a Mãe Terra e também entre nós, como seres humanos”</i>, considera Julia Ramos, secretária-geral da Confederação de Mulheres Campesinas Bartolina Sisa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Julia é de outra comunidade, quase do outro lado do país, Ancón Grande, no departamento de Tarija. No local, os problemas se resumem principalmente a danos causados por animais. “Por exemplo, temos nossas vacas, nossos burrinhos. Se eles entram no seu cultivo e causam dano, o primeiro passo é tentar entrar em um acordo, você e eu. Tenho que reconhecer, mas se não quero pagar, digo: ‘Não vou fazer nada’. Aí vem o conflito, e temos de nos dirigir às autoridades da comunidade, que são como mediadoras”, informa Julia. “Aí entramos em acordo, não ofendo você, que também não me ofende. E na mesma ata constam as penalidades. Se voltar a acontecer, tem de se pagar multa. O melhor, como dizemos em Tarija, é levar a festa em paz. Nos ajudamos, cooperamos, e aí continua a vida em comunidade”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O prestígio e o respeito de cada um estão de acordo com o seguimento das normas. <i>“Na comunidade, ninguém quer ser conhecido como sendo de uma ‘família ruim’. ‘Essa é família de ladrões, ou de mentirosos, como você vai se casar com essa pessoa?’, assim se comenta. Por isso, desde <b>wawitas </b>[crianças], nos dizem: ‘Não vá cometer erros’ ”</i>, relata a vice-ministra de Justiça Originária Indígena e Campesina, Isabel Ortega, nascida em uma comunidade do departamento de Oruro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><b>GRATUITA E REPARADORA</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">As normas dos povos indígenas, originários e comunidades campesinas constituem em conjunto seu próprio Direito, e vão criando precedentes pela repetição e pela prática cotidiana. É bom esclarecer que o sistema jurídico dos povos indígenas não é um meio alternativo de solução de conflitos, e sim uma jurisdição especial, composta por autoridades, normas e procedimentos administrados no contexto e sobre a base da cultura e valores de cada povo indígena.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">A Constituição boliviana reconhece 36 etnias, mas, segundo o <b>Conselho de Ayllus</b> e <b>Marcas do Qollasuyo</b> (Conamaq), existem no país pelo menos 54 etnias ou nações originárias. Cada uma delas possui um conjunto de normas e, assim, seu próprio Direito. Algumas dessas etnias estão isoladas, e são de difícil acesso, seja por questões geográficas ou por opção (como é o caso dos Pacahuaras), o que faz com que conhecer as normas, usos e costumes de cada uma delas seja um desafio e uma dificuldade para pesquisadores e mesmo para o Estado boliviano.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Mas existem características já identificadas como comuns nos diferentes tipos de justiça originária. Uma delas é a gratuidade. Para as comunidades, esse é um ponto muito importante. A Justiça, assim como o trabalho das autoridades, faz parte de uma lógica de trabalho comunitário e tem a ver com direitos que são de todos. Portanto, não deve ter valor financeiro.<i> “A justiça ordinária funciona com dinheiro e o governo tem que destinar recursos para que funcione, tem que pagar o salário dos juízes, dos funcionários. A energia que move a justiça ordinária é o dinheiro”</i>, considera Rodolfo Machaca. Também por não depender de papéis, advogados e juizados, a justiça originária é rápida. <i>“Não passa por outras instâncias e é muito mais rápida. Não tem suborno, não tem chantagem, não tem processo. Não tem que perder o tempo procurando advogado. Só tem que ir diante da autoridade originária competente”</i>, conta Juan José Sardina, da nação Chichas, localizada ao sul do departamento de Potosí.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">E a justiça originária é, principalmente, reparadora. Ou seja, não busca uma punição por vingança, e sim soluções práticas para o bem de toda a comunidade e a reintegração do infrator. Por essa razão, depois do julgamento e do trabalho comunitário que deve realizar, aquele que infringe as regras deve ir a todas as casas de toda a comunidade para se desculpar. E todos dão conselhos. A partir desse momento, todos são responsáveis. <i>“Porque dentro de um ayllu, se entende que temos que conviver como família. Isso é o ayllu”</i>, explica Juan José.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Nos casos de delitos graves, como assassinato e violação sexual, o acusado é encaminhado à justiça ordinária, além de receber também uma punição por parte da comunidade, a mais dura de todas: o desterro. Isso significa perder tudo, ser apagado da memória da comunidade, deixar de existir para aqueles que antes eram sua família. <i>“Aquele que ‘elimina’ uma pessoa, com ou sem motivo, é expulso da comunidade e entregue à polícia. Perde todos os seus bens, seu terreno, sua casa, tudo. Cometeu um delito grave e não merece a convivência em comunidade”</i>, detalha Rodolfo Machaca.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><b>RECONHECIMENTO</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Sendo um sistema jurídico com estrutura e procedimentos próprios, a justiça originária indígena campesina não engloba a “justiça” feita pelas próprias mãos por uma multidão eventual. <i>“Os linchamentos não têm nada a ver com a justiça dos povos originários. Essas pessoas que usam o discurso da justiça comunitária estão usando isso para encobrir um delito, que é o linchamento, que é tomar a justiça pelas próprias mãos sem um processo justo, sem uma resolução, sem análise e sem investigação”</i>, explica o advogado Yamil Vera Callisaya.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O artigo 190 da Constituição boliviana estabelece que <i>“a jurisdição indígena originária campesina respeita o direito à vida, o direito à defesa e demais direitos e garantias estabelecidos na Constituição”. “Eu não posso dizer que estou fazendo justiça se estou me convertendo em um assassino”</i>, considera Julia Ramos. <i>“É preciso respeitar o direito à vida. A justiça indígena não mata e não lincha, ela orienta”</i>, explica a vice-ministra, Isabel Ortega.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O reconhecimento pela Constituição foi um primeiro passo importante, mas ainda existem muitas arestas a serem aparadas.<i> “É preciso fortalecer nossa justiça indígena originária em nível nacional e também coordenar para que as duas justiças se apoiem”</i>, considera Isabel Ortega. <i>“Temos que recordar que esse modelo de justiça veio de um grupo social que formou durante séculos sua própria cultura, e tem sua própria filosofia de vida. Muita gente não entende bem por que se aplica essa justiça, como se aplica e tampouco querem entender ou aplicar essa justiça. E quando um advogado ou um jurista vai a uma comunidade, querem impor as leis que aprenderam na universidade”</i>, considera o advogado Yamil Vera.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Provavelmente o tema não passa pela aceitação ou pela tolerância. Neste momento, isso é pouco. A hora é de aprender. <i>“Queremos reconstruir os valores que tiveram nossos ancestrais, nossos antepassados. Não como está a sociedade agora, com ameaças para a tranquilidade da vida do ser humano, dos animais. Não faltam depredadores da natureza, de animais, de seres humanos. Aonde estamos chegando?”</i>, questiona Rodolfo Machaca. Boa pergunta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><b>BREVE HISTÓRICO DA JUSTIÇA INDÍGENA</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">No que agora é o território boliviano, antes de se tornar colônia, existiram vários sistemas jurídicos. O mais importante foi o <b>Tawantinsuyo </b>andino, que se expandiu desde o sul da Colômbia até o que hoje é o norte do Chile. Mas também existiram outros modelos como é o caso dos guaranis, chiquitanos, mojeños, pacahuaras, guarayos, entre outros – hoje se reconhecem 36 nações originárias e, todavia, existem nações não reconhecidas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Durante o período como Colônia, o governo impôs seu modelo de Direito e seu próprio sistema jurídico aos habitantes originários que viviam na região. Muitos conhecimentos dos povos foram perdidos, nações inteiras exterminadas. “Os espanhóis chegaram para nos invadir, mas desde antes tínhamos nossas autoridades e nossas leis. Quando nos invadiram quiseram que deixasse de existir nossa justiça, mas nós seguimos”, considera a vice-ministra de Justiça Indígena Originária e Campesina, Isabel Ortega.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Como consequência da aprovação do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas (1989) e da Marcha pelo Território, a Dignidade e a Vida protagonizada pelos povos indígenas de terras baixas da Bolívia (1989), em 1994 houve uma reforma na Constituição dessa época, reconhecendo o Estado boliviano como “multiétnico e pluricultural” e dando o direito às comunidades indígenas e campesinas de administrar seu próprio sistema jurídico.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Mas só em 2006, com a ascensão de um descendente aimara à Presidência do país, criou-se pela primeira vez na estrutura orgânica do Poder Executivo um vice-ministério dedicado à justiça originária, o Vice-Ministério de Justiça Comunitária, hoje denominado Justiça Indígena Originária Campesina. Em setembro de 2007, o sistema jurídico dos povos indígenas foi reconhecido pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, sendo ratificado dois meses depois como lei boliviana. Em 2009, foi promulgada a nova Constituição do país, que deu especial espaço à justiça originária.</span></div>
<div style="text-align: right;">
<i><b><span style="font-size: x-small;"><br /></span></b></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><b><span style="font-size: x-small;">Texto de Lídia Amorim, em “Revista Fórum Semanal</span></b></i></div>
<br />HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-9596674099893322552017-09-13T20:04:00.001-07:002017-09-13T20:04:39.553-07:00OS TIRIYÓ, filhos do barro e da escuridão<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Os Tiriyó que vivem no
Brasil compartilha, desde o final dos anos 1960, a faixa oeste do Parque
Indígena de Tumucumaque, com Katxuyana, Txikuyana, Ewarhuyana e Akuriyó.
Algumas famílias tiriyó encontram-se na faixa leste do parque, convivendo mais
com Aparai e Wayana que habitam no médio e alto curso do rio Paru de Leste. No
Suriname, onde vivem em maior número que no Brasil, os Tiriyó encontram-se nos
rios Tapanahoni, Sipariweni e Paroemeu.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWOvRqSXMtI5KTzXB7QTKOJL4EnJjTawbBpLVfigwMv9yKO_1xW2nrKUs_bIcg5Hj1qI6uheb1yjA5VcrQC0DZsmYErBaMNryFWDW86oWTD9eAInY_rZb4crLLVDwtVuhAOCxws8o5MA/s1600/tiriyo_mapa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="422" data-original-width="523" height="515" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWOvRqSXMtI5KTzXB7QTKOJL4EnJjTawbBpLVfigwMv9yKO_1xW2nrKUs_bIcg5Hj1qI6uheb1yjA5VcrQC0DZsmYErBaMNryFWDW86oWTD9eAInY_rZb4crLLVDwtVuhAOCxws8o5MA/s640/tiriyo_mapa.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Costumam dizer
que “Tiriyó” é o nome que o branco lhes deu. Quando falam em sua própria língua
identificam-se como “</span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Wü Tarëno</span></b></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">” (Eu sou </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Tarëno</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">), que significa “Eu sou
daqui, dessa região”.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Até a década de
1960, época da chegada dos missionários em sua região, os ascendentes dos
atuais Tiriyó reconheciam-se como pertencentes a grupos diferenciados, com
denominações próprias. Relacionavam-se entre si, e com outros grupos indígenas
vizinhos, por meio de redes de troca, guerra, migração e comércio. Por
compartilharem uma ampla faixa de terras consideravam-se todos Tarëno, ou seja,
“os daqui” (dessa região), e que inclui diferentes grupos, dentre os quais se
encontram identificados em fontes escritas e orais os próprios </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Tiriyó, Aramixó, Aramayana,
Akuriyó, Piyanokotó, Saküta, Ragu, Yawi, Prouyana, Okomoyana, Wayarikuré,
Pianoi, Aramagoto, Kirikirigoto, Arimihoto, Maraxó</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> e outros. Com a
chegada dos missionários franciscanos no lado brasileiro de suas terras, e
protestantes no lado surinamês, todos esses grupos foram englobados sob o nome
“Tiriyó” no Brasil, e “Trio” no Suriname. Por esses nomes genéricos que se
tornaram mais conhecidos, passando então a utilizá-los no contato interétnico,
sem no entanto deixarem de continuar designando-se, em sua própria língua e
entre os seus, como </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Tarëno</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyv9ecn-BWTEX3B06NfbYH1JxaozUniULPIeosqDvE8Mff1zM0BAEe87SO364G1s3w267R7Uk2drvjD-MhfQ206mXdnORzTiJVTFEa0ZTO6nCdP4hNR_P72LwozK0FAzVO3axJrUQisA/s1600/tiriyo_2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="743" data-original-width="750" height="396" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyv9ecn-BWTEX3B06NfbYH1JxaozUniULPIeosqDvE8Mff1zM0BAEe87SO364G1s3w267R7Uk2drvjD-MhfQ206mXdnORzTiJVTFEa0ZTO6nCdP4hNR_P72LwozK0FAzVO3axJrUQisA/s400/tiriyo_2.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Os Tiriyó vivem, de longa data, num
meio multi-lingüístico, seja por conviverem historicamente com a imensa
diversidade dialetal e lingüistica própria dos grupos Karib, Tupi e Aruak da
área guianense, assim como dos grupos de africanos e descendentes refugiados
que povoaram a região e arredores. Ademais, por viverem em ambos os lados da
fronteira Brasil/Suriname, há mais de meio século parte dos Tiriyó que vive no
lado brasileiro convive com falantes do português e do alemão, e parte que vive
no Suriname convive com falantes do holandês e do inglês. Assim, além de sua
própria língua, os Tiriyó falam, ou pelo menos compreendem, as línguas dos
grupos, agentes e países com os quais mantêm relações mais estreitas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">As
primeiras notícias a respeito de grupos que mais tarde vieram a compor os
atuais Tiriyó remontam ao século XVII. Mas é somente na segunda metade do
século XX que abandonam a condição de relativo isolamento em relação aos ocidentais.
Até então, mantinham uma densa rede de trocas e guerras entre si e com os
demais grupos indígenas vizinhos, além de manterem relações comerciais com
os </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Mekoro</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> (negros refugiados da
antiga Guiana Holandesa), por meio de quem obtinham bens manufaturados em troca
de produtos nativos. Seus contatos com ocidentais eram indiretos ou
esporádicos, quando da presença de viajantes em algumas de suas aldeias.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Até 1950, consta de fontes escritas e orais alguns contatos
diretos de grupos ancestrais dos Tiriyó com ocidentais. Em 1906, Goeje, tenente
neerlandês, visita algumas aldeias e recolhe as primeiras notícias mais
detalhadas. Em 1928, por ocasião de uma viagem de inspeção de fronteiras, o
então General Rondon encontra os “</span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Maratchó</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">”
e os “</span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Ragú-Prouyana</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">”. Nove anos mais tarde, o
Comandante Braz Dias de Aguiar faz contatos com os Maratchó do alto rio Panamá
e com grupos das cabeceiras dos rios Marapi, Cuxaré e Paru de Oeste. Ainda no
decorrer da primeira metade do século XX, principalmente na década de 50,
alguns aventureiros e expedições de exploradores mantiveram contatos
esporádicos, mas deletérios com grupos da região, causando doenças graves e um
aumento significativo de mortes nas aldeias da região.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">É apenas nos anos 60, com a chegada de missões religiosas na área,
que este quadro começa a se reverter. Nesse período, a Força Aérea Brasileira
(FAB) abriu um campo de pouso na região, promovendo assim o início da
instalação da “ Missão Tiriyó” no lado brasileiro. Na mesma época, surgiram no
Suriname duas missões protestantes, que passaram a disputar entre si a
centralização do maior número possível de grupos indígenas dos arredores. De
fato, muitos Tiriyó atravessaram a fronteira atraídos pelas missões protestantes,
enquanto os que permaneceram no Brasil aglomeraram-se em torno da missão
católica que se estabeleceu no alto Paru de Oeste.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16pt;">ORGANIZAÇÃO
SOCIAL<o:p></o:p></span></b></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Nos
locais denominados “</span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pata</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">”,
é possível identificar a unidade sócio-espacial básica de referência para os
Tiriyó. </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Pata</span></b></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">equivale
ao que costumamos designar, genericamente, de aldeia. Em tiriyó, pata significa
lugar de moradia, e cada um destes lugares está associado ao seu “</span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pataentu</span></b></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">”,
ou seja, ao “dono do lugar”, aquele que identificou, escolheu o local e nele
reuniu um conjunto de parentes bi-laterais.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNOIgP2Zv6zkSAFwNd9u-PU0Bv8ZSu9pxvGcm_GjtwRpWU36LywbNWN9gNX1kKCZK_oM7jjW5xTunNTLVUCuCkvr5ylIQzia3BF06Ce6x7WIFQZa4abtZWzFKl_YLlKITg4xTEl7DdPA/s1600/tiriyo_1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="741" data-original-width="750" height="395" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNOIgP2Zv6zkSAFwNd9u-PU0Bv8ZSu9pxvGcm_GjtwRpWU36LywbNWN9gNX1kKCZK_oM7jjW5xTunNTLVUCuCkvr5ylIQzia3BF06Ce6x7WIFQZa4abtZWzFKl_YLlKITg4xTEl7DdPA/s400/tiriyo_1.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Cada pata é composta por uma única ou por um conjunto de unidades
residenciais, denominadas </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></b></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">.
Em cada </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">, normalmente, vive um casal com
seus filhos solteiros e/ou com sua filha e genro recém-casados - composição
básica de um imoitü, termo que designa grupo familiar de parentes
co-residentes.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Imoitü</span></b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">
é uma categoria que designa a existência de parentesco (real ou virtual) e de
co-residência, mas possui um caráter relativo e necessita de um referente
espacial para que se possa compreender, contextualmente, seu escopo de
referência. Neste sentido, as possibilidades de composição de um imoitü variam
conforme o âmbito que se tome, e ao longo de um gradiente que vai da família
nuclear, que co-habita em uma mesma </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">,
passando pelo conjunto de parentes bi-laterais que co-habitam em uma mesma
pata, ou ainda por um conjunto de parentes bi-laterais que residem em duas ou
mais pata relativamente próximas. É possível chegar até um limite genérico, em
que a co-residência no mesmo território, de um ponto de vista mais amplo,
designa o pertencimento ao conjunto dos imoitühton (plural de imoitü num
sentido coletivo).<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O número de </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">existentes
em uma pata varia de acordo com o número de parentes que o pataentu consiga
reunir e conforme o tempo de existência do lugar. A disposição das </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">ocorre
em torno de um espaço denominado <b>anna</b>,
que é uma espécie de praça pública, equipada com uma <b>toëfa</b> (tábua de dança), onde ocorrem as festas. Normalmente, há
ainda, no espaço da anna, uma casa de reuniões, frequentemente de formato oval
ou retangular, denominada <b>paiman</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O território mais amplo que circunscreve o conjunto das pata em
que reside toda população é designado “<b>Tarëno
nono</b>”, ou seja, “<b>terra dos Tarëno</b>”.
Embora seja possível constatar que não há uma distribuição aleatória, mas um
padrão de ocupação baseado na formação de conjuntos de pata em torno das
principais bacias deste território, não há, em tiriyó, termo específico para
designar tais conjuntos.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Assim, enquanto </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></b></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(casa), </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pata</span></b></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(aldeia)
e </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">tarëno nono</span></b></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> (território)
servem para designar realidades ao mesmo tempo físicas e sociais, sendo
portanto unidades sócio-espaciais de referência, os conjuntos de pata que se
formam em torno das bacias do “tarëno nono” não encontram, em termos nativos,
uma concepção que permita recortá-los enquanto unidades sociológicas. Tais
conjuntos, de fato, constituem realidades físicas e sociais, mas não configuram
“unidades”, e sim “dinâmicas” que são fruto das relações entre as unidades
sócio-espaciais básicas tiriyó, ou seja, entre as pata.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Fisicamente, apresentam-se na forma de “aglomerados” de “aldeias”
em torno dos cursos de alguns rios. Na falta de termos nativos, a noção de
aglomerado permite descrever uma realidade que, de fato, aparece-nos de forma
altamente fluida e provisória, porém, se tomamos a falta de termos nativos como
um indício de que entre a unidade social básica (pata) e a unidade social mais
ampla (tarëno nono) não há “unidades” sociais intermediárias, nem simplesmente
“fluidez”, mas “dinâmicas” sociais que funcionam sob formas específicas de
articulação social, então a noção de “redes de sociabilidade” se torna mais
útil à compreensão da paisagem sociológica da região.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioR4d9RFrp63BwtVa_nChFqzKcpnambh5bXLXSiroXajnZIY4RgbtMqX6QeFDZ_TwnofPxfqMzjc8bXnuWze6h20HijzeIZ5c48y-ReI-9c6vcQV_sXJ_F9TrP-ymfqbA8RAwWlaQOKQ/s1600/tiriyo_3.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="743" data-original-width="750" height="396" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioR4d9RFrp63BwtVa_nChFqzKcpnambh5bXLXSiroXajnZIY4RgbtMqX6QeFDZ_TwnofPxfqMzjc8bXnuWze6h20HijzeIZ5c48y-ReI-9c6vcQV_sXJ_F9TrP-ymfqbA8RAwWlaQOKQ/s400/tiriyo_3.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Com base nesta perspectiva, tem-se nas redes de relações entre os
pataentu a espinha dorsal da estrutura social tiriyó, e na pata, a unidade
sociológica básica de referência desta estrutura. O nível de maior densidade
nas relações sociais é dado pela co-residência entre o pataentu e sua parentela
bi-lateral, que equivale ao seu “yimoitü” (“minha família” ou “meus parentes
co-residentes”). No interior de cada pata, a parentela de um pataentu tende a
manter, entre si, relações estreitas e preferenciais de troca matrimonial. Cada
parentela local corresponderá a uma única ou a mais de uma </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">,
conforme sua extensão e sub-divisões. Em seguida, há o nível inter-local, dado
pelas relações entre os pataentu de lugares diferentes. Neste nível, cada pata
funciona como unidade trocadora e estabelece, através de seus sub-componentes,
as </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">, trocas simultâneas com membros
de outras </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pakoro</span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">, de diferentes lugares.
Formam-se, assim, múltiplos direcionamentos nas relações de troca.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<h2 style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16pt;">RITUAIS<o:p></o:p></span></h2>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Dentre os
rituais que acionam o funcionamento das redes de relações inter-comunitárias,
destacam-se o diálogo cerimonial e as festas. Ambos têm em comum o potencial de
fazer e desfazer os laços que interligam o conjunto das comunidades locais,
que, no caso tiriyó, corresponde ao conjunto das <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">patahton</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(plural de pata), e têm ainda em comum, embora por mecanismos
distintos, o poder de transformar quem era “de fora” em alguém “de dentro” e
vice-versa.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Cada um destes
rituais, porém, corresponde a âmbitos distintos. O diálogo cerimonial põe em
foco relações entre membros de diferentes itupü, tendo como figura principal o <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">tamutupë</span></b></em></span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></b></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(chefe de uma <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">itupü</span></em>);
e as festas põem em foco relações entre membros de diferentes pata, tendo
dentre seus principais protagonistas a figura do </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">pataentu</span></b></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(dono do lugar). Do ponto de vista das relações internas às
fronteiras sócio-culturais nativas, o diálogo cerimonial e as festas permitem
que relações do tipo </span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;">kutuma</span></b></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(relação entre
não-parentes) sejam administradas e que sejam viabilizados, ou evitados, o
estabelecimento de novos laços.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Cada um destes
rituais encerra, a seu modo, um sinal positivo e outro negativo. Por meio do
diálogo cerimonial, que implica um desafio de argumentos entre chefes de itupü
diferentes, ambas as partes podem sair com vantagens iguais, ou uma delas em
desvantagem. E, por meio das festas, por um lado surgem novas possibilidades de
trocas matrimoniais ou materiais, mas, por outro lado, o contato com quem é “de
fora” abre margem para novos conflitos e descontentamentos. Mas este é um jogo
político com o qual os Tiriyó se mostram muito bem familiarizados, de tal forma
que o seu mundo é impensável sem essas instituições ou sem formas adaptadas
delas. É por meio delas que se negociam casamentos e bens, assim como se
recebem visitantes.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Em contextos
que extrapolam as fronteiras sócio-culturais nativas, como é o caso das
históricas relações de comércio com os <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Mekoro</span></b></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(negros), bem como em
contextos recentes, de maior convívio com os <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Karaiwa</span></b></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(brancos do continente) e
com os <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Pananakiri</span></b></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(estrangeiros de
além-mar), observa-se na performance dos encontros, apesar das evidentes
dificuldades linguísticas, a tentativa de administrar as relações nos moldes
das relações baseadas no diálogo cerimonial.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Um momento na
vida dos Tiriyó especialmente interessante de ser focalizado, já que parece
condensar e confrontar todas as dimensões, valores e seres que fazem parte
deste mundo, é o da Festa. Os Tiriyó definem a Festa como uma “brincadeira” que
“tem que ser organizada”. O que remete à ideia de brincadeira na Festa são as
encenações e imitações de situações e de seres diversos que compõem o seu
universo. Também o clima lúdico em que os momentos se desenrolam e, ainda, a
leveza de estado de espírito dos participantes parecem apontar para a
pertinência de tal definição.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Em suas festas
fazem-se presentes os próximos e os distantes, os “iguais” e os “diferentes”,
os parceiros e os inimigos, os humanos e os não-humanos. Nelas, desenrola-se a sequência
mítica por meio da qual um estado de guerra inicial dá lugar a um processo de <b>enyawa</b> (termo que designa a
constituição de uma parceria), de tal forma que a aliança - que pode envolver
casamento, mas não necessariamente - entre uns e outros torna-se possível. Neste
sentido, paralelamente à ideia de brincadeira, a festa remete à ideia de
guerra. Com efeito, as etapas das festas tiriyó parecem corresponder ao
processo de afronta, guerra, apaziguamento e troca, ou então, de estranhamento,
familiarização e aliança recorrente em suas narrativas e mitos. É interessante
notar que os termos brincadeira e guerra parecem intercambiáveis. Assim, quando
um Tiriyó diz que a festa é uma brincadeira, bem poderia estar dizendo que na
festa se “brinca de fazer guerra”.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<h2 style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16pt;">COSMOLOGIA<o:p></o:p></span></h2>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">A origem do
mundo para os Tiriyó corresponde à própria origem do espaço e do tempo, para
além há o indizível, associado à escuridão, ao silêncio e à falta de movimento.
<em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></b></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">é o primeiro ser que
existiu, ainda sem forma, apenas com existência. Dizem que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">não tinha cara nem de
homem, nem de bicho, não tinha forma porque não foi feito por ninguém, ele
simplesmente 'brotou' (<b>ahtao</b>) da
mistura primordial que deu origem ao início dos tempos (<b>pena ahtao</b>), época definida como onde e quando a vida brotava 'sem
pedir', por si própria. Assim <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">designa o ser dotado de
uma luz, surgido onde antes havia apenas a escuridão; de fala mágica, onde
antes havia só o silêncio; e de um fluido fértil, que antes era inerte.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O mundo de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">é descrito como uma
paisagem terrestre clara, circundada por um meio aquático, e envolta pela
escuridão. Neste mundo, <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">vivia sozinho, tinha a
palavra, mas não tinha com quem conversar; enxergava mas não via ninguém. Seu
mundo era só espaço, sem tempo, porque nada acontecia. Ele era capaz de criar
por meio de sua palavra mágica e de sua luz, vendo diante de si o que nomeava.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Não querendo
mais ser único, Kuyuri, fruto de uma mistura primordial, precisava agora fazer
sua própria mistura para deixar de ser sozinho. Não bastava mais dar vida pela
palavra, era preciso moldar a vida pela forma e, então, diferenciar-se para
finalmente deixar de ser só. Kuyuri, que era homem, queria fazer uma mulher.
Foi então que, realizou a segunda mistura primordial, a partir de dois tipos de
matérias concebidas como inertes, quando isoladas entre si, tais como o barro, <b>takuren</b>, e o breu, <b>warunu</b>. O takuren é a matéria que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">extrai do interior de seu mundo claro e vazio para misturar com o
breu (escuridão) que extrai do exterior. Quando misturada com takuren, a
escuridão ganha qualidades próprias, transformando-se no espesso e denso fluido
vital sangüíneo denominado <b>munu</b>.
Tornado sangue, seu fluido espiritual que era sem cheiro, <b>ipoinna</b>, ganha aroma próprio, podendo tornar-se agradável e
desejável, <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">tüpoinye</span></b></em>, ou desagradável e indesejável, <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">tüpoküne</span></b></em>.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Diz-se que o
fluido espiritual de </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">K</span></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">uyuri</span></em><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">era incolor, <b>koronna</b>, e
tornou-se vermelho, <b>tamire</b>, que é
definido como a cor da vitalidade. E diz-se que o conteúdo fértil de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">era sem forma e sem
envoltório, e que, misturado ao barro e à escuridão, toma forma de 'fio',
formando assim a 'corda da vida', <b>warumunu</b>,
cujos protótipos são, para os homens tiriyó, o <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">waruma</span></b></em></span><em><b><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></b></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">(arumã) e a fibra de <em><b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">kurawa</span></b></em> (curauá). Daí
se origina toda uma simbólica vinculada aos princípios masculino e feminino. A
começar pela forma que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">moldou a partir daquela
mistura de barro com breu, evocando uma estreita associação entre as vasilhas
de argila em geral, denominadas <b>ëri</b>,
e a mulher, <b>wëri</b>, não apenas a
humana, mas as fêmeas em geral, com forma corpórea e 'sangue por dentro'.
Diz-se que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">fez a sua primeira mulher
de argila, <b>ërino</b>, mas ela era muito
frágil. Quando ela se partiu, ele viu que tinha sangue dentro. E que, portanto,
a tentativa de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">não tinha sido em vão: a
forma era frágil, mas o conteúdo era vital.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">A partir daí,
onde antes tinha apenas espaço instaurou-se o tempo e, com ele, o movimento da
vida. Os caminhos do fluido espiritual <b>kupü</b>
se espalharam e os lugares do sangue <b>munu</b>
se proliferaram ao longo do espaço e do tempo em que o espírito vital <b>pü</b> começou a percorrer, produzindo
incessantemente a sua própria continuidade.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Cada nova
criatura de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">é como se fosse um braço
seu, porque de cada uma delas depende a continuidade de seu espírito. Sob este
mesmo princípio, compreende-se que, se a continuidade do espírito de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">depende de suas criaturas,
a continuidade do espírito destas, depende, por sua vez, de um processo de
re-criação sem fim semelhante ao inaugurado por Kuyuri. Desde quando, querendo
deixar de ser só, misturou o barro takuren com a escuridão warunu, dando origem
ao sangue, para que seu espírito pudesse ser transportado de criatura em criatura,
e, assim, continuado, humanos e animais são concebidos como <b>oto</b>, 'corpos animados'. Porém,
diferenciam-se no que diz respeito à utilização da linguagem que permite a uns
e não a outros auto referenciarem-se como um oto que é <b>wütoto</b>, ou seja, gente. Diferenciam-se portanto quanto a sua
condição no mundo, ficando a condição humana reservada aos seres capazes de se
auto-referirem enquanto sujeitos continuadores do espírito de Kuyuri, que vivem
coletivamente 'como gente', wütoto me.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="line-height: normal; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><span style="font-size: 16pt;">A LINGUAGEM DE KUYURI</span><span style="font-size: 16pt;">:
DOS PRESENTES E DOS ANTI-PRESENTES</span></b></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O mundo deixou
de ser, por assim dizer, um mundo estacionado no espaço e no tempo a partir de
quando </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Kuyuri </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">concebeu a forma corpórea
feminina como um invólucro (ëri) com sangue (munu) feito para receber o
espírito contido no fluido fértil masculino (kuru) e para produzir <b>emukupünu</b> ou simplesmente <b>muku</b>, que é a designação abreviada para
filho(a).<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Desde então, a
cada filho que nasce, seja homem ou mulher, cabe aos pais ensiná-lo a saber
como se tornar capaz de continuar o espírito de Kuyuri, e, desde então a ordem
primeva, em que o mundo dividia-se em um conjunto de espécies feitas para
alimentarem e outras para serem alimentadas, não passou senão a dizer respeito
a uma matriz explicativa da linguagem pela qual <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">se comunica com seu mundo. Porque de lá para cá, a memória tiriyó
foi sendo densamente povoada de histórias de seres que foram eleitos como <b>pëeto</b> (ajudantes, continuadores) e que,
não se mostrando capazes de retribuir </span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">Kuyuri </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">com a continuação de seu espírito foram transformados em <b>pëera</b>, e de seres que chegaram a
mostrar-se pëera, cometendo erros de conduta, revelando-se incapazes em algumas
situações, mas que aprenderam a tornar-se pëeto, e, assim, transformaram-se em
eleitos e bem sucedidos continuadores do espírito dele. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Os eleitos de
Kuyuri, seus <b>pëeto</b>, são aqueles que
se mostram <b>tüpuye</b>, ou seja, como
capazes de continuar seu espírito, e é a eles que ele dá presentes, em forma de
alimentos, por meio dos quais ganham nome e existência em seu mundo.
Inversamente, cabe a estes dar nome e existência a <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">dando-lhe de presente mais espírito e, assim, ad infinitum.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Tudo que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">disponibiliza para o
desfrute de suas criaturas é denominado <b>ekaramahpë</b>,
que designa um dar que é ao mesmo tempo um devolver, porque se concebe que quem
ganha um presente, ganha a devolução de sua própria existência diante de quem o
dá. Esta é a linguagem de Kuyuri, é assim que ele se comunica com suas
criaturas: ele favorece ou desfavorece as suas condições de vida e, no limite,
dá ou tira seu nome e existência, mostrando a elas e aos relacionados a elas
sua satisfação, <b>imënna</b>, ou
insatisfação, <b>imë</b>, com determinadas
condutas que possam interferir na continuidade de seu espírito. Tudo que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">quer de suas criaturas é
que se façam <b>karime</b>, noção que
envolve a aquisição de coragem, bem como de força e resistência física, em
busca da solidez da forma corpórea, para que o espírito <b>ekapü</b>, aquele que dá existência e nome aos corpos, encontre-se
protegido em seu interior.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">E se é através
dos presentes, <b>ekaramahpë</b>, que <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">demonstra sua avaliação
positiva quanto ao comportamento dos 'descendentes', <b>ipëri</b>, é através de seus 'anti-presentes', <b>ekëriyatühpë</b>, cujos protótipos são as monstruosas cobras ëkëimë,
que ele demonstra sua avaliação negativa. A estes seres que personificam sua
insatisfação, sob formas designadas pelo sufixo aumentativo -<em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">imë</span></em>, <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em> dá existência ativa
quando seus ipëri se mostram pëera me, como incapazes, e os aquieta quando seus
ipëri mostram-se pëeto me, como capazes de conduzirem-se adequadamente.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<h3 style="line-height: normal; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<em><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16pt;">YARAWARE </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16pt;">E
<em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">URUTURA</span></em>:
MASCULINO E FEMININO<o:p></o:p></span></h3>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Na exígua
literatura sobre cosmologia tiriyó, <b>Yaraware</b>
é descrito como um humano imerso no desenrolar da vida, tal como ela começou a
ser vivida no princípio dos tempos. E, com efeito, a partir das informações que
obtive junto aos Tiriyó, Yaraware é descrito como uma espécie de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">mundano, que
personificava, na terra, as potencialidades do espírito masculino de Kuyuri, ao
lado de sua esposa <b>Urutura</b>, que
revelava, em sua existência, o espírito feminino, tal como ele existiu desde
quando a mulher ainda não tinha forma corpórea, era apenas espírito.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7Sma_8CpnxKIo44HSmmLVNeMGJ50p0qFW2-k-Iess4D1IHuWMbfFIWTujf5LissWrcvyZR1RiIDen-asRdMLuNnPlEoQSQTKlwPJBd3qZdPQmFVogfaUQzUwflPoEKF5elJIT_tACRA/s1600/tiriyo_5.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="343" data-original-width="569" height="384" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7Sma_8CpnxKIo44HSmmLVNeMGJ50p0qFW2-k-Iess4D1IHuWMbfFIWTujf5LissWrcvyZR1RiIDen-asRdMLuNnPlEoQSQTKlwPJBd3qZdPQmFVogfaUQzUwflPoEKF5elJIT_tACRA/s640/tiriyo_5.png" width="640" /></a></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Um espírito e
outro, masculino e feminino, surgem concebidos como dotados de potências
inversas, porém complementares: a fala do espírito feminino não é associada à
luz, como é a fala do espírito masculino, mas à escuridão. E a partir desta
diferença de base os Tiriyó explicam boa parte dos desdobramentos que seu mundo
tomou, desde quando <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">misturou o barro com o
breu para que pudesse não ser mais único e, como tal, infecundo. Desta mistura
e da forma moldada a partir dela, deriva aquela estreita associação mencionada
acima, entre as vasilhas de argila em geral, denominadas ëri e a mulher, wëri.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">A relação entre
ëri e wëri, 'recipiente' e 'mulher' assemelha-se àquela entre oto e wütoto,
'animal' e 'homem respectivamente, e me parece estar associada à diferença
entre o ser que é dotado de vida animada, tal como se concebe que seja a
argila, ëri, assim como o animal, oto, 'com sangue por dentro', e o ser que,
além de 'sangue por dentro', pode se auto-referir, através da linguagem, ou ser
referido por outrem como sujeito de uma vida animada.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">A respeito
desta época definida como <b>pena ahtao</b>,
a memória tiriyó é prolífica em narrativas que tratam de encontros primevos,
não mais simplesmente entre matéria e não-matéria, como quando a vida brotava,
sem pedir das misturas primordiais, mas entre diferentes tipos de gentes que,
sendo dotados de fala, visão e movimento, concebiam-se indistintamente 'como
humanos', vivendo num mundo inteiramente relacional e comunicativo, causacional
e transformacional, que não estava dado diante dos olhos de quem o via, ele
era, ou deixava de ser aquilo em que o desenrolar das relações entre os seres o
transformava.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Se a lua nunca
se encontra no céu, com o sol, <b>wei</b>,
é porque um dia competiram entre si, viajando em canoas celestes, para ver quem
conseguia iluminar mais o mundo. Tendo perdido a competição para o sol, desde
então, a lua evita encontrá-lo, e só aparece quando ele já se foi. O sol é
concebido como um ser de Kuyuri, que preserva a continuidade de seu espírito e
que, enquanto tal, é associado às qualidades do espírito masculino. E a lua, ao
contrário, é associada à escuridão, e às qualidades do espírito feminino, que,
em sua origem, provém daquele breu do qual <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">precisou para criar novos
seres e então continuar seu espírito.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O patamar em
que a lua se encontra é descrito como a morada das almas que, na terra,
incorporaram, em si, os defeitos do espírito feminino. Por sua vez, o sol é
descrito como o mais distante que existe em relação à lua, num lugar onde é
sempre dia e onde as potências do espírito masculino de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">se realizam plenamente,
sem necessidade de relação com potências contrárias. Lá, então, o mundo é só
fertilidade, fala mágica e luz. Nada precisa ser feito, está tudo pronto ao
desfrute de quem soube cultivar em si, e continuar em seus descendentes, o
espírito de Kuyuri. Porém, no princípio dos tempos, a humanidade foi se
distanciando muito deste lugar paradisíaco, e que, conforme o espírito humano
contagiava-se mais com a potência do espírito feminino, mais obstáculos foram
surgindo nos caminhos, estrategicamente povoados de anacondas e outros tantos
seres monstruosos que se encarregam de controlar a entrada de espíritos
nefastos naquele lugar.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">E o desenrolar
do convívio de <b>Yaraware</b> com <b>Urutura</b>, enquanto casal, ilustra bem as
origens deste distanciamento cada vez maior entre a terra e o céu. As
desavenças entre ambos, causadas pelo comportamento glutão de Urutura, que
sistematicamente comiam toda comida que ele levava para casa, antes mesmo que
ele pudesse servir-se. Insatisfeito com o comportamento descomedido do espírito
feminino de Urutura, Yaraware queria controlar as manifestações nefastas deste
espírito, e desenvolver as qualidades do espírito masculino em todas as suas
criaturas, fossem elas homens ou mulheres. Para tanto, usando a mesma linguagem
de <em><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Kuyuri</span></em></span><em><span style="font-family: Arial, sans-serif;"> </span></em><span style="font-family: Arial, sans-serif;">concebeu seus presentes e
seus anti-presentes. Transformado em lagarto, <b>ërukë</b>, Yaraware passou a representar uma eterna ameaça para as
manifestações do espírito feminino, que deve ser cuidado e cuidar-se para não
ser atacado. Tornando-se o <b>tamütupë</b>
dos lagartos, os fez apreciadores do cheiro do sangue humano, ao mesmo tempo em
que indigestos aos humanos. Com sua capacidade de metamorfosear-se,
Yaraware-lagarto deu morada a seus ipëri-lagartos no mundo subterrâneo, <b>nonowae</b>, de onde saem de tempos em
tempos, atrás dos 'presentes' que seu <b>tamu</b>
coloca ao seu dispor. Para tanto, possuem a capacidade de, metamorfoseando-se,
atacarem suas vítimas por todos os lugares possíveis onde elas possam
encontrar-se. É então, sendo tamu dos lagartos, que Yaraware encontra como ser
um 'anti-tamu' dos humanos, ou seja como 'não levar o sangue adiante' daquelas
criaturas que considera pëera e que, como tal, proliferando-se, ameaçam a sua
humanidade.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Assim, na
floresta, toma forma de anta (<b>tëhpaime</b>),
nas proximidades das moradias dos humanos transforma-se em gente (<b>ehkui</b>), com aparência de homem sedutor,
ou de mulher sedutora, se a vítima for masculina; e, nos rios, toma forma de
peixe (<b>amahta</b>).<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Antes, porém, desta
transformação e de sua ida para o céu, usando a parte interna do waruma,
denominada <b>wakuru</b>, Yaraware deu
corpo à mandioca <b>wüi</b>, tubérculo
concebido como o alimento por excelência de quem é wütoto e, portanto, de quem
é humano.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Neste sentido,
se as visitas dos lagartos aos humanos constituem-se em seu 'anti-presente', <b>ekëriyatühpë</b>, às manifestações
impróprias do espírito feminino, a cassava e o conhecimento de seu cultivo
constitui-se no 'presente', <b>ekaramahpë</b>,
que concedeu às suas criaturas terrestres para que elas pudessem viver como
seus pëeto, ou seja, 'como seus braços capazes e bonitos', e para que pudessem
continuar seu espírito na terra.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Depois que foi
para o céu, Yaraware passou a eleger, dentre os tamu de cada uma das
ramificações de seu espírito continuado na terra, aqueles a quem se denomina <b>püi'yai</b>, que são os pajés, concebidos
tendo 'espíritos auxiliares', a quem ensinou a 'magia das roças'. Magia esta
que envolve o conhecimento dos cantos mágicos <b>ëremi</b>, que são concebidos com um fio vital que sai da voz, <b>omi</b>, de quem o pronuncia e que se
conecta amplamente aos seus destinos, conforme o conteúdo e o vigor com que é
pronunciado. Envolve também as danças <b>watü</b>,
por meio das quais deve-se, literalmente, 'fazer corda' com as 'mãos amarradas
em corda', <b>ëinyawa</b>, em torno das
plantações para que o 'fio vital', contido nos cantos entoados pelos cantadores
entre dentro delas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Este aprendizado
envolve, ainda, o manuseio pelo püi'yai das <b>pedras</b> <b>kuri</b>,
consideradas pedras doadoras de fertilidade, que são enterradas no meio da
roça, normalmente numa pequena elevação, onde se cruzam seus principais
caminhos. Estas pedras são colocadas aos pares, uma masculina, outra feminina,
com certa distância, uma da outra. E é durante este enterramento que se deve
dançar e recitar os cantos cerimoniais.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWCdcuXRwdN2dVL2rPWdwPxbTXv0_gn-1p1MjWUH5M0uFrVlQBubiekbQNj1lImvnTaqZ-xdlhv-iTdSP9WoCAcNv2QlpN7XJx1RIow63nIubjKUQEdm73p8JMvOnT-01WxcPUyokYcQ/s1600/tiriyo_4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="600" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWCdcuXRwdN2dVL2rPWdwPxbTXv0_gn-1p1MjWUH5M0uFrVlQBubiekbQNj1lImvnTaqZ-xdlhv-iTdSP9WoCAcNv2QlpN7XJx1RIow63nIubjKUQEdm73p8JMvOnT-01WxcPUyokYcQ/s640/tiriyo_4.jpg" width="640" /></a></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Deste empenho
em 'fazer o espírito continuar' que caracteriza o espírito masculino, faz parte
o controle das manifestações contrárias, concebidas como próprias do espírito
feminino, reveladas em homens e mulheres, nas tantas condutas impróprias que
são potencialmente capazes de cometer e, no caso específico das mulheres, na
fragilidade da forma corpórea feminina que, ciclicamente, deixa 'vazar' o
sangue menstrual. Neste sentido, a ameaça dos anti-presentes personificados nos
lagartos e em suas metamorfoses é compreendida como uma forma encontrada por
Yaraware de conduzir o espírito humano a este controle.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Daí que as
potências humanas que ali foram introduzidas por Yaraware precisem ser ativadas
através dos processamentos que devem torná-la própria para o consumo, pois
compreende-se que consumi-la pura <b>ipoinna</b>,
seria como consumir-se a si mesmo, num processo de autofagia e de
auto-evenenamento. Como alimento cotidiano, em forma de caldo fervido, <b>tukupi</b>, de bebida com baixo teor de
fermentação, <b>sakura</b>, e em forma de
beiju, <b>uru</b>, concebe-se que os
derivados da mandioca contêm em si o 'espírito que dá vida e sabedoria', <b>kapühpë</b>, a quem o consome. Espírito
este que reside no céu, <b>kaputao</b>, e
que desce à terra em forma de chuva, que é enviada na época em que Yaraware,
concebido como o 'dono da mandioca', <b>wüi
entu</b>, aparece no céu em forma de estrela (Orion), no início de dezembro,
para anunciar o início das chuvas que irão expandir as raízes da mandiocas
cultivadas nas roças tiriyó.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Assim como os
alimentos derivados da mandioca são concebidos como capazes de introduzir fala,
e, portanto, conhecimento aos corpos que o ingerem e digerem, transformando-o
em fluidos vitais, diz-se que, são também capazes de extrair a fala, quando
feitos não para alimentar o corpo de espírito, mas para desalimentá-lo pelo
vômito, como é o caso das bebidas rituais feitas para convidados especiais, de
quem se quer extrair alguma informação, tal como o <b>kasiri</b>, bebida com alto teor de fermentação, concebida como capaz
de fazer soltar a fala daquele que a ingerir. Feita para ser vomitada, a bebida
kasiri é especialmente feita para receber visitantes, a quem é oferecida para
que, literalmente, 'soltem a fala que encontra-se presa no interior de seus
corpos', seja simplesmente para descontraírem-se e ficarem alegres, seja para
que eventuais dúvidas ou curiosidades que seus anfitriões tenham em relação a
eles sejam esclarecidas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="right" style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: right;">
<strong><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Baseado
em texto de Denise Fajardo Grupioni<o:p></o:p></span></i></strong></div>
<br />
<div align="right" style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: right;">
<strong><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Fonte:
Instituto Socioambien</span></i></strong><strong><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">tal | Povos Indígenas no
Brasil</span></i></strong><strong><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">, </span></i></strong><strong><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">a</span></i></strong><strong><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">cessado em:
13/09/2017</span></i></strong><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-34479725154661497502017-09-13T14:16:00.001-07:002017-09-13T14:16:59.448-07:00A LENDA DO DIA E DA NOITE<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dyrvLnafTCdUXwp_O7yvfSu2okN29piJubRsax42qXNPxN1bkAQc6W98-Sb-j5NpJDU6FLYrL3-5be6koK64A' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-61891480401926885422017-09-13T13:26:00.000-07:002017-09-13T13:26:06.334-07:00SAMBAQUIS, as pirâmides brasileiras<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/JQq2Vvp7Ghs/0.jpg" src="https://www.youtube.com/embed/JQq2Vvp7Ghs?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
<br />HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-70326253759745693342017-02-27T15:03:00.000-08:002017-02-27T15:03:07.948-08:00RESISTÊNCIA INDÍGENA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dykDNUNH1av_-Uyn9Z-nwM-WcfKnyBFTVbcNWBcLbVDy8nzg2aixHYL00nInq-wIySxhEkTomTB0fI7zWtsTQ' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-46302420399842013662014-09-14T23:49:00.000-07:002014-09-14T23:49:47.753-07:00OS "DONOS" DAS PLANTAS - cosmologia xamânica do roçado Mbyá-Guarani<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBg1JkceQnOXO44Mpf_JUAF6p8Tqyus3CHbTyeEyksHX6HlPwloMn4FxJXddtkOsCZJBZiNLvuisP5FoqZ1nTibCYd0vDHFkqJSarNsC_D931GZqCUrl-CqKO85PwpY1fMVBU8HMW9Sw/s1600/j%C3%A1+das+plantas+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBg1JkceQnOXO44Mpf_JUAF6p8Tqyus3CHbTyeEyksHX6HlPwloMn4FxJXddtkOsCZJBZiNLvuisP5FoqZ1nTibCYd0vDHFkqJSarNsC_D931GZqCUrl-CqKO85PwpY1fMVBU8HMW9Sw/s1600/j%C3%A1+das+plantas+1.jpg" height="400" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Segundo
os Mbyá-Guarani, antes da Terra Atual (</span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy
pyau</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">), existiu uma outra, um primeiro mundo, chamado </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy tenondé</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">, que foi destruído pelo dilúvio (</span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">iporum</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">). A </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy tenondé</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">
era perfeita e habitada pelos deuses. Mas um incesto entre dois dos principais
personagens cosmológicos Mbyá-Guarani despertou a ira das demais divindades,
que acabaram destruindo a Primeira Terra. Os Mbyá-Guarani já existiam quando
ocorreu o </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">iporum</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">. Com a destruição da
</span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy tenondé</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> foi criada a Terra Atual,
</span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy pyau</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">, para os Mbyá-Guarani
viverem e, junto com a Nova Terra, foram criadas todas as condições necessárias
para a sobrevivência dos Mbyá-Guarani, inclusive os alimentos que hoje eles
consideram tradicionais.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
história de <i>Kuaray </i>e <i>Jaxi</i>, tidos como irmãos, embora o
primeiro tenha cirado o segundo, é um dos mitos fundadores da cosmologia
Mbyá-Guarani, no qual são definidas algumas divindades e estabelecidas suas
posições no cosmo. O mito narra uma grande aventura que é finalizada com os
irmãos caminhando pelo mundo que acabaram de criar – <i>yvy pyau</i> – e denominando as coisas, com ênfase na nominação dos
alimentos. <i><o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Resumindo
o mito: a mãe de Kuaray (o futuro Sol), quando grávida, se põe no caminho a
procura do pai de Kuaray. De dentro do ventre da mãe, Kuaray vai indicando o
caminho correto que devia ser seguido. No caminho Kuaray pedia para que sua mãe
lhe colhesse algumas flores. Kuaray era então “criança” e sempre tinha os seus
pedidos atendidos. Numa das flores solicitadas havia um zangão que picou sua
mãe. Esta ficou irada com Kuaray, julgando que a culpa era do filho que havia
lhe pedido aquela flor e acabou batendo em sua própria barriga. Então, Kuaray
parou de indicar o caminho correto que eles deveriam seguir. Tomando o caminho
errado, eles foram parar na morada dos jaguares. Chegando lá só havia uma
jaguar velha em casa, que lhes disse para não ficarem ali para não serem
comidos por seus filhos, que logo retornariam. Só que a mãe de Kuaray não deu
ouvidos à velha e ficou lá. Então, voltaram os filhos da velha Jaguar e comeram
a mãe de Kuaray. Estes separaram o feto para que a velha jaguar comesse, mas
não conseguiram matar Kuaray, mesmo apões várias tentativas. Sendo assim, a
velha jaguar decidiu criar Kuaray. Ele criou o primeiro arco e fez três
flechas, passando a caçar para alimentar a velha jaguar, que então ele julgava
ser a sua mãe. Aliás, com a caça ele alimentava toda a família dos jaguares.
Depois Kuaray criou um irmão para ele, o Jaxy (futuro Lua). Ambos vão caçar em
uma ilha distante, desrespeitando as ordens da jaguar que julgam ser sua mãe.
na ilha tentam matar um papagaio que lhes conta que a jaguar não é a mãe deles,
que na verdade a jaguar comeu a sua progenitora. Entoa Kuaray e Jaxy, com ajuda
do lobo marinho, construíram uma ponte-armadilha. Quando os jaguares estavam
atravessando a ponte os dois irmãos a derrubaram, jogando os jaguares na água.
Porém, nem todos morreram afogados e o plano dos irmãos de extinguir os
jaguares fracassou. Assim, eles decidiram sair de perto dos jaguares procurando
seu pai, morador de uma outra comunidade. No caminho, os irmãos vão dando os
nomes para as plantas e animais, nomeando também os alimentos. Só depois é que
o Sol e o Lua vão para o céu, partilhando a função de iluminar o mundo. O Sol,
mais velho e poderoso, ilumina o dia. O Lua, irmão menor e não tão poderoso
quanto o Sol, ilumina a noite. Mas o Lua, mais fraco, fica cansado e tem que
descansar. É por isso que existem as fases “do Lua”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
Mbyá-Guarani possuem duas porções de alma: uma sagrada e outra telúrica. A alma
sagrada é chamada <b><i>ñe’e</i></b> e significa, literalmente, <b><i>alma-palavra</i></b>. Na
linguagem Mbyá-Guarani os termos “alma” e “palavra” tem o mesmo significado, o
mesmo valor semântico. O <i>ñe’e</i> é a
alma e a palavra, a fala dos Mbyá-Guarani é a expressão de sua alma. Os pais
das almas-palavras, divindades chamadas <b><i>ñe’eng ru eté</i></b> enviam uma nova <i>ñe’e</i> para esse mundo quando cada nova
criança Mbyá-Guarani é concebida. Do nascimento de uma criança os Mbyá-Guarani
dizem que a alma-palavra tomou assento. Quando a criança, com cerca de um ano,
começar a falar (expressão da alma palavra) e andar (manter erguido o fluir de
seu dizer), ela será batizada – no ritual do <b><i>nimongaraí</i></b>. Neste momento
o nome da criança será revelado pelo <i>karai
</i>(xamã). O nome da criança tem a ver com o <i>ñe’eng ru eté</i> que enviou a <i>ñe’e</i>
dela. Para cada <i>ñe’eng ru eté</i> existe
um conjunto de nomes que podem ser dados à criança.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
interessante que o Mbyá-Guarani não possuiu simplesmente um nome; ele é o próprio
nome. O nome é sua <i>ñe’e</i>. Como
escreveu Cristian Pio Ávila, <i>“um Mbyá não
se hcama Karaí, por exemplo, ele <b>é</b>
Karaí, ele é o próprio nome”</i> (Avila, 2005). E este nome veio de uma
divindade que tem um lugar preciso no cosmo Mbyá-Guarani, correspondente a uma
direção ordenada segundo os pontos cardeais. Por exemplo, os <i>ñanderu kuéry</i> (filhos de Ñanderu) moram
na direção leste, no nascente; já os <i>tupã
kuery</i> (filhos deTupã) moram no outro lado, onde o sol se esconde, no oeste;
os <i>karai kuéry</i> se encontram no leste,
relacionados com o <i>paraguaçu</i>, o
grande mar, isso também pode ser aplicado aos alimentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Voltando
aos alimentos Mbyá-Guarani e à narrativa sobre a aventura vivida pelos irmãos <i>Kuaray </i>e <i>Jaxy</i>, ao abandonarem a morada dos jaguares, ao iniciarem uma nova
vida longe da “animalidade”, os irmãos vão pelo “caminho” nomeando as coisas
que encontram, com destaque para os alimentos. Tem-se, então, que neste momento
mítico, ao nomear os alimentos, <i>Kuaray</i>
e <i>Jaxy</i> também os estão dotando de
almas. O que tem nome tem alma! O nome é a alma. E, mais do que isso, os irmãos
estão designando a divindade correspondente a cada alimento, com seu local de
origem, sua posição precisa no cosmos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Isso
tudo ocorreu na transição da Primeira Terra (<i>yvy tenonde</i>) para a segunda (<i>yvy
pyau</i>). Os Mbyá-Guarani não costumam falar sobre o seu sistema xamânico
cosmológico com indivíduos que não pertencem ao seu grupo – ou o fazem de forma
muito ponderada. Por isso os dados sobre a transição entre as duas Terras estão
repletos de lacunas. Porém, cruzando informações entre vários autores, é
possível dizer que na Primeira Terra os Mbyá-Guarani eram deuses. Contudo,
existia uma hierarquia entre estes deuses. Isso se encaixa nas informações
apresentadas por Leo Cadogan (1997), Pierre Clastres (1990) e Hélène Castres
(1978). Segundo estes autores, na ocasião do <i>iporum</i> (dilúvio), a maioria dos seres que habitavam a Primeira
Terra “ascenderam” ao mundo sobrenatural. Os seres que não levavam uma vida
virtuosa foram deslocados para uma nova Terra, a Segunda Terra, que é a Terra
Atual, chamada <i>yvy pyau.</i> Os seres em
questão seriam os Mbyá-Guarani. Esta Segunda Terra foi criada especialmente
para dar uma nova oportunidade aos Mbyá-Guarani “ascenderem” ao mundo
sobrenatural. Esta é a razão da existência da Terra Atual.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Assim,
os Mbyá-Guarani estão nesse mundo – <i>yvy
pyau</i> – passando por uma espécie de prova (H. Clastres). Caso se portem em
conformidade com os anseios divinos, também se tornarão deuses. A Terra Atual é
imperfeita e habitada por seres também imperfeitos. O interessante é que nessa
Terra imperfeita é que os Mbyá-Guarani buscam se transformarem em seres
perfeitos. É o<b><i><span style="font-variant: small-caps;"> </span>aguyje</i></b>, estado de
perfeição do ser, que possibilita a passagem deste mundo para o sobrenatural,
ou a passagem para a divindade. Mas, mesmo habitando o mundo imperfeito, os
Mbyá-Guarani se nutrem com alimentos perfeitos. Alimentos estes que foram
criados pelos deuses e que alimentavam as divindades – muitos destes alimentos
inclusive já existiam na <i>yvy tenonde</i>
e foram simplesmente deslocados para a Terra Atual. Os deuses, “mandaram” estes
alimentos para a Terra Atual para que os Mbyá-Guarani possam atingir a
perfeição. Para serem perfeitos é preciso que comam alimentos perfeitos. Para
serem deuses é preciso comer o alimento dos deuses.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pode
parecer um castigo divino o fato dos Mbyá-Guarani terem sido enviados para este
mundo a fim de passar por uma espécie de prova, mas não é um castigo. Ao
contrário, é uma bênção. É uma nova chance que os deuses generosos estão dando
aos Mbyá-Guarani para que eles também se tornem deuses. E, para tanto, os
deuses enviaram para este mundo, junto com os Mbyá-Guarani, os alimentos que
auxiliam nesta empreitada. Os Mbyá-Guarani sempre destacam esta generosidade
dos deuses e a gratidão para come lês. Trata-se de uma relação diferenciada com
as divindades, que nenhum outro tipo de ser desse mundo possui. Ocorre que,
como já havia sido destacado por Hélène Clastres e Pierre Clastras sobre a
mitologia guarani em geral, os Mbyá-Guarani gozam do status de “escolhidos”
pelos deuses, pois foram eles os primeiros a receber o adorno de plumas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
Mbyá-Guarani vivem neste mundo – <i>yvy pyau</i>
– com os alimentos criados pelas divindades, porém as divindades responsáveis
pela alma desses alimentos encontram-se no mundo sobrenatural. Estas divindades
são geralmente designadas pelos Mbyá-Guarani como os <b><i>JÁ</i></b> dos alimentos – que em
tradução literal siginifica <b>“donos”</b>
ou <b>“protetores”</b>, como observou Ramón
Fogel (1998). Então, os alimentos estão em um mundo, mas seus donos, seus
controladores ou protetores residem em outro. Desta forma, o cultivo de
qualquer alimento tradicional pelos Mbyá-Guarani passa obrigatoriamente pelo
domínio do sobrenatural, por um respeito às prescrições divinas. Ocorre que ao “dispor”
os alimentos na <i>yvy pyau</i>, os deuses
também estabeleceram as formas que estes devem ser cultivados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Cada
espécie tem a sua forma peculiar de cultivo, em consonância com o estabelecido
pelo seu <i>já</i>. O respeito às técnicas
prescritas é um dos determinantes do caráter sagrado dos alimentos
tradicionais. O alimento não é sagrado apenas por ser originário dos deuses,
mas é sagrado porque ele, também, é cultivado segundo as técnicas ensinadas
pelos deuses. E os Mbyá-Guarani vêm mantendo essas técnicas desde tempos imemoriais
– eles preservam as sementes das suas plantas tradicionais a partir da
aplicação de técnicas tradicionais de cultivo. Essas técnicas são dominadas por
todos os indivíduos do grupo: homens e mulheres, até mesmo crianças, demonstram
profundo conhecimento sobre elas – muito porque todos os Mbyá-Guarani colaboram
nas tarefas de obtenção dos alimentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
linhas gerais, que se aplicam a todas as espécies da horticultura Mbyá-Guarani,
pode-se observar uma ausência de limites rígidos entre os roçados, a mata e o
espaço denominado como “pátio” das casas e/ou aldeia. As <i>tekoá</i> (aldeia) Mbyá-Guarani são constituídas de um espaço contínuo,
com zonas de transição onde os três ambientes se fundem ou se confundem. Não há
fronteiras entre os diferentes ambientes, mas sim um ambiente interpenetrado no
outro. Isso não ocorre apenas nas suas roças, mas também em todo o espaço
ocupado pelos Mbyá-Guarani. A espacialidade por eles construída não apresenta
limites rígidos, não existindo fronteiras fixas entre um espaço e outro. Tudo é
contínuo, fluído, tênue. Um ambiente não acaba em um determinado lugar e
pronto. Ele vai acabando aos poucos, vai se metamorfoseando em um outro,
através de zonas de transição que compreendem mistos de dois ou mais ambientes.
Assim, o pátio de uma casa se estende e se confunde com o pátio da outra, que
se confunde com as roças de um produto, com as roças de outro produto, com o
campo, com o mato, etc., ao mesmo tempo em que tudo é caminho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Diferente
dos “nossos” modelos de plantio, nas roças dos Mbyá-Guarani não existem linhas
retas. Os contornos do roçado seguem as inclinações do terreno, sendo que a
limpeza da vegetação da área é feita apenas nas áreas mais planas. Geralmente
os Mbyá-Guarani também optam por não avançar os seus roçados por áreas onde a
vegetação é de difícil remoção. Sendo assim, os contornos dos roçados são
extremamente sinuosos. Se é que se pode falar em contornos, uma vez que as
áreas se interpenetram – o mato avança entre as roças e as roças adentram um
pouco o mato; os roçados avançam sobre os pátios das casas e vice-versa. Onde são
semeadas as plantas, parece que as sementes são distribuídas de modo aleatório
no solo – porque não são semeadas em linhas. Mas existe toda uma ciência nesta
distribuição. São formas que, segundo os Mbyá-Guarani, garantem um melhor
aproveitamento do terreno, bem como a máxima rentabilidade das espécies
cultivadas. Além disso, as plantas devem ser semeadas de maneira que se sintam “felizes
umas com as outras, se plantar muito perto ela não fica alegre”. E, estas
formas de plantio foram ensinadas por <b>Ñanderu</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Também
é característico dos roçados Mbyá-Guarani que diversas espécies partilhem a
mesma área. Numa primeira olhada, tudo parece um caos, várias plantas
misturadas, aparentemente sem nenhuma lógica. Abóboras crescem entre pés de
mandioca. Batatas-doce entre pés de milho. Melancias são semeadas no meio da
plantação de aipim. E assim por diante. Sem falar nos tocos remanescentes da
limpeza do terreno. Ser para “nós”, no estanhamento, tudo parece caos, para os Mbyá-Guarani
é o modelo perfeito. Inclusive esteticamente perfeito – o bonito são as plantas
“misturadas”. Os diferentes tipos de plantas que podem dividir o mesmo espaço,
o período de plantio de cada uma delas, o distanciamento entre elas, etc., tudo
segue uma ciência secular, prescrita pelos deuses. E esta distribuição peculiar
de plantas no terreno é que confere a tradicionalidade, a sacralidade e a “gostosura”
dos laimentos Mbyá-Guarani<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
cultivos Mbyá-Guarani também se caracterizam pela ausência de adubos,
agrotóxicos e irrigação. Estes são desnecessários. Os alimentos são criações
dos deuses e são plantados como as divindades ensinaram aos Mbyá-Guarani. Além disso,
os deuses (os <b><i>já</i></b> de cada alimento) também são responsáveis pelo crescimento
das plantas. Esta estreita ligação dos Mbyá-Guarani com as suas divindades faz
com que todas as etapas da alimentação, desde o plantio até o consumo, sejam
marcadas pro inúmeros ritos. O plantio tem início com ritos na <i>opy</i> – casa de rezas –, quando os Mbyá-Guarani
solicitam aos deuses o crescimento das plantas. As sementes que serão plantadas
participam deste rito – que alguns Mbyá-Guarani traduziram como o “batismo das
sementes”. Depois, enquanto as plantas crescem na roça, outros ritos se
repetem, também visando a produção dos alimentos. Por fim, após a colheita,
período de festas entre os Mbyá-Guarani, novos ritos são feitos para agradecer
os alimentos obtidos. Isso é muito significativo, pois o sucesso ou fracasso na
produção dos alimentos está relacionado com o sucesso ou fracasso na execução
dos rituais, na comunicação com os <i>já</i>
das plantas. E os <i>já</i> das plantas
possuem uma porção sua nas próprias plantas. Desta forma, como conclui Fogel
(1998), para que as rezas (os ritos) produzam efeitos, elas precisam escutadas
pelas plantas e pelos seus protetores sobrenaturais. Se os Mbyá-Guarani fizerem
os ritos corretamente, não irão lhes faltar alimentos. Assim, irrigação, adubo
e/ou agrotóxicos não fazem sentido entre os Mbyá-Guarani. Basta “rezar” para
que as plantas cresçam. Realizando os ritos corretamente, é certo que os deuses
farão as plantas crescerem. Não tem erro! Tanto é que alguns Mbyá-Guarani, ao
falar desses ritos, afirmam que “mandam” as plantas levantarem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
deuses – e os <i>já</i> de cada alimento –
integram um verdadeiro sistema de colaboração entre eles para tornar possível a
alimentação dos Mbyá-Guarani. Este é um ponto bastante delicado de ser
abordado, posto que os Mbyá-Guarani, com o intuito de preservar a sua cultura e
evitar estigmatizações, entre outros motivos, evitam falar sobre os eu sistema
xamânico-cosmológico com os <i>Juruá</i>. E,
nas poucas vezes que fizeram, geralmente apresentam um discurso medido, um
misto de explicação (para pontuar a identidade étnica), simulacro e ocultação
(para evitar estigmatizações). Quando os Mbyá-Guarani falam sobre as suas
divindades, geralmente mencionam apenas o nome de <i>Ñanderu</i>. Este é a principal divindade dos Mbyá-Guarani, geralmente
referido como “nosso pai eterno”. O fato de mencionar apenas o nome de <i>Ñanderu</i> e a ele atribuir as
características e funções de todas as outras atividades e, para os Mbyá-Guarani,
uma forma de simplificar as explicações para os <i>Juruá</i>. Como os <i>Juruá</i> são
monoteístas, nada mais lógico, aos olhos dos Mbyá-Guarani, do que tentar traduzir
o seu sistema xamânico-cosmológico nesses termos. Além disso, resumindo todo o
seu sistema a uma única divindade, eles estão, de certa forma, impedindo que os
<i>Juruá</i> dominem suas crenças e, assim,
protegem a sua cultura e evitam estigmatizações. Ou seja: “pros brancos não
entender”. Desta forma, tudo é <i>Ñanderu</i>.
Quem criou o milho? <i>Ñanderu</i>. Quem
ensinou a plantar? <i>Ñanderu</i>. E assim
por diante... Entretanto, os Mbyá-Guarani são politeístas. Qualquer pesquisador
que tenha uma vivência mais constante com eles observa facilmente que além de <i>Ñanderu</i>, existem <i>Tupã</i>, <i>Jakaíra</i>, <i>Ñamandu</i> (que também é um <i>Ñanderu</i>), entre muitos outros. Os <i>kuery</i> (grupos de indivíduos) encontrados
nas <i>tekoa</i> Mbyá-Guarani também existem
no domínio sobrenatural. Os <i>já</i> também
estão agrupados em <i>kuéry</i>. E existe
uma hierarquia entre esses deuses, sendo que o – digamos – “líder” de todos é <i>Ñanderu</i>. Só que são milhares – ou talvez
milhões – de deuses no panteão Mbyá-Guarani, pois muitos Mbyá-Guarani já se
tornaram deuses. Todos bem posicionados na linha hierárquica. Os <i>Tupã kuéry</i>, por exemplo, são inúmeros
seres que habitam o mundo sobrenatural e que estão subordinados a <i>Tupã</i>. Os <i>Jakaíra kuéry</i>, todos subordinados a <i>Jakaíra</i>. E assim por diante. O interessante é que essa hierarquia
se estende até os Mbyá-Guarani que habitam este mundo, deuses em potencial.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Então,
se é fato, como os Mbyá-Guarani costumam afirmar, que todos os seus alimentos
tradicionais foram criados por <i>Ñanderu</i>,
também é fato que os irmãos <i>Kuaray </i>e <i>Jaxy</i> dotaram estes alimentos de um nome,
de uma alma, e com isso estabeleceram as divindades que são os <i>já</i> dos alimentos. Como afirmou certa vez
um Mbyá-Guarani: <i>“toda comida tem seu
dono... o seu próprio”</i>. Assim, o milho tem um “dono”, o feijão outro, etc.
São seres espraiados na hierarquia sobrenatural. A estes deuses específicos, o
ao conjunto de deuses subordinados aos “donos” dos alimentos, que os Mbyá-Guarani
dirigem os seus ritos. Mas os ritos podem ser dirigidos diretamente a <i>Ñanderu</i>, que é o “chefe” de todos os <i>já</i>. Funciona mais ou menos assim: caso
um <i>já</i> não esteja atendendo as preces
dos Mbyá-Guarani, o jeito é “reclamar” com o chefe desse <i>já</i>. Então o sucesso no cultivo de cada diferente espécie alimentar
depende da correta execução dos ritos, da perfeita comunicação com os <i>já</i> e do bom “relacionamento” entre ambas
as partes. Isso explica, segundo os Mbyá-Guarani, porque num mesmo período e
terreno um cultivo pode render muito enquanto outro, quase nada. A safra de
milho pode ser boa enquanto a de feijão, má. É porque são alimentos com “donos”
diferentes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
poder, a força vital e as características dos deuses se estendem para as
espécies vegetais das quais eles são “donos”. É como se um pé de milho fosse
uma parcela da divindade “dona” dele. Como já exposto, a alma é o nome, e o
nome é o próprio ser. Por exemplo, um Mbyá-Guarani não se chama simplesmente
Verá; ele É Verá. E, aplicando isso às plantas, temos que os alimentos cultivados
nas roças são alma/nome/planta. A alma de uma planta é “uma parte” do seu <i>já</i>. Ou, simplesmente, a alma é o <i>já</i>. Assim, é interessante notar que a
roça, para os Mbyá-Guarani, é um espaço extremamente importante, digno de todas
as atenções. A roça é um ambiente onde a força e o poder sobrenatural se fazem
presentes – grosso modo, as divindades estão plantadas lá. Considerando as
características da horticultura Mbyá-Guarani, onde várias espécies dividem o mesmo
terreno, podemos especular que a força de diversos “donos” se fundem neste
ambiente. Se por um lado misturar espécies é aumentar o rendimento dos
alimentos cultivados pela “cooperação” entre as diferentes plantas, por outro
lado, ao semear diferentes plantas (com diferentes <i>já</i>), os Mbyá-Guarani estão aumentando o leque de forças
sobrenaturais que incidem sobre o terreno. Enfim, a roça é um lugar “sagrado’
para os Mbyá-Guarani.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nesse
complicado quebra-cabeças de relação e colaboração de diversos deuses “donos”
das espécies na produção dos alimentos Mbyá-Guarani, destaca-se o papel de <i>Tupã</i> e/ou dos <i>Tupã kuéry</i>. Eles são “donos” de vários elementos da natureza,
inclusive alimentos. <i>Tupã</i> é geralmente
mencionado pelos Mbyá-Guarani como o <i>já</i>
da chuva. E tal qual acontece com os alimentos, <i>Tupã</i> é a própria chuva. Sendo assim, neste contexto de colaboração
entre deuses, <i>Tupã</i> é um colaborador
importantíssimo na criação e produção dos alimentos dos Mbyá-Guarani. Antes de
qualquer alimento ser criado, houve o aparecimento de <i>Tupã</i>, a chuva. Até hoje, para que qualquer planta brote, é
indispensável o aparecimento de <i>Tupã</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Esse quando Guarani fizeram a rocinha e
não tem facão, bateram com esse pauzinho, bateram taquarinha, quebrando,
quebrando tudo e depois secou e depois botaram foguinho e queimaram bem
queimadinho e depois só cinza... Só virou cinza. Olhavam... O eu vamos plantar?
O que vai ser, né? Pensando. O Karaí... o Karai que pensava. Kuña-karai
pensava. E depois veio a chuva, a chuva forte, e... Derrampa os tronos, o
Ñanderu, o Tupã. Chove bastante e depois choveram dois dias. Chuva forte. E depois
passou e durava mais ou menos quatro, cinco dias. E depois eu caminhava, depois
de passar o tempo chuvoso, a dona da rocinha, né? Não foi plantado não. Eles nasceram
por si.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ai despejaram Tupã. Ai depois outro
parte tem... Nasceram melancia. Depois outro parte nasceram abóbora. E, e assim
(...) já achava importante e... Cuidava aquele, cuidava muito, muito, muito, e
depois grande tem (...) Grande e depois no fim granando, que já tem grão. Quando
seco, juntamos aquele, não comeram, e depois acha bonito, espiga bonita, deixou
para semente, aí brotou de novo.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É a chuva! Tupã é o deus que tá no trono
e se derrampa, né? Derrampa e faz o trono e semia algum parte que quer bem o
deus. É ele que traz semente. Então esse ai que o governo não querem
compreender... Só de... Queria que compreendesse... Do fundo, do fundo do
corpo, do fundo dos cadáveres do ar, e quando na conversa, da sabedoria que ele
podia espalhar por todo o mundo. Ele não pensa pro índio. É isso ai. Tô dizendo
essa maneira porque eu sei (Mbyá-Guarani, 2005)<b><o:p></o:p></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
interessante do trecho acima é que <i>Tupã</i>
colaborou com as outras divindades para o surgimento das primeiras plantas e
desde então colabora – com outros <i>já</i> –
para a reprodução destas plantas. Outro fato interessante é que, pela
narrativa, desde o princípio os Mbyá-Guarani praticam o modelo horticultor que
eles chamam de tradicional – limpando o terreno e queimando os restos da
vegetação. E, mais interessante ainda, a forma tradicional de preparar as roças
surgiu antes mesmo de serem criadas as plantas tradicionais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Tupã</span></i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> (ou
os <i>Tupã kuéry</i>) também é colaborador
nos alimentos de origem animal. Ocorre que, segundo os Mbyá-Guarani, toda água
que existe nesta terra é oriunda da chuva e todo animal precisa de água para
sobreviver. Assim, <i>Tupã</i> é fundamental
em toda a alimentação Mbyá-Guarani. E, como os Mbyá-Guarani também precisam
consumir água para sobreviver, <i>Tupã</i> é
condição necessária para a sobrevivência deles neste mundo. Sem a colaboração
de <i>Tupã</i>, não haveria água para beber,
para o crescimento dos alimentos cultivados nas roças e dos coletados nas
matas, para o crescimento dos peixes e animais caçados. Em suma, sem <i>Tupã</i> não haveria alimentos. E isso
também se aplica aos outros inúmeros <i>já</i>
dos alimentos Mbyá-Guarani. É por isso que os Mbyá-Guarani precisam manter um
bom relacionamento com os diferentes <i>já</i>,
preposto dos deuses. E esse bom relacionamento passa por uma boa comunicação
ritual.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Portanto,
cada planta cultivada pelos Mbyá-Guarani em suas roças possui uma posição
precisa na cosmologia Mbyá-Guarani, uma alma. Isso faz com que a “reza” – como falam
os Mbyá-Guarani para os <i>Juruá</i> compreenderem
– seja um dos elementos das técnicas de cutlivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="right" style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Texto de
Mártin César Tempass,</span></i><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div align="right" style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">in
“Quanto mais doce, melhor – um estudo antropológico das práticas
alimentares da doce sociedade Mbyá Guarani”</span></i><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<u1:p></u1:p>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-39020248673537239532014-09-14T16:48:00.001-07:002014-09-14T23:25:09.155-07:00AGUYJE - TORNAR-SE DEUS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgz0C3kApasbcdIC367Vf01kRAck1EnqDHUGLyDEOq7Ks3ep6Sa2M5zO2Ei9ZRR2VqeLO4Pf8axCKMeHP94eUMc33EL_rzl51gUuFo_6O1fV3_lJkDDbdCfVor9NsL7mBjQCfCA-EDj9Q/s1600/aguyje+3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgz0C3kApasbcdIC367Vf01kRAck1EnqDHUGLyDEOq7Ks3ep6Sa2M5zO2Ei9ZRR2VqeLO4Pf8axCKMeHP94eUMc33EL_rzl51gUuFo_6O1fV3_lJkDDbdCfVor9NsL7mBjQCfCA-EDj9Q/s1600/aguyje+3.jpg" height="480" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">O
objetivo de todo Mbyá Guarani nessa “terra imperfeita” (</span><b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy pyau</b><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">) é alcançar o </span><b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">AGUYJE</b><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">,
é tornar-se também uma divindade. Eles são descendentes dos deuses. Dentre
todos os seres que habitam a porção telúrica da </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">yvy pyau</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">, os Mbyá Guarani se consideram como “os escolhidos dos
deuses” (P.Clastres, 1990; H. Clastres, 1978). Escolhidos para também se
tornarem deuses. A divindade é uma possibilidade para os Mbyá Guarani, desde
que respeitem algumas regras cosmológicas, estabelecidas pelos deuses
exclusivamente para o </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">aguyje</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> Mbyá
Guarani. São uma série de regras que estão estreitamente interligadas, sendo eu
as mais elementares são as regras alimentares. Assim sendo, com as regras
interligadas, resulta que todas as regras para o </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">aguyje</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> estão direta ou indiretamente relacionadas à alimentação do
grupo. E, em sentido inverso, a partir da alimentação pode-se compreender toda
a organização sócio-cosmológica dos Mbyá Guarani.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
caráter dual da alma Mbyá Guarani é consenso. Porém não se resume apenas à
alma, mas também ao corpo. Entre os Mbyá Guarani não se pode isolar os domínios
da natureza, da sociedade e da sobrenatureza. O mesmo se aplica na relação
corpo e alma: eles são construídos e operados em conjunto. Um define o outro. O
<i>aguyje</i> (a perfeição do ser) só é
alcançado se corpo e alma estiverem “perfeitos”, pois não é apenas a alma que
“vai” para a morada dos deuses; o corpo precisa “ir” junto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Se
todos concordam com o caráter dual da alma Mbyá Guarani, não há consenso sobre
o número de almas que eles possuem. Esse número varia de informante para
informante, variando entre uma e quatro. Mas independente do número de almas
declaradas, sempre há ao menos uma alma de origem sagrada e outra de origem
telúrica. Os Mbyá Guarani costumam se referir às suas almas simplesmente como
“a alma”, talvez por uma alegoria didática, talvez porque efetivamente há
apenas uma alma, mas com duas porções distintas, uma telúrica e outra sagrada.
Em suma, em qualquer uma das configurações, os Mbyá Guarani sempre possuem
alma(s) híbrida(s) de natureza (telúrica) e de sobrenatureza (sagrada). E,
mesmo nesse foco reduzido, ambas as almas – ou ambas porções da alma – nunca
podem ser analisadas separadamente, posto que operam em um mesmo veículo, o
corpo. Neste caso, o corpo pode ser comparado a uma gangorra: quando a alma
sagrada “sobe”, a alma telúrica “baixa”. Não há condições para que ambas
“subam” ao mesmo tempo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
corpo é o veículo da(s) alma(s), é o seu <i>habitat.</i>
Mas, como tudo é “caminho” para os Mbyá Guarani, é possível afirmar que a(s)
alma(s) “circulam” pelo corpo dos indivíduos dessa etnia. E, de fato, se
“caminhar” é manter-se vivo (Pissolato, 2007), a(s) alma(s) precisam “circular”
pelo corpo para também se manterem vivas. Mas cada diferente alma – ou porção da
lama – possui o seu “caminho”. Ocorre que o corpo, por associação, também é
dividido em porções telúricas e sagradas. Agrupando as diferentes partes do
corpo humano, podemos estabelecer que o conjunto <b>carne e sangue</b> é o “caminho” da(s) alma(s) telúricas, enquanto o <b>esqueleto</b> é o “caminho” da(s) alma(s)
sagradas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
circulação da alma sagrada é que mantém o esqueleto e, consequentemente, os Mbyá
Guarani, eretos. Ela é a “alma-palavra” (Ferreira, 2001; H.Clastres, 1978),
somente “eretos” os Mbyá Guarani podem pronunciar palavras. É ela que mantém
“erguido o fluir do dizer” (Cadogan, 1997). O esqueleto e a fala são condições
da alma sagrada. Tanto a palavra quanto o andar ereto são distintivos dos Mbyá
Guarani frente aos animais. O Mbyá Guarani que não puder falar não poderá
andar, e vice-versa. A fala circula pelo esqueleto ereto. Qualquer um dos
sintomas – não andar e/ou não falar – é um sinal que a alma sagrada está
abandonando o corpo Mbyá Guarani, ou está sendo vencida pela alma telúrica.
Isso para o Mbyá Guarani significa a morte! Ou significa adentrar o domínio da
animalidade, posto que não falar e/ou não andar ereto é característico dos
animais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
perfeição do ser objetivada pelos Mbyá Guarani – que é o <b>AGUYJE</b> –, consiste em ampliar a porção sagrada do conjunto corpo e
alma e, com isso, diminuir a porção telúrica. Segundo Hélène Clastres (1978), o
<i>aguyje</i> é a aniquilação da má
natureza, restando apenas o esqueleto e a palavra nele contida. O <i>aguyje</i> é alcançado quando o conjunto
sagrado aumentar a ponto de “eliminar” o telúrico. A alma sagrada deve ser cem
por cento da alma dos Mbyá Guarani. A porção sagrada do corpo também, por
associação, precisa atingir a completude do corpo. O interessante é que a alma
sagrada “aumenta” e, com isso, ocupa o “lugar” da alma telúrica, mas no corpo
isso não ocorre, pois a porção sagrada não pode ocupar a telúrica. Assim, o
corpo precisa, obrigatoriamente, diminuir. Deve restar, quase, somente o
esqueleto. Em suma: no processo do <i>aguyje</i>,
o corpo diminui enquanto a alma aumenta – sempre no que tange as porções
sagradas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
alimentos tradicionais proporcionam isso. Eles alimentam mais as porções
sagradas do que as telúricas. <i>“Para os
Guarani, alimentar o corpo também significa alimentar a alma; não se alimenta
um sem alimentar o outro, não há, no pensamento mítico guarani, uma dicotomia,
uma oposição monolítica entre alma e corpo”</i> (Carvalho, 2005).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
magreza é, então, a condição do <i>aguyje</i>.
Somente com um corpo “leve” e “limpo” é que se pode ascender ao mundo
sobrenatural. Esse ascender, literalmente, significa que, com a perfeição, os Mbyá
Guarani podem “levitar” ou “flutuar” até a morada dos deuses. Isto ocorre com
eles ainda “vivos”, pois o <i>aguyje</i>
também pode ser considerado o vencimento da morte. O “leve” significa poder vencer
a gravidade; e o “limpo” significa “limpar” o corpo das porções telúricas
indesejadas. Nos dois casos, só se obtém êxito a partir do controle da
alimentação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ocorre
que o conjunto corpo-alma de um Mbyá Guarani nunca “é”, ele sempre “está”. Ele
“está” magro e/ou limpo. Os corpos e almas, sempre ambos na mesma direção, são
construídos e reconstruídos diariamente. É um processo longo em que cada dia se
“caminha” bem pouco. O que hoje pode estar mais “leve”, mais “limpo” e mais
“sagrado”, amanhã pode estar o contrário. Tudo depende da alimentação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Para
atingir o <i>aguyje</i>, em primeiro lugar,
é preciso evitar os alimentos que possam levar á animalidade. Aliás, o que pode
levar à animalidade nem é considerado “alimento” pelos Mbyá Guarani, são tabus
alimentares. Em segundo lugar é preciso comer apenas alimentos tradicionais,
apenas <b><i>orérembiú</i></b>. Mas, dentre os alimentos tradicionais existem os que
são mais e os que são menos indicados para alcançar o <i>aguyje</i>. Tal qual o corpo humano, os Mbyá Guarani também classificam
seus alimentos em duas categorias: os do “esqueleto” e os da “carne-sangue”.
Grosso modo, os alimentos de origem vegetal são os do esqueleto. Também o mel,
o <i>ixó</i>, os peixes e o <i>koxi</i> fazem parte dessa categoria. As
carnes de caça e todos os alimentos de fora dos sistema culinário tradicional Mbyá
Guarani são considerados como da carne e do sangue. Mas, mesmo dentro dessas
categorias, existem hierarquias, sendo que alguns alimentos são melhores do que
outros para atingir o <i>aguyje</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
alimentos mais indicados para aperfeiçoar corpos e almas são os que também são
os menos “temidos”, ou os menos complexos em relações recíprocas entre seres
dos diferentes domínios. Quanto maior a cadeia alimentar de uma comida – e/ou a
sua variedade de alimentação –, maiores são as relações recíprocas contidas
nela. É por isso que se alimentar de vegetais exige menos cuidados do que a
alimentação com carnes de caça. Na carne de caça estão contidas “marcas” dos
inúmeros <i>já </i>que propiciam a caça e de
outros <i>já</i>, donos de outros seres,
como as plantas, por exemplo, que proporcionam a vivência da caça em seu
habitat. Também na caça ficam as marcas dos alimentos, que também possuem <i>já</i>, que o animal come. Como para a
existência de cada alimento é preciso que haja reciprocidade entre vários <i>já</i>, no caso “dos alimentos dos
alimentos” (cadeia alimentar) este número de relações recíprocas é muito maior,
posto que a atuação dos seres é cumulativa. Temos, assim, que quanto mais <i>já</i> estiverem em uma comida, menos
indicada ela será para alcançar o <i>aguyje</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
vegetais envolvem menos <i>já</i>, posto que
têm reduzidas possibilidades alimentares (terra, água, ar e sol). Os <i>ixó</i>, por exemplo, também são altamente
indicados para o <i>aguyje</i>. Eles se
alimentam unicamente da madeira da pindó. Eles só precisam da pindó para viver,
pois eles vivem dentro do tronco desta palmeira. Sendo assim, eles têm poucos <i>já</i> envolvidos na sua existência. Os Mbyá
Guarani se referem o <i>ixó</i> como o
alimento mais “limpo e puro” que pode existir. O mesmo vale para o <i>pirapé</i>, peixe que segundo os Mbyá
Guarani é o mais limpo de todos, pois ele come apenas o limo das pedras do
fundo dos rios.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(...) pirapé, ele é peixe muito boa. Ele
é considerado sagrado porque ele não come muita coisa. Prá nós é sagrado porque
criou deus, mas ele tem uma comida só. Por isso ele é sagrado. Ele não tem
dente, só boca. Por isso é sagrado. A gente se alimenta de tudo o que vem, ta
estragando o corpo. Se tem uma comida certa, tem saúde. Mas se come várias
coisas, não é alimento sagrado. Cada bicho sagrado tem um alimento só. Por isso
o alimento é muito bom. A carne é muito saudável. Não é contaminado. (Mbyá
Guarani, 2008)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Temos,
então, que quanto mais limitadas as opções de alimentação de um animal ou
vegetal, mais limpo ele será enquanto “comida”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas
isso não se aplica apenas aos ingredientes em si, mas a todas as etapas que
resultam na elaboração de uma comida. Não é só o milho que deve ser o mais
limpo possível, mas também os pratos preparados a partir do milho, como o <i>rorá</i>, o <i>mbojapé</i>, o <i>kagueji</i>, etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Além
do ingrediente propriamente dito, também os pratos preparados com ele,
juntamente com outros ingredientes, possuem uma hierarquia no que diz respeito
à obtenção do <i>aguyje</i>. Na junção de
vários ingredientes podem haver mudanças na hierarquia. O milho pode ser o mais
recomendado para alcançar o <i>aguyje</i>,
mas um prato que misture milho com amendoim, em uma farofa (<i>pixé</i>), pode ser menos recomendado. Tudo
depende de quais os ingredientes que são misturados. O <i>kagueji</i>, por exemplo, pode ser feito de milho misturado com
batata-doce, e é considerado um dos alimentos mais indicados para a obtenção do
<i>aguyje</i>. No entanto, apesar desta
possibilidade, a grande maioria dos pratos da culinária Mbyá Guarani envolve
apenas um ingrediente, como por exemplo, <i>rorá,
xipá, andai mimói, avaxi mbity, avaxi cuí, </i>etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
simples é que é o belo, que é o gostoso. Quanto mais simples, menos se
“modifica” a criação divina. Em suma, quanto mais simples, mais sagrado. Mas,
de simples mesmo é só o reduzido número de ingredientes. Câmara Cascudo,
falando dos “indígenas em geral”, observou que estes grupos não misturavam os
seus muitos ingredientes para a preparação de um único prato. Nas palavras do
autor, os indígenas <i>“não cozinham os
alimentos conjuntos. Feijão é só feijão. Milho é só milho” </i>(Cascudo, 1983).
Para o autor, isto representa uma limitação culinária dos indígenas que, ao não
misturarem ingredientes, perderiam de elaborar pratos melhores. Entretanto, no
caso dos Mbyá Guarani, o “melhor”, tanto em termos cosmológicos como de
paladar, é o simples, é o que possui apenas um ingrediente ou poucos
ingredientes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas
de nenhuma maneira isso significa que os indígenas não possuam elaborações
culinárias com vários ingredientes ou que estas não sejam muito apreciadas.
Pelo contrário, existe uma infinidade de pratos com vários ingredientes.
Apenas, no cômputo geral, estes pratos são menos expressivos no que tange o
gosto e a busca do <i>aguyje</i>. De forma
nenhuma pode-se pensar que a ausência de pratos mais “elaborados” em termos de
ingredientes significa uma incapacidade culinária deste povo. A sua culinária
possui pratos muito elaborados, mesmo que com poucos ingredientes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mesmo
combinando poucos ingredientes, o ideal para os Mbyá Guarani é que haja
“mistura”. Aliás, arrisco afirmar que a mistura alimentar ocorre em todas as
sociedades indígenas. Basta lembrar que a farinha de mandioca (também a de
milho) é de origem indígena, sendo um dos emblemas culinários destes grupos.
Pois bem, como observou Roberto DaMatta (1984), a farinha de mandioca proporciona
as misturas, sendo por isso considerada como um alimento relacional. Ela serve
para unir em um único conjunto as diferentes comidas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
Mbyá Guarani podem comer, sem nenhum problema, apenas <i>jety mbijy</i> (batata-doce assada) em uma refeição. Mas isso ocorre
somente em casos excepcionais, durante uma expedição à mata ou um período de
escassez. O ideal é sempre ter no mínimo dois “pratos” numa refeição (e nunca
mais de quatro pratos). Por exemplo: a <i>jety
mbijy</i> fica melhor se acompanhada por uma carne de caça. Ou o <i>mbojapé</i> é melhor se for regado com mel.
Ocorre que para os Mbyá Guarani comer apenas um alimento repetidas vezes – três
ou quatro refeições seguidas – leva ao aparecimento de vermes em seu sistema
digestivo. Com os vermes o ventre se avoluma e com isso a porção de carne e
sangue do corpo aumenta em relação ao esqueleto. Assim sendo, os vermes podem
ser fatais. O interessante é que os “alimentos’ preferidos para o <i>aguyje</i> são os que comem apenas um único
alimento, como o <i>ixó</i> e o <i>pirapé</i>. Mas se os Mbyá Guarani comem
apenas um alimento repetidas vezes, não atingirão o <i>aguyje</i> e ainda correrão o risco de se transformarem em animais. O
risco da animalidade está sempre presente quando são aumentadas as dimensões
corporais, pois um corpo muito pesado não pode ser suportado pelo esqueleto
que, então, perdendo sua condição de ereto, desapropria dos Mbyá Guarani a
condição de andarem eretos e falarem, condições delimitadoras da humanidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
também por essa razão que os Mbyá Guarani comem com parcimônia. Eles comem
muito pouco em comparação ao volume alimentar da sociedade envolvente. Os
animais devem ser “gordos”, os humanos magros. Mais uma vez a comida e o
comedor se encontram em posições antagônicas. A “comida” deve se alimentar sem
misturas, enquanto os comedores precisam misturar comidas. A “comida” gorda é
apreciada, mas os comedores devem ser magros. Seria isso um <i>embodiment</i> ao contrário? Não, o “gordo”
da comida levará ao “gordo” do corpo. A chave de tudo está na quantidade
ingerida. Comer pouco é mais importante que comer muito dos alimentos
recomendados para o <i>aguyje</i>. O pouco
leva à divindade; o muito, à animalidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
justamente na comunicação com a divindade que se deve ingerir poucos alimentos.
Os Mbyá Guarani realizam os seus ritos na <i>opy</i>
à noite. Os ritos consistem em uma comunicação com o mundo sobrenatural. Para
ter êxito nesta comunicação, os Mbyá Guarani afirmaram nunca comer nada à
noite. Jantar atrapalha. Ocorre que os ritos Mbyá Guarani sempre são
acompanhados de danças. Para poder dançar é preciso estar com o corpo leve. Já
Elizabeth Pissolato (2007) assinala como problema apenas o consumo de carne nas
refeições vespertinas, pois as carnes deixam os Mbyá Guarani cansados, os
impedindo de dançar a contento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
corpo “pesado” atrapalha a dança, mas também, ao contrário, a dança deixa o
corpo leve. Ela é um dos “antídotos” contra equívocos alimentares. Com o
exercício da dança são gastas as calorias ingeridas a mais. A dança também faz
o corpo suar. Juntamente com o suor são eliminadas as impurezas do corpo. O
suor é salgado e o salgado é “impuro”, enquanto o “doce” é puro. O suor limpa o
corpo, ele dessalga o corpo, deixa o corpo doce. Em suma, a dança limpa e dá
leveza ao corpo. A dança faz parte da alimentação Mbyá Guarani.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Outro
“antídoto” empregado pelos Mbyá Guarani para comer pouco é a <i>caá</i>, a erva-mate. Embora os Mbyá Guarani
considerem a <i>caá</i> um dos seus mais
importantes alimentos, ela, na realidade, constitui um anti-alimento. É o comer
para não-comer. Ela é ingerida em grande quantidade para que outras comidas
possam ser ingeridas em pequena quantidade. Ela ameniza a fome e o cansaço.
Ocorre que a erva-mate, também conhecida <i>yerba</i>,
contém carboidratos, proteínas, potássio, ferro, cálcio, vitaminas A, B<sup>2</sup>
e C. Também tem flavonóides que lhe dão a propriedade antioxidante.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
preparação do <i>caá</i> é a primeira
atividade dos Mbyá Guarani após acordarem, ainda no <i>koenjú</i>. Seu consumo logo pela manhã é justificado porque os Mbyá
Guarani já acordam com fome, depois de terem se alimentado pouco – ou nada – e
dançarem algumas horas na <i>opy</i>, na
noite anterior. O seu consumo pela manhã retarda o consumo do “desjejum”,
fazendo também com que uma menor quantidade de alimentos seja ingerida nesta
ocasião. O consumo da <i>caá</i> também é um
momento de intensa sociabilidade entre os membros da unidade de comida. É pela
manhã, em torno da fogueira, quando a cuia de <i>caá</i> circula de mão em mão, que um grande grupo de indivíduos se
reúne para conversar, sobretudo sobre os sonhos que tiveram na noite anterior.
É interessante que durante o consumo da <i>caá</i>
pode-se conversar livremente, já na ingestão de qualquer outra comida os Mbyá
Guarani se mantém quietos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
<i>caá</i> é um dos itens que os Mbyá
Guarani mais sentem falta, pois além do efeito de amenizar a fome, ela propicia
alegrias, as conversas sempre são mais animadas quando uma cuia está em
circulação. Para os menores de doze ou treze anos não é recomendado o consumo
de <i>caá</i>, pois nessas idade elas
precisam comer para se desenvolver. Já para os adultos, a <i>caá</i> tem premência sobre os outros alimentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">o
<i>kagueji</i> também é considerado um
alimento “antídoto” contra equívocos alimentares. Ele limpa o corpo, mantém e
proporciona à alma sagrada uma boa comunicação com as divindades. Por <i>kageji</i> compreende-se um conjunto de
bebidas tradicionais de uso ritual, que possui como ingrediente base o milho. <i>Kageji</i> é, então, uma designação
genérica. Ele pode ser tomado a qualquer momento do dia, na quantidade que o
consumidor desejar. O excesso de <i>kagueji</i>
não faz mal. Pelo contrário, quanto mais, melhor. A única regra que limita o
consumo é que o <i>kagueji</i> disponível
deve ser consumido de forma equivalente por todos os membros da unidade de
comida. Uma pessoa não pode tomar muito <i>kagueji</i>
de forma que não sobre para os demais. O <i>kagueji</i>
pode ser “forte” (fermentado, alcoólico) ou “fraco” (sem fermentação),
dependendo do tipo e do tempo de descanso entre a preparação e o consumo. Nas palavras
de um Mbyá Guarani: <i>“Fica bêbado também. O
kagueji é nossa bebida. Deixa dois, três dias... já fortinho. Dá assim a mesma
coisa que bebida de álcool. (Mas) essa é natural”</i> (Adorfo, 2005). Forte ou
fraco, todos os tipos de <i>kagueji</i>
podem ser bebidos por todos os indivíduos. Não há restrições nem para as
crianças, que adoram a bebida. <i>“Pode
tomar todo o dia, ou se não de manhã, se não de meio dia ou de tarde. A hora
que quiser, né?” </i>(Adorfo, 2005).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
entanto, o <i>kagueji</i> deve ser consumido
nos contextos rituais, o que ocorre geralmente à noite dentro da <i>opy</i>. O seu consumo dá sensação de leveza
ao corpo, alterando de certa forma o estado de consciência. Ele propicia
felicidade aos bebedores, fazendo com que as rezas/danças na <i>opy</i> sejam melhor executadas. Combinando com
o consumo do tabaco, ele abre os canais de comunicação com os deuses, o que faz
dos xamãs os maiores consumidores da bebida. Não existe xamã sem <i>kagueji</i>. Por extensão – já que a
comunicação com os deuses proporciona os alimentos – não existe comida sem o <i>kagueji</i>. Ele é a principal de todas as
comidas, ele proporciona as outras comidas e ele alimenta apenas a parte
sagrada do conjunto corpo-alma dos Mbyá Guarani.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Grosso
modo, qualquer pessoa pode preparar o <i>kagueji</i>.
Inclusive os homens poderiam, porém, são sempre as mulheres que preparam. Mas,
dependendo do tipo de <i>kagueji</i> e da
sua finalidade ritual, o ideal é que seja preparado por pessoas de “corpo limpo”
e “respeitadas” na sociedade. Isso porque quem prepara o <i>kagueji</i> transmite suas características à bebida. Os <i>kagueji</i> consumidos no dia-a-dia, como “refresco”,
não precisam de muitos cuidados. Já os que serão consumidos na <i>opy</i> devem ser preparados por indivíduos
que estejam quanto mais “limpo” possível. Mulheres menstruadas, por exemplo,
não podem preparar o <i>kagueji</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
<i>kagueji</i> “mais poderoso” para o uso
ritual tem como ingrediente principal o milho verde. Os outros dois
ingredientes são a saliva e a água. O milho verde deve ser mastigado por
meninas novas (que ainda não menstruaram nem tiveram relações sexuais) e logo
depois cuspido em um coxo. A mastigação atribui saliva ao milho, que irá
promover a fermentação. Então é só esperar o período necessário a esta fermentação
para poder ser consumido. Este <i>kagueji</i>
fica bem “forte” e com os sabores realçados. Como observou Cascudo, <i>“na diástase da saliva a ptialina transforma
o amido das raízes e dos frutos em maltose e dextrina, provocando a
sacarificação, resultante dos ácidos orgânicos sobre os açúcares”</i> (Cascudo,
1937).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
seu Adorfo é <i>karaí</i> (xamã), mas por
uma série de razões, a sua unidade de comida é bastante reduzida. Até outubro
de 2006 ele vivia apenas com sua esposa e dois netos. E, não havendo uma
menina, eles não tinham como produzir o <i>kagueji</i>
“mais poderoso”. Sendo seu Adorfo um <i>karaí</i>,
ele necessitava muito do consumo desse <i>kagueji</i>
para poder entrar em contato com o mundo sobrenatural. A solução para este
problema veio do estado do Espírito Santo: uma de suas netas, de apenas cinco anos,
foi designada para ir morar com o avô e mastigar o milho para o <i>kagueji</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Há,
também, o <i>kagueji guaxu</i>, feito de milho
“seco” pilado bem fino e cozido brevemente. Este <i>kagueji</i> deve ser preparado com no mínimo um dia de antecedência ao
seu consumo, para poder fermentar. Ele fica “um pouquinho forte”. Em uma outra
variedade deste <i>kagueji</i> pode ser
misturado um pouco de milho “quebrado” (tipo canjica) ao cozimento. Em oposição
ao <i>kagueji guaxu</i>, existe o <i>kagueji mirim</i>, que pode ser consumido
logo após o seu preparo, mesmo aidna quente. Para a preparação do <i>kageji mirim</i> um pouco de milho “seco” é
pilado e depois são acrescentados pedaços de batata-doce, continuando o
trabalho com o pilão até que tudo vier uma única pasta. Como resultado,
obtem-se uma bebida muito cremosa. O <i>kagueji
mirim</i> é também conhecido como <i>kagueji
obaipy</i>, ou simplesmente <i>obaipy</i>. Outros
tipos de <i>kagueji</i> também podem ser
produzidos como o <i>kagueji mirim</i>,
substituindo a batata-doece por abóbora ou simplesmente acrescentando um pouco
de abóbora. Também pode ser empregado o milho verde e/ou a canjica em acréscimo
ou substituição ao milho “seco” pilado bem fino. De qualquer forma, milho
sempre tem que ter.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Sob
hipótese alguma pode-se desperdiçar <i>kagueji</i>
. Sobretudo jogá-lo no chão; é uma afronta ao seu dono. Além disso, oferecer <i>kagueji</i> a um <i>Juruá</i> (branco) é, de certa forma, um desperdício. O <i>kagueji</i> é para os Mbyá Guarani, não serve
para os <i>Juruá</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dentre
outras bebidas produzidas pelos Mbyá Guarani, destacam-se a <i>aroka</i> e a <i>mbypety</i>. A <i>aroka</i> é o “hidromel”:
água adoçada com mel. Porém os Mbyá Guarani preparam a bebida usando favos de
mel. Depois de extrair o mel, para não desperdiçar o mel que fica retido nas
reentrâncias dos favos, estes são “lavados” em água. Esta água então é tomada
como suco, “suco de mel”. E os favos lavados são utilizados na fabricação de
velas e trabalhos artesanais. Ocorre que os favos também soltam um gosto muito
agradável no suco, melhor do que quando empregam apenas o mel. Nos dias frios,
sobretudo nas primeiras horas da manhã, esta bebida pode ser preparada com água
quente, adquirindo status de chá.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
<i>mbypety</i> é o suco feito com o fruto da
palmeira pindó. Os frutos maduros são triturados no pilão, sendo depois
acrescentada água fresca. Esta é uma bebida emblemática dos Mbyá Guarani, sendo
considerada um poderoso alimento para a porção sagrada do conjunto corpo-alma. Alias,
todo alimento proveniente da palmeira pindó só faz bem aos Mbyá Guarani. E ela
proporciona muitos alimentos. O <i>ixó</i> é
um dos alimentos mais limpos que existe, sendo consumido preferencialmente
assado ou frito em banha de animal de caça. Todavia, só é possível comer <i>ixó</i> em dois meses do ano, setembro e
janeiro, seus meses de safra. O <i>ixó</i>
não existe em outras árvores, ele cresce apenas na palmeira pindó. Para obtê-lo
basta encontrar um tronco de palmeira em decomposição com pequenos orifícios
(por onde os <i>ixó</i> entraram na
madeira). Então, é preciso “escutar” o barulho das larvas comendo o tronco. Localizados
os <i>ixó</i> pela audição, é só quebrar a
madeira e coletar o alimento – o que é bastante fácil posto que a madeira está
em decomposição.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
palmito da palmeira pindó, chamado <i>pindóruã</i>,
também é um alimento muito saudável e apreciado. Ele pode ser consumido cru,
embora para os Mbyá Guarani não exista <i>pindóruã</i>
cru. Ele “já é cozido natural”, não é preciso cozinhar. Neste caso, ele é muito
apreciado se for coberto com mel. Mas, na maioria das preparações com o <i>pindóruã</i> ele passa por um segundo
cozimento. Ele pode ser assado e comido acompanhado de mel e/ou carnes de caça;
pode entrar em cozidos de peixes ou de carnes de caça, ou pode ser um
ingrediente de sopa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
frutos da palmeira pindó – <i>guãpitá</i> –
são muito apreciados. Eles são considerados “as balas dos Mbyá Guarani”, com a
vantagem de serem balas naturais. Os Mbyá Guarani não se importam de coletar
frutos do chão; o chão “não é sujo”. Mesmo estando danificados ou já mordidos
por outros animais, os frutos podem ser aproveitados. A polpa do fruto se
resume a uma fina camada que envolve um grande caroço. Dentro desse caroço há
uma amêndoa muito apreciada pelos Mbyá Guarani. Então, mesmo com a polpa
inaproveitável, os Mbyá Guarani coletam o <i>guãpitá</i>.
Estas amêndoas não entram em nenhuma elaboração culinária, sendo comida ao
natural. Porém o caroço do fruto é bastante duro, sendo necessário o emprego de
duas pesadas pedras para poder extrair a amêndoa. Mas até crianças de três ou
quatro anos possuem habilidade para obter a amêndoa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;">Texto de Mártin César
Tempass,<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;">in “Quanto mais doce,
melhor – </span></span></i><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;">um estudo antropológico
das práticas alimentares </span></span></i><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;">da doce sociedade Mbyá
Guarani”</span></span></i></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-9802784962730669112014-09-14T10:32:00.000-07:002014-09-15T17:57:06.178-07:00RITUAL TUKANO DO YURUPARI<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcGBsgWOfXFX0mX5CrTpT_StVpe1yWBSd_ltIfOmFPyMk4CaZXi4YlyxZxiT2vMqmP6dACAgcU1v2ZViWTJrSMowq9ovze2O27ZvqD5M677zHrHqyhYcI8fHSQjjFi_gmeat3ag6m_Kw/s1600/tukano+4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcGBsgWOfXFX0mX5CrTpT_StVpe1yWBSd_ltIfOmFPyMk4CaZXi4YlyxZxiT2vMqmP6dACAgcU1v2ZViWTJrSMowq9ovze2O27ZvqD5M677zHrHqyhYcI8fHSQjjFi_gmeat3ag6m_Kw/s1600/tukano+4.jpg" height="406" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>YURUPARI</b>, ou <b>RITO DE FRUTAS</b>, é um ritual de iniciação dos jovens Tukano. É
realizado geralmente na ocasião da maturação de certas frutas. Grande
quantidade de frutas são trazidas pelos homens ao som dos instrumentos
musicais. O ritual propriamente dito acontece no fim da estação seca e no
início da estação chuvosa e dura três dias Durante o ritual as flautas que
representam os ancestrais são mostradas aos jovens. Os mais velhos da
comunidade tocam o instrumento dentro da casa, ao passo que os mais jovens (já
iniciados) tocam fora da casa. As mulheres não podem ver essas flautas, sob
pena de morte. Por isso durante o rito elas ficam na parte de trás da casa,
atrás de uma parede de folha de palmeiras entrelaçadas, colocadas na ocasião,
ou então embrenhando-se mata a dentro. As flautas são tiradas do rio, onde
habitualmente são guardadas fora dos períodos rituais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoG7iK97iwvJuME_30pyHt8O4KinFh5vggxOC0dUNtYz_YTey8dxPlHetnzvItoCWlombTITVNL5TLTqPMErWcx5-f9e-IIgjmPD26L8Beq-_5uvTkGshwzl4pbykN5hAt6plYnBmdLg/s1600/tukano3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoG7iK97iwvJuME_30pyHt8O4KinFh5vggxOC0dUNtYz_YTey8dxPlHetnzvItoCWlombTITVNL5TLTqPMErWcx5-f9e-IIgjmPD26L8Beq-_5uvTkGshwzl4pbykN5hAt6plYnBmdLg/s1600/tukano3.jpg" height="298" width="400" /></a></span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Durante a
noite, o xamã purifica todas as substâncias que serão utilizadas durante o
ritual (tabaco, coca, ervas de poder, tinta preta e vermelha, etc). No dia
seguinte, as flautas são, de novo, colocadas dentro da água e os xamãs
distribuem o fumo cerimonial, a coca, o tabaco e a tinta preta para todos os
participantes. O dia passa-se em cantos. No início da noite, os iniciados, de
cabelos raspados, corpos pintados de preto, entram na casa nos ombros dos mais
velhos. Durante a noite, os homens lhes apresentam as flautas (que simbolizam
os ancestrais) ensinando-lhes a tocá-las. Mais tarde, um xamã açoita todos os
participantes para os tornar mais fortes. Estes se pintam de novo com tinta
negra e passam o resto da noite e o dia seguinte tocando flautas e cantando. No
terceiro dia os iniciados vão dormir, pela primeira vez, perto da parede de folhas
de palmeira, colocadas na parte de trás da casa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVFj0DnzDZSqvihMwVTadR8CpAbTCQy1Xobb_b0w31DNXV4KGSrXi2YPPcbqml9GpP1niD61IAs5TXwR2eGf4jlfOBZG2qcYh4KAhfNI-5dCVO18YSBNnp1Kuh6EDm4BCYnqG3-6YlXQ/s1600/tukano+2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVFj0DnzDZSqvihMwVTadR8CpAbTCQy1Xobb_b0w31DNXV4KGSrXi2YPPcbqml9GpP1niD61IAs5TXwR2eGf4jlfOBZG2qcYh4KAhfNI-5dCVO18YSBNnp1Kuh6EDm4BCYnqG3-6YlXQ/s1600/tukano+2.jpg" height="229" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim que
o dia amanhece, os iniciados vão tomar banho no rio e ao retornarem, entram
novamente na casa, carregados novamente pelos mais velhos, e as mulheres lhes
servem formigas saúvas e beiju de fécula de tapioca. As flautas são colocadas
dentro das folhas de palmeira e imergidas novamente no rio. Os iniciados são
isolados durante dois ou três meses em um compartimento especial da casa. O
período de reclusão é consagrado à aprendizagem dos mitos e tradições orais. O
fim da reclusão pubertária é marcado, também, por um banho ritual no rio.
Depois, com o corpo pintado de vermelho pelas mulheres, entram novamente na
casa, carregados pelos mais velhos como ”recém-nascidos”, e lhes dão para comer
peixe cozido na água com sal e pimenta. Pouco depois ocorre uma dança
comunitária, com a participação das mulheres, durante a qual são distribuídos
beijus a todos os participantes. Esse rito marca a reintegração do iniciado no
grupo patrilinear. O iniciado retorna depois, progressivamente, à alimentação
normal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div align="right" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">Texto de Berta G.
Ribeiro</span><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></i></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-12620344813355893752014-08-23T15:16:00.001-07:002014-08-23T15:16:28.678-07:00CORPO TRANÇADO – CESTARIA E A RELAÇÃO MBYÁ-JURUÁ<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCKF07uy3vYQH1I7wGof67zw6olpNAUJgbzKf_cO_oP7pL5Io5hS_mqsF1dw-IoIUmTv3j2cX226OfO2JKsp8CwZec15f_nNtswk58dldeqJ3FovjUMneUxbIaDweBdJqCoct93XtG9Q/s1600/cestaria+guarani+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCKF07uy3vYQH1I7wGof67zw6olpNAUJgbzKf_cO_oP7pL5Io5hS_mqsF1dw-IoIUmTv3j2cX226OfO2JKsp8CwZec15f_nNtswk58dldeqJ3FovjUMneUxbIaDweBdJqCoct93XtG9Q/s1600/cestaria+guarani+1.jpg" height="428" width="640" /></a></div>
<br />
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
encontro entre duas culturas, que pode ser compreendido pela categoria
interculturalidade, cujo prefixo <i>inter </i>expressa o sentido de interação,
troca, reciprocidade, indica a possibilidade de integração entre elas sem
anular sua diversidade, ao contrário, fomentando o potencial criativo e vital
resultante das relações entre diferentes agentes e seus respectivos contextos,
conforme argumenta Reinaldo Matias Fleuri (2005). É nesta perspectiva que
proponho pensar o corpo trançado, que na contemporaneidade se estabelece a
partir da relação <i>mbyá-juruá</i>,
considerando seu fundamento mítico original, sendo tal fundamento conectado às
novas experimentações que inspiram uma criação seriada, contínua e acrescida de
outros elementos. Frade e Reis (2010) argumentam que não se pode pensar nos artefatos<sup><span style="mso-text-raise: 5.0pt; position: relative; top: -5.0pt;"> </span></sup>produzidos
pelos Mbyá-Guarani sem levar em conta o esforço tradutório e interpretativo
sobre o que se encontra no mundo externo e o que se pode esperar dessa relação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
arte do corpo trançado encontra sua potência na cestaria, que é considerada como
marca identitária dos três grupos Guarani – Mbyá, Kaiowá e Nhandeva. O cesto (<b><i>ajaka</i></b>) é confeccionado com as
lascas do bambu, que por sua vez surgiu do orvalho, símbolo de <i>Jachuka</i>.
Da planta porongo, também símbolo de <i>Jachuka</i>, fabrica-se o <b><i>mbaracá</i></b><i> </i>dos homens. Da
mesma fonte nasce o bambu, do qual se produz o bastão de ritmo das mulheres.
Dessas duas plantas surgiram a humanidade, homem e mulher (CHAMORRO ARGÜELLO,
2008). Corroborando essa interação, Ivori Garlet revela a relação intrínseca
existente entre o homem e a mulher. <i>“O
Ser Criador bateu com seu arco no cesto e dessa ação originou-se o homem, que é
um corpo (<b>rete</b>) em forma de arco (<b>guyrapa</b>). Ele bateu no cesto pela
segunda vez, dessa vez com a taquara, e dessa ação surgiu a mulher, que é corpo
(<b>rete</b>)
em forma de cesto (<b>ajaka</b>)”</i> (GARLET, 1997).<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Os
Guarani acreditam que o trançado, que dá origem ao cesto, foi ensinado por <b><i>Nhanderu</i></b><i> </i>para que
pudessem carregar as sementes do milho sagrado para serem plantados na roça ou
para guardarem o pão sagrado feito de milho (<i>mboejape)</i>, referendado no
batizado das crianças – um ensinamento para a realização da vida. Segundo o
cacique guarani Vera Nhamandu Miri, é feito o <i>mboejape </i>(pão sagrado de
milho), que é posto no <i>adjaka </i>(cesto) e fica durante 24 horas na <i>Opy </i>(Casa
de Reza), o lugar mais sagrado da aldeia. Depois o <i>oypirigua </i>(pajé)
chama as crianças que irão receber o nome. Neste momento, o cesto proporcionará
alimento para o espírito. E, satisfazendo o espírito, o nome será bem cuidado,
bem recebido. No dia seguinte, os pãezinhos de milho serão dados aos pais e às
crianças.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">No
<i>tekoa, </i>o <i>adjaká </i>é mais que coisa, mas ente, um <i>corpo/memória</i>,
possuindo a condição de <i>sujeito/objeto</i>. A espiritualização do <i>adjaká </i>possui
uma ontologia ambígua. O <i>corpo-forma </i>do cesto contribui na geração da
palavra, objeto pensado como extensão da pessoa, objeto trançado como ato sagrado.
(FRADE; CAMPOS, 2008).<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPmVkcVnXGxnGuXj9bq-_LLp0yvhRFge2PwlBlpbgaLFGuZ713V9IuNqajuCZGVsrJw_GfCN8ZWdQCF_pPX2qIUVmR8tySspnMPRhLSWRiygf8gAxyVLKTEUDNMNBYW3MMDLwOuYWgcQ/s1600/cestaria+guarani+2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPmVkcVnXGxnGuXj9bq-_LLp0yvhRFge2PwlBlpbgaLFGuZ713V9IuNqajuCZGVsrJw_GfCN8ZWdQCF_pPX2qIUVmR8tySspnMPRhLSWRiygf8gAxyVLKTEUDNMNBYW3MMDLwOuYWgcQ/s1600/cestaria+guarani+2.jpg" height="320" width="212" /></a><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Em
tempos remotos, as mulheres guarani utilizavam pigmentos naturais na coloração
dos filetes de taquara (da família do bambu) que contribuíam na formação dos
desenhos básicos tradicionais. O professor indígena Eloir Werá Xondaro traduz
no papel os grafismos mais recorrentes visualizados nos cestos mbyá-guarani: <b><i>Ipara kora</i></b>: grafismo fechado,
simboliza a pele de algumas cobras; <b><i>Ipara
korente</i></b>: grafismo em forma de corrente, simboliza as relações entre as
comunidades Guarani, seja de parentesco ou de amizade; <b><i>Tanambi pepo</i></b>: simboliza as asas de um tipo de borboleta; <b><i>Ipara ryxi</i></b>: grafismo em fila,
simboliza pessoas em fila indo para a caça, para a coleta de frutos, para a
pesca, para a busca de material para a confecção do artesanato.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Os
<i>adjaká </i>usados nos rituais realizados na <i>Opy </i>não podem ser
afetados por nenhum elemento externo. Devem ser criados com “elementos crus”,
ou seja, as lascas retiradas do bambu e do porongo não devem receber tintura
artificial, sendo assim, diferenciados daqueles que entram no circuito
comercial.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Na
Aldeia Tekoa Mbo’yty, Dona Lídia e sua mãe, Dona Juventina, exercitam sua
sabedoria na arte do trançado, uma matemática complexa geradora de superfícies
ritmadas. Cada trançado tem seu próprio autor, apontado através de grafismos
identificadores de determinadas famílias. As formas evoluem no cotidiano, novas
combinações são criadas e compartilhadas pelo grupo que as incluem em seu
repertório cesteiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Apesar
de designar tradicionalmente uma produção feminina, na Aldeia Tekoa Mbo’yty, alguns
homens colaboram na feitura dos cestos: uns vão à reserva mais próxima coletar
a taquara, uns ajudam no tingimento, outros na amarração inicial das fibras de
taquara, ou até mesmo na produção total de cestos. É também comum contar com a
colaboração de outras pessoas (homens ou mulheres), desde que pertencentes ao
mesmo núcleo familiar, no processo de preparação das fibras, que são lascadas
com a ajuda de uma lâmina delicada e afiada. Cada núcleo familiar desenvolve
esse processo próximo a sua habitação-oca, estabelecendo seu território de
criação coletiva. Uma trama resultante do entrelaçamento de fibras e também de
corpos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Os
cestos, junto com outros objetos artísticos, encontram-se dispostos em uma
ampla bancada para serem comercializados aos turistas que visitam a aldeia. Os
objetos são dispostos por aproximações de categoria e autoria, que por sua vez
são agrupados de acordo com os núcleos familiares. Conferem um modo de
exposição segundo critérios estéticos autóctones. Essa disposição e agrupamento
se aproximam do modo como os Guarani concebem a organização social e
cosmológica do grupo no espaço/tempo (<i>Ara Ypy</i>), uma organização que
prima por seus núcleos familiares, sejam eles da ordem da natureza ou da sobrenatureza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
comercialização dos objetos artísticos se constitui como modo primordial de
subsistência, tornando a vida dos mbo’yty cada vez mais entrelaçada à dos
não-índios<i>. </i>Além do recurso material obtido pela venda dos objetos, essa
interação estabelece um espaço de diálogo intercultural, uma comunicação
estética mais ampla com o mundo externo e interno à sociedade mbyá-guarani. Um
modo de subsistir pela via da arte – uma economia que se dá na produção de
artefatos para o consumo externo – requer a ressignificação de sua cultura
material, um entendimento que permita incorporar esse novo significado do <i>nhanderekó
</i>mbyá-guarani, como argumenta Frade e Reis (2010).<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">O
cesto adquire outro estatuto. A vida dos objetos relaciona-se diretamente ao
universo que se pretende invocar. O sentido muda conforme o contexto no qual
cada objeto se insere. <i>“Os contextos
podem mudar de forma radical, como acontece quando objetos e artefatos entram
no circuito comercial interétnico, quando se tornam emblemas de identidade
étnica, peças de museus ou ‘obras de arte’ ”</i> (LAGROU, 2007).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Em
comparação à disposição e significação dos cestos tingidos e os
tradicionalmente sagrados no espaço da aldeia, é importante destacar as
modificações operadas sobre esses itens ao mudarem de contexto. Ao serem
transportados e reorganizados em museus, os cestos adquirem contornos de
artefatos componentes, a partir de então, da dinâmica que se realiza na
interação com um espaço reservado às instituições identitárias da arte
institucional. O espaço de projeção da arte do corpo trançado configura-se,
assim, em um ambiente imersivo, paisagem a ser desvendada pela incursão do
espectador, privilegiando-se sua dimensão estética.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Os
objetos da cultura material que no contexto tradicional tinham frequentemente,
valor espiritual, são apreendidos como objetos estéticos, ao mesmo tempo em que
são submetidos às leis de mercado do mundo da arte, conforme argumenta Stocking
Jr. (1985). Blanca Dian Brum (2004) pontua que inserir esses objetos em outro
sistema de representação quebra o elo de uma cadeia de significações, muitas
vezes inoperante, capaz mesmo de criar barreiras epistemológicas no sentido da
compreensão desses objetos e das sociedades que os produzem. Dessa forma,
ambos, propõem a ampliação das categorias de apreensão e compreensão dessas
produções estéticas, dessas sociedades e das práticas que as envolvem,
compreendendo-as como textos simbólicos, como discursos que são uma dimensão
fundada na oralidade. <i>“Tudo significa,
tudo é texto, que devemos aprender a ler, tudo é discurso que devemos aprender
a ouvir para poder efetivamente mergulhar nessas culturas, compreendê-las e respeitá-las”</i>
(BRUM, 2004).<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Os
professores guarani Arnildo Werá e Eloir Werá Xondaro, ao visitarem a exposição
no Museu do Índio – RJ, reclamaram da falta de um monitor nativo para falar um
pouco sobre o contexto em que os objetos são produzidos – “apresentar seu olhar
sobre si mesmo”. Estranharam também a seleção dos objetos expostos no museu,
pois concebiam que veriam “coisas de antigamente”, que remetessem à história de
seus ancestrais, como arcos, flechas e lanças; panelas produzidas com argila;
pratos, colheres e canecas confeccionadas com sementes; colchão feito de folha
de palmeira trançada; instrumentos, entre outros, que a memória dos jovens não
alcança. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Não
sei, talvez eu possa estar errado. É algo importante que está sendo mostrado
aqui, mas isso é da atualidade. Se a gente voltasse um pouco para a
antiguidade, para a história dos nossos ancestrais, veríamos coisas diferentes
aqui, uns instrumentos diferentes e até mesmo o artesanato um pouco mais
diferente. Mas isso não quer dizer que isso aqui não é importante para a
sociedade guarani hoje em dia. Isso aqui é uma exposição de grande importância
para nós. Através dessa exposição talvez a sociedade dos juruás dê mais importância ao povo
Guarani. Não só aqui no Rio de Janeiro, mas em todo o território nacional. Isso
é de muita importância para nós. São iniciativas assim que nos fortalecem. Os
Guarani estão sendo um pouco esquecidos. Muito se fala de índio, mas pouco se
fala dos Guarani. Existem várias etnias no Brasil. Principalmente os Guarani do
Sul, de onde eu venho, é pouco falado, pouco lembrado. Os Guarani estão aqui no
Rio de Janeiro, em São Paulo, no Sul, em Santa Catarina, na Argentina e no
Paraguai. O povo Guarani está vivo, sua cultura está viva, seus costumes estão vivos.
Então, isso nos fortalece, não só fortalece como uma aldeia, mas como um todo,
o povo no geral assim. Eu fico feliz pelos meus parentes terem conseguido esta
oportunidade de estar mostrando um pouco das aldeias. E eu parabenizo esses
guerreiros pela coragem também de estar expondo isso assim. Também fico muito
feliz. Mas, o importante é mostrar a iniciativa, mostrar o suficiente para a
sociedade conhecer um pouco da cultura guarani, mas isso não é suficiente
(Depoimento de Eloir Werá Xondaro, 2010).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="Default" style="margin-left: 113.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Há
ainda muito a se fazer no campo da patrimonialização e/ou musealização dos bens
materiais e imateriais indígenas dos Mbyá-Guarani. Há que se pensar outras
políticas públicas de valorização, reconhecimento e conservação da cultura
material e imaterial indígena, mas certamente políticas que contemplem o
protagonismo indígena. Nesse sentido, o Museu do Índio apresenta algumas
iniciativas como essa exposição, ainda que com uma participação “tímida” dos
índios, bem como com oferecimento de cursos no campo museológico que
qualifique, os próprios Guarani, como pesquisadores de sua cultura, conforme
dito por José Carlos Levinho (2010), diretor do Museu do Índio: “Tem que ter
formação, tem que ter qualificação, fornecer as ferramentas e deixá-los
administrar e mostrar também os caminhos, porque não adianta fazer um feijão
com arroz sem qualidade”. Mas como o próprio Guarani Eloir (2010) salienta:
“isso não é suficiente”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><span style="font-size: x-small;">Baseado em texto de Maria Cristina
Rezende de Campos –</span></span></i></div>
<div class="Default" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><span style="font-size: x-small;">“A arte do corpo mbyá-guarani:
processos de negociação, patrimonialização e circulação de memória”</span></span></i></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-67653334191504910312014-08-23T13:04:00.001-07:002014-08-23T13:04:26.364-07:00CORPO CERIMONIAL – RELAÇÃO PALAVRA ALMA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb-A7zv9oKT1RDlnvN4Kf9Gavp3limSb27U6JeC2mNCTlDgAhIJYzFiXWzmmFPcg3yX52Pg0x7Yg89d8PJ4r-letbnjxQTGcTE3mXjQDExSF_IFty1mNylCw933j2SeSeBi-vZwmpDaw/s1600/corpo+cerimonal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb-A7zv9oKT1RDlnvN4Kf9Gavp3limSb27U6JeC2mNCTlDgAhIJYzFiXWzmmFPcg3yX52Pg0x7Yg89d8PJ4r-letbnjxQTGcTE3mXjQDExSF_IFty1mNylCw933j2SeSeBi-vZwmpDaw/s1600/corpo+cerimonal.jpg" height="426" width="640" /></a></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Na
concepção dos Guarani a alma está vincula à palavra, e essa alma de origem
divina está destinada a desenvolver-se até alcançar a plenitude. Cada pessoa é
uma encarnação da palavra, a alma se faz com a história de vida da pessoa e as
palavras formam a sinfonia de sua vida. <i>“A
alma, enquanto princípio de individuação que faz do corpo vivo uma pessoa,
confunde-se com o nome próprio: a alma é o nome”</i> (CLASTRES, P., 2004). O
nome da pessoa é o fundamento fora do qual a pessoa não terá outro suporte
válido. Cada ser nasce com uma cifra poética, descortinada em parte em sua
nominação, que acompanha a pessoa desde seu nascimento até a sua morte. A
concepção do ser humano é atribuída ao sonho, sonho que gera uma palavra. A
pessoa será, então, uma “palavra sonhada”, um ato de conhecimento sonhado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
mito de origem Mbyá, traduzido por Hélène Clastres (2007), esclarece que a
Terra que primeiro existiu, <b><i>Yvy
Tenonde</i></b>, foi criada por <b><i>Nhanderu</i></b><i>
<b>Papa</b> <b>Tenonde</b></i>, também chamado <b><i>Nhamandu
Ru Ete</i></b><i>. </i>O Pai Primeiro “ergueu-se” e concebeu a linguagem. A
palavra-alma, que circula no esqueleto, é o que mantém ereto o Guarani; e é
somente quando a criança consegue ficar de pé e começa a andar que lhe é
atribuído um nome guarani que marca a procedência (leste, oeste, norte, sul ou
zênite) da palavra-alma que se encarnou nela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Zélia
Bonamigo (2008) recolheu, em sua pesquisa entre os Mbyá-Guarani da ilha da
Cotinga, <i>tekoa </i>Pindoty, em Paranaguá-PR, dados reveladores sobre os <b><i>Ñee ru
ete</i></b> – “Pais das almas” - que transmitem os nomes dados às crianças,
tornando-os seus parentes. São eles: <b><i>Jekupe</i></b><i>
</i>e sua esposa <b><i>Iva</i></b>,
sinônimos de <b><i>Jakaira</i></b><i> </i>e
<b><i>Ysapi</i></b><i> </i>(primavera –
cuidam da fonte da neblina – habitam o Norte); <b><i>Kuaray</i></b><i> </i>e sua esposa <b><i>Jachuka</i></b><sup><span style="mso-text-raise: 5.0pt; position: relative; top: -5.0pt;"> </span></sup>ou <b><i>Ara</i></b><i>
</i>(seres semelhantes ao sol – habitam o Leste); <b><i>Vera</i></b><i> </i>ou <b><i>Tupã</i></b><i>
</i>e sua esposa <b><i>Para</i></b><i> </i>(seres
que lembram água, trovões, raios e chuvas – habitam o Oeste); <b><i>Karai</i></b><i> </i>e <b><i>Kerechu</i></b><i> </i>(seres guerreiros
relacionados com o fogo – habitam o Sul). Esses seres se comunicam e circulam
constantemente entre seus domínios. Quando <i>Nhamandu Ru Ete </i>concebeu
essas divindades, conferiu-lhes o encargo das palavras-almas dos futuros
homens. São eles que o cerimonialista – pajé, rezador ou xamã – invoca para
saber de onde vem a alma da criança e qual é o seu nome. É essa palavra que
providencia um lugar para si no corpo do novo ser.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
transposição dos nomes acontece durante o ritual <b><i>Nimongarai</i></b><i> </i>ou <b><i>Nhemongarai
</i></b> – a, em ocasião da colheita do
milho, durante o mês de janeiro – momento em que são revelados e distribuídos
os nomes em língua Guarani às crianças da aldeia que, segundo os Mbyá,
representam suas verdadeiras "almas" (SCHADEN, 1982). Traduzido
provavelmente pelos missionários e assimilado pelos Guarani como “batismo do
milho ou batizado”, o <i>Nimongarai </i>apresenta características autóctones
que o torna significativamente diferente do batismo cristão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">O
<i>Nimongarai </i>age no fortalecimento do corpo de cada indivíduo,
inscrevendo-o no círculo de relações sociais. As crianças nascem com uma alma
provisória e somente após o rito de nominação recebem, através da palavra, uma
alma permanente, que deve ser cuidada. Palavra e alma se agenciam a partir do
próprio significado do prefixo <b><i>nhe</i></b><i>
</i>que precede o termo <b><i>mongarai</i></b><i>
</i>– palavra-alma de origem divina. Pissolato (2007) ressalta que o corpo se
mantém erguido na Terra <i>“na medida em que
os humanos sejam capazes de preservar o fluxo de ‘palavras’ – nomes, cantos,
potencialidades dizíveis –, as quais se devem ‘fazer erguer’ quando enviadas
pelos pais e mães divinos dos Mbyá ou de suas almas-palavras”.</i><o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Quando
o pajé, rezador ou xamã não descobre o nome da criança, é sinal de que nenhuma
palavra se encarnou nela e de que não sobreviverá. Tonico Benites (2009) conta
que quando a pessoa morre a alma volta para o lugar de onde veio. Até o doze anos
de idade essa alma se encontra em estado de instabilidade, podendo, a qualquer
momento, se afastar ou ser atacada pelos predadores invisíveis. O <i>corpo-alma
</i>dos mais velhos tem maior estabilidade, porém necessita de um
desenvolvimento espiritual intenso, através de rezas diárias, para manter o
estágio desejado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
morte é a perda da palavra; a alma, o princípio vital, que anima e mantém ereto
o corpo guarani. Quando acometidos por alguma doença grave, os Guarani
consideram que o doente recebeu um nome-alma que não lhe convém, sendo
necessária uma nova busca. Pierre Clastres explica:<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
xamã parte então em viagem para descobrir o verdadeiro nome. Quando este lhe é
comunicado pelos deuses, ele o faz conhecer ao doente e a seus parentes. A cura
prova que ele efetivamente descobriu o verdadeiro nome do paciente. Enquanto
seu espírito está em busca da alma perdida (indo às vezes muito longe, até o
Sol), o xamã dança e canta em volta do paciente. (CLASTRES, P., 2004).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="Default" style="margin-left: 113.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Textodenotaderodap2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">A viagem de descoberta do verdadeiro nome da
criança pode não resultar em retorno breve, ou seja, compatível com o tempo
estimado para realização do ritual. Na ocasião da nominação da filha do cacique
Darci Tupã, em janeiro de 2010, a pajé Dona Lídia, encarregada de realizar a
nominação da criança, não recebeu a comunicação dos deuses evocados. Dona Lídia
argumentou que <i>“seria preciso muita reza”</i>,
conforme suas palavras, para a revelação do nome da criança e que somente no
próximo ciclo do ritual faria nova tentativa. O ciclo relaciona-se ao plantio
do milho (<b><i>avaxi</i></b>), que é
semeado na primeira lua minguante de agosto e colhido em janeiro, época dos
“tempos novos”, marcada para a realização do batismo das crianças. Em janeiro
do ano seguinte, a filha do cacique recebeu sua palavra-alma, adquirindo, desse
modo, maior estabilidade para seu corpo-espírito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">No
ritual <i>Nimongarai, </i>composto por várias cerimônias, os objetos rituais
atingem maior significação no espaço sagrado da Casa de Reza (<b><i>Opy</i></b>), adquirindo, em grau mais
elevado, o valor de ente, referência a uma dimensão espiritual compartilhada.
Em preparação e como agradecimento pela revelação dos nomes-almas, os pais
oferecem a <i>Nhanderu </i>na Casa de Reza alguns presentes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt 35.4pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
menino é representado pela oferta de um pequeno pote, feito de taquara, com mel
de abelha jataí ou ey jatei e/ou uma pequena flecha ou uy, e/ou um pequeno chocalho ou mbaraka feito com a cabaça ou yh’a kua e sementes de kapi’i’ ou planta chamada rosário. A
menina é representada por um takua pu,
instrumento musical feito com madeira ou taquara, usado pelas mulheres durante
os cantos sagrados, e/ou pelo mbojapé ou
pão de milho, feito com sementes de milho, batizadas anteriormente pelo pajé,
pão que também pode ser feito de fubá de milho não-guarani. A flecha simboliza
a força e a coragem para uma boa caça ou sucesso em tudo o que o Mbya-Guarani
faz. O mel é alimento tradicional que acompanha o milho, que fortalece o corpo
e acolhe as visitas. O bolo de milho simboliza o alimento que dá força e saúde,
e o takua pu significa que a
menina sempre estará presente nos rituais da casa de reza (BONAMIGO, 2008).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="Default" style="margin-left: 113.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">A
água depositada na canaleta do cedro para ser aspergida na cabeça da criança; a
fumaça aspirada através do <i>petÿngua</i>, provocando uma névoa exorcizadora
das forças negativas; os instrumentos musicais, o canto, a dança, o milho e o
mel criam um corpo aureolático vivificador e integrador do sistema de pertença
mbyá-guarani.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">As
diferentes habilidades e capacidades de desempenhar certas tarefas que o corpo
assume são um espaço de emergência das diferenças, uma imanência da
multiplicidade do Ser. Um modo pelo qual os diferentes tipos de corporalidade
experimentam naturalmente o mundo como multiplicidade de afetos e afecções,
cujas formas emanam a arte do corpo cerimonial dos <b>Mbo’yty</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Assim
como não possuem um nome como se fosse uma “coisa” (CHAMORRO-ARGÜELLO, 1999),
os Mbyá também não percebem os objetos distanciados do mundo animado, mas como
formas humanizadas e humanizantes. <i>“A
humanidade emerge de uma troca de intencionalidade, que se revela ou se
cristaliza progressivamente. (...) O pertencer ao gênero humano é elástico em
sua extensão e flutuante no tempo”</i> (VIVEIROS DE CASTRO, 2006). <i>“Os objetos apontam necessariamente para um
sujeito, são encarnações materiais de uma intencionalidade humana”</i>
(VIVEIROS DE CASTRO, 2002). <o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
devir mbyá-guarani, que vai se amalgamando e se diferindo no tempo, altera
marcas, suportes, meios que, por sua vez, geram novas produções e novas
subjetividades. Os cestos confeccionados com a fibra de taquara natural, os
instrumentos musicais, o milho e os bastões cerimoniais pendurados em um bambu
– elementos usados nos rituais– compõem o cenário místico. O canto e a dança
dirigidos aos deuses são celebrados, invocando o fortalecimento dos
participantes. A fonte de inspiração dos cerimonialistas remete às conquistas
sobre o mundo desconhecido, de vizinhos inimigos ou seres naturais e
sobrenaturais invasivos e ameaçadores do bem-estar guarani. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="right" class="Default" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><span style="font-size: x-small;">Baseado em texto de
Maria Cristina Rezende de Campos –<o:p></o:p></span></span></i></div>
<br />
<div align="right" class="Default" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><span style="font-size: x-small;">“A arte do corpo
mbyá-guarani: processos de negociação, patrimonialização e circulação de
memória”</span></span><o:p></o:p></i></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-68984492841413072782014-08-23T12:20:00.001-07:002014-08-23T13:04:45.962-07:00CORPO ÑANDEREKO - O JEITO DE SER GUARANI<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcvtg4EL2Zyhg0dRwx-maXkabfUBBvz1uzTCMQUHDKy0GM7-Br5MjKJXn614w9appK3gILZTYRROLzmxr5TViov3Ea69lpvfjmBQ_rWqNdcSXagbXnjhmQH_OGd4hZlZomAhZJUId-Qg/s1600/guarani+00.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcvtg4EL2Zyhg0dRwx-maXkabfUBBvz1uzTCMQUHDKy0GM7-Br5MjKJXn614w9appK3gILZTYRROLzmxr5TViov3Ea69lpvfjmBQ_rWqNdcSXagbXnjhmQH_OGd4hZlZomAhZJUId-Qg/s1600/guarani+00.jpg" height="426" width="640" /></a></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
arte do corpo mbyá-guarani se desenvolve no <b><i>tekoa</i></b><i>, </i>lugar onde se pode viver e agir conforme seus
próprios costumes, leis, tradição e sabedoria, sendo, pois, necessário
compreender sua constituição, organizada simetricamente no plano da relação
natureza-cultura, metáfora fundadora da sociedade guarani.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify; text-indent: 35.0pt;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">No
início dos tempos, <b><i>Nhanderu Ypy</i></b><i>
</i>(Pai Primeiro) criou uma mulher <b><i>Nhandesy
Ypy</i></b><i> </i>(Mãe Primeira) que gerou dois gêmeos: <b><i>Kuaray</i></b><i> </i>(Sol) e <b><i>Jasy</i></b><i>
</i>(Lua). Nesse começo, todos os seres vivos eram humanos, porém num dado
momento, de acordo com suas ações, grupos foram (trans)formados em vegetais e
animais, surgindo então, outros núcleos familiares. Esses núcleos familiares –
humanos, vegetais e animais – convivem no mesmo espaço-tempo – o <b><i>Ara Ypy</i></b><i> – </i>circundados
pelos Espíritos e Divindades. Esses Espíritos e Divindades vivem no espaço
entre os núcleos, energizando essa rede. Como agentes operadores do universo
cosmológico guarani, materializados na fumaça aspergida pelo <i>petÿngua</i> – cachimbo guarani –, provocam
relações de interação, resultando em diferentes elaborações criativas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify; text-indent: 35.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Se
os humanos veem-se como humanos e são vistos como não-humanos – como animais ou
espíritos – pelos não-humanos, então, <i>“os
animais devem necessariamente se ver como humanos. Se todos têm almas, ninguém
é idêntico a si. Se tudo pode ser humano, então nada é humano inequivocamente”</i>.
Dizer que animais e espíritos são gente é dizer que são pessoas, é atribuir aos
não-humanos capacidades de intencionalidade consciente e de agência. Tais
capacidades são reificadas na alma ou espírito. <i>“É sujeito quem tem alma e tem alma quem é capaz de um ponto de vista”</i>.
O ponto de vista cria o sujeito e será sujeito quem se encontrar ativado ou
agenciado pelo ponto de vista – a perspectiva cria o sujeito (Viveiros de
Castro, 2002). O perspectivismo, concebido por Viveiros de Castro, é um
conceito que qualifica um aspecto muito característico de várias, senão todas,
as cosmologias indígenas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
esquema de origem do povo Guarani corrobora o perspectivismo apontado por
Viveiros de Castro. Trata-se da noção de que o mundo é povoado de muitas
espécies e seres dotados de consciência e de cultura e de que cada uma dessas
espécies vê a si mesma e às demais espécies de modo bastante particular: cada
uma se vê como humana, vendo todas as demais como animais ou espíritos. Todo
ser que ocupa vicariamente o ponto de vista de referência, estando em posição
de sujeito, apreende-se sob a espécie de humanidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify; text-indent: 35.0pt;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
humanidade é menos o nome de uma substância e muito mais um tipo de relação que
todo ente tem consigo mesmo. Significa que toda espécie vê a si mesma como humana.
Significa que o que é humano é o "se ver", muito mais do que aquilo
que se está vendo. É o pronome reflexivo que define a humanidade. Ao se ver,
todo sujeito vê-se como humano. Nesse sentido, a humanidade também é uma
relação. Para Viveiros de Castro, sujeitos e coisas não existem por si mesmos,
mas sempre a partir da relação em que estão inseridos. A relação vem antes da
substância e, portanto, os sujeitos e os objetos são, antes de tudo, efeitos
das relações em que estão localizados e assim se definem, redefinem, se
produzem e se destroem na medida em que as relações que os constituem mudam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">No
entanto, essa é uma tradução apontada por Viveiros de Castro e Bruno Latour. O
eixo epistemológico da distinção clássica entre natureza e cultura defendida
por Lévi-Strauss, parte da compreensão de que tudo que é universal no homem
corresponde à ordem de natureza e se caracteriza pela espontaneidade, enquanto
tudo que está sujeito a uma norma pertence à cultura e apresenta os atributos
de relatividade e particularidade, portanto recebe as interferências das
diferenças conjunturais, étnicas e simbólicas de cada povo, do contexto social
e de outros fatores, como o econômico, o político e o ideológico. Lévi-Strauss
observou que, para os “selvagens”, a humanidade cessa nas fronteiras dos
grupos, ao mostrar que eles faziam as mesmas distinções ao se considerarem como
“humanos verdadeiros”. Para o autor, eles distinguiam a natureza da cultura. A
universalidade da distinção cultural entre natureza e cultura atestava a
universalidade da cultura como natureza do humano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Para
Hélène Clastres, a cultura é a marca do sobrenatural na Terra imperfeita, o
signo de uma eleição que separa os homens da animalidade. Os ritos religiosos
dos Guarani, a gesta de seus heróis míticos, são governados pela crença de que
o homem pode ascender à imortalidade sem passar pela prova da morte, e que
depende de cada um a boa escolha de sua vida, o que possibilitará o alcance da
Terra Sem Mal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Serem
as testemunhas dos deuses na terra má faz com que os homens existam na
ambiguidade. Habitantes da terra imperfeita, eles mesmos são imperfeitos,
sujeitos às leis da natureza – nascem, geram, morrem. Por outro lado,
separam-se do resto dos seres vivos pela cultura, isto é, pelo reconhecimento
de uma força necessária de outro tipo, sobrenatural (CLASTRES, H., 2007).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="Default" style="margin-left: 113.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">José
Savio Leopoldi, por sua vez, compreende que a fala marca a distinção entre os
homens e os animais. A fala é privilégio exclusivo dos humanos. Ainda que
possam comunicar-se por outras vias, os animais não falam, ou seja, não usam
palavras com acepções específicas, que navegam pelas abstrações e simbolismo
inerentes à teia de significados ao que se convencionou chamar cultura. Vale
ressaltar, entretanto, que se considerarmos a perspectiva dos índios que
concebem humanos e animais como parte de um mesmo universo cultural, onde estabelecem
uma relação intrínseca, o som que os animais emitem pode ser compreendido como
uma forma de comunicação tão significativa quanto a fala humana.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">No
mito de origem do povo Guarani, <i>Kuaray </i>(Sol) e seu irmão gêmeo <i>Jasy
</i>(Lua) presenciaram, no ventre da mãe (<i>Nhandesy Ypy)</i>, sua
morte. Ao percorrer as trilhas da floresta à procura do marido (<i>Nhanderu Ypy</i>)
que havia deixando sua criação, a Terra, foi comida pelas onças esfomeadas.
Seus filhos, depois de crescidos, resolveram vingar a morte da mãe: construíram
armadilhas e mataram quase todas as onças, deixando somente uma, que estava
prenha, garantindo a continuidade da espécie, e consequentemente, a manutenção
do estado de alerta frente os desafios da <i>“</i>Terra Com Mal<i>”</i>. <i>Kuaray,
</i>após inúmeras aventuras vividas sobre a Terra com seu irmão <i>Jasy</i>,
decidiu deixá-la para ir ao encontro de seu pai, que vivia em outro espaço
cosmológico, o <i>Ara Ypy </i>– o universo, o tempo/espaço guarani. Sua
preparação para isso consistiu em jejuar, dançar e rezar até sentir-se
suficientemente leve, de modo a poder alcançar este tempo/espaço, caminho
aberto por uma sequência de flechas lançadas por <i>Kuaray</i>. O Sol, <i>Kuara</i>y,
que vem do leste, orienta a crença guarani, é como uma luz que circula por toda
a Terra, iluminando e abrindo o caminho para todos trilhar. Assim, esse mito de
origem funda o <b><i>nhanderekó</i></b> (jeito de ser guarani): a trilha é repleta de
armadilhas, sendo necessário jejuar, dançar e rezar para manter o corpo em
estado de alerta, e somente desse modo o corpo estará autorizado a receber a
luz que iluminará e abrirá o caminho de encontro ao Pai (<i>Nhanderu</i>), que
vive na Terra Sem Mal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">A
importância dos mais velhos, para os Guarani, é explícita na refeição matinal: momento
de partilha em que o mais velho, após ouvir as histórias dos mais novos,
orienta o melhor caminho a seguir, caminho esse que possibilitará a alegria –
sair pela mata, visitar um parente em outra aldeia, ir à cidade, procurar outro
lugar para morar, entre outros desejos – simbolizando uma ideia de movimento
orientado. As andanças guarani, que requerem a orientação dos mais velhos, que,
por sua vez, foram orientados por <i>Nhanderu</i>: é preciso estar atento, pois
na mata vivem os Espíritos que controlam as espécies de bichos e os elementos
da natureza. É também o lugar de possíveis encontros que põem em risco a vida
das pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Default" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Um
casal de deuses primeiros estabelece com os humanos uma relação afetivamente
parental. Corpos e nomes, almas e ações, o eu e o outro se interpenetram,
mergulhados em um mesmo meio pré-subjetivo e pré-objetivo, meio esse cujo fim a
mitologia se propõe a contar. Os animais e outros seres do cosmo se encontram
na qualidade de sujeito. Todos se assemelham.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="Default" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Do
ponto de vista de sua qualidade de sujeito, de subjetividade, eles são
idênticos, sejam animais, plantas ou espíritos, se diferenciam por sua
fisicalidade, pelo mundo de relações que lhe oferecem as pesquisas de seus corpos
de espécie<sup><span style="mso-text-raise: 4.0pt; position: relative; top: -4.0pt;">
</span></sup>(Viveiros de Castro, 2006).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="Default" style="margin-left: 113.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Os
deuses, mais do que todos, são como os humanos, pessoas corpóreas, vivas e atuantes.
Essa similitude, não apenas de aspectos, mas de destinos e relações, sugere aos
humanos serem como os deuses, em perfeição interior. É dessa troca contínua de
afetos e afecções que emana a arte do corpo nhanderekó experimentada no <i>tekoa
</i>e apresentada no museu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<br /></div>
<br />
<div class="Default" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><i><span style="font-size: x-small;">Baseado
em texto de Maria Cristina Rezende de Campos –</span></i></span></div>
<div class="Default" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><i><span style="font-size: x-small;">“A arte do corpo mbyá-guarani: processos
de negociação, patrimonialização e circulação de memória”</span></i></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-65328484878348958212014-08-17T23:30:00.000-07:002014-08-17T23:30:49.078-07:00OS YÃMIYXOP – ESPÍRITOS SÁBIOS DO POVO MAXAKALI<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDozMH_bR-AiDTcHM5VLLmX1zLSqnpFoBkanrAD26iWLmfggLu9lZSNHnwvyDI4KIjrVPfuNNp7bUofAVhoAwx-Dq6Yb9RiI2fuAt9ghoxKbBZRrjTKQm_09XvkBNJziWbq2R0A_u1Qw/s1600/MAXAKALI+05.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDozMH_bR-AiDTcHM5VLLmX1zLSqnpFoBkanrAD26iWLmfggLu9lZSNHnwvyDI4KIjrVPfuNNp7bUofAVhoAwx-Dq6Yb9RiI2fuAt9ghoxKbBZRrjTKQm_09XvkBNJziWbq2R0A_u1Qw/s1600/MAXAKALI+05.jpg" height="424" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No primeiro capítulo do livro "Par-delà nature et culture", Philippe Descola faz um pequeno inventário das concepções sobre o que nós Ocidentais designamos pelo termo "Natureza", englobando vários povos do mundo. Seu ponto de partida foi o contexto etnográfico que lhe é mais familiar, os Achuar do Equador, entre os quais não há uma disjunção absoluta entre Natureza e Cultura, uma vez que para este povo: <i>Longe se reduzir a lugares prosaicos provedores de sustento, a floresta e as roças cultivadas constituem os teatros de uma sociabilidade sutil onde, dia após dia, se vai adular [amadouer] seres que somente a diversidade de aparências e a falta de linguagem distinguem verdadeiramente dos humanos </i>(Descola, 2005).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com base nesse preceito, os Achuar criaram uma forma de relacionamento estável com esses seres, estabelecendo mecanismos de comunicação não verbal com entes cuja interioridade seria supostamente idêntica àquela presente na humanidade, mediante o uso de encantamentos mágicos (<i>anent</i>) e através dos sonhos (Descola, 2005). Longe de se constituir num caso etnográfico isolado, essa concepção encontraria eco em numerosas sociedades autóctones da América do Sul, para as quais <i>"as características atribuídas às entidades que povoam o cosmos depende menos duma definição prévia de sua essência que de posições relativas que elas ocupam umas em relação às outras em função das exigências de seu metabolismo, e, notadamente, de seu regime alimentar. A identidade dos humanos, vivos e mortos, das plantas, dos animais e dos espíritos é inteiramente relacional e, portanto, sujeita a mutações e metamorfoses segundo os pontos de vista adotados"</i> (Descola, 2005).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Essa concepção sobre as cosmologias dos povos autóctones da América do Sul, chamada de <i>animista </i>por Descola a partir do diálogo com a noção de <i>perspectivismo ameríndio</i> de Eduardo Viveiros de Castro (2002), resultaria em uma inversão formal dos termos presentes na noção ocidental sobre a Natureza e a Cultura. Nesta última haveria uma diversidade subjetiva e/ou cultural entre os seres do mundo, a qual seria repartida sobre um fundo natural comum; já para os povos tributários deste tipo de cosmologia, os atributos comuns aos seres seria uma subjetividade de tipo humano e as disjunções ocorreriam nos atributos naturais das espécies. Tal postulado serviria de base para o estabelecimento de relações entre os humanos e os demais seres que habitam o cosmos, nas quais estes dois tipos de sujeitos não estariam opostos, mas comporiam graus variados de relações sociais similares àquelas vigentes entre os humanos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um exemplo disso é a análise de Descola sobre os motivos da não domesticação do pecari pelos povos autóctones da Amazônia. Para este autor, as relações estabelecidas entre os humanos e os não humanos teriam como modelo aquelas vigorantes na humanidade. Sendo assim, embora disponham de todas as técnicas e conhecimentos necessários para domesticar o pecari, essas populações não teriam algo próximo da domesticação - isto é, da instrumentação utilitária de outrem - em seu estoque de relações sociais. Com isso, as modalidades autorizadas de relação estabelecida com esses animais seriam: a caça, baseada no modelo vigente nas interações existentes entre parentes afins e inimigos - isto é, a predação -, e a adoção dos filhotes caçados, cujo parâmetro é fornecido pelas relações existentes entre os parentes consanguíneos (Descola, 2002).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Após inventariar as imagens sobre a "Natureza" de povos situados em outras regiões do planeta (Norte da América, Sibéria, Indonésia, índia, Japão, África, etc.), Descola afirma que as posições assumidas não são tão dessemelhantes às dos Achuar e demais povos autóctones da América, por não apresentarem uma separação absoluta entre Natureza e Cultura concebida pelo naturalismo Ocidental (Descola, 2005). Com isto, tal quadro permitira <i>"a tomada de consciência que a maneira pela qual o Ocidente moderno representa a natureza é a coisa do mundo menos compartilhada [pelos povos do mundo]. Em numerosas regiões do planeta, humanos e não humanos não são concebidos como se desenvolvendo em mundos incomunicáveis e segundo princípios separados; o meio ambiente não é objetivado como uma esfera autônoma; as plantas e os animais, os rios e os rochedos, os meteoros e as estações não existem em um mesmo nicho ontológico, definido pela sua falta [défaut] de humanidade. E isto parece verdadeiro quaisquer que sejam as características ecológicas locais, os regimes políticos e os sistemas econômicos, os recursos acessíveis e as técnicas utilizadas por lhes explorar"</i> (Descola, 2005).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O caso dos <b>MAXAKALI </b>não escapa ao quadro geral esboçado por Descola. Trata-se de um povo engolfado pelas frentes de expansão colonial na segunda metade do século XVIII, início do século XIX. Atualmente eles vivem confinados em uma Terra Indígena e duas Reservas Indígenas, cuja área somada tem somente 6020 hectares, situadas no nordeste do Estado de Minas Gerais, próximo da fronteira com a Bahia. Este povo fala uma língua classificada junto ao tronco linguístico Macro Jê e o termo mais próximo de uma autodenominação é <b>TIKMU'UN</b>, uma espécie de pronome pessoal da primeira pessoa flexionado no plural, utilizado para fazer referência às pessoas que vivem ou estão juntas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tal qual a demonstração de Descola sobre a maior parte dos povos do mundo, os Tikmu’un não postulam uma disjunção entre os atributos humanos e aqueles dos demais entes que povoam o mundo. Tal aspecto fica evidente quando se analisa os <b>YÃMIYXOP</b>, termo composto do radical "yãmiy", o qual pode ser traduzido como "espírito" e do sufixo "xop", usado para formar coletivo. Assim, a tradução literal desta expressão é <b>"grupo de espíritos"</b>, mas este termo é aplicado: a) na designação dos espíritos dos ancestrais humanos, dos animais e dos vegetais, e mesmo de alguns entes e dispositivos provenientes do mundo colonial, como o avião, helicóptero e a cachaça, entre outros; b) para fazer referência aos conjuntos desses espíritos, pois o pensamento Tikmu’un os reúnem em grupos; c) para mencionar as performances rituais e os cantos associados a estes entes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5YzBDgXL5TFuzUKZYgmEG7BpsX7x95IndgVRKZNtJoP4YKpn2MfLLllgCmTU_21ghDP_2_ZVkCu0yQMJkhsnEm2Ti1KmZnEYRR7QSDI9VaMf0YjX23nDJynwYU_9eVwXrrH4EtofdOw/s1600/MAXAKALI+04.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5YzBDgXL5TFuzUKZYgmEG7BpsX7x95IndgVRKZNtJoP4YKpn2MfLLllgCmTU_21ghDP_2_ZVkCu0yQMJkhsnEm2Ti1KmZnEYRR7QSDI9VaMf0YjX23nDJynwYU_9eVwXrrH4EtofdOw/s1600/MAXAKALI+04.jpg" height="426" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um dos aspectos mais notáveis da cosmologia Tikmu’un é o fato de este povo viver em uma região cujo meio ambiente foi devastado pela ação do colonizador, onde a floresta originária foi posta abaixo ainda no início do século XX, como indica a passagem que Nimuendaju (1982) fez à região em 1938-9. Nas palavras do autor:<i> "Os Machacarí (sic.) consideram como terras desde tempos antigos habitavam na região das cabeceiras do Rio Itanhaém pela margem esquerda, e igualmente a situada em ambas as margens da Água Boa que despeja no Ribeirão do Norte, afluente também do Itanhaém, que corre paralelo ao Umburanas e a oeste dele [...] A terra apesar de ligeiramente acidentada, era ótima para a lavoura. Os Ribeirões Água Boa, Pradinho e Umburanas conduzem excelente água e nunca secam. Hoje, porém, já dois terços desse paraíso dos índios lavradores e caçadores, que estava coberto de mata ininterrupta, estão transformados em vastas pastagens de capim-colônia, na sua maior parte sem uma única rez, pelos intrusos..."</i> (Nimuendaju, 1958).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A despeito deste fato, os Tikmu’un atuais mantém um profundo saber sobre os seres da Mata Atlântica, atualizado nos cantos e ritos realizados por ocasião dos yãmiyxop. Os cantos fazem referências a situações do cotidiano, a hábitos dos seres que povoam o mundo, a mitos que explicam a constituição atual do cosmos, como indicarei mais detalhadamente à frente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Curiosamente, este complexo sistema de conhecimento havia sido pouco estudado até recentemente. A primeira monografia a esse respeito foi escrita por Harold Popovich (1976), um missionário do Summer Institute of Linguistics (SIL) que dominava a língua Maxakali. Em seu "Maxakali supernaturalism" o autor identifica nos yãmiyxop uma espécie de classificação totêmica das espécies e seres da floresta, sem se aprofundar nas circunstâncias narradas nos yãmiyxop. Em 1992, Myriam Martins Álvares publica sua dissertação de mestrado, na qual ela identifica nos yãmiyxop a existência de um mecanismo estrutural de controle do fluxo destes entes. Segundo esta autora, os Tikmu’un seriam o "povo do canto", dada a importância que esta prática tem para sua existência. Todavia, este trabalho não aprofunda o teor presente nas mensagens dos mesmos, identificando somente como esse circuito de yãmiy formaria a noção de pessoa própria a eles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Foi somente na década de 2000 que se pôde obter um maior detalhamento dos conteúdos presentes nos yãmiyxop, em especial por conta do projeto coordenado pela professora de musicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Dra. Rosângela Pereira de Tugny. Esta pesquisadora trabalhou na formação de um acervo sobre os cantos sagrados deste povo, transcrevendo-os na língua escrita Maxakali e os vertendo em seguida para o português, mediante a ativa colaboração de professores bilíngues e de especialistas Tikmu’un nos yãmiyxop. Ao longo do processo, os Tikmu’un produziram uma copiosa iconografia a respeito dos seres presentes nos yãmiyxop, retratando entes e situações enunciados nos cantos. Após estes trabalhos uma nova compreensão sobre a cosmologia deste povo emergiu, resultando, até o momento, na produção de duas dissertações de mestrado (Alvarenga, 2007 e Campelo, 2009), além da publicação no ano passado de duas versões bilíngues de dois destes complexos rituais, uma dedicada ao Xunin (espírito do morcego) e outra ao Mõgmõgka (espírito do gavião). Neste texto pretendo discutir como o que chamamos de "Natureza" aparece no que se sabe acerca deste complexo cosmológico, tentando indicar como este sistema se afigura como um modo de recomposição da história colonial a que esse povo está submetido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os Tikmu’un reúnem os yãmiyxop em 10 grandes grupos, cada qual formado por uma miríade de seres que narram suas histórias através dos cantos. Os nomes de tais grupos são retirados do ente reputado de ser o mais "forte" de cada uma deles, sendo que seis deles são encabeçados por espíritos animais: <b>Putuxox </b>(espírito do papagaio), <b>Mõgmõka </b>(espírito do gavião), <b>Xunin</b> (espírito do morcego), <b>Ãmãxux</b> (espírito da anta), <b>Tatakox</b> (espírito de uma lagarta que vive na taquara), <b>Po'op </b>(espírito do macaco); os outros quatro são ligados a outros tipos de seres: <b>Koatkuphi </b>(o fio não comestível da mandioca), <b>Yãmiy </b>(espíritos ancestrais humanos masculinos), <b>Yãmiyhex </b>(espíritos ancestrais humanos femininos) e <b>Kõmãyxop </b>(ritual ligado à amizade formal, ou seja, às pessoas que se tratam reciprocamente pelo termo komãy). Há ainda o <b>Hemex </b>(um ser que não possuí corpo animal), que pode ser feito junto ao ciclo ritual de Xunin e Yãmiy, produzindo a vinda yãmiyhex e imhup, quando se pretende "encurtar um ciclo ritualístico" (Pereira de Tugny, 2009).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os Tikmu’un atribuem uma personalidade específica a cada um dos yãmiyxop, sendo que os grandes grupos mencionados acima são formados por entes específicos e desiguais, a um só tempo. Eles seriam específicos, pois a letra das músicas e a composição destes grupos de cantos seriam invariantes, tendo sido dada de uma só vez para os humanos pelos yãmiyxop no início dos tempos. Para me explicar este aspecto, os Tikmu'un sempre comparam seus cantos com a música comercial de nossa sociedade, a qual muda toda hora, ao passo que os cantos dos yãmiyxop seriam diferentes, pois estes não mudariam nunca.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas estes conjuntos de espíritos são desiguais em mais de um aspecto. Primeiro, porque não há obrigatoriedade de haver um mesmo número de entes no interior de cada grupo, existindo, ao contrário, uma variação grande na quantidade e na qualidade de cantos/entes no interior de cada yãmiyxop - uns têm pouco mais de 80 cantos/entes, enquanto outros têm mais de 200. Além disso, cada um desses seres está associado a um aspecto da existência, de modo que a ação dos yãmiyxop ocasiona efeitos distintos e específicos. Assim, há aqueles que são reputados pela bravura e coragem, como Putuxop (papagaio) e Mõgmõgka (gavião), cuja presença é sempre evocada quando da emergência de conflitos com grupos externos ou na confrontação de entes potencialmente hostis, tais como a onça (hãmgãy) e o Inmõxa. Há outros, como Po'op (macaco) que atuam na caça e outros, como Xunin (morcego), cuja presença é bastante requisitada nas práticas terapêuticas. Ademais, para os Tikmu’un, os yãmiyxop são os donatários de todo o conhecimento verdadeiro a respeito das coisas, cujo contato permitiria aos humanos o acesso às benesses decorrentes deste saber. Isto explica o zelo dedicado pelos Tikmu’un à sua relação com os yãmiyxop, pois estar em contato constante com estes seres permitiria acessar as benesses decorrentes de sua ação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Todo canto está associado a um yãmiyxop particular, cuja letra e entonação vocálica são de domínio público. No entanto, cada canto pertence a uma pessoa específica, que o recebeu de duas maneiras: seja pela herança de um parente mais velho, normalmente um consanguíneo; seja através de uma visita na forma de sonho, no qual o yãmiyxop aparece e ensina a história que ele quer legar aos humanos. Em geral, este tipo de ocorrência só acontece entre os mais velhos e experimentados, os quais dispõem de longo contato com os yãmiyxop. Nestes casos, mostra-se o canto aprendido na kuxex (casa de religião) e depois ele é inserido no yãmiyxop "apropriado", no lugar "certo" da sequência.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Infelizmente, nenhum pesquisador acompanhou um processo como este e não se sabe ao certo quais os critérios e formas de deliberação que atuam no ordenamento dos cantos novos no interior de um yãmiyxop qualquer. Tal descoberta seria importante, por permitir compreender melhor a lógica atuante na classificação dos cantos/entes sagrados no interior de um grupo de yãmiyxop, bem como o princípio que atua na determinação do qual lugar ele ocupa na série de cantos. Há, no entanto, um canto que se sabe ter sido originado de um processo semelhante. Trata-se do canto da capivara (kuxakuk), pertencente ao Xunin:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Capivara</b></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Gilberto [dono do canto]</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">hai ii iaaa heidia o a</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">heidia iii dia a</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">do alto da cachoeira rolando</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">do alto da cachoeira rolando</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ela veio caindo e morreu</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ela veio caindo e morreu</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">vi, tive pena</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sentei e chorei</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sentei e chorei</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">hai ii iaaa heidia o a</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">heidia iii dia a</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">do alto da cachoeira rolando</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">do alto da cachoeira rolando</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ela veio caindo e morreu</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ela veio caindo e morreu</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">vi, tive pena</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sentei e chorei</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sente e chorei</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">heai hoooa</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">hui huui</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como nos mostra a exegese do canto, ele narra uma cena de caçada, envolvendo os pais de dois Tikmu’un contemporâneos, Guigui e Toninho. Enquanto aqueles homens caçavam, eles teriam encurralado uma capivara no alto de uma cachoeira, localizada nas cercanias da terra indígena demarcada, mas que foi deixada de fora do processo de homologação das terras dos Tikmu’un pelo Estado brasileiro. Ao tentar escapar, a capivara rolou cachoeira abaixo, vindo a morrer. À noite, Xunin teria aparecido em sonho e ensinado o canto acima a um dos caçadores e este o repetiu na casa de religião (kuxex) para os demais homens, que em conjunto consideraram-no um ensinamento sagrado de Xunin, incorporando-o ao seu repertório. Assim, este exemplo é significativo por mostrar como as experiências pessoais são incorporadas no complexo cosmológico dos Tikmu'un.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ademais, este fato ilustra uma das razões pelas quais os complexos de cantos podem sofrer pequenas alterações entre os grupos locais dos Maxakali. Tal fato se explica pelo teor das relações políticas deste povo, uma vez que não há uma instância transcendental de totalização da experiência, o que abre margem para a emergência deste tipo de variação. Mas há também um aspecto histórico intervindo neste processo, pois os Tikmu’un dizem que seus grupos de cantos são formados pela coalizão das pessoas que se reuniram nesta região na passagem do século XIX para o XX. Cada qual teria contribuído com um trecho dos atuais 10 grupos de cantos existentes e através da troca de músicas eles puderam criar os atuais yãmiyxop. Tal fato atesta que os yãmiyxop estão longe de serem tomados como um dado bruto da realidade, sendo, ao contrário, percebidos como o resultado relativamente contingente da história.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ademais, este aprendizado de cantos pelo sonho contradiz a idéia mencionada acima de um fechamento absoluto dos grupos de cantos, pois, de fato, alguns dentre eles são mais permeáveis à modificação, como é o caso do Xunin, enquanto outros estariam menos propensos à alteração de sua composição interna, como é o caso do Komãyxop. Talvez essa aparente contradição se resolva com a referência a alguns mitos dos Tikmu'un sobre a origem dos yãmiyxop. Alguns deles, como o de Koatkuphi e Komãyxop, narram que no início dos tempos estes entes eram desconhecidos dos humanos e que após um encontro casual, sempre ocorrido na floresta e marcado por algum acontecimento extraordinário, os yãmiyxop resolvem ir morar na kuxex, aliando-se com os humanos, mediante a união de cada um dos entes com uma pessoa particular, a qual passa ser seu "dono" - isto é, de seu canto. Após algum tempo ocorre alguma quebra de etiqueta, o que faz com que os yãmiyxop se retirem da aldeia, mas mantenham sua união com os homens, voltando temporariamente à kuxex sempre que eles fossem chamados, mediante o respeito à etiqueta que eles exigem. Por conseguinte, creio que a alusão à origem e imutabilidade dos cantos seria antes uma referência a essa necessidade de se respeitar as normas e predicados necessários para normalizar as relações com os yãmiyxop, ao invés de explicar o modo de acesso primeiro aos cantos sagrados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Acerca do conteúdo das letras das músicas, há um grupo delas compostas de "palavras vazias", isto é, de sons melódicos sem nenhum significado associado. A maioria, todavia, apresenta letras com significação, sendo que boa parte delas consiste na narração por um yãmiyxop de algum acontecimento, ou então na descrição do comportamento de algum dos seres que habitam o mundo (homem incluso). Os temas abordados variam bastante, indo desde os hábitos dos animais que viviam junto aos mõnãyxop (antepassados) na floresta (mimmãtix xexka, isto é, na "mata grande"), até o comportamento de homens e mulheres alcoolizados quando de suas idas às cidades, passando pelas situações excepcionais vividas por heróis culturais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O narrador pode ser o ente que dá nome ao grupo de cantos, ou os demais yãmiyxop que lhe são associados, segundo a classificação vigente entre os Tikmu’un - por exemplo, os cantos entoados pelos Puxap (Pato) pertencem ao subgrupo do yãmiyxop Putuxop. Há casos em que os cantos são narrados por seres que se metamorfoseiam em outros - por exemplo, quando o Gavião se transforma em Xakuxux (Urubu) no mito de Putuxop, narrando algo de sua perspectiva -, e mesmo cantos nos quais um ser narra os acontecimentos na perspectiva de outro ente, como se vê no canto a seguir:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>História do cachorro (Koktix - macaco-prego)</b></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Yê, yê, quati me matou</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quati me matou</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Yê, yê, macaco me matou,</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Macaco me matou,</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Yê, yê , armadilha me matou,</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Armadilha me matou,</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Yê, yê, cobra me matou,</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cobra me matou,</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Yê, yê, e agora estou conversando com Tupã</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">e agora estou conversando com Tupã</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Yê, yê.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O narrador do canto acima é <b>Koktix</b>, o espírito do Macaco-Prego, o qual conta, em primeira pessoa, a história do cachorro. Os primeiros versos descrevem como o cachorro perseguia vários animais que acabaram "virando o jogo" e matando-o. Assim, o cachorro perseguiu primeiro o Quati e depois o Macaco, mas foram estes últimos que o comeram. Em seguida, há menção a outras duas formas de morte: uma por ter caído numa armadilha e outra em decorrência de picada de cobra. Por fim, o cachorro teria ido para o céu, encontrado Tupã e conversado com ele. Segundo Ana Cristina de Alvarenga (2007), este canto apresenta um jogo de perspectivas (o canto é do macaco, mas é narrado em primeira pessoa pelo cachorro e cantado pelos homens) e há um tom jocoso na narrativa, por conta dos acontecimentos que o acompanham no ritual, no qual uma mulher oferece bananas ao macaco, e outra as rouba em seguida, a meio caminho da kuxex. E no prosseguimento: <i>"O macaco cai, depois se levanta e corre atrás da mulher. Ele a pega por trás, num gesto fálico, vai até as outras mulheres, assustando-as, e volta ao kuxex. O clima é de pura diversão, com muitas gargalhadas. No caminho, o macaco passa pelo homem cuja esposa ofereceu as bananas e faz o mesmo gesto fálico."</i> (Alvarenga, 2007).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora todos os adultos saibam as letras, vocalizações e ritmos das músicas existentes em todos os grupos de yãmiyxop mencionados acima, o uso dos cantos durante os rituais somente pode ser feito mediante a presença de seu dono. Além disso, há uma ordem específica a ser respeitada nessas ocasiões, de modo que existem alguns homens responsáveis por zelar pelo bom andamento do rito, bem como pela entoação dos cantos na ordem precisa e pela execução correta das performances e danças dos yãmiyxop no pátio dos grupos locais (hãpxeop), quando é o caso. Trata-se, geralmente, de pessoas mais velhas e prestigiosas, conhecidas por serem as responsáveis pela kuxex (casa de religião), a casa que ocupa o ponto focal partir do qual se constroem as demais moradias de um grupo local. A kuxex é inabitada no dia-a-dia, mas serve de morada aos yãmiyxop quando estes acorrem ao mundo dos humanos. Trata-se de um espaço masculino, onde os homens iniciados acorrem para realizar toda a atividade ritual e secreta destinada aos yãmiyxop, estando vedada àqueles não iniciados (geralmente os estrangeiros) e mesmo aos jovens muito pequenos. Ademais, esta casa serve de abrigo para conversas e reuniões informais realizadas pelos homens ao longo do dia, se constituindo num verdadeiro espaço de articulação dos nexos entre os moradores de um grupo local.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A principal atividade realizada na kuxex consiste em entoar os cantos sagrados. Para este fim, os homens "emprestam" suas vozes aos yãmiyxop, sendo inclusive conhecidos como yãmiyxop täg, isto é, como "pais" dos yãmiyxop. Quanto às mulheres, durante a realização dos rituais elas se postam no hãpxeop (pátio) e zelam ao longo dos longos períodos dedicados a realização dos mesmos, preparando a comida que é servida para alimentar os yãmiyxop e acompanhando cantos feitos e as evoluções feitas no pátio, sendo por isso conhecidas como yãmiyxop tug, isto é as mães dos yãmiyxop.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um ponto digno de nota é a miríade de seres presentes neste sistema de referências. Tais quais os sistemas cosmológicos animistas de Philippe Descola ou o perspectivismo ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro, os animais (xoxuk) ocupam um lugar de destaque, sendo que a eles são imputadas uma vida cultural semelhante à humana. Daí que as modalidades de relação instauradas nos yãmiyxop sigam aquelas vigentes entre os humanos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ora, como se sabe desde os escritos de Marcel Mauss (1974) e Claude Lévi-Strauss (1976) sobre a reciprocidade, este é um mecanismo central para a instauração da unidade nos povos sem Estado. Lévi-Strauss dirigiu sua atenção às trocas instauradas pelo parentesco, que se baseiam numa regra negativa (o tabu do incesto), para produzir um efeito positivo (as alianças matrimoniais). No entanto, ele mesmo assevera que ela deve englobar três instâncias: os bens, as mensagens e as pessoas (mulheres), como se vê em suas palavras: <i>"Uma sociedade é feita de indivíduos e de grupos que se comunicam entre si. Entretanto, a presença ou a ausência de comunicação não poderia ser definida de maneira absoluta. A comunicação não cessa nas fronteiras da sociedade. Mais que fronteiras rígidas, trata-se de limiares, marcados por um enfraquecimento ou deformação da comunicação, e onde, sem desaparecer, esta passa a um nível mínimo. [...] Em toda sociedade, a comunicação se opera ao menos em três níveis: comunicação de mulheres, comunicação de bens e de serviços, comunicação de mensagens"</i> (Lévi-Strauss, 1985).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para poupar espaço nesta exposição, não detalharei o sistema de parentesco dos Tikmu'un. Basta resumir aqui que ele instaura uma instância de intercâmbio que impede o fechamento dos grupos entre si, tendo como casamento ideal aquele que envolva primos cruzados. Há, somente, uma polêmica na bibliografia sobre o alcance desta regra, pois segundo Frances Bock Popovich (1980) o casamento preferencial envolveria somente os primos cruzados matrilineares, sem esboçar nenhuma explicação para esta interdição. Já de acordo com Myriam Álvares (1992) haveria uma bilateralidade na escolha, bastando que eles sejam de segundo grau.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas o sistema de parentesco não é o único mecanismo de reciprocidade, pois o circuito cerimonial presente nos yãmiyxop seria o único sistema de dons recíprocos que extrapola os limites das relações de parentesco e engolfa o grupo local por inteiro. Os homens reunidos na kuxex entoam os cantos e em contrapartida as mulheres lhes doam alimentos. Via de regra, a doação é feita pela mulher daquele que é o dono do canto, no caso de um homem, instaurando um mecanismo de dom e contra-dom entre mensagens e bens. Há casos, em que a reciprocidade é mais explicita, pois nestes casos as mulheres entregam os alimentos na kuxex pedindo que um canto/vocalização seja entoado/a em seguida. Ora, tal forma de reciprocidade vigora em especial entre os parentes afins e os não-parentes, mas dada a forma da economia atual dos Tikmu'un, não há nenhuma instância que arregimente grupos mais extensos de pessoas, algo reservado somente aos yãmiyxop. Como estes complexos rituais foram formados pela troca de trechos cantos entre as famílias formadoras dos Tikmu’un atuais, nenhuma parentela possui os cantos necessários para se realizar um yãmiyxop isoladamente e a própria reprodução deste complexo cosmológico somente é possível mediante a manutenção da aliança entre os moradores de um grupo local. Assim, é necessário manter a concórdia entre as pessoas particulares para que haja o ritual e o socius Tikmu’un transcenda os limites das relações de parentesco.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na construção da reciprocidade nos yãmiyxop, há um cuidado especial em atribuir uma equivalência nos dons de acordo com as preferências atribuídas a cada espírito. Assim, há determinados espíritos, como o Xunin e o Koktix, reputados por gostarem de bananas e são elas que lhes são dirigidas. Tal conhecimento do gosto dos yãmiyxop se baseia num extenso saber zoológico e botânico e na atribuição de relações similares às humanas na forma de interação destes seres entre si - daí que a reciprocidade possa instaurar uma relação positiva dos humanos para com estes entes, tal como ocorre nos humanos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto, embora os animais (xokxop) constituam a maior parcela dos seres presentes nestas interações, as narrativas presentes nos yãmiyxop também retratam intercâmbios com entes ligados à situação colonial. Segundo o texto do "Handbook of South American Indians", de autoria de Alfred Métraux e Curt Nimuendajú (1946), a única referência histórica do uso de substância psicoativa por parte deste povo se dá com okutekut, uma lagarta que vive na taquara. No entanto, há vários cantos dos yãmiyxop nos quais se relata o uso da cachaça, uma bebida psicotrópica proveniente do mundo colonial, como se vê no canto abaixo:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Cachaça brava</b></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Antônio José [dono do canto]</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ia aaaaa i ii</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ia aaaaa i ii</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aaa i a iia</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ruim vocês</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">dando cachaça brava</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">yãmiy virando morto</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aaa ii a AA</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ruim vocês</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">dando cachaça brava</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">yãmiy virando morto</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aaa ii a AA</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">virando morto</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aaa ii a AA</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">virando morto</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aai dia abiai</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aai dia abiai</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">diac aabiaí aidiac aaia ô ôôô</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A exegese do canto explica que o yãmiyxop narrador deste episódio é Hemex, mas quem atua é Xunin, mostrando mais uma vez um jogo de modificação de perspectivas semelhante ao mencionado acima por ocasião do canto de Koktix. Xunin teria visto dois homens brancos conversando, tendo ganhado cachaça de um deles e indo repousar em seguida. Embora possamos considerar que há uma apreciação negativa do ato de se utilizar da cachaça ("ruim vocês/dando cachaça brava"), isso não impede a experimentação da situação. Além disso, em outras passagens os Tikmu’un fazem várias menções críticas à forma de vida dos agentes coloniais e talvez seja essa a fonte da desaprovação presente neste canto. Mas, repito: nenhuma dessas circunstâncias negativas impede o uso das bebidas alcoólicas por parte de Xunin e que, por conseguinte, que haja uma interiorização deste tipo de experiência por parte da cultura deste povo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Isso se torna ainda mais evidente quando se considera que a principal queixa dos agentes coloniais com relação aos Tikmu’un é o consumo de bebidas alcoólicas. Pode-se mesmo dizer que este é apresentado como o "problema Maxakali" por excelência. Toda ida à cidade é ocasião para que os membros deste povo busquem essa substância, cuja comercialização é vedada aos indígenas desde o ano de 1976. Nem é preciso mencionar que esta proibição levou à implantação de um comércio clandestino de bebidas, com preços majorados, ao invés de interromper sua utilização. Embora parte da bibliografia consagrada aos Tikmu'un desenvolva a idéia de que este povo somente conseguiria "pilhar" os elementos provenientes do mundo do colonizador (Álvares, 1992; Vieira, 2006), creio que estes indícios mostram a possibilidade de haver um relacionamento do mesmo tipo que o vigente com os demais seres.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na verdade, penso que a questão do dia para os Tikmu’un seja desenvolver formas de interação mais adequadas ao universo vigente a partir da submissão ao colonizador. E nesse processo, as lições presentes no universo relacional dos yãmiyxop orientam a construção desta forma relacional. Sendo assim, o modo pelo qual se dá a apropriação dos bens do colonizador indica este esforço de construir uma forma de reciprocidade para com ele. O problema aqui é o não-reconhecimento deste mecanismo por parte do outro termo envolvido, pois no tocante aos animais, à flora, e mesmo para com os demais povos autóctones com os quais os Tikmu’un interagiam antes da submissão colonial, esta forma comunicacional era eficaz, produzindo uma instância de reconhecimento mútuo capaz de implementar as formas relacionais vigentes àquela altura. Como indicado acima, os seres da Mata Atlântica eram tomados como sujeitos equiparáveis aos humanos e não opunham resistência para que este sistema funcionasse na interação mantida para com eles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Já o caso do colonizador é diferente e a única instância em que há um mínimo reconhecimento parcial deste sistema é no tocante às trocas comerciais. Não espanta que seja justamente nestes momentos em que o consumo exacerbado de bebidas alcoólicas ocorra, pois este é um meio, ainda que inconsciente, dos Tikmu'un protestarem contra a falta de reciprocidade e de comunicação vigente no relacionamento contra a grande alteridade com a qual se deparam no presente. Vale notar que são ocasiões nas quais os membros deste povo perdem a compostura, brigando entre si e dando verdadeiros espetáculos nas praças das pequenas cidades que circundam a terra indígena Maxakali. Não admira que este seja o problema indígena por excelência por parte dos agentes coloniais. Todavia, estes últimos não reconhecem o apelo feito pelos Tikmu'un de sair deste curto-circuito comunicacional e preferem projetar nos membros deste povo a pecha de "índios beberrões", ao invés de entender qual processo está se delineando diante de seus olhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enfim, toda essa reflexão mostra como o conceito de "Natureza" é inadequado para se pensar o universo relacional instaurado pelos yãmiyxop entre os Tikmu'un. Como indiquei acima, não há uma distinção a priori entre os seres que habitam os cosmos, de modo que aos animais e vegetais é imputada uma interioridade idêntica aos humanos. Com isso, um jogo relacional inspirado nas relações sociais recíprocas serve de modelo para as interações mantidas para com estes entes. Mostra também como este mesmo modelo relacional serve de parâmetro para as relações para com o colonizador e seus bens, simbólicos ou não. Com isso, quis mostrar que é possível fazer uma abordagem mais histórica das cosmologias ameríndias, me afastando um pouco do modelo instaurado pela noção de perspectivismo ameríndio, através da qual se tem efetuado as análises sobre a cosmologia deste povo. A grande dificuldade das análises inspiradas neste modelo tem sido lidar com os acontecimentos decorrentes da submissão ao colonialismo luso-brasileiro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tentei mostrar como são as relações entretidas no dia a dia que presidem a construção do imaginário social, aproximando-me da posição mantida por Maurice Godelier (1981, 1984, 2001). Segundo este autor, são as relações mantidas pelo homem no processo de transformação da natureza que criam a história. E suas palavras: <i>“no coração das relações materiais do homem com a natureza, aparece uma parte ideal onde se exercem e se juntam três funções do pensamento: representar, organizar e legitimar as relações dos homens entre si e com a natureza”</i> (Godelier, 1984)</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No caso dos Tikmu’un esse processo criou um mecanismo relacional que permitiu a reprodução deste grupo desde tempos imemoriais. Um mecanismo que foi abruptamente convulsionado pela situação colonial. No entanto, foi a partir dele que se erigiu um meio para reassentar o socius Tikmu’un sob novas bases. Agora, não mais atuando prioritariamente na interação junto àquilo que chamamos natureza, mas diante das condições de vida colonial. Nesta situação, o imaginário social deste povo começa a produzir um conjunto de representações acerca das interações que eles entretêm no cotidiano, acomodando-se no sistema cosmológico criado para lidar com os seres da mata Atlântica. Do ponto de vista econômico essa solução não tem sido a mais bem sucedida, pois ao longo do século XX diversas tentativas de recriar uma economia Tikmu'un autônoma falharam, por tentarem modificar a base material deste povo sem levar em conta o sistema de referências que guia as interações cotidianas. Todavia, tal prática tem mostrando como: “Há sempre no exercício do pensamento qualquer coisa que transborda o momento histórico e as condições materiais e sociais deste exercício, qualquer coisa que reenvia a uma outra realidade a uma outra história que a do homem, qualquer coisa que reenvia à história da natureza, anterior, exterior, mas ao mesmo tempo interior àquela do homem, pois ela o dotou de um organismo material (o corpo) e de um órgão (o cérebro) que lhe permitem de pensar” (Godelier, 1984).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Godelier escreveu estas palavras visando explicar os motivos do desenvolvimento de outras formas de vida social ao longo do devir histórico humano. Segundo ele, não estaríamos presos à mera reprodução da vida material tal qual a recebemos de nossos antepassados, podendo inserir uma dimensão ideal nas relações materiais, de modo da alterar as formas vigentes de relações sociais. De minha parte, quis mostrar como essas idéias se aplicam a algo diferente: a reestruturação das condições de existência com base num modelo ideal de vida baseado numa relação material que não pode mais existir, dadas as condições ambientais e sociais presentes. Com isso, a parte ideal do real desempenha ainda hoje um papel destacado na reprodução da vida social. Ao menos creio que é assim que se passa com os Tikmu’un e seus yãmiyxop.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i>Texto de Rodrigo Barbosa Ribeiro</i></span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMizSmWVvL24B81dykJo3yTiDXvv48LjVgtRTdsiBBJFwDFZeCQSoQ27kmNXOItEA805fj6re-pPb1cj-PDNQachWyT8i3JZe_KV0Vbm3acVtdjIykzBZwbfZW0954fH6WbyPedAE10A/s1600/MAXAKALI+01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMizSmWVvL24B81dykJo3yTiDXvv48LjVgtRTdsiBBJFwDFZeCQSoQ27kmNXOItEA805fj6re-pPb1cj-PDNQachWyT8i3JZe_KV0Vbm3acVtdjIykzBZwbfZW0954fH6WbyPedAE10A/s1600/MAXAKALI+01.jpg" height="426" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Xupapoynãg - Espírito da Lontra</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6EfHXyzPV6EuJegn5QsD8j6YJRZCpJd2CrV3CzCNJv_sWvhnzumKZQvZuIVTQRwfy3sjntfvRU_Oga3VUWPtFGTlbRS99q3mmeVHiAoD0ejUIXsJnrdwbajX5sjTcNzdrd-jxqAhzXg/s1600/MAXAKALI+02.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6EfHXyzPV6EuJegn5QsD8j6YJRZCpJd2CrV3CzCNJv_sWvhnzumKZQvZuIVTQRwfy3sjntfvRU_Oga3VUWPtFGTlbRS99q3mmeVHiAoD0ejUIXsJnrdwbajX5sjTcNzdrd-jxqAhzXg/s1600/MAXAKALI+02.jpg" height="426" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Xupapoynãg - Espírito da Lontra</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsYERA-jOIvbEFJDCj_LYpyY4pXP33_F_MfCI1cON85QO3VRy2Gn0At48g9jvZLTUNT6BbDUWxNn2UXDOBshWoPaffU9bbJUOGs27pOf2TZezgPiPFtj8JXv_k9h_60eAFy5sElrzdQg/s1600/MAXAKALI+03.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsYERA-jOIvbEFJDCj_LYpyY4pXP33_F_MfCI1cON85QO3VRy2Gn0At48g9jvZLTUNT6BbDUWxNn2UXDOBshWoPaffU9bbJUOGs27pOf2TZezgPiPFtj8JXv_k9h_60eAFy5sElrzdQg/s1600/MAXAKALI+03.jpg" height="426" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Xupapoynãg - Espírito da Lontra</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-3242972489266635772014-08-17T14:11:00.001-07:002014-08-17T14:11:33.758-07:00A OUTRA FACE DE JOSÉ DE ANCHIETA...<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC6rVvtaHx6QB9V44LGBgo0RT8hMOGs90MeVwaX3kBMW2XFbyn8Azb9g_WMuTddViH_R0QLq8VGYToRT2LFINlzCii_98kl5JhbXnE46Sekkjvd2xQ0bZkhAKqJsSFc9hb1LTic-TubQ/s1600/anchieta.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC6rVvtaHx6QB9V44LGBgo0RT8hMOGs90MeVwaX3kBMW2XFbyn8Azb9g_WMuTddViH_R0QLq8VGYToRT2LFINlzCii_98kl5JhbXnE46Sekkjvd2xQ0bZkhAKqJsSFc9hb1LTic-TubQ/s1600/anchieta.jpg" height="241" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Como
acontece com a grande maioria dos países, na contemporaneidade, o Brasil é um
país construído a partir de processos de hibridismos culturais: o português, o
banto, o suruí, o tembé, o japonês, o italiano, o alemão, o ribeirinho, o
caboclo, o caiçara... Lamentavelmente e “naturalmente”, a história, desde 1500,
é contada apenas pelo foco narrativo de quem estava no poder. Do início da
colonização européia até os nossos dias, a história viveu e vive sob a ditadura
do olhar do colonizador e da palavra escrita ocidental, européia, branca.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
é possível pensar, no entanto, que existiu um único sujeito particular que
planejou o sistema colonial. Nem mesmo uma única instituição ocidental pode ser
responsabilizada individualmente. O colonialismo europeu, tanto na América como
em outras partes do mundo, se impôs a partir de uma multiplicidade de
interesses. Os Estados europeus, com seus exércitos e seus anseios de se
tornarem impérios, as grandes empresas que começavam a surgir e desejavam abrir
novas frentes de exploração econômica e a Igreja Católica com o objetivo de
aumentar o rebanho de Deus são alguns dos mais visíveis fatores que
impulsionaram as práticas coloniais. E cada uma destas instituições, com suas
práticas sociais, foi fundamental para que a ordem discursiva da colonização
européia se estabelecesse na América.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
participação da Igreja Católica foi efetiva no processo de colonização da
América. Em muitos momentos, inclusive, foi decisiva sua atuação entre as
sociedades indígenas. Não por acaso, a primeira atitude dos comandantes, quando
tomavam posse das novas terras, era mandar rezar a “primeira missa”. São fartas
as narrativas sobre estas primeiras missas e há muitos quadros pintados sobre
elas. Estas referências são frequentemente citadas nos livros de história como
o marco inicial da colonização.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Várias
ordens religiosas intermediaram a relação das sociedades indígenas com o
Estado, a princípio o português e depois o brasileiro. A maneira como os
religiosos se comportaram ao logo destes séculos é bastante variável. Se por um
lado houve e há religiosos comprometidos com a causa indígena, por outro, a ação
da grande maioria foi e é no sentido de alterar as tradições indígenas e
estabelecer uma nova ordem discursiva, onde não há espaço para os rituais
religiosos indígenas e a atuação dos pajés continua sendo intensamente coibida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ainda
que na prática a Igreja Católica tenha em muitos momentos da história colonial
se afastado dos ideais de justiça social, o cristianismo sempre colocou em
circulação discursos relacionados à humildade, à igualdade entre os homens. A
forma violenta como o sistema colonial se impunha era, por isso, contraditória em
relação a estes ideais. A ação da Igreja no processo de colonização não se
justificava apenas pela conquista de novas terras, como acontecia em relação
aos Estados europeus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
século XVI, os genocídios praticados pelos espanhóis, na América, começaram a
ser denunciados na Europa por alguns religiosos que cumpriam o papel de
defensores da justiça social cristã, como foi o caso do incansável Frei
Bartolomeu de Las Casas. Tanto os reis de Castela, quanto o Papa foram
obrigados a se pronunciar sobre a questão. Mas, a própria Igreja se incumbiu de
encontrar justificativas para as chacinas promovidas pela violência da
colonização. Profanos, infiéis, idólatras, ateus. Quem não se convertesse merecia
o peso da mão do colonizador. Eduardo Galeano explica (1983: 25):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Entretanto, alguns teólogos protestaram
e a escravização dos índios foi formalmente proibida ao nascer do século XVI.
Na realidade, não foi proibida, mas abençoada: antes de cada entrada militar,
os capitães de conquista deviam ler para os índios, sem intérprete, mas diante
de um escrivão público, um extenso e retórico ‘</span></i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Requerimiento’<i> que os exortava a se converterem à fé
católica: “Se não o fizerdes, ou nisto puserdes maliciosamente dilação, certifico-vos
que com a ajuda de Deus eu entrarei poderosamente contra vós e vos farei guerra
por todas as partes e maneiras que puder, e vos sujeitarei ao jugo e obediência
da Igreja e de sua Majestade e tomarei vossas mulheres e filhos e vos farei
escravos, e como tais vos vendereis, e disporei de vós como Sua Majestade
mandar, e tomarei vossos bens e vos farei todos os males e danos que puder...” <o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Este
<i>Requerimiento</i>, um texto escrito, lido
em uma língua desconhecida para os índios, efetivava o poder da palavra, pois
ainda que não conhecessem a língua, o que acontecia depois era bastante
evidente. Podemos interpretar este documento como uma metáfora da colonização,
que era escrita, cristã e <i>justificavelmente</i>
violenta. A Igreja se valeu deste dispositivo para justificar seu apoio à
violência colonial. Afinal, que direitos poderiam ter pessoas que não aceitavam
Deus e se negavam a obedecer ao mando real?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
relação à escravidão dos índios, a Igreja também precisava de justificativas.
Os religiosos se valeram das determinações papais que haviam resolvido a
questão da igualdade social em relação às sociedades africanas, estas
determinações estabeleciam que o “negro” não era considerado gente para a Igreja
Católica. Diante das incertezas sobre as populações da América, para aprovar as
atitudes colonizadoras, os religiosos se valeram deste artifício e passaram a
chamar os índios de negro. Então, é comum encontrar em textos jesuíticos do
século XVI a palavra “negra” sendo usada para se referir aos índios. As pessoas
que formavam as sociedades africanas eram consideradas animais e os jesuítas
colocavam os índios nesta mesma categoria. No fragmento a seguir do <i>“Diálogo da Conversão do Gentio”</i>, a
palavra “negro” se refere a “índio” e aparece também a relação com os animais:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não há homem que em toda esta terra, que
conheça estes, que diga outra cousa. Eu tive hum negro, que criei de pequeno.
Cuidei que hera boom chrsitão e fugiu-me pera os seus: pois quando aquele não
foi boom, não sei o que seja. Não hé este que sôo me faz descomfiar destes
serem capa do bautismo, porque não fui eu sôo o que criei este corvo; nem sei
se hé bem chamar-lhe corvo, pois vemos que os corvos tomados no ninho secrião
se amasão ensinão e estes mais esquecidos da criação que os brutos animais e
mais igratos que os filhos das biboras que comem suas mãis, nenhum respecto tem
ao amor e criação que se faz neles. (NÓBREGA: 2006, 6-7)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
início do século XVI, alguns discursos bastante estabilizados entre nós ainda
se encontravam instáveis. O significado de palavras como negro, escravo, índio,
liberto, forro ainda não tinham seus sentidos definidos. Para justificar muitas
de suas atitudes, sem nenhum pudor, a Igreja, para fugir da condição de anti-cristão,
chamou os índios de negros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
Igreja tinha por princípio catequizar as almas dos gentios e pelo menos
simbolicamente, este processo não poderia ser violento, a menos que muito bem
justificado. O <i>ethos</i> discursivo do
religioso está relacionado à bondade, à humildade, diferente do que acontecia
em relação aos navegadores, aos soldados, aos governadores, cuja imagem
associada à violência figurava como uma característica bastante positiva, já que
era necessário aterrorizar os índios para que eles não oferecessem resistência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O </span></i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">ethos<i> implica, com efeito, uma disciplina do
corpo apreendido por intermédio de um comportamento global. O caráter e a
corporeidade do fiador provêm de um conjunto difuso de representações sociais
valorizadas ou desvalorizadas, sobre as quais se apóia a enunciação que, por
sua vez, pode confirmá-las ou modificá-las. Esses estereótipos culturais circulam
nos domínios mais diversos: literatura, foto, cinema, publicidade etc. (MAINGUENEAU:
2000,99)<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
colonizador e o religioso chegaram juntos, fazem parte do mesmo processo. É até
bem coerente afirmar que os religiosos também eram colonizadores. Mas aos olhos
das sociedades indígenas, havia uma grande diferença entre os padres e os
militares e colonos. O olhar dos índios foi o fiador destes <i>ethos</i> discursivos construídos pelo
Ocidente. Eles não recebiam da mesma forma militares agressivos, usando uniformes,
com botas imponentes, armados, montados em cavalos, da mesma forma que recebiam
aqueles homens de aparência angelical, de fala macia, usando sandália, com
olhar de acolhimento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
corpo dos jesuítas tinha uma atitude diferente. Eles demonstravam interesse
pelas línguas e pelas culturas nativas. Chegaram à América trazendo a música
erudita, significativo elemento de atração para índios, cujo cotidiano era
embalado pela música e pela dança. Não, à toa, estes religiosos conseguiram
entrar no universo indígena sem muitas dificuldades a princípio. Eles
promoveram diferentes gestos de interpretação no olhar nativo, por isso não
podiam ser percebidos da mesma forma que os outros colonizadores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
início da colonização não foi tarefa simples para portugueses e espanhóis. Era
necessário encontrar formas de se relacionar com as sociedades indígenas, sem
que necessariamente tivessem que exterminar todos os índios. Eles precisavam de
mão-de-obra na América e viver em estado de guerra encarecia a colonização e diminuía
os lucros. Para efetivar este projeto colonizador, teve papel fundamental uma
nova ordem religiosa, fundada em 1534, por Inácio de Loyola, a Companhia de
Jesus. Esta nova congregação católica tinha um objetivo claro: instituir a fé
cristã como uma ordem discursiva, submetendo as sociedades colonizadas à
religião católica e aos reis europeus através da ação missionária voltada para
educação. Não por acaso esta congregação foi tão fortemente apoiada pela Corte
portuguesa e encontrou nas escolas fundadas em Portugal seu principal centro
irradiador de novos jesuítas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quando
os jesuítas chegaram ao Brasil, eles se valeram de uma tecnologia discursiva
sofisticada de impor a sujeição aos povos colonizados. A Igreja Católica já
havia protagonizado em outras colônias espanholas e portuguesas a ação da
catequese, que necessariamente passava pela disciplinarização do corpo. Isso
incluía agregar os índios em missões, onde eles passavam a levar uma vida
sedentária, sob o controle da Igreja, ficando assim dependentes dos
favorecimentos dos religiosos. Nestas missões, a Igreja impunha novas regras de
condutas que incluíam a monogamia, o hábito de freqüentar escolas e a introdução
de um novo cardápio alimentar. No trecho seguinte, em uma carta enviada à
Companhia de Jesus, Nóbrega deixa bem claro os objetivos destes religiosos em
relação aos índios:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A lei, que lhes hão-de-dar, é
defender-lhes comer carne humana e guerrear sem licença do Governador,
fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois tem muito algodão, ao menos depois
de cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para
com os cristãos, fazê-los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não
for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem, e com estes
padres da Companhia para os doutrinarem. (SERAFIM LEITE: 1954, p. 153)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
relação à interferência na vida religiosa, uma das estratégias mais eficientes
consistia em ridicularizar os princípios religiosos tradicionais, condenar a
ação dos pajés e estabelecer a confissão como condição para a convivência com
os religiosos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Para
colocar em prática seus objetivos, os jesuítas se dedicaram a uma pesquisa
minuciosa entre os índios Tupinambá. Procuraram conhecer sua língua, sua
organização social e religiosa para poder agir com mais propriedade entre eles.
Eles fundaram as primeiras escolas, escreveram as primeiras gramáticas e os primeiros
dicionários das línguas indígenas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Esta
nova ordem discursiva, que começou a ser instituída pelos jesuítas, ainda hoje
continua se estabelecendo nas fronteiras da Amazônia com outras organizações
religiosas. É uma recorrência que a partir do encontro com as igrejas os índios
passem a depender de muitos favorecimentos dos religiosos, quer seja da busca
de proteção para as invasões inimigas, para a obtenção de alimentos, para
conseguir assistência médica, em função de não dominarem as doenças trazidas
pelos não-índios, para receber como presentes os artefatos culturais que
passavam a fazer parte do cotidiano ou mesmo porque a doutrina cristã, de
alguma forma, encontra e encontrava espaço de diálogo com o self religioso de
algumas sociedades indígenas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Na
primeira metade do século XVI, a colonização portuguesa enfrentou muitas
dificuldades para ocupar o território brasileiro e “civilizar” seus moradores
nativos. Ecoava também na América a guerra religiosa promovida pela Reforma
Protestante e pela Contra-Reforma da Igreja Católica. A ameaça dos calvinistas
franceses, perseguidos pela Contra-Reforma era constante, eles mantinham
relações amistosas com os índios e pretendiam fundar no Brasil um país em que
pudessem ter liberdade de religião. Foi somente em 1532 com a chegada de Martim
Afonso de Souza que começou efetivamente a colonização do Brasil. Mas as
primeiras iniciativas da Corte Portuguesa não resultaram na ocupação efetiva de
um território tão extenso. A presença da Igreja Católica no Brasil representava
uma estratégia dos europeus para transitar entre as sociedades indígenas sem
guerras, mas também traduzia a preocupação do Vaticano em relação aos franceses
no litoral brasileiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
jesuítas José de Anchieta, Antônio Nóbrega e Antônio Vieira, filhos da
Contra-Reforma, são alguns dos maiores expoentes da igreja católica no Brasil.
Estes religiosos foram considerados protetores dos índios e a própria Igreja se
incumbiu de divulgar este <i>ethos</i> pelo
mundo inteiro. Os três ainda hoje são respeitados por sua produção literária,
além de religiosos eram muito cultos, chegavam a ser eruditos. Mas estes três jesuítas
foram decisivos no processo de reconhecimento e apagamento da história dos índios.
Eles não são lembrados porque tenham dado voz a uma memória indígena. Não, eles
se destacaram pela catequese.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
produção literária destes jesuítas interferiu bastante na imagem que a
sociedade brasileira, de forma geral, tem dos índios. A própria imagem deles se
confunde com suas atuações entre os índios. Anchieta foi indicado para
canonização em função do trabalho que realizou entre os Tupiniquim e Tupinambá.
Também a ele se deve o primeiro estudo sistematizado e escrito de uma língua
indígena no Brasil – <i>“A Arte (gramática)
da Língua mais usada na costa do Brasil”</i>. O trabalho lingüístico realizado
pelo jesuíta no Brasil teve como principal metodologia conhecer o léxico e os
aspectos estruturais da língua falada pelos Tupinambá, para poder efetivar um
trabalho de catequização entre eles.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Muito
antes de Malinowski ou das modernas correntes teóricas dos estudos da
linguagem, era bem claro que estar entre os índios e conhecer e manipular sua
língua representava as condições essenciais à sua empreitada. Anchieta, além de
ser um linguista primoroso, também se tornou um profundo conhecedor da cultura
Tupinambá. Preocupou-se, precipuamente, em compreender as estruturas do
pensamento religioso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A gramática do enunciado jesuítico
implica, portanto, mapear o tupi e capturá-lo com classes e categorias
gramaticais do latim, do português e do espanhol. Ao inseminar na língua tupi a
presença de uma alma católica proporcionada pela semântica substancialista de
uma memória de culpa, a gramática também produz seu análogo sensível, o corpo
dócil, ordenado em práticas prescritivas que o integram juridicamente como
inferioridade natural. Lição da Política aristotélica: é próprio do inferior
subordinar-se naturalmente ao superior. (HANSEN: 2005, p. 38).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
produção literária de Anchieta é bastante vasta e compreende poemas em latim,
poemas em Tupi antigo, peças de teatro, uma série de cartas enviadas à
Companhia de Jesus, entre outros. Aqui, vou tratar especificamente de um de
seus poemas, <i>“Dos Feitos de Mem de Sá”</i>.
Nele ficam bem evidentes as características do índio ideal aos olhos de
Anchieta. O índio que ele se empenhou em inventar em sua literatura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Com
seus mais de três mil versos, este poema foi publicado pela primeira vez em
1563 para homenagear a vitória dos portugueses sobre a rebelião indígena que
ficou conhecida como Confederação dos Tamoios. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
<i>“Dos Feitos de Mem de Sá”</i>, José de
Anchieta, além de revelar o que pensava sobre os índios que resistiam à
colonização, ovaciona as ações do governador Mem de Sá. Ele constrói dois <i>ethos</i> discursivos bem distintos, do
governado como um grande herói e o dos Tupinambá como selvagens, animais e
ferozes. O tom áspero do poema traduz a tensão que jesuítas, portugueses e
Tupinambá viveram durante a Confederação dos Tamoios. Neste texto, Anchieta
evidencia o que significava levar a conversão aos infiéis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ethos não diz respeito apenas, como na
retórica antiga, à eloqüência judiciária ou aos enunciados orais: é válido para
qualquer discurso, mesmo para o escrito. Com efeito, o texto escrito possui,
mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao que é dito. Esse tom permite
ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador (e não, evidentemente,
do corpo do autor efetivo). A leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva
que desempenha o papel de fiador do que é dito. (MAINGUENEAU: 2000,98)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
fiador deste poema não eram os índios. O público a quem Anchieta queria atingir
eram os portugueses, os europeus colonizadores. Dentre as principais condições
de produção deste poema é importante assinalar que originalmente foi manuscrito
em latim e tinha como objetivo a circulação imediata entre os portugueses que
viviam no Brasil e na metrópole. O próprio Anchieta fez uma cópia do poema e entregou
ao governador geral Mem de Sá.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Segundo
alguns críticos literários, este seria o primeiro poema épico feito no Brasil.
Sua estrutura segue o modelo clássico épico: há um herói, a forte presença da
mitologia cristã e acontecimentos fantásticos a partir de fatos reais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ó que faustoso sai, Mem de Sá, aquele em
que o Brasil<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">te contemplou! quanto bem trarás a seus
povos<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">abandonados! com que terror fugirá a
teus golpes<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">o inimigo fero, que tantos horrores e
tantas ruínas<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">lançou nos cristãos, arrastado de
furiosa loucura!<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(ANCHIETA, 1958:12 )<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Escrever,
em latim, com a estrutura épica, já localiza algumas características da
formação do jesuíta. Ninguém duvida de suas qualidades como linguista e como
literato. Há uma farta literatura especializada que trata destes aspectos da
obra de Anchieta. Mas aqui, interessa a posição discursiva do jesuíta. A narrativa
épica de Anchieta, herdeira de Homero, foi escrita antes que Camões compusesse
“Os Lusíadas”. Seu herói é mais parecido com Ulisses, o conquistador do que com
Vasco da Gama, o navegador. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Todo
o argumento se define a partir da oposição entre os entre os “heróis” e a
“turba horrenda”. Anchieta constrói um discurso tão depreciativo em relação aos
índios, que parece plenamente justificável o massacre promovido por Mem de Sá.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Anchieta
era, de fato, um religioso da Contra-Reforma e esta condição aparece logo na <i>“Epístola Dedicatória”</i>. Fica bem clara a
posição do jesuíta no poema. Ele faz uma crítica severa aos franceses:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">15 Vês como de nada valeu a esses ninhos
altivos de pedra<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">toda a estratégia das posições achadas. Inexpugnáveis
embora à força humana as ameias erguidas pelo hábil francês no cimo dessa penha
<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(ANCHIETA, 1958: 47)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Bem
diferente do discurso estabilizado sobre a resistência indígena, que fala em
índios pacíficos, que não resistiam, a história dos Tupinambá, já no primeiro
momento da colonização, mostra que eles não aceitaram pacificamente a
dominação, tampouco nutriram profunda admiração pela cultura ocidental, como afirmam
muitos autores. Estes índios eram corajosos guerreiros, que apoiados pelos
franceses, promoveram, liderados por Ambirê e Guaixará, no litoral dos estados
do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre 1554 e 1567, a Confederação dos Tamoios
e levaram a guerra contra os portugueses às últimas consequências. As batalhas entre
portugueses e os Tupinambá servem de inspiração para a construção do poema.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
Tupinambá tinham consciência clara do que estavam em jogo durante as batalhas
da Confederação dos Tamoios. Eles sabiam que sua liberdade e a hegemonia sobre
os territórios dominados. Eles lutaram para não se submeter, mas Anchieta
condena esta luta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -21.3pt;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Vês como gentes cruéis em hordas imensas
preparam aos cristãos batalhas ferozes. De morte humilhante<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -21.3pt;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">245 ameaçam agora a cabeça dos pobres
colonos quais tigre cruéis em redor da preia lanhada sorvendo com fauces
sedentas o sangue inocente.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -28.4pt;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(ANCHIETA, 1958: 61) <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
Tupinambá queriam vingar seus guerreiros mortos pelo exército português e
compreendiam o risco da presença dos portugueses no Brasil. A respeito do
estado de ânimo dos Tupinambá, esclarece Florestan Fernandes (1963: 29):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">[a] guerra contra os portugueses assumiu
formas violentas, congregando todos os grupos tribais da região. O auxílio
direto dos franceses e suas promessas formais de colaboração permanente
tornaram-se também um incitamento muito significativo. O objetivo da guerra, do
ponto de vista tribal, consistia na expulsão ou extermínio dos portugueses.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quando
se iniciou a guerra, os Tupinambá ameaçaram dominar os portugueses, que
passaram a recuar estrategicamente. Foi a intermediação de Nóbrega e Anchieta,
que ficaram meses como reféns entre eles, que permitiu aos jesuítas conhecer as
estratégias de guerra dos Tupinambá. Com estas informações, ficou mais fácil ao
exército português, comandado por Mem de Sá, aniquilar a resistência indígena.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
trecho seguinte, há uma inversão da história do que aconteceu na América entre
os índios e os europeus. Os índios são apresentados como vilões. Parece que
eles invadiram o Brasil e entrincheiraram a cultura cristã:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -28.4pt;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">825 Essa raça selvagem, sem a menor lei,
perpetrava<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">crimes horrendos contra os mandados
divinos,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">proferindo impunemente ameaças contínuas
e altivos<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">discurso. Então, com arrogância o índio
sanhudo<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">olhava para os cristãos e estes
entrincheirados, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -28.4pt;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">830 detrás de seus muros tremiam de
pavor vergonhoso:<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">como quando lobos vorazes, que a fome
impiedosa<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">açula e avassala, rangendo os dentes,
cobiçam<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">à ronda do aprisco, espotejar os tenros
cordeiros<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">e extinguir a sede ardente no sangue que
sugam;<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(ANCHIETA, 1958:83)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
trecho seguinte, o índio é identificado com os animais irracionais:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(..) Podem os tigres viver sem a preia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">e os leões ferozes deixar de espedaçar
os novilhos<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">e os lobos perdoar as mansas ovelhas?
Antes deixará a baleia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">de encher de peixes o bojo no vasto
oceano<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">956 antes deixará o gavião, em vôo
audacioso librado no espaço,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">de raptar tímidas aves, e a águia real
de garras aduncas<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">de levantar as alturas em revoada a
lebre cativa;<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">do que deixarem os brasis de devorar
carnes humanas. <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(ANCHIETA, 1958: 89)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
fragmento a seguir, do Livro II do poema, a forma como Anchieta se utiliza dos
verbos atua no apagamento da história dos índios e constrói uma “verdade
absoluta”, bem própria da história construída pela Companhia de Jesus:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Assim se expulsou a paixão de comer
carne humana,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">a sede de sangue abandonou as fauces
sedentas;<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">e a raiz primeira e causa de todos os
males,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">a obsessão de matar inimigos e
tomar-lhes os nomes,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">1100 para glória e triunfo do vencedor,
foi desterrada.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Aprendem agora a ser mansos e da mancha
do crime<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">afastam as mãos os que há pouco no
sangue inimigo<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">tripudiavam, esmagando nos dentes
membros humanos.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Há pouco a febre do impuro lhes devora
as entranhas:<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">1105 imersos no lodaçal, aí rebolavam o
fétido corpo,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">preso à torpeza de muitas, à maneira dos
porcos.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Agora escolhem uma, companheira fiel e
eterna,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">vinculada pelo laço do matrimônio
sagrado<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 63.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">que lhe guarda sem mancha o pudor
prometido.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> (ANCHIETA, 1958: 95)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
sua sintaxe discursiva, Anchieta usa verbos no passado, que mostram como era a
vida dos índios e verbos no presente, que retratam a nova realidade estabelecida
depois que Mem de Sá venceu os Tupinambá. Esta escolha dos tempos estabelece
uma nova discursividade. O jesuíta usa o presente omnitemporal ou gnômico. Para
Fiorin (2001:150-151) isto acontece:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">quando o momento de referência é
ilimitado e, portanto, também é o momento do acontecimento. É o presente
utilizado para enunciar verdades eternas ou que se pretendem como tais. Por
isso é a forma verbal mais usada pela ciência, pela religião, pela sabedoria popular
(máximas e provérbios) <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Eles
eram”, depois de Mem de Sá, “eles são”: o trabalho de transformação está
concluído. Nesta construção, não há escape para a nova ordem cristã
estabelecida: “Assim se expulsou a paixão de comer carne humana”, acabou a
antropofagia e a monogamia se estabeleceu como regra de conduta “Agora escolhem
uma companheira fiel e eterna”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
funcionamento discursivo do início da colonização, agenciado pela igreja,
reprodutor do modelo das Cruzadas religiosas da Idade Média, em vários momentos
da História, construiu duas categorias de <i>ethos</i>:
o santo, que não pega em armas e aparece como uma figura cândida, (daí a imagem
estabilizada que temos de Anchieta) e o herói, o líder militar, forte, quase
imbatível, representado por Mem de Sá. No poema também se observa o <i>ethos</i> do índio ideal para Anchieta,
aquele que se submeteu a Mem de Sá e que pode ser considerado humano. Quanto
aos outros, são irracionais e não têm o direito de continuar vivendo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Durante
séculos, a Igreja Católica e o Estado português, seguido pelo brasileiro
administraram nossos “gestos de leitura” em relação à catequese e à
colonização. Colocaram em circulação suas próprias versões da história, que,
ainda hoje, sem muita dificuldade, pode ser verificada nos livros, ou, para ser
mais contemporânea, em qualquer busca no Google. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
índio não foi inventado sozinho. Para que a imagem do selvagem fizesse sentido,
muitas outras também entravam em cenas. Na verdade, esta relação de dominação
que aconteceu com as sociedades indígenas e com as sociedades africanas nos
séculos XVI, ainda hoje continua se repetindo no Vietnã, no Iraque, na Faixa de
Gaza, onde quer que existam pessoas querendo subjugar sociedades inteiras.
Nestas situações sempre as invenções discursivas serão mais uma forma de
violência contra os povos oprimidos. Em sua mais recente versão, costuma-se
afirmar que o mundo mudou e que falar sobre dominantes e dominados é coisa do
passado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><i><span style="font-size: x-small;">Texto
de Ivânia dos Santos Neves</span></i><span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-16863342975230713042014-08-16T23:42:00.002-07:002014-08-16T23:42:49.992-07:00COLLASUYU RECUPERADO - A Revolução Indígena nos Andes<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWqPa_llSYCFT3UAstORtThIyl2GHkXrg2fOSps9Fh0wXP7w6A6YsnDrD-D6aMLOM1Z8FQXzN4g7C63hnsIcQENsqlhBvw8wnUTY70rQJkqcwaY4cyh7FlDqYsJh2S3e50Xzqd2sYKHw/s1600/collasuyu+01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWqPa_llSYCFT3UAstORtThIyl2GHkXrg2fOSps9Fh0wXP7w6A6YsnDrD-D6aMLOM1Z8FQXzN4g7C63hnsIcQENsqlhBvw8wnUTY70rQJkqcwaY4cyh7FlDqYsJh2S3e50Xzqd2sYKHw/s1600/collasuyu+01.jpg" height="476" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dezembro
de 2005 marcou a eleição presidencial do líder cocalero da etnia aymara Evo Morales
à presidência da Bolívia. Essa eleição foi tão simbólica que foram realizadas
três cerimônias de posse diferentes: a primeira ocorreu em <b>Tiahuanaku</b>, na antiga cidade sagrada qolla – ou aymara – e contou
com todo o aparato ritual aymara: uso do chunco (poncho sagrado), pés
descalços, bastão dourado, adorno de cabeças de condores e o tradicional juramento
a <b>Pachamama</b> (Mãe Terra) e a <b>Tata Inti</b> (Pai Sol). A segunda
cerimônia realizou-se em La Paz, no Congresso Nacional, onde também a
simbologia aymara foi utilizada quando Evo pediu um minuto de silêncio em
homenagem aos heróis caídos em tantas batalhas pela América explorada. Por fim,
a última ocorreu na Praça de San Francisco em contato direto com o povo
boliviano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Muitos
militantes aymara consideraram a eleição de Evo um fato bastante positivo na
trajetória das lutas aymara. Nas linhas de um projeto de <b>REVOLUÇÃO ÍNDIA</b>, bem organizado e consciente, que defende a recriação
do <b>Qollasuyu</b>, o espaço qolla (ou
aymara) de antes da chegada dos europeus. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Tal
projeto inicia-se a partir de um documento importante que marca a luta em
função da criação de um novo Estado, o Qollasuyu, publicado em 18 de dezembro
de 2002, por ocasição do <b>Primer Encuentro
Indígena</b>, realizado em Cuzco. Nele, os aymara desconhecem a autoridade de países
como Bolívia, Peru, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai, posto que para eles
são apenas terras roubadas dos povos originários e batizadas como “Repúblicas”.
Da mesma forma, dentro desses países deve-se desconhecer estados, províncias ou
departamentos e adotar a divisão administrativa baseada em <i>ayllu</i>, <i>marka</i>, <i>laya</i> e <i>suyu</i>, do período pré-colonial. Para ser cidadão qollasuyano é
preciso exercer uma função que se volte ao benefício de todos, aprender a falar
pelo menos três idiomas (sendo ao menos um indígena) e apresentar um sinal
cultual qollasuyano, embora seja possível também para um estrangeiro nacionalizado.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Tal
cidadania não é estática, ou seja, também deve ser construída:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Artigo 23 – Todo quollasuyano está
obrigado à educação integral com base na nossa cultura, ciência e tecnologia
próprias e à utilização da ciência e tecnologia ocidentais para nossos
interesses, às quis deve ter acesso principalmente a partir da família na
língua indígena e, posteriormente, em outros idiomas ou REGIME CULTURAL DO
QOLLASUYU.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Também
estabelecem símbolos do Qollasuyu, como a <b>wiphala</b>
(bandeira quadriculada) e outros, tais como puma, jaguar, ankonda , folhas de
coca, o hino “El Condor Pasa”: o <b>jilaqata</b>
para o <i>ayllu</i>, <b>malkus</b> para a <i>marka</i>, <b>kuracas</b> para a <i>laya</i> e <b>kinkas</b> para o <i>suyu</i>; ficando também marcadas as
autoridades: as autoridades têm a obrigação de possuir família, experiência e
honestidade e, fundamentalmente, a trabalhar: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Artigo 43 – Cada qollasuyano está
obrigado a trabalhar rotativamente no altiplano, bem como no vale, yungas,
selvas e, inclusive na costa, distribuindo seu tempo de trabalho por meses e
por anos. Também atuarão um tempo em trabalhos manuais e, em outros momentos,
em trabalhos intelectuais, tanto no campo quanto na cidade. Ninguém pode estatizar-se
em apenas uma forma de trabalho.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Isso
merece uma pequena reflexão: em primeiro lugar, remetendo a uma antiga obrigação
das comunidades – <b>ayllus</b> – do
império inca, de enviar colonos a todos os outros pisos geológicos – litoral,
vales, altiplano – para complementar sua economia. Eram os chamados <b><i>Mic
Mac</i></b>, que periodicamente trocavam produtos com os <i>ayllus</i> de origem, numa economia de complementaridade. Outro aspecto
levantado é que as atividades de cada pessoa devem se alternar entre trabalhos
manuais e intelectuais sem que haja uma concentração em um só tipo de trabalho.
Essa preocupação aparece também na criação de escolas e universidades aymara,
conforme discutiremos posteriormente. Tal percepção busca criar cidadãos o mais
semelhantes possível entre si e é uma tese que já foi muitas vezes retomada por
pensadores marxistas e, de certa forma, embasou a visão de Mariátegui, a
caracterizá-la como <i>“comunismo inca”</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ao
mesmo tempo em que os aymara tentam criar o Qollasuyu, precisam combater o <i>“modo estrangeiro de ser”</i>, seus
símbolos, forma de administração política, heróis nacionais, sistema
educacional, etc, e, caso não seja possível, deve valer-se de todos os recursos
possíveis para resistir e usar a favor da <i>“República
Indígena”</i> o conhecimento adquirido do estrangeiro. Aqui encontramos uma
citação surpreendente, pois é a corporificação daquilo que James Scott chama de
<i>“off stage”</i>, ou seja, é um discurso
oculto que, como poucas vezes acontece, torna-se explícito assumido enquanto
estratégia de luta, sem se preocupar em ser descoberto:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Artigo 55 – Se ao qollasuyano for
imposto, pela força e ameaças, leis neoliberais, nacionalistas e colonialistas
em geral, deve simular sua relação com eles, para depois usar o dinheiro, a
infraestrutura e os projetos para em nossos interesses de independência e
soberania; também deve converter o Salão Provincial em um poder local para
restaurara a laya e estabelecer contato com outras layas para, paulatinamente,
consolidarmos a República originária e indígena.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Esse
documento é bastante rico para nossas reflexões, a Revolução Índia explicita as
táticas de resistência que devem ser implementadas até sua vitória final: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Artigo 58 – Devemos nos inserirmos entre
os alto oficiais do Exército, na cúpula da igreja, nas altas chefaturas dos
partidos políticos, nos altos cargos das instituições de Estado e
governamentais, para nos informarmos da política colonialista do Estado
boliviano, e, com essa informação e experiência, devemos avisar sobre o perigo
eminente contra os indígenas do campo e das cidades.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Trata-se
de utilizar todas as estruturas da sociedade branca contra ela mesma – inclusive
a Internet – penetrar em todas as instituições: Exército, Igreja, Partidos
Políticos, Instituições Estatais, Parlamento, governo etc e, se possível,
assumir a presidência. A citação anterior chega a ser chocante por sua
sinceridade e, de certa forma, retoma a linha de análise de Edward P. Thompson
ao falar da “turba” que enfrenta a Economia de Mercado na Inglaterra do século
XVII, mas que agora rompe com o discurso oculto que James Scott analisou,
partindo para um projeto explícito de enfrentamentos, revolucionário. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
ainda o projeto do novo Estado prevê quase toda forma de ação militante <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Artigo 59 – Toda mulher casada,
solteira, divorciada, abandonada e viúva deve ter mais que quatro filhos, para
manter viva a nossa população, cultura e território, e deve lutar contra toda
política de controle da natalidade, clube de mães, alimentos transgênicos e
outros que só buscam reduzir e exterminar a população indígena, para
possibilitar migrações européias, e apoderarem-se do nosso território e
usufruir nossos recursos naturais.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Há
aqui um importante elemento de mobilização de identidades que se radicaliza e
que vale a pena ressaltar: se a atuação sindical via CSUTCB foi muito
importante na luta camponesa e aglutinou como um guarda-chuvas outros
movimentos sociais da sociedade boliviana, como anteriormente na metade do
século passado havia realizado a COMIBOL, agora no século XXI a etnicidade
ressurge como uma força mobilizatória talvez nunca vista antes na história
latino-americana, pois o que impressiona é que os próprios atores tem clara noção
da força de seu movimento:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É evidente que nos últimos tempos se tem
acontecido um crescimento qualitativo importante dos Povos e Nações originários
do continente. Creio que os vários povos indígenas, hoje em dia, nos diferentes
Estados e Nações dessa região – sua presença é inegável – nos tornamos atores
fundamentais dentro das sociedades nacionais. Estamos e estaremos sempre
presentes. (MACAS & YATIYAWI, 2007) <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Cientes
de sua força política no momento atual, os aymara defendem a interculturalidade
como forma de convivência com outros povos e nações: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ao falar de interculturalidade, é preciso
reconhecer que as culturas que se encontram têm a mesma força e o mesmo valor:
a moderna e a indígena.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Se se pretende apenas ensinar às
crianças dos povos originários as idéias ocidentais em nossas línguas maternas,
é um grave erro, que está condenado ao fracasso (...) Mas se vamos falar de
interculturalidade, o primeiro passo é acercamo-nos da nossa cultura, vê-la a
partir de nossos olhos, aprender a respeitá-la para, depois, mostrar a outra,
podemos estar seguros e sem o menor medo em aceitarmos o que há de positivo
nela, a fim de continuarmos a levar a vida... como sempre a levamos.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
Revolução Índia parte do pressuposto que se deve re-indianizar os aymara que foram
influenciados pelos costumes brancos e, a partir daí, seguros de sua cultura,
eles poderão partir para uma convivência com as outras, inclusive a branca, mas
contanto que a diversidade seja respeitada, algo que não aconteceu nem no
período colonial e nem no processo de constituição da república boliviana. No
futuro isso deverá ser diferente: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Outro elemento fundamental em que
devemos ter clareza no processo da interculturalidade é que os valores,
princípios, conhecimentos, sabedoria de nossos povos não devem ser apenas
recuperados e arquivados, mas devem ser oferecidos como uma contribuição de
nossos povos à sociedade em seu conjunto, como elementos substanciais para um
planejamento alternativo.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eles
estabelecem passos a serem cumpridos até que a interculturalidade se torne realidade.
Num documento discutido num evento realizado na Guatemala em 2007 – o <b>II Encuentro Continental de Pueblos y Nacionalidades
Indígenas de Abya Yala</b> –, foi inclusive traçado um calendário de atividades
e objetivos a serem alcançados. A previsão da Revolução chega a ser exagerada,
com datas previstas para cada evento ocorrer pelos próximos cem anos, ou seja,
até os 600 anos da chegada de Colombo ao continente. Comentemos brevemente
essas fases, com a máxima fidelidade ao texto original:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">De 1992 a 2002</span></b><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">,
realizou-se o início do <b>Pachacuti</b> –
a nova era – através de reflexões acerca do colonialismo europeu e dos Estados
Nacionais latino-americanos, promovendo a re-emergência dos movimentos
nacionais indígenas; <b>de 2003 a 2007</b>
deu-se a reaproximação entre diferentes povos de culturas originárias,
criando-se espaços de articulação entre eles; <b>de 2008 até 2012</b> é o tempo de se criar uma proposta de transição histórica,
de criação de uma sociedade intercultural; <b>entre
2013 e 2017</b> deverão começar a ser postos em prática projetos integrados
para transformar estruturalmente a nova sociedade e combater o modelo econômico
dos Estados Unidos; <b>de 2018 a 2022</b>
deverá ocorrer o fim do “sistema colonial republicano”, assim como dos Estados
Unidos em prol de regimes pluralistas que, supomos, devem ser os de respeito à
individualidade de nações originárias; <b>de
2023 a 2027</b> haverá a emergência dos Estados Andinos e de sociedades
interculturais no resto do continente; <b>de
2028 a 2032</b> haverá a eliminação de antigos resquícios de práticas sócio-culturais
da colônia; <b>de 2033 até 2042</b>
surgirão os novos estados do novo continente, o <b>TAWA INTI SUYU</b> e de novas correntes econômicas mundiais, embora
eles não especifiquem o que sejam elas; <b>de
2043 a 2092</b> ocorrerão as comemorações por cem anos de progresso comunal – partindo
do marco que foi 1992 – e a crise do sistema de economia de mercado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas
a Revolução não termina nesse período, e as previsões se estendem até o século
XXV:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">De
2093 a 2142</span></i></b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> – fim
da era cristão, e processo de reconfiguração cultural nos diferentes
hemisférios do planeta. Eclosão em massa de novas sociedades de economia
sustentável.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">De
2143 a 2192 </span></i></b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">– Eliminação
total das injustiças sociais.Processo de conversão tecnológica. Reversão
progressiva dos níveis de contaminação ambiental. Celebração dos 200 anos de
trânsito favovável do Pacha Kuti.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">De
2193 a 2492</span></i></b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> – Auge
das tecnologias saudáveis e equilíbrio ambiental; paz e justiça social entre os
habitantes desse planeta; harmonia espiritual.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
2493</span></i></b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> – Início
da exploração e aproveitamento de novas jazidas e recursos naturais em planetas
próximos. Evitar o surgimento de novas tecnologias que provoquem um risco de
extinção de muitas formas de vida e formas de poder que nos conduzam ao
desequilíbrio social.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">PROPUESTA GEOPOLITICA TAWAINTISUYU ABYA
YALA <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">COMUNIDAD QOLLASUYU TAWA INTI SUYU,
09.10.2006 19:08<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Vejamos,
portanto, o radicalismo do projeto revolucionário, prevendo o fim da era cristã,
das injustiças sociais, das tecnologias perniciosas ao meio ambiente e a
emergência de um mundo de harmonia social e espiritual. Ou seja, o projeto
supera em muito as formas de resistência estudadas por muitos autores, que
deixou de ser implícita para vir a público com um verdadeiro cronograma de
atuações bem planejadas que já se encontram em realização.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
preocupação com o estabelecimento de um cronograma tão pormenorizado, a nosso
ver, não deve ser nem tão exaltada e nem beirar o completo desprezo. É, sim,
causa de reflexão: se os aymara não se importam em divulgar esses dados é
porque têm noção de que a Revolução Índia só poderá ser feita a longo prazo, a
partir de um processo que compreende uma imensa variedade de lutas, tais como
de ações de resistência contemporânea, corporificadas em ações diretas de
cercamento de cidades, colocação de pedras em rodovias, transmissão de mensagens
de madrugada de porta em porta, de associação com outros segmentos da sociedade
boliviana em questões pontuais, como foi o caso da Coordenadora de Água e Vida,
em Cochabamba, no ano de 2000, a deflagração de um projeto consciente de re-indianização
de aymaras mais jovens que, geralmente, migraram do campo para as cidades e abandonaram
antigos rituais. Entretanto, tais ações não abandonam a ótica da ação política,
ao lutar-se por cargos nas eleições nacionais bolivianas e pela implantação da
nova constituição boliviana. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Trata-se
de uma luta que vem colhendo vitórias e propondo a construção de um Estado Multinacional
com conceitos novos e defesa de nacionalidades: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A Antropologia é uma falsa ciência,
criada pelo colonialismo britânico, e seus fundadores, todos eles senhores
colonialistas, estudavam os povos oprimidos como se estuda os macacos da selva.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os Malinovski nas Ilhas Trobiand; os
Radcliffe Brown, os Evans-Pritchard, com os Nuer de Birmânia; os Firth entre os
Tikopia, etc, etc, nos estão mostrando qual é o caráter dessa pseudociência,
construída para estudar os “selvagens” como primitivos mas não como
colonizados, enquanto a Sociologia é a ciência que estuda aos povos “civilizados”,
mas não como colonizadores.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nada de “etnias”! Trata-se, na Bolívia,
de nações e nacionalidades originárias e indígenas que tem proclamado
claramente sua autodeterminação de criar um grande Estado Multinacional de Nova
Democracia. (ALVARADO, 2009) <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Portanto,
acompanhar a luta aymara nos permite analisar como as suas propostas podem ser
inovadoras ao mesmo tempo em que remetem constantemente a um passado milenar:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ontem se tornou visível a Assembléia
Legislativa Plurinacional. Representantes dos afrobolivianos, indígenas,
militares, empresários, operários, mineiros, da classe média e intelectuais
receberam suas credenciais, que os habilitam a iniciar uma tarefa inédita:
refundar e projetar um novo Estado.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">As credenciais também foram entregues,
através do Órgão Eleitoral Pluninacional – OEP, no meio de uma festa
democrática, aos reeleitos presidente Evo Moares e vice-presidente Álvaro
García Linera.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O auditório do Banco Central da Bolívia
foi o cenário em que se reunirão, pela primeira vez depois de sua eleição, a
Assembléia completa, que substitui o Congresso. Às 09:32h, Morales começou seu
discurso com uma saudação ao fato histórico, tornando patente tratar-se de uma
etapa de “transformações profundas da reconstrução da Bolívia”.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">‘Na Bolívia, continuamos fazendo
história, continuamos escrevendo uma nova história, mas com o povo boliviano
como sujeito. É a democracia!’, disse ele.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><i><span style="font-size: x-small;">Texto
de Celso Gestermeier do Nascimento</span></i><span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-81417414955558781862014-08-15T21:44:00.001-07:002014-08-15T21:54:24.790-07:00POVOS INDÍGENAS EM SITUAÇÃO DE FRONTEIRA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNjVOT0hlEX6Au_TMdajGgBtUABAjeHutGXEACDttGZ9kQpKpFjZxNHrcG7Va3FkDe6CMAc9ZEcBEgnPWtR8oASQ4b79SN8Qph7eL-Bp0Ze8_UjI8dcy-FAlhcZmAdior2cFOrh7V83Q/s1600/cia+de+erva+mate+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNjVOT0hlEX6Au_TMdajGgBtUABAjeHutGXEACDttGZ9kQpKpFjZxNHrcG7Va3FkDe6CMAc9ZEcBEgnPWtR8oASQ4b79SN8Qph7eL-Bp0Ze8_UjI8dcy-FAlhcZmAdior2cFOrh7V83Q/s1600/cia+de+erva+mate+2.jpg" height="391" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">O termo </span><b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">FRONTEIRA</b><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">, segundo Tassinari, evoca
várias noções do senso comum, como a de </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">"fronteiras
da civilização"</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">, as </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">"terras
de ninguém"</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> habitadas apenas por </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">"selvagens"</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">,
prontas para serem </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">"desbravadas"</i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">
e colonizadas. Na verdade quando falamos em fronteira, lembramo-nos do processo
de formação da própria identidade nacional dos países colonizados. Essa imagem
radicaliza a diferença entre os colonizadores e os povos indígenas, cada qual
habitante de um espaço diferenciado, e também evidencia uma situação de conquista
e opressão dos primeiros sobre os segundos, a partir de uma guerra pelo
território. De alguma forma, é essa a imagem que está presente em noções
antropológicas como a de </span><b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><i>"frentes de expansão"</i></b><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">,
utilizada pela antropologia brasileira nas décadas de 50 e 60: o avanço de
segmentos da sociedade nacional, com claros propósitos econômicos
desenvolvimentistas, sobre áreas antes habitadas somente por índios.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Tendo em
vista esta multiplicidade de sentidos, inicialmente é importante retomar o
conceito de fronteira, que abrange mais do que sua especificidade colocada
historicamente pela área da geografia, como sendo aquela que demarca o
território de um estado ou nação. Segundo esta acepção, fronteira teria um
entendimento como algo que delimita, demarca e especifica território, separando
e dividindo: de um lado um território, diferente do que ficou do outro lado da
fronteira. Podemos chamar esta concepção de noção física ou geográfica de
fronteira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Nas
ciências sociais usualmente trabalhamos com um conceito mais elástico de
fronteira, o qual pode ser entendido de forma mais abrangente, como sendo
situações de fronteira, ou ainda, situações limite, o que nos reporta para
aspectos sociais, econômicos, culturais e sendo assim, também podem ser
aspectos imaginados e representados culturalmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Ao tratar
dos povos indígenas em situação de fronteira, vamos tomar o primeiro sentido
como ponto de partida, mas, iremos também, privilegiar as noções relacionadas à
segunda conceituação de fronteira. Neste sentido, podemos dizer que as
fronteiras são construções históricas e culturais. São processos social e
historicamente – vale dizer, simbolicamente – produzidos. Devem ser concebidas
mais como abertura e atualidade, do que como dado ou acabamento. Locais de
mutação e subversão, regidos por princípios de relatividade, multiplicidade,
reciprocidade e reversibilidade. Quando trata, por exemplo, das fronteiras
étnicas e culturais, Fredrik Barth afirma que essas <i>“fronteiras podem persistir apesar do que figurativamente pode ser
chamada de 'osmose' de pessoal através dela”</i>, ou seja, mesmo havendo
trânsito de pessoas pelas diferentes fronteiras identitárias, elas mantém suas
identidades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Em outras
palavras, podemos dizer que se as fronteiras são construções históricas e
culturais, ou seja, são impostas, muitos destes povos indígenas viviam nestes
territórios sem conhecer estes limites colocados pelos estados nacionais
modernos. Assim, muito antes do Tratado de Madri, de 1750, entre Portugal e
Espanha, o qual define parte da atual fronteira do Brasil com os demais países
da América do Sul, muitos povos indígenas viviam nesta região, independente da
pactuação destas fronteiras. Não é por acaso, que na atualidade, muitos
indígenas transitam de um lado para o outro da fronteira continuando com seus
costumes ancestrais de perambulação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Os povos
indígenas foram repartidos arbitrariamente entre os Estados-nação que se
partilharam a região após os tratados sucessivos de delimitação territorial e
os processos de independência. Até recentemente, essas populações eram objetos
de políticas indigenistas, que, apesar de suas diferenças nacionais, tinham um
comum objetivo: a assimilação progressiva dos índios às novas nações em
construção. Apenas nas últimas duas décadas, essa situação parece ter mudado,
pelo menos do ponto de vista legal, com a adoção em vários países, inclusive no
Brasil, de Constituições nacionais que rompem com as ideologias
assimilacionista e procuram reconhecer a pluralidade étnica de sua população
(PIMENTA, 2009).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Não se
discute, na historiografia brasileira, a importância fundamental dos povos indígenas
na consolidação das nossas fronteiras. Na disputa entre portugueses e
espanhóis, boa parte do território do estado de Mato Grosso, por exemplo, foi
incorporada graças à aliança com os Kadiwéu. Ainda reportando-nos apenas à
nossa região, em fins do século XIX, sabemos da importância dos indígenas
Terena e Kadiwéu junto ao exército brasileiro na Guerra da Tríplice Aliança,
conhecida como Guerra do Paraguai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Segundo
Pimenta (2009), o papel dos povos indígenas como guardiães das fronteiras
também foi estimulado pela República. Cabe lembrar que a política indigenista
brasileira republicana foi criada por um militar – Marechal Cândido da Silva
Rondon –, que fundou o <b>SPI – Serviço de
Proteção ao Índio</b> em 1910, o primeiro aparelho de Estado instituído para
definir e gerir a questão indígena. Esse órgão indigenista continuou atuando
para a construção dos limites políticos e simbólicos da nação, exercendo um
papel geopolítico fundamental. Demarcando e ocupando territórios, o SPI
fortaleceu o processo de construção da geografia nacional, imprimindo as marcas
do Estado nos sertões.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Ao mesmo
tempo em que garantia oficialmente parcelas do território nacional aos povos
indígenas, estes eram vistos como vivendo à margem da civilização e deviam ser
incorporados, pela educação e o trabalho, à comunhão nacional. Essa
incorporação era feita <i>in loco</i>,
mantendo os índios nas regiões onde se encontravam para povoar os sertões e
guardar as fronteiras. Desse modo, nacionalizar, através da tentativa da
integração dos índios era fortalecer as fronteiras e assegurar o controle sobre
os territórios mais isolados da Nação. A ênfase na nacionalização dos índios ou
“silvícolas”, como eram chamados, passava pela incorporação dessas populações
como “guardas de fronteiras”. Essa idéia foi claramente exposta na década de 1930,
quando o SPI passou a incorporar o Ministério da Guerra, integrando a
Inspetoria Especial de Fronteiras, da qual Cândido Rondon fora chefe até 1930,
na órbita do Estado-maior do Exército (Lima: 1992). Um novo regulamento,
instituído pelo decreto n° 736, de 6 de abril de 1936, marcava explicitamente
essa preocupação com a nacionalização dos “silvícolas”, com o objetivo de integrá-los
à Nação como “guarda de fronteiras”. O SPI devia trabalhar para que os índios
dessas áreas não cedessem à atração das nações limítrofes, desenvolvendo neles
uma pedagogia de civismo capaz de fomentar seus sentimentos de nacionalidade.
Nas fronteiras, os postos indígenas procuravam atrair e fixar em território
brasileiro os índios localizados próximos aos limites internacionais do país
(PIMENTA, 2009).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Dessa
maneira, após este rápido panorama histórico, podemos perceber que os povos
indígenas, mesmo sendo considerados de maneira etnocêntrica como selvagens ou
inferiores foram atores importantes no processo de conquista, delimitação e
conservação das nossas fronteiras. Atualmente os povos indígenas que vivem na
faixa de fronteira com outros países, continuam garantindo a soberania
brasileira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Dentro do
amplo mosaico que é a realidade dos povos indígenas no Brasil, estimado em 227
povos falantes de 180 línguas, Mato Grosso do Sul apresenta-se como região de
uma grande diversidade demográfica caracterizando múltiplos aspectos culturais.
Além de possuir a segunda maior população indígena do país, com aproximadamente
70 mil índios, sendo ao redor de trinta mil crianças na faixa etária de 0 a 14
anos, esta região está encravada no coração da América do Sul, recebendo fortes
influências culturais de outras regiões brasileiras e dos dois países
fronteiriços: Paraguai e Bolívia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Destaca-se
neste horizonte multicultural: os <b>Guarani-Kaiowá</b>
e <b>Guarani-Ñandeva</b> (habitantes da
região sul do Mato Grosso do Sul), os <b>Terena</b>
(subgrupo Guaná e vivem na região centro-oeste do Estado), os <b>Kadiwéu</b> (localizados no extremo oeste,
na maior área indígena fora da Amazônia Legal, suas terras estendem entre os
municípios de Bodoquena e Porto Murtinho), os <b>Guató</b> (antigos povos pescadores das margens do rio Paraguai, vivem
no extremo norte do Mato Grosso do Sul, fronteira Brasil/Bolívia), os <b>Ofaie</b> (localizados na região sudeste do
Estado) e os <b>Kinikinau</b> (subgrupo
Guaná e que vivem atualmente na Reserva Indígena Kadiwéu). Nesse cenário
indígena estão presentes ainda, os <b>Kamba</b>
(sediados em Corumbá, na fronteira com a Bolívia) e os <b>Atikum</b>, grupo étnico oriundo de Pernambuco.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Cada
sociedade indígena possui suas características culturais próprias, histórias de
contato, resistências, negociações e alianças, constituindo grupos com
populações que variam de 50 a 30.000 pessoas. Neste contexto, os Guarani
(Kaiowá e Ñandeva) e os Terena possuem o maior contingente populacional, sendo
cerca de 65 mil pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Para
falar sobre a temática dos indígenas e a situação de fronteira, vamos tomar o
exemplo do povo Guarani, atualmente presente em vários estados das regiões sul,
sudeste e centro oeste do Brasil, também encontra-se em outros três países:
Argentina, Paraguai e Bolívia. Com mais de 50 mil pessoas é a etnia mais
numerosa no Brasil, cujo maior contingente vive no estado de Mato Grosso do
Sul.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Os
estudos antropológicos distinguem, no Brasil, três grupos guarani: Kaiowá,
Ñandeva e Mbya. Em Mato Grosso do Sul, grande parte dos Guarani é do grupo
Kaiowá e o que denominamos Guarani é, na verdade, o grupo Ñandeva, o menor em
termos numéricos no estado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O povo
Guarani vive nesta região de fronteira entre estes quatro países muito antes da
chegada dos europeus no século XVI. No mesmo período da fundação de Assunção –
capital do Paraguai – teve início as reduções jesuíticas no coração da nação
guarani, em meados do século XVI, as quais abrangiam, também, o atual
território de Mato Grosso do Sul, oeste do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. A redução mais importante em nosso território foi o <b>ITATIM</b>, dizimado e abandonado pelos
jesuítas e indígenas após o assédio dos bandeirantes, em meados do século XVII.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Habitando
a região sul do Mato Grosso do Sul, os Kaiowá distribuem suas aldeias por uma
área que se estende até os rios Apa, Dourados e Ivinhema, ao norte, indo, rumo
sul, até a serra de Maracaju e os afluentes do rio Jejui, no Paraguai,
alcançando aproximadamente 100 km em sua extensão Leste-Oeste, indo também a
cerca de 100 km de ambos os lados da cordilheira do Amambaí (que compõe a linha
fronteiriça Paraguai-Brasil), inclusive todos os afluentes dos rios Apa,
Dourados, Ivinhema, Amambai e a margem esquerda do Rio Iguatemi, que limita o
sul do território Kaiowá e o norte do território Ñandeva, além dos rios
Aquidabán (Mberyvo), Ypane, Arroyo, Guasu, Aguaray e Itanarã do lado Paraguaio,
alcançando perto de 40 mil km<sup>2</sup> (ISA, 2012).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O
território Kaiowá e Ñandeva atual toma parte dos estados de Mato Grosso do Sul
e Paraná, estendendo-se também ao Paraguai oriental. Migrações ñandeva do
início do século XX oriundas do Paraguai cristalizaram assentamentos no estado
de São Paulo, interior e litoral, assim como em Santa Catarina, no interior do
Paraná e do Rio Grande do Sul. O território atual dos Ñandeva compreende os
rios Jejui Guasu, Corrientes e Acaray, no Paraguai, e, no Brasil, o Rio
Iguatemi e seus afluentes, sendo encontrados também nas proximidades da junção
deste com o Paraná (ISA, 2012).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Após a
Guerra da Tríplice Aliança, também conhecida como Guerra do Paraguai,
iniciou-se no sul do então estado de Mato Grosso a exploração da erva mate
nativa, abundante na região, pela Companhia Mate Larangeira e utilizando boa
parte de mão de obra dos índios Kaiowá e Guarani.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">As
histórias destes povos indígenas apresentam características idênticas: vivem confinadas
em áreas de pequenas extensões de terras, insuficientes para a sobrevivência, o
que caracteriza um descaso à sua reprodução física e a manutenção do modelo
cultural. Esta situação da maioria destes grupos estarem em situação de modelo
cultural. Esta situação da maioria destes grupos estarem em situação de
confinamento (transferência sistemática e forçada da população indígena das
diversas aldeias Kaiowá e Guarani para dentro das oito reservas demarcadas pelo
Governo Federal – SPI – entre 1915 e 1928, conforme Brand, 1993), em pequenas
porções de terra (reservas) acaba gerando complexos problemas na atualidade:
migração para as periferias das cidades, explosiva densidade demográfica,
acirramento das disputas territoriais, aumento das práticas de violência,
assalariamento compulsório dos homens com sua consequente ausência da família,
assim como o aumento da dependência de investimentos oriundos do governo. Para
os professores Brand e Nascimento (2006):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><i>As
populações indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul são marcadas por um
processo histórico de contato interétnico agressivo e violento, no bojo do qual
foram constantemente desafiados a moldar e remoldar sua organização social,
construir e reconstruir sua forma de vida e desenvolveram complexas estratégias,
alternando momentos de confrontos diretos, permeado por enorme gama de
violência, com negociações, trocas e alianças.</i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Dessa
forma, podemos dizer que o Brasil foi alargando e avançando suas fronteiras em
direção a oeste, algumas vezes com a ajuda de alguns grupos indígenas, mas,
quase sempre, à revelia destes e, utilizando de muita violência, física
(extermínios e expropriação de seu território) e simbólica (discriminação,
preconceitos de várias formas, como chama-los de bugres e preguiçosos).<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span>
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Historicamente, segundo Brand e Nascimento (2006), <i>"</i></span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">As
primeiras frentes não-indígenas adentraram pelo território Kaiowá e Ñandeva, a
partir da década de 1880, após a guerra do Paraguai, quando se instala na
região a Companhia Matte Larangeira. </i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16px; line-height: 18.399999618530273px;"><i>Esta Companhia, embora não questionasse a posse da terra ocupada pelos índios, nem fixasse colonos e desalojasse comunidades, definitivamente, das suas terras, foi, contudo, responsável pelo deslocamento de inúmeras famílias e núcleos populacionais, tendo em vista a colheita da erva mate".</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">A Cia
Matte Larangeira instala-se em todo o território ocupado pelos Kaiowá e Ñandeva,
em Mato Grosso do Sul, após a Guerra do Paraguai, tendo em vista a exploração
dos ervais nativos, abundantes em toda a região. Antes disso, em 1767, o
Governo Português instalara, às margens do Rio Iguatemi, em pleno território Kaiowá,
o Forte Iguatemi – Povoação e Praça de Armas Nossa Senhora dos Prazeres e São
Francisco de Paula do Iguatemi –, de curta duração (Brand, 1997). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Com a
decadência da economia ervateira a partir de 1930, tem inicio uma nova política
de desenvolvimento batizada de <b>“Marcha
para o Oeste”</b>. Essa política criada no governo de Vargas foi responsável
pela formação da Colônia Agrícola Nacional de Dourado – CAND. <i>“A implantação da Colônia em áreas de
aldeias Kaiowá marcou o início de uma longa e difícil luta dos índios pela
manutenção e recuperação de suas terras”</i> (Brand, 1997, p. 78). Os indígenas
geralmente negavam-se a deixar suas terras e os novos donos buscavam, constantemente,
obter a expulsão dos índios, através de ações na justiça, ou através de meios
mais escusos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Mesmo
contrariamente à historiografia oficial, podemos afirmar que os indígenas
também contribuíram para a colonização desta região do país, desde a ajuda na
implantação das redes de telégrafo, na construção da Ferrovia Noroeste do
Brasil, como mão de obra na Companhia Mate Laranjeira, na abertura de fazendas
com a derrubada de matas e plantação pastos para a pecuária e mais
recentemente, como mão de obra nas usinas de etanol e açúcar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><i><span style="font-size: x-small;">Texto de Antonio
H. Aguilera Urquiza</span></i></span><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-47918927829326545342014-08-15T20:31:00.002-07:002014-08-15T20:31:49.222-07:00SITUAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL DENUNCIADA NA ONU<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkKTrp-e9RINCbU8z58vbhITdCAFqTWqCDgqm2hnHVDAEXpL9IXXv7v76FRnmCMyPcf-jja1OhuyBr3g3g3n_ygdnNNp3kaqm9EwJezvVHQlPwVAvqjLs4Ur60xLmTfoTOvd1qwrmUsQ/s1600/ONU+denuncia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkKTrp-e9RINCbU8z58vbhITdCAFqTWqCDgqm2hnHVDAEXpL9IXXv7v76FRnmCMyPcf-jja1OhuyBr3g3g3n_ygdnNNp3kaqm9EwJezvVHQlPwVAvqjLs4Ur60xLmTfoTOvd1qwrmUsQ/s1600/ONU+denuncia.jpg" height="354" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Lindomar Terena, liderança indígena de Mato Grosso do Sul e representante da <b>Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB</b>, denunciou a violação de direitos humanos e territoriais dos povos indígenas no Brasil durante a 13ª Sessão do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, da ONU.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Senhora Presidente, demais parentes indígenas de todo o mundo.</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A organização que represento, chamada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, reúne organizações regionais indígenas e de base dos quatro cantos do Brasil, atua na defesa dos direitos e da vida de mais de 300 povos, falantes de 270 línguas. Apesar de sermos um milhão de indígenas que sobreviveram à grande invasão de 1500, ainda hoje, representamos 1/3 da diversidade étnica na América do Sul.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Vimos a este Fórum, porque a situação de violação de direitos humanos e territoriais dos povos indígenas no Brasil se agravou fortemente nos últimos anos. Contrariamente ao que o Governo brasileiro divulga em espaços internacionais, relatando uma suposta harmonia entre os povos indígenas e o estado nacional, temos certeza ao afirmar que a situação dos povos indígenas no Brasil hoje, é a mais grave desde a redemocratização do País, seja na quantidade de indígenas assassinados, seja nas iniciativas de esfacelar nossos direitos conquistados ao sangue de nossos povos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Está em curso no Brasil uma série de articulações e iniciativas que buscam a reduzir, suprimir os direitos dos povos indígenas, reconhecidos pela Constituição Federal Brasileira e reafirmados por tratados internacionais, textos normativos, dos quais o país é signatário.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No Congresso Nacional, a bancada ruralista, os representantes do agronegócio, querem de todas as formas aprovar mudanças nos direitos constitucionais estabelecidos principalmente nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Somam-se as iniciativas de propostas de emendas à Constituição (PEC) 038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e Congresso Nacional, hoje maioritariamente composto por representantes do agronegócio, a competência de demarcar as terras indígenas, usurpando uma prerrogativa constitucional do Poder Executivo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O modelo desenvolvimentista brasileiro objetiva disponibilizar os territórios indígenas, e de outros segmentos e comunidades tradicionais, para a exploração descontrolada dos bens naturais, a expansão do agronegócio e a implantação de grandes empreendimentos, principalmente energéticos (hidrelétricas) e de exploração mineral, e obras de infraestrutura: portos, estradas, linhas de transmissão etc. que comprometem a sobrevivência e continuidade física e cultural dos povos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para tanto, o Governo brasileiro paralisou o processo constitucional de demarcação de nossos territórios, aumentando gravemente os conflitos territoriais em várias regiões do Brasil. Nunca, em nossa história recente, vimos tantas lideranças ameaçadas de morte, comunidades inteiras inclusas em programas de proteção e no caso do estado em que moro, lideranças assassinadas a luz do dia, e com seus assassinos impunes. Meu estado concentra a maior quantidade de lideranças indígenas assassinadas na última década devido a luta pela terra. Ontem mesmo, uma liderança de meu povo, sr. Paulino, sofreu atentando e dos vários tiros que foi dado em seu carro, felizmente apenas um acertou sua perna e segue vivo. No meu estado, pelo menos 20 lideranças indígenas foram assassinadas na última década devido a suas lutas por territórios; outros 350 assassinatos no mesmo período resultam do processo de confinamento de nossos povos em pequenos territórios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O povo Kaiowá e Guarani em meu estado, diante da falta de suas terras, contabilizaram desde de 2000 cerca de 690 suicídios, sendo que em 2013 foram 73 casos, o maior já registrado em 1 ano, dos quais 70% eram jovens.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Diante da inércia do governo, vimos uma cidade inteira se revoltar, alimentada pela desinformação, pelo racismo, contra o povo Tenharim, no Amazonas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O povo Tupinambá após vários casos de conflitos e ataques as suas comunidades, tem seu território militarizado, suas lideranças ameaçadas e impedidas de denunciar sua realidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Trazemos também a situação do Povo Kaingang que semana passada, teve sete lideranças de seu povo presos no Rio Grande do Sul como resultado de ações de defesa da comunidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há no Brasil uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos indígenas. Informações midiáticas são difundidas visando burlar os fatos reais e projetar inverdades que constituem uma verdadeira inversão de direitos. Na concepção deles, os povos e comunidades indígenas se constituem em invasores, subverteres da ordem e principalmente são obstáculos ao desenvolvimento nacional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O poder Executivo, por meio do Ministério da Justiça, tem atuado em convencer o movimento indígena a negociar nossos direitos, propondo graves mudanças no processo de demarcação de nossos territórios estabelecidos pelo Decreto 1775/96, tudo em favor dos interesses do latifúndio, do agronegócio e da reterritorialização do capital sobre as terras tradicionais dos povos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sobre o processo estabelecido pelo governo para regulamentar a convenção 169 da OIT no Brasil, a APIB se retirou das mesas de negociação porque, o próprio governo atropelou o encaminhamento publicando a Portaria 303/12, que desrespeita e desqualifica a Convenção e que em suma quer viabilizar seus megaprojetos em terras indígenas como por exemplo o fez em relação aos casos das hidroelétricas Belo Monte e Tapajós, levadas a cabo sem um processo de consulta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para vossa informação, sobre a reunião de alto nível a ser realizada em setembro conhecida como Conferencia Mundial dos Povos Indígenas, venho afirmar que os povos indígenas no Brasil só souberam desta iniciativa este ano, através de um informe rápido que o Governo Brasileiro fez em reunião da CNPI e que há apenas uma vaga; não houve por parte do governo brasileiro a realização de um processo de consulta, de construção coletiva e o esforço de garantir uma representatividade à altura do Brasil. Cabe ressaltar que o Brasil abriga 1/3 da diversidade de povos indígenas na América do Sul.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Face a esse quadro de agressões e regressão nos direitos indígenas, principalmente territoriais, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) recomenda ao Fórum Permanente sobre Direitos Indígenas, o quanto segue:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">1. Que o Fórum Permanente envie urgentemente observadores ao Brasil para que acompanhem a realidade dos conflitos territoriais, situação ausente nos relatórios do governo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">2. Que o Fórum urja ao Brasil a retomada do processo constitucional de demarcação das terras indígenas, cuja paralisação tem ampliado gravemente os conflitos territoriais. Lamentavelmente o governo Dilma é o que menos tem demarcado terras indígenas. Portarias de identificação, declaratórias e Decretos de homologação não tem sido publicado, mesmo quando estes não possuem impedimentos judiciais, perpetuando a agonia dos povos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">3. Que o Fórum realize um Seminário Internacional em conjunto com o UNODC e UNHRC, sobre a Criminalização dos Povos indígenas e suas organizações, quando estes defendem seus direitos humanos e territoriais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">4. Que o documento final da reunião de alto nível em setembro, conhecida como Conferencia Mundial dos Povos indígenas, caso realizada, seja contundente quanto a implementação de ações efetivas nas distintas áreas de interesse dos povos indígenas, principalmente quanto a efetiva devolução e proteção dos nossos territórios tradicionais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A APIB acredita que espaços como estes são fundamentais para que nossos povos tenham vidas melhores e por isso pedimos o apoio dos parentes indígenas de outras regiões do mundo, convidando-os a se somar conosco nesta luta pela vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eis o caminho para a construção de uma sociedade realmente democrática, multiétnica, pluricultural e justa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Brasília – DF, 19 de maio de 2014.</span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-58181302874795701022014-07-19T17:53:00.000-07:002014-07-19T17:59:27.591-07:00DECLARAÇÃO DA ALDEIA KARI-OCA 2012<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgO8KQZJkK2Qx7bGv6T3F2ov5HueC5pdMFBxv7BO1wOn-W4P5hmNjj7qVjUnV4c-i0Q83XPUTpCNxQ0LvzyK86lCaVUHJhDDb1XYJ3ekbn8HrCY2gnpMjKw17k8feA2ho6_-vZfH1EYMA/s1600/aldeia+karioca+2012.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgO8KQZJkK2Qx7bGv6T3F2ov5HueC5pdMFBxv7BO1wOn-W4P5hmNjj7qVjUnV4c-i0Q83XPUTpCNxQ0LvzyK86lCaVUHJhDDb1XYJ3ekbn8HrCY2gnpMjKw17k8feA2ho6_-vZfH1EYMA/s1600/aldeia+karioca+2012.jpg" height="477" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">“CONFERÊNCIA MUNDIAL DOS Povos Indígenas SOBRE RIO+20 e a Mãe TERRA”</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">13‐22 Junho 2012</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nós, os Povos Indígenas da Mãe Terra reunidos na sede da Kari-Oca I, sagrado Kari-Oka Púku, no Rio de Janeiro para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20, agradecemos aos Povos Indígenas do Brasil por nos darem o bem vindo aos seus territórios. Reafirmamos nossa responsabilidade para falar sobre a proteção e o bem-estar da Mãe Terra, da natureza e das futuras gerações de nossos Povos Indígenas e toda a humanidade e a vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Reconhecemos o significado desta segunda convocatória dos Povos Indígenas do mundo e reafirmamos a reunião histórica de 1992 da Kari-Oca I, onde os Povos Indígenas emitiram a Declaração da Kari-Oca e a Carta da Terra dos Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A conferência da Kari-Oca e a mobilização dos Povos Indígenas durante a Reunião da Terra marcou um grande avanço do movimento internacional para os direitos dos Povos Indígenas e o papel importante que desempenhamos na conservação e no desenvolvimento sustentável.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Reafirmamos também a Declaração de Manaus sobre a convocatória da Kari-Oca 2 como o encontro internacional dos Povos Indígenas na Río+20.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>A institucionalização do colonialismo</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">1. Consideramos que os objetivos da Conferência das Naciones Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD) Río+20, a “Economia Verde” e seu argumento de que o mundo somente pode “salvar” a natureza com a mercantilizar de suas capacidades de dar vida e garantir a vida como uma continuação do colonialismo que os Povos Indígenas e nossa Mãe Terra tem resistido durante 520 anos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">2. A “Economia Verde” se promete erradicar a pobreza, mas na realidade somente vai favorecer e responder as empresas multinacionais e o capitalismo. Se trata da continuação de uma economia global baseada nos combustíveis fósseis, na destruição do meio ambiente mediante a exploração da natureza através das indústrias extrativistas, tais como a mineração, a extração e produção petrolífera, a agricultura intensiva de monoculturas e outras inversões capitalistas. Todos esses esforços estão encaminhados as ganâncias e a acumulação de capital por uns poucos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Desde Rio 1992, nós como Povos Indígenas vemos que o colonialismo está sendo transformado na base da globalização do comércio e da hegemonia econômíca capitalista mundial. Se vem intensificado a exploração e o roubo dos ecossistemas e biodiversidade do mundo, assim como a violação aos diretos inerentes dos povos indígenas. Nosso direito a livre determinação, a nossa própria governança e ao nosso desenvolvimento livremente determinado, nossos direitos inerentes as nossas terras, territórios e recursos estão cada vez mais atacados por uma colaboração de governos e empresas transnacionais. Ativistas e líderes indígenas que defendem seus territórios seguem sofrendo repressão, militarização, incluindo assassinatos, prisões, humilhações e classificação como “terroristas”. A violação de nossos direitos coletivos enfrenta a mesma impunidade. O deslocamento forçado ou assimilação ameaça nossas futuras gerações, culturas, idiomas, espiritualidade y relação com a Mãe Terra económica e políticamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">3. Nós, povos indígenas de todas as regiões do mundo, temos defendido a Nossa Mãe Terra das agressões do desenvolvimento não sustentável e a super exploração de nossos recursos por mineração, madeireiras, grandes represas hidroelétricas, exploração e extração petrolífera.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nossos bosques sofrem pela produção de agrocombustíveis, biomassa, plantações e outras imposições como as falsas soluções à mudança climática e ao desenvolvimento não sustentável e danoso.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A Economia Verde é nada menos que o capitalismo da natureza; um esforço perverso das grandes empresas, as indústrias extrativistas e dos governos para converter em dinheiro toda a Criação mediante a privatização, mercantilização e venda do Sagrado e todas as formas de vida, assim como o céu, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos e todos os genes, plantas, sementes nativas, árvores, animais, peixes, diversidade biológica e cultural, ecossistemas e conhecimentos tradicionais que fazem possível e desfrutável a vida sobre a terra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">4. Violações graves dos direitos dos povos indígenas da soberania alimentar continuam sem parar ao que dá lugar a inseguridade alimentar. Nossa própria produção de alimentos, as plantas que nos rodeiam, os animais que caçamos, nossos campos e as plantações, a água que bebemos e a água dos nossos campos, os peixes que pescamos de nossos rios e riachos, está diminuindo a um ritmo alarmante. Projetos de desenvolvimento não sustentável, tais como monoculturas plantações de soja quimicamente intensiva, as indústrias extrativistas como a mineração e outros projetos destrutivos do meio ambiente e as inversões com fins de lucro, estão destruindo nossa biodiversidade, envenenando nossa água, nossos rios, riachos, e a terra e sua capacidade para manter a vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Isto se agrava ainda mais devido ao cambio climático e as represas hidroelétricas e outras formas de produção de energia que afetam a todo o ecossistema e sua capacidade para promover a vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A soberania alimentaria é uma expressão fundamental de nossos direitos coletivo a livre determinação e desenvolvimento sustentável. A soberania alimentar e o direito a alimentação devem ser reconhecidos e respeitados: alimentação não deve ser mercadoria que se utiliza, comercializa ou especula com fins de lucro. Nutre nossas identidades, nossas culturas e idiomas, e nossa capacidade para sobreviver como povos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">5. A Mãe Terra é a fonte da vida que se requer proteger, não como um recurso para ser explorado e mercantilizado como “capital natural”. Temos nosso lugar e nossas responsabilidades dentro da ordem sagrada da Criação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sentimos a alegria sustentadora quando as coisas ocorrem em harmonia com a Terra e com toda a vida que cria e sustenta. Sentimos a dor da falta de harmonia quando somos testemunho da desonra da ordem natural da Criação e da colonização econômica e continua, assim como a degradação da Madre Terra e toda a vida nela. Até que os direitos dos povos indígenas sejam observados, velados e respeitados, o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza não ocorrerão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>A solução</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">6. A relação inseparável entre os seres humanos e a Terra, inerente para os povos indígenas deve ser respeitada pelo bem das gerações futuras e toda a humanidade. Instamos a toda a humanidade a se unir conosco para transformar as estruturas sociais, as instituições e relações de poder que são a base de nossa pobreza, opressão e exploração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A globalização imperialista explora todo o que garante a vida e a terra. Necessitamos reorientar totalmente a produção e o consumo na base das necessidades humanas no lugar da acumulação desenfreada de ganância para com poucos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A sociedade deve tomar controle coletivo dos recursos produtivos para satisfazer as necessidades de desenvolvimento social sustentável e evitar a sobreprodução, o sobreconsumo e a sobreexploração das pessoas e da natureza que são inevitáveis abaixo o atual sistema capitalista monopólico.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Devemos enfocar sobre comunidades sustentáveis com base nos conhecimentos indígenas e no desenvolvimento capitalista.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">7. Exigimos que as Nações Unidas, os governos e as empresas abandonem as falsas soluções a mudança climática, tais como as grandes represas hidroelétricas, os organismos geneticamente modificados, incluindo as árvores transgênicas, as plantações, os agro combustíveis, o “carbono limpo”, a energia nuclear, o gás natural, a transposição das águas dos rios, a nanotecnologia, a biologia sintética, a bio energia, a biomassa, o biochar, a geoengenharia, os mercados de carbono, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e REDD+ que colocam em perigo o futuro e a vida tal como a conhecemos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No lugar de ajudar a reduzir o aquecimento global, eles envenenam e destroem o meio ambiente e deixam que a crise climática aumente exponencialmente, o que pode deixar o planeta praticamente inabitável. Não podemos permitir que as falsas soluções destruam o equilíbrio da Terra, assassinem as estações, desencadeiem o caos do mal tempo, privatizem a vida e ameacem a supervivência da humanidade. A Economia Verde é um crime de lese humanidade e contra a Terra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">8. Para lograr o desenvolvimento sustentável os Estados devem reconhecer os sistemas tradicionais de manejo de recursos dos povos indígenas que há existido por milênios, nos sustentando assim durante o colonialismo. È fundamental garantir a participação ativa dos povos indígenas nos processos de tomada de decisões que os afetam e seu direito ao consentimento livre, prévio e informado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os Estados também devem proporcionar apoio aos povos indígenas que seja adequada a sua sustentabilidade e prioridades livremente determinadas, sem restrições e diretrizes limitantes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">9. Seguiremos lutando contra a construção de represas hidrelétricas e todas as formas de produção de energia que afetam nossas águas, nossos peixes, nossa biodiversidade e os ecossistemas que contribuem com a nossa soberania alimentar. Trabalharemos para preservar nossos territórios contra o veneno das plantações de monoculturas, das indústrias extrativas e outros projetos destrutivos do meio ambiente, e continuar nossas formas de vida, preservando nossas culturas e identidades.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Trabalharemos para preservar nossas plantas e as sementes tradicionais, e manter o equilíbrio entre nossas necessidades e as necessidades de nossa Mãe Terra e sua capacidade de garantir a vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Demonstraremos ao mundo que se pode e se deve fazer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em todos estes assuntos documentaremos e organizaremos a solidariedade de todos os povos indígenas de todas as partes do mundo, e todas as demais fontes de solidariedade dos não indígenas de boa vontade a se unir a nossa luta pela soberania alimentar e a seguridade alimentaria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rejeitamos a privatização e o controle corporativo dos recursos, tais como nossas sementes tradicionais e dos alimentos. Por último, exigimos aos estados que defenda nossos direitos ao controle dos sistemas de gestões tradicionais e ofereça um apoio concreto, tais como as tecnologias adequadas para que possamos defender nossa soberania alimentar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rejeitamos as promessas falsas do desenvolvimento sustentável e soluções ao cambio climático que somente serve a ordem econômica dominante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rejeitamos a REDD, REDD+ e outras soluções baseadas no mercado que têm como enfoque nossos bosques, para continuar violando nossos direitos inerentes a livre determinação e ao direito as nossas terras, territórios, águas e recursos, e direito da Terra a criar e manter a vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não existe tal coisa como “mineração sustentável”. Não existe tal coisa como “petróleo ético”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">10. Rejeitamos a aplicação de direitos de propriedade intelectual sobre os recursos genéticos e o conhecimento tradicional dos povos indígenas que resulta na privatização e mercantilização do Sagrado essencial para nossas vidas e culturas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rejeitamos as formas industriais da produção alimentícia que promove o uso de agrotóxicos, sementes e organismos transgênicos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Portanto, afirmamos nosso direito a ter, controlar, proteger e herdeiros as sementes nativas, plantas medicinais e os conhecimentos tradicionais provenientes de nossas terras e territórios para o beneficio de nossas futuras gerações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Nosso Compromisso com o Futuro que Queremos</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">11. Pela ausência da implementação verdadeira do desenvolvimento sustentável o mundo está em múltiplas crises ecológicas, econômicas y climáticas. Incluindo a perda de biodiversidade, desertificação, o derretimento dos glaciares, escassez de alimentos, água e energia, uma recessão econômica mundial que se acentua, a instabilidade social e a crise de valores.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesse sentido, reconhecemos que temos muito fazer para que os acordos internacionais respondam adequadamente aos direitos e necessidades dos povos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As contribuições atuais potenciais de nossos povos devem ser reconhecidas como um desenvolvimento sustentável verdadeiro para nossas comunidades que permita que cada um de nós alcance o Bem Viver.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">12. Como povos, reafirmamos nosso direito a livre determinação a controlar e manejar nossas terras e territórios tradicionais, águas e outros recursos. Nossas terras e territórios são a parte estrutural de nossa existência – somos a Terra a Terra, é nós -. Temos uma relação espiritual e material com nossas terras e territórios e estão intrinsecamente ligados a nossa supervivência e a preservassem e desenvolvimento de nossos sistemas de conhecimentos e culturas, a conservação, uso sustentável da biodiversidade e o manejo de ecossistemas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Exerceremos o direito a determinar e estabelecer nossas prioridades e estratégias de auto desenvolvimento para o uso de nossas terras, territórios e outros recursos. Exigimos que o consentimento livre, prévio e informado seja o princípio de aprovação ou desaprovação definitivo y vinculante de qualquer plano, projeto ou atividade que afete nossas terras, territórios e outros recursos. Sem o direito ao consentimento livre, prévio e informado o modelo colonialista, o domínio da Terra e seus recursos seguirá com a mesma impunidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">13. Seguiremos nos unindo como povos indígenas e construindo una solidariedade e aliança forte entre nós mesmos, comunidades locais e verdadeiros promotores não-indígenas de nossos temas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esta solidariedade avançará a campanha mundial para os direitos dos povos indígenas a sua terra, vida e recursos e o lugar de nossa livre determinação e liberação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Seguiremos desafiando e resistindo aos modelos colonialistas e capitalistas que promovem a dominação da natureza, o crescimento econômico desenfreado, a extração de recursos sem limite para ganâncias, o consumo e a produção insustentável e as acordos não regulamentados e os mercados financeiros.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os seres humanos são uma parte integral do mundo natural e todos os direitos humanos, incluindo os direitos dos povos indígenas, devem ser respeitados e observados por o desenvolvimento.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">14. Convidamos a toda a sociedade civil a proteger e promover nossos direitos e cosmovisões e respeitar a lei da natureza, nossas espiritualidades e culturas e nossos valores de reciprocidade, Harmonia com a natureza, a solidariedade e a coletividade. Valores como cuidar o compartilhar, entre outros, são cruciais para criar um mundo más justo, equitativo e sustentável. Neste contexto, fazemos um chamado para inclusão da cultura como o quarto pilar do desenvolvimento sustentável.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">15. O reconhecimento jurídico e a proteção dos direitos dos povos indígenas da terra, dos territórios,dos recursos e os conhecimentos tradicionais deveriam ser um requisito para o desenvolvimento e planificação de todos e cada um dos tipos de adaptação e mitigação da mudança climática, conservação ambiental (incluindo a criação de “áreas protegidas”), o uso sustentável da biodiversidade e medidas a combater desertificação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em todos os casos, tem que haver consentimento livre, prévio e informado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">16. Continuamos dando seguimento aos compromissos assumidos na Reunião da Terra tal como se reflete nesta declaração política. Fazemos um chamado a ONU a começar sua implementação, e assegurar a participação plena, formal e efetiva dos povos indígenas em todos os processos e atividades da Conferência de Rio+20 e mais além, de acordo com a Declaração das Nações Unidas sobe os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPI) e o principio do consentimento livre, prévio e informado (CLPI).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Seguimos habitando e mantendo os últimos ecossistemas sustentáveis com as mais altas concentrações de biodiversidade no mundo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Podemos contribuir de uma maneira significativa ao desenvolvimento sustentável porém acreditamos que o marco holístico de ecossistemas para o desenvolvimento se deve promover. isso inclui a integração do enfoque de direitos humanos, o enfoque de ecossistemas e enfoques culturalmente sensíveis e baseados em conhecimentos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">17. Expressamos nossa solidariedade e apoio para as demandas e aspirações dos povos indígenas no Brasil encontradas no anexo a esta declaração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>“Caminhamos para o futuro nos rastros de nossos antepassados”.</b></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aprovado por aclamação, Aldeia de Kari-Oca, no Sagrado Kari-Oca Púku</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rio de Janeiro, Brasil, 18 de junho de 2012</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-65745911229819053682014-07-19T17:27:00.000-07:002014-07-19T18:00:55.493-07:00DECLARAÇÃO DA ALDEIA KARI-OCA 1992<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU2ZnIyZZVKrL7risamv5wURtOvUqZeqZkjdY7zKJ7caOWkLQ3CqeAbhYMOnKqO5DDAqLNaaUxv44APOZi9EZsSqtwKjzVt-kgl0YzVR6U3sq5EeG8JpYXSVfw4Tbeqmoh3SGIGMFFsQ/s1600/Aldeia+Karioca+92.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU2ZnIyZZVKrL7risamv5wURtOvUqZeqZkjdY7zKJ7caOWkLQ3CqeAbhYMOnKqO5DDAqLNaaUxv44APOZi9EZsSqtwKjzVt-kgl0YzVR6U3sq5EeG8JpYXSVfw4Tbeqmoh3SGIGMFFsQ/s1600/Aldeia+Karioca+92.jpeg" height="414" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No dia 30 de maio passado, fez 22 anos da Declaração da Aldeia Kari-oca, promulgada durante a Conferência Mundial dos Povos Indígenas sobre Território, Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro, por ocasião da “Eco-92”. Duas décadas depois, ela se mantém atual, pois pouco mudou. Vale a pena rele-la:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- - - - - - -</b></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nós, Povos Indígenas das Américas, Ásia, África, Austrália, Europa e Pacífico, unidos em só voz na Aldeia Kari-Oca, expressamos a nossa gratidão coletiva aos povos indígenas do Brasil.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Inspirados por este encontro histórico, celebramos a unidade espiritual dos povos indígenas com a Terra e nossos antepassados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Continuamos construindo e formulando nosso compromisso mútuo de salvar a nossa mãe Terra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nós, Povos Indígenas, apoiamos a seguinte declaração como nossa responsabilidade coletiva para que nossas mentes e nossas vozes continuem no futuro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nós, Povos Indígenas, caminhamos em direção ao futuro nas trilhas dos nossos antepassados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Do maior ao menor ser vivente, das quatro direções do ar, da água, da terra e das montanhas, o Criador colocou a nós, povos indígenas, em nossa terra, que é nossa mãe.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As pegadas de nossos antepassados estão permanentemente gravadas nas terras de nossos povos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nós, Povos Indígenas, mantemos nossos direitos inerentes à autodeterminação. Sempre tivemos o direito de decidir as nossas próprias formas de governo, de usar nossas próprias leis, de criar e educar nossos filhos, direito a nossa própria identidade cultural sem interferências.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Continuamos mantendo nossos direitos inalienáveis a nossa terras e territórios, e a todos os nossos recursos do solo e do subsolo, e das nossas águas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Afirmamos nossa contínua responsabilidade de passar todos esses direitos às gerações futuras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não podemos ser desalojados de nossas terras. Nós, Povos Indígenas, estamos unidos pelo círculo da vida em nossas terras e nosso meio ambiente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nós, Povos Indígenas, caminhamos em direção ao futuro, nas trilhas dos nossos antepassados!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Direitos Humanos e Direito Internacional</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">1. Nós, Povos Indígenas, exigimos o direito à vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">2. O Direito Internacional deve referir-se também aos Direitos Humanos coletivos dos Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">3. Existem muitos instrumentos internacionais que tratam dos direitos individuais, porém não há declarações que reconheçam os direitos humanos coletivos. Assim, nós recomendamos aos governos que apoiem o Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas nas Nações Unidas, para que possam chegar a uma Declaração Universal sobre Direitos Indígenas, atualmente em estudo final.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">4. Recomendamos que a convenção contra o genocídio deve ser mudada incluindo o genocídio dos Povos Indígenas. Há muitos exemplos de genocídio contra os Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">5. A Organização das Nações Unidas deve estar capacitada para enviar indígenas representativos, para manter a paz em territórios indígenas onde haja ameaça de conflitos, ajudando a preveni-los. O mundo deve contribuir para atender as solicitações e os interesses dos Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">6. O conceito Terra Nullius deve ser eliminado do Direito Internacional. Muitos governos dos Estados têm usado Leis internas para apoderar-se de nossas terras. Estes atos ilegais devem ser condenados em todo o mundo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">7. Tem havido muitas discussões por parte dos chamados países democráticos quanto aos direitos dos Povos Indígenas, em aprovar medidas concernentes aos seus futuros, devido ao pequeno número de indígenas que vivem dentro das fronteiras desses Estados. Os governos têm usado o conceito de “maioria” para decidir o futuro dos indígenas. Os Povos Indígenas devem ter preservado seus direitos de serem consultados sobre quaisquer projetos que afetam suas áreas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">8. Devemos promover a expressão “povos indígenas” em todos os foros, evitando seu uso com qualidade depreciativo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">9. Recomendamos aos governos que ratifiquem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, para garantir instrumentos legais internacionais para os Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">10. Aos Povos Indígenas devem ser reconhecidos possuírem direitos distintos e separados dentro de seus territórios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">11. Devemos assegurar nossos direitos ao livre trânsito através das fronteiras políticas impostas pelo Estado e que dividem nossos territórios tradicionais. Deve-se estabelecer mecanismos adequados que assegurem esses direitos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">12. Os sistemas coloniais trataram de dominar e assimilar nossos povos. No entanto, nossos povos devem ser respeitados ao permanecerem distintos apesar dessa pressão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">13. Nossos sistemas de governos indígenas e os sistemas legais devem ser reconhecidos pela Organização das Nações Unidas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">14. Nossos direitos à autodeterminação devem ser reconhecidos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">15. Os governos não devem obrigar-nos a aceitar mudanças de localização de nossas populações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">16. Devemos manter nosso direito às formas tradicionais de nossas vidas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">17. Devemos manter direito às formas espirituais de nossas vidas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">18. Devemos manter nosso direito de não sermos pressionados pelas multinacionais, sobre nossas vidas e nossas terras. Todas as incorporações que violarem nossas terras nativas devem ser denunciadas às representações da Organização das Nações Unidas a nível internacional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">19. Devemos estar livres de qualquer forma de racismo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">20. Devemos manter nosso direito de decidir os rumos de nossas aldeias.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">21. A Organização das Nações Unidas deve contar com procedimentos especiais ao tratar de temas sobre violação das convenções de direitos dos Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">22. As convenções assinadas entre Povos Indígenas e não-indigenas devem ser acatadas como formas legais e de direito internacional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">23. A Organização das Nações Unidas deve exercitar também o direito de impor sanções contra governos que violarem os direitos dos Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">24. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas inclua o tema dos Povos Indígenas na Agenda da Conferência Mundial dos Direitos Humanos a ser realizada em 1993.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">25. Os Povos Indígenas devem ter assegurado o direitos a sua própria ciência, linguagem, cultura e educação, incluindo aspectos biculturais e bilíngues através do reconhecimento formal e informal com a participação da família e da aldeia assegurado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">26. O direito dos Povos indígenas à saúde deve incluir a sabedoria tradicional dos anciões e curandeiros indígenas. O reconhecimento à medicina tradicional e seu poder preventivo e espiritual devem ser reconhecidos e protegidos contra formas de exploração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">27. A Corte Mundial deve estender seus poderes também aos povos indígenas e suas aspirações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">28. Recomendamos que se estabeleça um sistema de segurança para o retorno dos delegados indígenas aos seus territórios. Esses dirigentes devem ser livres e respeitados, ao atenderem chamados e ao participarem de eventos internacionais de interesse indígena.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">29. Recomendamos que os direitos da mulher indígena sejam respeitados. Elas devem ser respeitadas na sua região local e a nível nacional e internacional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">30. Os direitos históricos dos povos indígenas, anteriormente mencionados, devem ser garantidos nas leis de cada país.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Terras e Territórios</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">31. Os Povos Indígenas foram colocados pelo Criador na Mãe Terra. Nós pertencemos à Terra, não podemos ser separados de nossas terras e de nossos territórios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">32. Nossos territórios são uma totalidade viva em permanente relação vital entre os seres humanos e a natureza. A posse de nossos territórios produz nosso desenvolvimento cultural. Nossas propriedade territorial deve ser inalienável e permanente. E não se devem negar nossos títulos de propriedade. Para garantir isto, fazem falta apoios econômicos, legais e técnicos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">33. Os direitos inalienáveis dos Povos Indígenas sobre a Terra e os recursos existentes reafirmam a necessidade de termos assegurado sua posse e sua administração feitas por nós mesmos. Exigimos que isso seja respeitado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">34. Ratificamos nossos direitos à demarcação de nossos territórios tradicionais. A definição de “território” deve incluir o espaço (o ar), a terra e as águas, como tradição especial indígena.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">35. Onde os territórios indígenas tenham sido degradados deve-se facilitar recursos para restaurá-los. A recuperação desses territórios afetados é um dever dos Estados nacionais que não pode tardar. Dentro deste processo de recuperação, a compensação da dívida histórica ecológica deve ser levada em conta. Os Estados nacionais devem revisar em profundidade suas políticas agrárias, minerais e florestais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">36. Nós, os Povos Indígenas, rechaçamos a imposição de leis não-indígenas em nossas terras. Os Estados não podem estender unilateralmente sua jurisdição sobre nossas terras e territórios. O conceito de Terra Nullius deve ser eliminado para sempre das leis do Estado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">37. Nós, os Povos Indígenas, não devemos nunca alterar as formas tradicionais de relacionamento com a Terra, assegurando-a para as gerações futuras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">38. Se um governo não-indígena, indivíduos ou corporações quiserem usar nossas terras, deverá haver um acordo formal que estabeleça os termos e as condições. Nós, os Povos Indígenas, devemos ter a segurança de uso de nossas terras para o bem comum e a compensação para nossas populações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">39. As fronteiras tradicionais de nossos territórios, incluindo as águas, devem ser respeitadas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">40. Deve haver controle sobre os grupos ambientalistas que tratam de proteger nossos territórios e as espécies dentro de nossos territórios. Em muitos casos, os grupos ambientalistas estão mais preocupados com os animais que com os seres humanos. Fazemos um chamado aos Povos Indígenas para que determinem os limites, antes de permitir seu ingresso a nossos territórios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">41. Não se deve criar parques às expensas dos povos indígenas. Não há modo de separar os povos indígenas de suas terras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">42. Os povos indígenas não devem ser expulsos de suas terras para dá-las aos colonizadores ou para outras formas de atividade econômica.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">43. Em muitos casos, o número de povos indígenas foi reduzido, devido às invasões de povos não-indigenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">44. Os povos indígenas devem apoiar sua gente para que cultive seus próprios produtos tradicionais em lugar de usar cultivos exóticos importados que não beneficiam sua gente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">45. Não se deve depositar dejetos tóxicos em nossas terras. Os povos indígenas devem tomar consciência de que os produtos químicos como pesticidas e dejetos perigosos não beneficiam nossa gente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">46. As áreas tradicionais dos Povos Indígenas devem ser protegidas contra formas futuras de degradação ambiental.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">47. Recomendamos que cessem todo uso de materiais nucleares.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">48. Recomendamos que a extração de produtos minerais para uso nuclear seja proibida em áreas indígenas, cuja violação deve ser considerada como crime contra a humanidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">49. As terras indígenas jamais deverão ser usadas para testes ou depósitos de produtos nucleares.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">50. As políticas de governo e de Estado sobre transferência de população indígena devem ser evitadas pois sempre ocasionam degradação territorial e ambiental e prejuízos sociais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">51. Alguns governos se utilizam das terras indígenas para captação de fundos internacionais, ocasionando prejuízos e perdas de nossas terras e territórios. Recomendamos que isso não seja mais praticado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">52. Em muitos países, as terras indígenas são utilizadas para propósitos militares, isso é um uso inaceitável para com a mãe Terra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">53. Os colonizadores das terras indígenas devem evitar tocar ou usar indevidamente os códigos e os nomes sagrados de nossas terras. Isso seria uma afronta espiritual e um genocídio contra o futuro de nossos filhos e seus aprendizados tradicionais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">54. As nossas florestas não estão usadas para os propósitos pelas quais foram criadas. Elas têm sido usadas para ganhar dinheiro. Recomendamos que isso seja evitado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">55. As atividades tradicionais, tais como cerâmica e o artesanato, estão sendo destruídas pela importação de bens industriais. Isso empobrece nossa gente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Biodiversidade e Conservação</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">56. Os círculos vitais estão em continuamente interrelação, de tal modo que quando se muda um dos elementos, se afeta a totalidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">57. As mudanças climáticas afetam tanto os Povos Indígenas como toda a humanidade, ocasionando total desequilíbrio ecológico. Recomendamos que isso seja evitado, pois ocasionará prejuízos à agricultura e à qualidade da vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">58. As florestas estão sendo destruídas para estabelecer atividades que não beneficiam os seres humanos, animais, pássaros e peixes. Estas atividades só buscam o benefício econômico sem se importarem com a destruição do equilíbrio ecológico. Devem ser canceladas todas as concessões florestais e os incentivos às indústrias madeireiras, de criação de gado e mineiras que afetam os ecossistemas e os recursos naturais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">59. Os Povos Indígenas reconhecem e valorizam a busca de proteção à biodiversidade, mas rejeitamos sermos incluídos como parte da diversidade inerte, preservado por razões científicas ou folclóricas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">60. As estratégias de vida dos Povos Indígenas adotada ao longo do tempo devem ser levadas consideradas como referência para a formulação e aplicação das políticas ambientais nacionais e sobre a diversidade biológica.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Estratégias de Desenvolvimento</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">61. Os povos indígenas devem ser consultados para quaisquer trabalhos e projetos em seus territórios. Antes do consentimento ser obtido, as pessoas indígenas devem estar totalmente envolvidas nas decisões. A eles devem ser dadas todas as informações a respeito do projeto e seus efeitos. Do contrário, será considerado um crime contra os Povos Indígenas. A pessoa ou as pessoas que violarem isto devem ser julgadas em um tribunal mundial com o controle das pessoas indígenas designadas para esse propósito, que pode ser similar aos julgamentos feitos depois da Segunda Guerra Mundial contra crimes à humanidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">62. Temos o direito às nossas próprias estratégias de desenvolvimento baseadas em nossas práticas culturais transparente, eficiente e com viabilidade econômica e ecológica.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">63. Nosso desenvolvimento e estratégias para a vida estão sendo obstruídos pelos interesses dos governos, das grandes empresas e pelas políticas neoliberais. Nossas estratégias têm como condição fundamental a existência de relações internacionais baseadas na justiça, na equidade e na solidariedade entre seres humanos e as nações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">64. Qualquer estratégia de desenvolvimento deve priorizar a eliminação da pobreza, a garantia relativa ao clima, a administração sustentável dos recursos naturais, a continuidade das sociedades democráticas e o respeito às diferenças culturais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">65. A ajuda global para o meio ambiente deverá consignar pelo menos 20% (vinte por cento) para as estratégias e programas de contingência ambiental para os povos indígenas, assim como elevar sua qualidade de vida, a proteção dos recursos naturais e a reabilitação dos ecossistemas. Esta proposta no caso de Estados Unidos e Caribe, deve concretizar-se num Fundo de Desenvolvimento Indígena como uma experiência piloto com o fim de estender-se para outros povos indígenas e continentes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">66. O conceito de “desenvolvimento” significou a destruição de nossas terras. Rechaçamos qualquer argumento que esse “desenvolvimento” tenha sido benéfico para nossos povos. Não somos culturas estáticas e mantemos nossas identidades através de permanente recriação de nossas condições de vida, e isso tem sido obstaculizado com o argumento desse “desenvolvimento”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">67. Reconhecendo a relação harmônica que existe entre os povos indígenas e a natureza, os modelos de desenvolvimento ambiental e valores culturais devem ser respeitados como distintas e vitais fontes de sabedoria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">68. Os povos indígenas estiveram na terra desde antes do começo do “tempo”. Surgimos diretamente do criador. Temos vivido e cuidado da terra desde o primeiro dia. Os povos, aos quais não pertence a terra, deverão deixá-las porque aquilo que chamam de “desenvolvimento” (sobre a terra) vai contra as Leis do Criador.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">69. a) Para que os povos indígenas assumam o controle, o manejo e a administração de seus recursos e territórios, os projetos de desenvolvimento deverão estar baseados nos princípios de autodeterminação e administração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">b) Os povos indígenas devem ser auto-suficientes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">70. Se nós formos plantar, a colheita deve ser para alimentar as pessoas. Não é apropriado que a terra seja usada para cultivar colheitas que não alimentem as populações locais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">a) Com respeito às políticas indígenas, os Estados governamentais devem parar com processos de assimilação e integração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">b) Os povos indígenas devem aprovar todos os projetos em seus territórios. Antes de obtida a aprovação, as pessoas devem estar completamente envolvidas nas decisões. Elas devem ter toda a informação sobre o projeto e seus efeitos. Se isto não se cumprir, será considerado um crime contra os povos indígenas. A pessoa ou pessoas devem ser julgadas diante de um tribunal do mundo, com a participação de indígenas, organizados para esse propósito. Isto pode ser similar aos julgamentos realizados depois da Segunda Guerra Mundial.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">71. Nós, os Povos Indígenas, nunca deveremos usar o termo “demandas da terra”. São as pessoas não-indígenas as que não têm terras. Todas as terras são nossas terras. São as pessoas não-indígenas as que estão demandando nossas terras. Nós não estamos fazendo demandas de nossas terras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">72. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas crie um grupo fiscalizador a fim de monitorar as disputas territoriais no mundo, incluso aquelas que prevêem projetos de “desenvolvimento” polêmicos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">73. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas promova uma grande conferência a respeito de “Terras Indígenas e desenvolvimento”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">74. Os povos não-indígenas vieram a nossa terra com o propósito de explorar essa terra e suas reservas, para beneficiar a eles mesmos, e para empobrecer o nosso povo. Os povos indígenas são vítimas do desenvolvimento; em muitos casos os povos indígenas são exterminados em nome dos programas de desenvolvimento. Há vários exemplos dessas ocorrências.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">75. Desenvolvimento que ocorra em terras indígenas sem o consentimento das pessoas indígenas deve ser parado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">76. O desenvolvimento que ocorre em terras indígenas é usualmente decidido sem consulta local, por pessoas que não são da família indígena, nem conhecedoras das condições e necessidades locais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">77. A noção eurocêntrica de propriedade está destruindo nosso povo. Nós devemos retornar para a nossa visão do mundo, da terra e do desenvolvimento. Este tema não deve ser separado dos direitos dos povos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">78. Há diferentes formas de desenvolvimento, como a construção de estradas, comunicações, eletricidade, que facilitam acesso às terras dos Povos Indígenas. Essa industrialização tem efeitos destrutivos sobre nossos povos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">79. Em várias partes do mundo, existem movimentos visando remover os Povos Indígenas das terras para as cidades. Rechaçamos esse uso em nome do “desenvolvimento”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">80. Recomendamos que quando a agência governamental vier morar em nossos territórios, evitem dizer ao nosso povo o que deve ser feito, ou o que é necessário.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">81. Muitos governos criaram instâncias artificiais como os “Conselhos de Distritos” para agradar a comunidade internacional. Essas entidades dominadas por ele mesmos têm funcionado como consultoras sobre o desenvolvimento da região. Os Povos Indígenas rechaçam e denunciam tais manobras que utilizam seus nomes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">82. Recomendamos que haja uma rede de informações indígenas, que distribua material informativo, visando intercambiar notícias sobre outras realidades.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">83. Os Povos Indígenas devem formar e divulgar sua própria visão de meio ambiente, valores e meio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Cultura, Ciência e Propriedade Intelectual</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">84. Sentimos o planeta Terra como nossa mãe. Quando o planeta estiver contaminado e enfermo, a saúde humana será impossível. Para que possamos nos curar, devemos curar o planeta e para curar o planeta devemos nos curar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">85. Devemos buscar a cura do planeta, desde nossas bases até o nível mundial.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">86. A destruição cultural sempre foi considerada como um problema interno de cada país. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas crie um tribunal para advertir e evitar a destruição das culturas indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">87. Os Povos Indígenas devem contar com observadores internacionais, quando houver risco de corrosão social, econômica e cultural nos seus territórios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">88. Os restos humanos e os objetos materiais das populações indígenas devem ser devolvidos a seus donos originais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">89. Nossos lugares sagrados e nossas cerimônias devem ser protegidos e considerados como patrimônios indígenas e da humanidade, garantido por instrumentos legais a nível internacional e internacional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">90. O uso das línguas indígenas existentes é um direito nosso e isso deve ser protegido e incentivado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">91. Os Estados que eliminaram o uso das línguas indígenas e seus alfabetos devem ser censurados pela Organização das Nações Unidas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">92. Não devemos permitir que o turismo seja utilizado para diminuir a nossa cultura. Eles chegam em nossas comunidades, vêem nossas gentes como se fossem parte de um zoológico. Os Povos Indígenas devem ter o poder de decidir a favor ou contra o turismo em suas áreas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">93. Nós, os indígenas, devemos contar com recursos necessários para controlar e adotar nossos sistemas educacionais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">94. Os anciãos devem ser respeitados e reconhecidos como mestres dos jovens.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">95. Sabedorias indígenas devem ser reconhecidas e apoiadas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">96. O conhecimento tradicional das plantas e ervas deve ser protegido e transmitido às gerações futuras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">97. As tradições não devem ser separadas da terra, dos territórios e das ciências.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">98. O conhecimento tradicional permitiu até agora a sobrevivência dos Povos Indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">99. Quando houver usurpação e apropriação indevida das medicinais tradicionais e dos conhecimentos indígenas, será considerado crime contra os povos e a humanidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">100. A cultura material está sendo usada pelas pessoas não-indigenas para conseguir acesso às nossas terras e reservas, assim destruindo a nossa cultura tradicional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">101. A maioria da imprensa inconsequente, nesta conferência, somente estava interessada em fotos, que serão vendidas com lucro. Este é um outro caso de exploração indígena que não ajuda a causa índia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">102. Como criadores e transmissores de civilizações, que deram e continuam a repartir conhecimento e valores com a humanidade, nós requisitamos que os nossos direitos à propriedade intelectual e cultural seja garantido e que o mecanismo de cada implantação seja em favor do nosso povo. A esse respeito, deve incluir o direito sobre recursos genéticos, banco de gens, biotecnologia e conhecimento de programas da biodiversidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">103. Nós deveremos denunciar museus e instituições suspeitos que têm usado mal a nossa cultura e propriedades intelectuais, com prejuízo a nossa dignidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">104. A proteção, normas e mecanismos dos artistas e artesanatos criadas por nosso povo devem ser estabelecidas e implementadas a fim de evitar exploração, plágios, exposição e uso indevido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">105. Quando as pessoas indígenas forem obrigadas a saírem de suas aldeias, devem fazer todo esforço e criar mecanismos que assegurem seu retorno, para evitar a dizimação de seu povo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">106. Os Povos Indígenas têm tido suas músicas, danças e cerimônias como únicos aspectos de vida. Rechaçamos qualquer forma de modificação desses costumes com o argumento de modernidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">107. Recomendamos aos governos locais, nacional e internacional, que criem fundos para educação e treinamento indígena, como forma de contribuir para novos métodos de sobrevivência e acessível a todos os níveis, em particular nos jovens, crianças e mulheres.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">108. Nós, Povos Indígenas, recomendamos a proibição das discriminações folclóricas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">109. Nós, Povos Indígenas, recomendamos à Organização das Nações Unidas que promova uma pesquisa com dados científicos dos conhecimentos indígenas e contribua com sua divulgação, criando uma rede de ciência dos primeiros povos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aldeia Kari-Oka, 30 de Maio de 1992</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-71185289522967977622014-07-19T00:57:00.000-07:002014-07-19T07:31:30.607-07:00ORIGEM DOS POVOS AMERICANOS - HIPÓTESES PRÉ-CIENTÍFICAS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNVWu72rMCwIBAIJpDZ5Rt5V9egRC2xjxcIrbIdLVcoZ4IXAsInHHDNV1HzTCHTecYPn1H69kvh99n1cviywu0giCsy7kSaIUCXeOsouv-NCgHZbL3OQdbhw8ZNDcePU8UoioLSR35fg/s1600/mapaantigo-300x300.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNVWu72rMCwIBAIJpDZ5Rt5V9egRC2xjxcIrbIdLVcoZ4IXAsInHHDNV1HzTCHTecYPn1H69kvh99n1cviywu0giCsy7kSaIUCXeOsouv-NCgHZbL3OQdbhw8ZNDcePU8UoioLSR35fg/s1600/mapaantigo-300x300.jpg" height="400" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando os europeus chegaram no Novo
Mundo, encontraram uma nova humanidade, completamente desconhecida. Colombo e
seus companheiros ficaram admirados de que sobre eles não houvesse referências
nem na Bíblia, nem nos escritos dos filósofos de qualquer época. À falta de
informações, as mais rudimentares, sobre aqueles estranhos habitantes, supôs a
expedição colombiana que eles fossem “índios”, isto é, habitantes das Índias,
que estavam certos haver atingido pelo caminho do ocidente.<span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De fato, desde o início, começaram a se elaborar
as mais extravagantes hipóteses sobre a procedência dos “índios” do Novo Mundo.
O inquisidor espanhol Gregório Garcia reuniu toda a vasta bibliografia que
foram construídas sobre as hipóteses até fins do século XVI. Depois dele,
muitos outros autores continuaram esse trabalho e hoje temos, por exemplo, a
obra de Imbelloni “La Esfinge Indiana” – um exame de conjunto de todas as
hipóteses americanistas. Podemos sintetizar essas teorias pré-científicas nos
seguintes grupos: origens bíblicas, origens de continentes desaparecidos,
origens de outros continentes e origens autóctones.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ORIGENS
BÍBLICAS<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Discutiu-se muito, nos primeiros tempos,
se os índios do Novo Mundo teriam provindo de Adão e Eva, como a outra parte da
humanidade... Foi preciso que Paulo III emitisse a bula Veritas Ipsa, em1537, para os proclamar filhos do
Éden, como todos os outros humanos. E, então, surgiram as várias hipóteses
bíblicas dos séculos XVI e XVII. A primeira dessas hipóteses, segundo nos conta
Gregório Garcia, foi a de Arias Montano, em 1593, para quem os índios
americanos em geral priviriam dos filhos e netos de Noé. Um dos descendentes da
estirpe de Noé – Ofir – teria povoado a América até o Peru, enquanto outro –
Jobal – teria entrado no Brasil. Grande número de autores procurou logo mostrar
as analogias linguísticas entre Ofir (Ophir) e Peru.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Outros autores admitiram diferentes
filiações bíblicas: de Cam (Torquemada), de Jafet (Piedrahita e Zamora), de
Jacó, etc.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A origem israelita dos índios americanos
tem sido uma das hipóteses mais acariciadas, desde os padres Bartolomeu de Las
Casas e Duran, e o próprio Gregório Garcia, até autores do século XX, como
Horowitz. Que os índios fossem judeus, descendentes das dez tribos de Israel, é
o que Gregório Garcia admitiu sem contestação. <i>“Os indígenas, </i>- escreveu ele – <i>são
poltrões, não reconhecem Jesus Cristo, não agradecem o bem que se lhes faz”</i>.
Só podiam ser judeus! Não é preciso citar a lista enorme de autores que
sustentaram a hipótese judia, em todos os séculos XVII e XVIII. Basta destacar
os argumentos de Diego Andrés Rocha, um erudito autor que em 1681 escreveu “Origem
dos índios de Peru, México, Santa Fé e Chile”; entre outros argumentos da
origem judaica dos índios, estaria o próprio nome <i>“índio”</i>, corruptela de <i>“iudio”
</i>(judeu), com a mudança do “u” para “n”.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ORIGEM
DE CONTINENTES DESAPARECIDOS<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">É conhecida a literatura sobre os
chamados “continentes desaparecidos”. Todo um grupo de hipóteses sobre esses
continentes gira em derredor da “Atlântida”, do relato platônico. Sua literatura
é vastíssima e interessante é que muitas dessas idéias foram revividas em pleno
século XX. Os índios teriam vindo da Atlântida para um grande número de
autores, a começar pelo o Conde Carli, em fins do século XVIII. Outros “continentes
desaparecidos” foram admitidos como ponto de origem dos índios americanos: “Continente
Pacífico” (Scharff e Clarck, Reginald Enoch); “Lemúria”, continente
desaparecido entre a Índia e a África (Haeckel); “Antártida” ou “Continente
Austral” (Huxley, Osborn, Francisco Moreno, Mendes Correa).<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora autores recentes, como Mendes
Correa, pretendam aduzir razões científicas para hipóteses como a da Antártida,
a seu ver explicando a passagem de australianos para a América do Sul, podemos
considerar, de modo geral, que as origens indígenas de continentes
desaparecidos como sem consistência científica.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ORIGEM
DE OUTROS CONTINENTES<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Das origens bíblicas, estenderam-se os
escritores às hipóteses de origem do índio do Novo Mundo de outras partes da
Terra. Pode-se dizer que praticamente TODOS os pontos da Terra foram
aventurados como lugar de origem. Não é possível examinar todas essas
hipóteses, quase sempre baseadas em analogias lingüísticas, e que enchem a
bibliografia dos séculos passados.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A <b>origem
asiática</b> foi, talvez, a hipótese de maior número de adeptos, e que resnasce
no século XX com tintas científicas. Realmente a hipótese da origem asiática
começa com os exegetas bíblicos. Foi admitida também a migração dos Cananeus,
afirmada por Hornius, em 1652, e continuada por uma longa série de escritores. Também
a hipótese de uma <b>origem fenícia</b>
logrou grande número de adeptos. Pode ser considerada uma continuação das
hipóteses bíblicas. Ela já vem enunciada nos escritores dos primeiros tempos do
descobrimento, mas logrou uma grande voga em períodos mais recentes, quando se
iniciaram os trabalhos de aproximação dos índios (Court de Gebelin, Exzra,
Stiles, Castelnau, De Thoron e muitos outros, incluindo-se na lista vários
americanistas dos Estados Unidos, do Brasil e outros países americanos, como
Putman, L.A.Childe, Ladislau Netto, etc). A hipótese fenícia é uma das que
lograram maior aceitação.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ainda na Ásia, vários autores admitiram
tivesse havido <b>migrações de mongóis,
tártaros, chineses</b>... para a América (Padre Lafitau, John Ranking,
Varnhagen, Humbolt e, mais recentemente, Dekien e M. de Ts’ai). A <b>Ásia Meridional</b> foi identificada como
berço dos índios americanos por Bradford, Bancroft e muitos outros. As <b>origens asiáticas ocidentais</b> e a <b>hipótese ariana</b> tiveram como adeptos
outro grande número de autores, tais como J. de Laet, R. Ellis, Couto de
Magalhães e G. Mendonza.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As <b>origens
mesopotâmicas</b> deram lugar a uma série de considerações, principalmente no
que concerne às <b>origens sumerianas</b> e
<b>babilônicas</b>. São hipóteses que se
emparelham às teses da <b>origem egípcia</b>
e foram submetidas a uma análise crítica rigorosa por Imbelloni. A hipótese
sumeriana foi defendida recentemente pelo Prof. Ricci, da Universidade de
Buenos Aires, e por todo um grupo de autores contemporâneos, também inclinados
à hipótese da origem egípcia.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesse grupo de hipótese asiáticas
inclui-se a maior parte dos monogenistas, que admitem o berço da humanidade num
ponto asiático, variando apenas a localização: Índia, Irã, Ásia Central, etc.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A <b>origem
européia</b> foi admitida por grande numero de escritores. Troianos, gregos,
pelasgos, hicsos, romanos... teriam chegado até o Novo Mundo, é o que sustenta
uma cadeia de autores, como Morton, Campbell, Solas, etc. O próprio Gregório
Garcia admitiu que tivessem chegado gregos às Américas. Lafitau quer descobrir
analogias lingüísticas entre os idiomas indígenas e as raízes gregas. A obra recente
de Fernando Lahille também aponta para analogias lingüísticas dos idiomas da
Terra do Fogo com palavras gregas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Outras origens européias foram
admitidas: os arianistas argumentaram que <b>germanos</b>
e índios americanos tiveram origem comum (H. Wirth, L. Adam, etc). A<b> origem escandinava<i> </i></b>já havia sido defendida por Grotius em 1642 e é retomada dois
séculos depois pelo dinamarquês Rafn (1837), Abner Morse (1861) e o Barão
Bretton (1875). A chamada <b>hipótese
hiperbórea</b> foi recentemente revivida com a admissão de uma conexão cultural
dos esquimós com o ciclo ártico europeu e asiático. Certos antropólogos do
século passado, como Quatrefages e o americano Brinton também admitiram
conexões européias dos índios americanos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Walter Raleigh sustentou as <b>origens britânicas</b> dos índios
americanos (segundo ele <i>Inca Manco Capac</i>
seria corruptela de <i>Englishman Capac</i>).
A <b>origem espanhola</b> foi defendida por
grande número de autores espanhóis e hispano-americanos, como Andrés Rocha –
autor de um livro famoso sobre a origem dos índios (1681). E ainda
contabilizamos uma hipótese de <b>origem
basca</b>, de Basaldim.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As <b>origens
africanas</b> foram aceitas por grande número de investigadores. Assim logrou
grande aceitação entre cronistas e sacerdotes do século XVI – Padre Mariano,
Torquemada, Alejo Venegas, etc. Sobretudo a idéia de que os índios americanos
procedessem dos <b>cartagineses</b>. Outros
autores, séculos depois, quiseram argumentar que a pele negra de muitos índios
americanos seria a prova de sua origem africana – Bernardin de Saint-Pierre e
Hugo Grotius, por exemplo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Autores mais recentes, como L. Capitan,
destacam a semelhança de certas práticas culturais, como a deformação dos
lábios por meio de discos de madeira (Botocudos do Brasil e mulheres africanas
Sara do Chari), como prova de origem africana, pelo menos para alguns grupos de
índios americanos. As pesquisas do professor Leo Wiener, da Universidade de
Harvard, procuraram provar, também, que antes de Colombo, entraram no Novo
Mundo negros africanos. Supõe este autor que muitas práticas religiosas, ritos,
cerimônias e palavras dos índios antilhanos sejam de origem africana. Palavras
como “canoe”, as designações de “batata doce” e “yam” seriam de origem
africana, tudo isso provando que os negros africanos teriam cruzado o oceano
vindos da Guiné.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entre as teorias de origens africanas,
um lugar especial deve caber à <b>teoria
egípcia</b>. Ela já havia sido enunciada em 1875 por John Campbell, que
sustentava a identidade física e cultural de egípcios, mexicanos e peruanos. É,
porém, com os hiperdifusionistas da Escola de Manchester (Elliot Smith e seus
colaboradores, Jackson, Perry e Rivers) que essa hipótese toam uma expressão
mais direta. Elliot Smith e seu grupo admitiram que teria havido uma fase geral
da humanidade em que os homens eram coletores nômades. A mutação cultural para
a agricultura ter-se-ia passado no Vale do Nilo, onde, no quinto milênio antes
de Cristo, se formou um conjunto de processos culturais que foi denominado “complexo
heliolítico”: culto do sol, mumificação de cadáveres e construções megalíticas.
Este conjunto cultural completava-se com uma série de outros traços, como a
agricultura por irrigação, a circuncisão, a tatuagem, a couvade ou choco, a
deformação craniana, os ritos funerários, etc. Do Egito, a civilização
heliolítica teria se difundido para o mundo inteiro, em alguns casos se
aperfeiçoando e em outros decaindo. As culturas americanas mostrariam-se como
exemplos particulares dessa difusão universal. O complexo heliolítico se mostra
sobretudo nas civilizações méxico-andinóides.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As <b>origens
oceânicas</b> constituem uma série de hipóteses que vêm desde o século XVI. Elas
forma revividas por alguns americanistas recentes, como Rivet.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ORIGEM
AUTÓCTONE<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um dos primeiros autores a defender a
origem autóctone dos índios do Novo Mundo foi E. Bailli d’Engel, em 1767,
combatendo as hipóteses fenícias, cartaginesas, etc. Afirmou, inclusive, que o
homem americano é anterior a Noé. Mas foi depois do norte-americano Samuel G.
Morton que a doutrina do autoctonismo se define, afirmando, em 1839, que o
homem americano – à exceção dos esquimós – seria fruto do solo americano. É a
época das acesas discussões entre monogenistas ou não-autoctonistas e
poligenistas ou partidários do autoctonismo do homem americano, como advento
dos naturalistas e antropólogos que enchem com suas discussões todo o século
XIX.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div align="right" class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">Baseado
em texto de Arthur Ramos</span><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></i></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-89895670504280213562014-07-14T01:08:00.001-07:002014-07-14T01:08:30.600-07:00ORIGEM DOS POVOS AMERICANOS - TEORIA POLIGÊNICA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitxBLDpiYDW79EH2PEWjVbFRvkIDBZOUJY7FfMiIUMZp2cKmW2Nwim1w-l72w_aSVMy-e0vGJkAPxBsw3OAlA0yrHSqCY-N0GfMefi05qHC8ntMfCQje6Ogb9TUw4vi0j5zHZBq159xg/s1600/teoria+poligenica+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitxBLDpiYDW79EH2PEWjVbFRvkIDBZOUJY7FfMiIUMZp2cKmW2Nwim1w-l72w_aSVMy-e0vGJkAPxBsw3OAlA0yrHSqCY-N0GfMefi05qHC8ntMfCQje6Ogb9TUw4vi0j5zHZBq159xg/s1600/teoria+poligenica+1.jpg" height="247" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nos últimos anos se vem desenvolvendo no âmbito científico a teoria de que o homem americano tenha tido múltiplas origens.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A hipótese inicial, ou seja, a idéia de que grupos de Homines sapientes atravessaram a pradaria de Beríngia (o atual estreito de Bering), há aproximadamente 14 milênios, não foi posta de lado, mas precisou ser complementada por outras teses. Até há poucos anos, ainda que por puro nacionalismo, muitos estudiosos estadunidenses indicavam o sítio de Clovis no Novo México como o lugar onde teve origem a cultura mãe de toda América (há 13.2 milênios).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto, nos últimos anos, posterior a surpreendentes descobrimentos efetuados na América do Sul (Pedra Furada, Brasil; Monte Verde, Chile e a Caverna de Pedra Pintada, no Brasil), só para citar alguns, chegou-se à conclusão de que o Homo Sapiens veio primeiro a América do Sul e, só depois de vários milênios, a América do Norte.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A segunda teoria, chamada a teoria africana, está suportada nos descobrimentos de Pedra Furada, no Piauí (Brasil), estudado pela arqueóloga Nied Guidon. Foram achados ossos humanos que datam de 12.000 anos, que provam a presença do homem no Brasil atual, contemporaneamente à cultura Clovis da América do Norte. Além de alguns restos de fogueiras (datadas através do método do carbono 14 e da luminescência), tem-se provado que o lugar foi habitado há 60 milênios. Quem eram os antigos habitantes do Piauí, e de onde vinham? Segundo Niede Guidon eram Sapiens arcaicos, não mais de alguns milhares, cuja origem era da África setentrional, desde onde casualmente haviam chegado sobre embarcações rústicas, às costas do Novo Mundo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Estas considerações foram sustentadas pelos investigadores Walter Neves e Danilo Bernardo (do departamento de Genética e Biologia Evolutiva, da Universidade de São Paulo, Brasil), que identificaram, nos crânios encontrados no Piauí, o tipo humano Sapiens arcaico (presente na África desde há 130 milênios).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A terceira teoria, que indica a origem do homem americano na Melanésia e Polinésia, está sustentada por provas antropológicas, etnográficas e linguísticas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As primeiras se baseiam na notável similitude entre vários grupos de indígenas americanos atuais e o tipo humano melanésio e polinésio. Para dar um exemplo se pode citar os Tunebo da Colômbia, que segundo eminentes estudiosos têm extraordinárias semelhanças com nativos da Nova Guiné, ou os Sirionó da Bolívia, que têm características morfológicas melanésias. Existem algumas provas morfológicas indiretas, como as famosas cabeças Olmecas, do México, ou as estátuas de San Agustín na Colômbia Meridional, que apresentam marcadas características negróides, e, portanto, melanésias (ou africanas).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Existem ademais algumas provas etnográficas. A respeito disto, o eminente estudioso Erland Nordenskiold identificou numerosos instrumentos, usos e costumes próprios de várias culturas autóctones americanas, estranhamente similares a outros, típicos de etnias da Nova Guiné, Melanésia e Polinésia. Por exemplo: zarabatanas, porretes, arcos, flechas, lanças, atiradeiras, pontes de cipó, remos, balsas, choças, cerâmicas, morteiros, redes, mosquiteiros, pentes, procedimentos têxteis, ponchos, estojos fálicos, ornamentos nasais, placas peitorais, sistemas arcaicos de numeração como o quipu, tambores de madeira e de couro, máscaras de madeira, tatuagens, uso de pedras de jade incrustadas nos dentes, deformações do crânio e dos joelhos por meio de estranhas faixas e finalmente o uso de conchas como meio de intercâmbio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O etnólogo e linguista francês Paul Rivet (1876 - 1958), provou ademais, com profundos estudos filológicos, que os idiomas americanos têm analogias extraordinárias com os dos indonésios, melanésios e polinésios. Rivet estudou o grupo linguístico Hoka que compreende a já extinta língua Shasta de Óregon, a Chantal do istmo de Tehuantepec, a Subtiaba da Nicarágua e a Yurumangui da Colômbia. Comparando a Hoka com as línguas malésio-polinésias, Rivet encontrou mais de 280 semelhanças nos vocábulos e nas formas gramaticais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Resulta muito difícil, uma vez admitida a veracidade de tais provas, identificar como os povos melanésios e polinésios chegaram a América, quais rotas seguiram, e, sobretudo, onde e quando desembarcaram.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Vários estudiosos têm proposto que, diferentemente da teoria africana, as migrações dos povos oceânicos se desenvolveram em repetidas oportunidades e não ocasionalmente. Os polinésios de fato, foram sempre excelentes navegadores e não pareceria estranho admitir que tenham navegado de uma ilha a outra, provavelmente saindo de Nova Guiné. Pelo estudo das línguas indígenas americanas, analisando aquelas que mostram mais analogias com as melanésias, chega-se à conclusão que existiram numerosos desembarques em muitos lugares: Óregon, México, Colômbia meridional, Equador. Provavelmente estes desembarques cobriram uma faixa temporal que vai desde 12.000 até 1.000 a.C..</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A quarta teoria que tenta explicar o povoamento das Américas, está baseada no fato de que alguns grupos de Sapiens Australóides, chegaram a América desde Austrália há 6 milênios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As provas filológicas desta antiga emigração remontam a 1907, quando o estudioso italiano Trombetti assinalou que os idiomas da Terra do Fogo, pertencentes ao grupo linguístico Chon, próprios das etnias Patagônicas, e Onas tinham surpreendentes afinidades com as línguas australianas. Trombetti achou 93 afinidades de vocábulos e regras gramaticais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Existem algumas provas etnográficas que relacionam os Australóides arcaicos com os indígenas americanos, por exemplo, com a cultura da Terra do Fogo, similar a dos aborígenes australianos. Ambos os povos ignoravam a cerâmica e a rede, e usavam bumerangues e cobertas de couro para se cobrirem do frio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">É difícil determinar a rota oceânica que foi empreendida por estes antigos habitantes Australóides para chegar ao cone sul do continente americano. De fato, diferentemente dos Melanésios e Polinésios, os antigos australianos não foram nunca especialistas em navegação e isso complica as coisas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se analisarmos as correntes oceânicas do Pacífico, nos damos conta de que, enquanto no hemisfério norte há uma circulação no sentido horário, no hemisfério sul sucede o contrário. Isso explica que os Melanésios e os Polinésios, junto com os antigos japoneses, como veremos mais adiante, tenham chegado às costas da América do Norte até o Equador, enquanto os Australóides, admitindo a hipotética perícia na navegação, desembarcaram na zona da América do Sul, que vai desde o cone sul até o Peru meridional.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O antropólogo português Méndez Correa imaginou uma estranha teoria que cito só por curiosidade. Segundo ele, os australianos arcaicos haveriam chegado ao cone sul da América meridional seguindo a via Austrália - Tasmânia - ilhas Macquarie - continente Antártico -Terra do Fogo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Segundo esta suposição, os antigos australianos se encontraram de frente a braços de mar não muito extensos, máximo de 200 quilômetros, considerando que durante a última era glacial (que iniciou há 130 milênios e durou até há 11,5 milênios) o nível dos mares era muito mais baixo que o atual (de mais ou menos 120 metros). É verossímil que tenham seguido este itinerário? Segundo Correa, o clima da Antártida (cujos glaciais iniciaram a se derreter há 17 milênios) nem sempre foi igual ao de hoje. Segundo eminentes climatólogos, durante a glaciação de Wisconsin -Wurm, a maioria dos glaciais do planeta havia ficado concentrada na cúpula polar ártica do hemisfério boreal, mas não no Antártico. Sempre com base nessas suposições, alguns australianos arcaicos haveriam podido viver adaptando-se ao clima rígido de maneira similar aos esquimós do Ártico. Quando logo o clima da Antártida se fez mais frio, buscaram novas terras para colonizar e através da península antártica chegaram navegando a Terra do Fogo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A quinta teoria sobre a população das Américas se baseia no fato de que japoneses arcaicos da cultura Jomon, tenham chegado a América, ao redor de 3.000 a.C., rodeando as costas do Pacífico setentrional, chegando até as costas do atual Equador. Esta tese foi sustentada pelos arqueólogos Evans, Megger e Estrada, em 1950.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A cultura Jomon, que se desenvolveu a partir do décimo milênio a.C., se distinguiu por ser a primeira no mundo em usar a cerâmica, mas adotou a agricultura intensiva só em épocas tardias.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As surpreendentes similitudes com a cerâmica da cultura Valdívia do Equador, tem levado alguns estudiosos a considerarem como possível esta imigração. As similitudes não são só nas decorações, senão também na forma dos vasos. As datas também colimam: a cultura Jomon teve seu período central desde 4.835 até 1.860 a. C., enquanto que o período clássico da cultura Valdívia foi desde 3.600 até 1.500 a.C..</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto existem alguns pontos obscuros: por que os japoneses da cultura Jomon, depois de haverem navegado aproximadamente 13.000 km, rodeando as costas do Alaska, Óregon, Califórnia, México, América central e Colômbia, detiveram-se precisamente no Equador? É possível, para um povo que não domina ainda a agricultura, e que, portanto, não pode aprovisionar suas naves com cereais, realizar viagens assim tão longas?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não é fácil imaginar as condições ambientais destas viagens transpacíficas, nem os motivos que levaram os navegantes pré-históricos a começá-las, com destino desconhecido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Necessitar-se-á considerar, de todas as formas, que, mais que migrações, essas explorações foram empreendidas por grupos limitados de pessoas. A população da América pré-histórica era tão limitada que a chegada de uma dezena de homens com poucas mulheres, em uma só embarcação, poderia haver sido suficiente para deixar mudanças significativas na história genética de regiões inteiras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Porque se foi tão simples para os povos pré-históricos africanos, melanésios, polinésios, australianos e japoneses atravessarem grandes oceanos sem haver adquirido as conquistas típicas da civilização ocidental, como a agricultura e o uso do ferro, não foi igualmente fácil para os europeus navegarem pelo Atlântico, coisa que fizeram só a partir do ano 1.000 d.C. com a viagem de Leif Erikson (o filho de Erik o vermelho) e em 1492 d.C. com a expedição de Cristóvão Colombo?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há que considerar que a civilização ocidental, com as culturas dos sumérios, dos egípcios e logo dos gregos e dos romanos, estava centrada, sobretudo, no Mediterrâneo, um mar enorme praticamente fechado e conectado com o Oceano Atlântico só através do estreito de Gibraltar. Foi precisamente a configuração geográfica do Mediterrâneo a que contribuiu a não divulgar demasiado as técnicas de navegação oceânica, com exceção dos Fenícios, que segundo Eródoto circunavegaram a África no século VII a.C..</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto, não existem provas certas de contatos entre os Fenícios e os povos do Novo Mundo, ainda que alguns investigadores afirmem que a antiga cidade de Tartésios, na atual Andaluzia (Espanha), foi o porto base na antiguidade para as navegações transatlânticas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como se vê, a chave para compreender as múltiplas origens dos nativos americanos está no estudo da antropologia, etnografia, linguística e agora também da genética, por meio da qual no futuro se poderá decifrar todo o genoma de muitos indígenas do Novo Mundo, compreendendo ainda mais suas origens e revelando finalmente um dos maiores mistérios da arqueologia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Desafortunadamente, a desaparição de dezenas de grupos de nativos americanos, sobretudo a partir do século XX, tem cancelado para sempre a possibilidade de conhecer mais a fundo sua história ancestral e suas origens. Preservando os últimos indígenas, que por fortuna na América do Sul ainda são numerosos, poderíamos dar luz a um dos enigmas mais cativantes da aventura do homem sobre o planeta Terra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i>Texto de YURI LEVERATTO - www.yurileveratto.com</i></span></div>
<br />HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-23984181525634750112014-05-30T07:24:00.003-07:002014-05-30T07:24:50.532-07:00CRITÉRIOS DE INDIANIDADE - assimilação, integração e emancipação<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuZAIhtbdkGs6LmvpoglLDGc-6FujUgCKmXijUg5iCOPD6TjZDskehPuYEG1sxCWUw23J6ftzRudvQuSeBOjFYO59jfStfCF0iHEdj1ZfoNg7lLuPXB3cD3geSBGGJKnJLC-XRR-IZHQ/s1600/EMANCIPACAO.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuZAIhtbdkGs6LmvpoglLDGc-6FujUgCKmXijUg5iCOPD6TjZDskehPuYEG1sxCWUw23J6ftzRudvQuSeBOjFYO59jfStfCF0iHEdj1ZfoNg7lLuPXB3cD3geSBGGJKnJLC-XRR-IZHQ/s1600/EMANCIPACAO.jpg" height="400" width="286" /></a></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
A Constituição Federal do Brasil, de 1988, em seu artigo 231, reconheceu o direito e assegurou o respeito aos povos indígenas à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito originário sobre as terras que ocupam tradicionalmente.</div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
Tal conquista, foi fruto de uma coalisão entre movimento indígena e movimento de apoio ao índio, em 1987 mas que se estendeu por todo o processo da Assembléia Constituinte. A importância dessa união só pode ser devidamente avaliada dentro do contexto histórico em que foi gerada e formada. Como parte dessa compreensão, segue um texto de Manuela Carneiro da Cunha, de 1981, sob o título <i><b>"Critérios de Indianidade ou Lição de Antropofagia"</b>.</i></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; text-align: center;">
- - - - - - - - - -</div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) vem manifestando há longos meses uma inquietação persistente, a de saber afinal "quem é e quem não é índio" (veja-se, por exemplo, a <i>Folha de São Paulo</i>, 17/9/1980), inquietação que culmina agora no anuncio de modificação de pelo menos dois artigos do Estatuto do Índio, um que define índios e comunidades indígenas e outro que especifica as condições necessárias para a emancipação. Não se trata, ao que parece, de um problema acadêmico, para o qual, aliás, a antropologia social tem respostas que veremos a seguir. Como a modificação anunciada permite resolver por decreto "quem é e quem não é", dado à Funai a iniciativa, até agora reservada aos interessados, de emancipar índios mesmo à sua revelia, vemos que não parece ser a curiosidade científica o móvel da pergunta. Esta indaga e não decreta. Trata-se, isso sim, segundo tudo indica, da tentativa de eliminar índios incômodos, artimanha em tudo análoga à do frade da anedota, quando, naquela sexta-feira em que devia se abster de carne, declarava ao suculento bife que cobiçava: "Eu te batizo carpa"... e comia-o em sã consciência.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O alvo mais imediato desse afã classificatório pare ser os líderes indígenas que estão aprendendo a percorrer os meandros da vida administrativa brasileira, agora ameaçados de serem declarados emancipados <i>ex officio</i>. A medida poderia acarretar até a proibição de entrarem em áreas indígenas, se continuarem incorrendo na ira do Executivo. Ou seja, os líderes poderiam ser separados de suas comunidades.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O que torna a ameça de modificação do Estatuto mais acintosa é ter sido ela anunciada logo depois do julgamento do Tribunal Federal de Recursos, autorizando a viagem do chefe xavante Mario Juruna, impedida pelo Ministério do Interior, num claro revide a essa manifestação de independência da Justiça. O procedimento, a bem dizer, não deveria surpreender: não é a primeira vez que se mudam as regras do jogo durante a partida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A questão real, em tudo isso, é saber o que se pretende com a política indigenista. O Estatuto do Índio, seguindo a Convenção de Genebra, da qual o Brasil é signatário, fala em seu artigo primeiro em preservar as culturas indígenas e em integrar os índios, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. Distingue-se, portanto, como o faz a Convenção de Genebra, entre a <b>assimilação</b>, que rechaça seu artigo 2º (2c) e a <b>integração</b>. Integração não pode, com efeito, ser entendida como assimilação, como uma dissolução na sociedade nacional, sem que o artigo 1º do Estatuto se torne uma contradição em termos. Integração significa, pois, darem-se às comunidades indígenas verdadeiros direitos de cidadania, o que certametne não se confunde com emancipação, enquanto grupos etnicamente distintos, ou seja, provê-los dos meios de fazerem ouvir sua voz e de defenderem adequadamente seus direitos em um sistema que, deixado a si mesmo, os destruiria: e isso é, teoricamente pelo menos, mais simples do que modificar uma lei. Trata-se - trocando em miúdos - de garantir as terras, as condições de saúde, de educação; de respeitar uma autonomia e as lideranças que possam surgir: lideranças que terão de conciliar uma base interna com o manejo de instituições nacionais e parecerão por isso mesmo bizarras, com um pé na aldeia e outro - por que não? - em tribunais internacionais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tudo isso parece longe das preocupações da presidência da Funai, mais interessada em "critérios de indianidade" que a livrassem de uns quantos índios "a mais". Esses critérios já estão consagrados na antropologia social e são aplicados na definição de qualquer grupo étnico. Entre eles, não figura o de "raça", entendida como uma subdivisão da espécie, que apresenta caracteres comuns hereditários, pois esta foi abandonada não só como critério de pertinência a grupos sociais, mas também como conceito científico. Raça não existe, embora exista uma continuidade histórica de grupos de origem pré-colombiana. Tampouco podem ser invocados critérios baseados em formas culturais que se mantivessem inalterados, pois isso seria contrário à natureza essencialmente dinâmica das culturas humanas: com efeito, qual o povo que pode exibir os mesmos traços culturais de seus antepassados? Partilharíamos nós os usos e a língua que aqui vigoravam há apenas cem anos? Na realidade, a antropologia social chegou à conclusão de que os grupos étnicos só podem ser caracterizados pela própria distinção que eles percebem entre eles próprios e os outros grupos com os quais interagem. Existem enquanto se consideram distintos, não importando se essa distinção se manifesta ou não em traços culturais. E, quanto ao critério individual de pertinência a tais grupos, ele depende tão somente de uma autoidentificação e do reconhecimento pelo grupo de que determinado indivíduo lhe pertence. Assim, o grupo pode aceitar ou recusar mestiços, pode adotar ou ostracizar pessoas, ou seja, ele dispõe de suas próprias regras de inclusão e exclusão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Comunidades indígenas são pois aquelas que, tendo uma continuidade histórica com sociedades pré-colombianas, se consideram distintas da sociedade nacional. E índio é quem pertence a uma dessas comunidades indígenas e é por ela reconhecido. Parece simples. Só que se conserva às sociedades indígenas o direito soberano de decidir quem lhes pertence: em última análise, é esse direito que a Funai lhes quer retirar. Claro está que índio emancipado continua índio e, portanto, detentor de direitos históricos. Mas tal não parece ser a interpretação corrente da Funai, que lava as mãos de qualquer responsabilidade em relação aos índios emancipados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Assestadas - como já dissemos - contra as incipientes lideranças indígenas, as modificações no Estatuto podem trazer malefícios adicionais: a emancipação leva, por caminhos que já foram amplamente discutidos em 1978, à exploração de terras das comunidades indígenas. Salta aos olhos, com efeito, que se trata de uma nova versão do famigerado decreto de regulamentação da emancipação, rechaçado pela opinião pública em 1978 e, em vista disso, engavetado. Desta vez, porém a versão é mais brutal: se o projeto do decreto era ilegal por contrariar o Estatuto do Índio, projeta-se agora alterar o próprio Estatuto, e conferem-se poderes discriminatórios a um tutor cuja identidade de interesses com seus tutelados snão é patente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na verdade, o que deveria estar claro é que a posição especial dos índios na sociedade brasileira lhes advém de seus direitos históricos nesta terra: direitos constantemente desrespeitados mas essenciais para sua defesa e para que tenham acesso verdadeiro a uma cidadania da qual não são os únicos excluídos. Direitos, portanto, e não privilégios, como alguns interpretam. Uma maneira de tratar a questão é fazer como o frade do apólogo: batizar os índios de emancipados... e comê-los.</span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-68215272152433635072014-05-18T19:29:00.001-07:002014-05-18T19:35:15.958-07:00TEYUNA, A CIDADE PERDIDA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5OC1c15NucEEHgDnkJFBY7rSPS1iuUIPh9dKr74faoGXlV3cwx8vfUcCINmlvKoUBEpc1afdx1no9BM4mS54kO9iJBAPf_DVf09DZRphdAVtPRMEfZZpVhql8C8TL6P3BoOgei75Cag/s1600/teyuna+00+-+primeira.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5OC1c15NucEEHgDnkJFBY7rSPS1iuUIPh9dKr74faoGXlV3cwx8vfUcCINmlvKoUBEpc1afdx1no9BM4mS54kO9iJBAPf_DVf09DZRphdAVtPRMEfZZpVhql8C8TL6P3BoOgei75Cag/s1600/teyuna+00+-+primeira.jpg" height="254" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>Teyuna é como uma casa cerimonial.</i></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>É o lugar que concentra toda a responsabilidade com o resto do universo,</i></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>é o lugar de onde se vigia e protege o sagrado e o vital para o planeta,</i></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>é a base e a união com o espiritual.</i></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>É o cordão umbilical que une a origem e o presente,</i></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>o espiritual e o material,</i></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>é a união com a Mãe!</i></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i>Organização Gonawindúa Tayrona</i></span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A <i>"Sierra Nevada"</i>, de Santa Marta, na Colômbia, é uma imensa montanha com uma extensão de 17.000 quilômetros quadrados. Os picos mais altos são o Colón e o Bolívar, ambos com 5775 metros de altura. São os mais altos do país e os mais altos do mundo perto do mar – do qual distam apenas 42 quilômetros.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na Sierra Nevada de Santa Marta se apresentam todos os climas da Terra, excetuando o desértico. É habitada desde épocas remotas; no início da era cristã, os <b>TAYRONA</b>, povo de origem mesoamericana e de língua chibcha, se estabeleceram ali. Não conheciam a escrita, nem o uso da roda ou a utilização de animais para transporte ou tração. Entretanto, desenvolveram a agricultura em larga escala, que permitia a obtenção de produção excedente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigMHURetWx1cidSUZixkG8qoIfz9GXE05xjfvsewUeKK8XdZplvpQ8zJ_n2QchTiMYQqkVJb7lT5TmqA-3b12WqaOMG5GA-tTrnwshvkdKvQz940r3d4JO8-VWZ7y6AXtcnu4Nm2-fmA/s1600/teyuna+01.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigMHURetWx1cidSUZixkG8qoIfz9GXE05xjfvsewUeKK8XdZplvpQ8zJ_n2QchTiMYQqkVJb7lT5TmqA-3b12WqaOMG5GA-tTrnwshvkdKvQz940r3d4JO8-VWZ7y6AXtcnu4Nm2-fmA/s1600/teyuna+01.jpg" height="212" width="320" /></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os Trayrona viviam em vários assentamentos: o mais conhecido hoje é conhecido pelo nome de <b>Pueblito </b>(povinho, em português), no parque Tayrona. Era um dos maiores, com aproximadamente 1000 cabanas – todas de barro construídas em conjunto sobre bases circulares delimitadas por muros de contenção de pedra. Outros assentamentos, hoje perdidos, eram Bonda, <b>Pocigueica</b>, <b>Tayronaca </b>e <b>Betoma</b>, todos situados em locais afastados da costa. No interior da Sierra Nevada, a uma altura de aproximadamente 1200 metros acima do nível do mar, estava situada <b>TEYUNA</b>, centro espiritual e comercial de importância primordial.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para chegar a Teyuna é necessário caminhar pelas estreitas trilhas da Sierra Nevada. A primeira parada da viagem ocorre em Mamey, um pequeno povoado de colonos ao qual se chega por uma estrada sem asfalto. De Mamey continua caminhando, escalando para cima e para baixo os caminhos da Sierra, em meio a uma exuberante vegetação tropical.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Após um dia de viagem, entra-se no<b> VALE DO RIO BURITACA</b>, onde atualmente vive o povo Kogui, descendentes dos Tayrona. Ainda usam a língua chibcha e seguem as tracições ancestrais dos Tayrona. Eles chamam o vale de <b>MUTANJI</b>.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Depois de mais um dia de viagem – atravessando uma dezena de vezes o rio Buritaca –, chega-se a uma escada íngreme, construída pelos Tayrona. São aproximadamente 1200 degraus antes de chegar em Teyuna e poder vislumbrar os primeiros terraços delimitados por muros de contenção feitos de pedra, que também serviam como suporte às cabanas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf24qeiFGzjyTsC78G6vWI9kPkvYctjXpx8zakcgTFj5CvHqjeOBF7CsI-CLMj8iyCni1IfVvhPjCTMCQDLkIYfogwjKIr10rTADzIj36mp-P536JFDVjloXk3T0nwZuVcUtjAwh623g/s1600/teyuna+04.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf24qeiFGzjyTsC78G6vWI9kPkvYctjXpx8zakcgTFj5CvHqjeOBF7CsI-CLMj8iyCni1IfVvhPjCTMCQDLkIYfogwjKIr10rTADzIj36mp-P536JFDVjloXk3T0nwZuVcUtjAwh623g/s1600/teyuna+04.jpg" height="200" width="133" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9UEToCmixoaLclR5Uq4aOvUbauBRZEwgIYO96jd1vxpwW5SbOQCDYefgCwTHirSEkTqVDyxhXRioJTuql4FpImPyb84nNLDMpozq-BNr1JPtHWxmvwjxPSWQF2_pA7jGAAD3eOOXNPA/s1600/teyuna+07.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9UEToCmixoaLclR5Uq4aOvUbauBRZEwgIYO96jd1vxpwW5SbOQCDYefgCwTHirSEkTqVDyxhXRioJTuql4FpImPyb84nNLDMpozq-BNr1JPtHWxmvwjxPSWQF2_pA7jGAAD3eOOXNPA/s1600/teyuna+07.jpg" height="200" width="149" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdWIOORlFtB-pHsk8FiY44uCj3XvW2pdZCVTt0mpaQvyrJWdbo-Tir7sgFds2IBQnAOntTqhjhTFohTwExSu2hu2xnNeb4fJHgIj9xejJjd3zkgMv1BO9v9z-VpoLraZuGRY9YvFVIew/s1600/teyuna+02.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdWIOORlFtB-pHsk8FiY44uCj3XvW2pdZCVTt0mpaQvyrJWdbo-Tir7sgFds2IBQnAOntTqhjhTFohTwExSu2hu2xnNeb4fJHgIj9xejJjd3zkgMv1BO9v9z-VpoLraZuGRY9YvFVIew/s1600/teyuna+02.jpg" height="200" width="133" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2RLgI8bKM2XHnaSIZhzgLMvyJPzE7vES_Qe1LzCbQ3neJanjPlS8jeyH_sxE_7Hhp9yzw07ZxLavvcYAl4KrKilFzoOsgbZ1jBUL2wvIrDuSh002FTp68s7aiTURnsStzVVNuI3oaPA/s1600/teyuna+10.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2RLgI8bKM2XHnaSIZhzgLMvyJPzE7vES_Qe1LzCbQ3neJanjPlS8jeyH_sxE_7Hhp9yzw07ZxLavvcYAl4KrKilFzoOsgbZ1jBUL2wvIrDuSh002FTp68s7aiTURnsStzVVNuI3oaPA/s1600/teyuna+10.jpg" height="200" width="150" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigOxelt7nS_lZ3ck3PB1Gnl9HrE18tSCj7Yfnp5w7M_n-yWYpmUIxyGS8SiRejqWmvbIcK80BkcBdpSxog9O3Xfle08WiCsQ52UE-J1ukETsfHp-bN993GuDOlrl3TwcttWJYpU3Fduw/s1600/teyuna+05.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigOxelt7nS_lZ3ck3PB1Gnl9HrE18tSCj7Yfnp5w7M_n-yWYpmUIxyGS8SiRejqWmvbIcK80BkcBdpSxog9O3Xfle08WiCsQ52UE-J1ukETsfHp-bN993GuDOlrl3TwcttWJYpU3Fduw/s1600/teyuna+05.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Teyuna em língua chibcha significa origem dos povos da Terra, porém o nome popular deste importante depósito arqueológico é cidade perdida. Teyuna permaneceu, na realidade, abandonada e esquecida durante aproximadamente 375 anos, até 1973, quando foi localizada. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Depois das incursões dos espanhóis na zona costeira de Santa Marta, a partir de 1525, os Tayrona adentraram cada vez mais na Sierra Nevada e provavelmente se refugiaram em Teyuna em torno de 1540. No vale do rio Buritaca, numa zona compreendida entre 500 e 2000 metros de altitude, foram encontrados 32 centros urbanos. Alguns contam com apenas 50 terraços, delimitados por muros de contenção. Outros, como Teyuna, contam com uns 140 aterros. Estes assentamentos são: Tigres, Alto de Mira, Frontera e Tankua.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Teyuna, cujas estruturas de pedra se encontram a uma altura compreendida entre 900 e 1200 metros acima do nível do mar, era o centro principal do vale e cumpria um papel espiritual e comercial. Provavelmente em cada terraço estavam construídas duas cabanas. Pode-se estimar, assim, que a população total de Teyuna chegava a 1500 pessoas, que habitavam as 280 cabanas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os Tayrona decidiram, com o passar do tempo, modificar o terreno, íngreme e acidentado, para obter superfícies planas aptas para a construção de suas unidades residenciais. Algumas paredes de Teyuna têm uma altura de até 9 metros e além de conter os terraços, servem para marcar os caminhos, canalizar os fluxos de água e evitar a erosão das montanhas. A forma dos terraços varia segundo a localização e provavelmente segundo o uso ao qual estavam destinados. Aqueles situados mais altos são ovais, enquanto que os outros são, na sua maioria, semicirculares ou circulares. Sua extensão varia de 50 até 880 metros quadrados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNDO1-bxfG64fNaglwNOZt-5-HVZPz_zBz0zOPtrAr3sYb897-SIHcQxcD-c_TwiZJyz5mhn51c5SrY3ixSCNmPGDKu-YjNy9LojRA89QIDKx2LAkQKrL22sUXHM6p-gf6UKCgTjD53A/s1600/teyuna+08.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNDO1-bxfG64fNaglwNOZt-5-HVZPz_zBz0zOPtrAr3sYb897-SIHcQxcD-c_TwiZJyz5mhn51c5SrY3ixSCNmPGDKu-YjNy9LojRA89QIDKx2LAkQKrL22sUXHM6p-gf6UKCgTjD53A/s1600/teyuna+08.jpg" height="425" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na Sierra Nevada o regime de chuvas é abundante: de 2000 à 4000 mm anuais. Os arquitetos Tayrona se viram obrigados a aperfeiçoar as técnicas para controlar o fluxo de água. Foram construídos canais subterrâneos que funcionam até hoje. Igualmente, a superfície dos terraços tem um gradiente médio de 10% para o exterior.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A economia dos Tayrona, baseada na agricultura, permitiu dar suporte à densa população da Sierra Nevada por aproximadamente 700 anos, em um período compreendido entre o século IX até o fim do século XVI da era cristã. Depois da análise e do estudo das tradições dos Kogui, descendentes dos Tayrona, se deduz que Teyuna foi abandonada em torno de 1600 e que permaneceu esquecida, exatamente, durante mais de três séculos. Provavelmente houve a difusão de epidemias que obrigaram os Tayrona a abandonarem sua cidade e se dispersarem em pequenos assentamentos ao longo do vale, de difícil acesso aos espanhóis.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com o tempo, os nativos da Sierra Nevada deixaram de visitar Teyuna, embora nas tradições dos Kogui a exata localização da cidade estivesse cuidadosamente guardada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em torno de 1970, alguns camponeses que colonizaram a parte baixa da Sierra Nevada, até aproximadamente 700 metros acima do nível do mar, souberam das possibilidades de encontrar grandes tesouros. Em pouco tempo, alguns deles se organizaram e, sem nenhuma preparação arqueológica, se dedicaram ao saque das tumbas Tayrona, atividade ilegal chamada guaquería.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghXhNIGX87FHF2S9leB6tUoP34_fQt4Jp781cbH70gUzuHfPsktjTjiXIWk_gNIlKGf_ehwCivpmlwBS7qCTEzPQt8K4flYIKDXTHOd6mGVkdL7SuM54QzJOQ8FidAk3VDAKwtDTQadw/s1600/teyuna+09.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghXhNIGX87FHF2S9leB6tUoP34_fQt4Jp781cbH70gUzuHfPsktjTjiXIWk_gNIlKGf_ehwCivpmlwBS7qCTEzPQt8K4flYIKDXTHOd6mGVkdL7SuM54QzJOQ8FidAk3VDAKwtDTQadw/s1600/teyuna+09.jpg" height="424" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os guaqueros entraram cada vez mais ao interior da Sierra até que, em 1973, um deles, Julio César Sepúlveda, chegou à cidade perdida e começou a saqueá-la. Quase contemporâneo, outro guaquero, Jorge Restrepo, chegou junto com seus homens a Teyuna e se dedicou aos saques. Os bandos se enfrentaram e os líderes morreram no sangrento combate. A história voltou a se repetir. Depois de quase 500 anos do desembarque dos primeiros europeus na América, a mania de se enriquecer com o ouro sepultado nas tumbas indígenas continuou fazendo vítimas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os saques persistiram. Em Santa Marta, em 1975, havia comerciantes sem escrúpulos que organizavam as expedições dos guaqueros para a Sierra Nevada. Aqueles forneciam os equipamentos necessários: mulas, armas, lâminas e alimentos, e obtinham de retorno a obrigação dos guaqueros de vender só para eles as descobertas arqueológicas, muitas vezes de inestimável valor histórico e artístico. As descobertas eram então revendidas no mercado internacional e perdidas para sempre.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSt-hY4Bqxo2Pn9J3yZfZAnQxNKLz21H92FH439ONhTw_OHMPIDR6qmU6MqNugOVbTQB2VgdjO5Fyry6CGkfNC1ltB6qCJGpowmm4tNV9x3WEwlBaj8MUkNflLrKfk1pBpu0ZTBWWLcA/s1600/teyuna+11.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSt-hY4Bqxo2Pn9J3yZfZAnQxNKLz21H92FH439ONhTw_OHMPIDR6qmU6MqNugOVbTQB2VgdjO5Fyry6CGkfNC1ltB6qCJGpowmm4tNV9x3WEwlBaj8MUkNflLrKfk1pBpu0ZTBWWLcA/s1600/teyuna+11.jpg" height="480" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por sorte, este infame comércio foi interrompido em 1976, quando uma expedição científica organizada pelo Instituto Colombiano de Antropologia chegou até Teyuna e iniciou um processo de valorização, restauração e conservação das descobertas e dos terraços da cidade. Cinco pessoas foram responsáveis pela reconstrução: os arqueólogos Gilberto Cadavid e Luisa Herrera de Turbay, o arquiteto e escritor Bernando Valderrama Andrade e os guias locais Francisco Rey e "O Negro" Rodríguez.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Após os seus trabalhos de escavação nos terraços de Teyuna, eles descobriram coisas muito importantes, como jóias de ouro e copos de cerâmica esculpidos. Foram encontrados também algumas espadas e alabardas espanholas, porém não está claro se alguns grupos de espanhóis chegaram a Teyuna ou se essas armas foram sepultadas nas tumbas como troféus de guerra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i>Texto de Yuri Leveratto</i></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCPkr_hI-ujSCUCc-SWHiNc0FoCthihpC1yCtHwUv0ETIL3T-S9kCzhRkyU2G0z4nsL8xD801mKNfyNdup6_1Xx-apWl44dwuFkIyZLt3FKGurTc8mIXwb8LYzxoKfa3QiTyE_ScWCHQ/s1600/teyuna+03.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCPkr_hI-ujSCUCc-SWHiNc0FoCthihpC1yCtHwUv0ETIL3T-S9kCzhRkyU2G0z4nsL8xD801mKNfyNdup6_1Xx-apWl44dwuFkIyZLt3FKGurTc8mIXwb8LYzxoKfa3QiTyE_ScWCHQ/s1600/teyuna+03.jpg" height="480" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-56677258733509127822014-05-18T15:20:00.000-07:002014-05-18T15:20:10.608-07:00DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA PRÉ-COLOMBIANA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKMJiD0PDwe0v4ILpMQytvAnDaFxnP6pUqCojWEL0nw2wOXgQi4EVWIuturzpNxadNr5IcR1nvnIJxHRtw61bI63Tj8nwzqtImjjbXizTvt9xEuR9yDQMzPQIFZysM3LPi-OS33y6o8g/s1600/amazonia+precolombiana+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKMJiD0PDwe0v4ILpMQytvAnDaFxnP6pUqCojWEL0nw2wOXgQi4EVWIuturzpNxadNr5IcR1nvnIJxHRtw61bI63Tj8nwzqtImjjbXizTvt9xEuR9yDQMzPQIFZysM3LPi-OS33y6o8g/s1600/amazonia+precolombiana+1.jpg" height="400" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">No final do século XX surge a preocupação mundial
com o desenvolvimento e meio ambiente. Nessa mesma época, na Amazônia
Brasileira, alguns pesquisadores brasileiros e estrangeiros (arqueólogos, etnólogos,
antropólogos, etc.) descobriam vestígios de um modelo de desenvolvimento
social, econômico, tecnológico e humano totalmente diferente do que se vinha
propondo em termos de desenvolvimento local, até então baseados unicamente no determinismo
ecológico (FAUSTO, 2000). Surge uma nova explicação para o desenvolvimento
social na Amazônia, centrado na questão ecológica.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">As provas arqueológicas mostram que as sociedades
que se desenvolveram na Amazônia antes da conquista européia adotavam sistemas
de manejo que não agredem o meio ambiente, conseqüentemente, não prejudicam as gerações
futuras, mediante uma forma de desenvolvimento planejado que otimizou o uso dos
recursos disponíveis num lugar, dentro das restrições ambientais locais. Para Godard
(1997) o ecodesenvolvimento pode ser compreendido como uma visão do
desenvolvimento consorciado com o manejo dos ecossistemas, procurando utilizar
os conhecimentos já existentes na região, no âmbito cultural, biológico,
ambiental, social e político, evitando-se assim a agressão ao meio ambiente.
Portanto, ecodesenvolvimento também pode se definido como um processo criativo
de transformação do meio com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas
em função das potencialidades deste meio, impedindo o desperdício inconsiderado
dos recursos, e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades
de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos
contextos culturais (SACHS apud VEIGA, 2005) <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">As estratégias do ecodesenvolvimento são
múltiplas e só podem ser concebidas a partir de um espaço endógeno das
populações consideradas. Atualmente, promover o ecodesenvolvimento é, no
essencial, ajudar as populações envolvidas a se organizar e se educar, para que
repensem seus problemas, identifiquem suas necessidades e recursos potenciais
para conceber e realizar um futuro digno de ser vivido, conforme os postulados
de justiça social e prudência ecológica (SACHS apud VEIGA, 2005). Um estilo ou
modelo para o desenvolvimento de cada ecossistema, que, além dos aspectos
gerais, considera de maneira particular os dados ecológicos e culturais do
próprio ecossistema para otimizar seu aproveitamento, evitando a degradação e ações
degradadoras. E uma técnica de planejamento que busca articular dois objetivos:
por um lado, o desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida através do incremento
da produtividade, por outro, manter em equilíbrio o ecossistema onde se
realizam essas atividades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">A Arqueologia Amazônica é marcada por uma
forte herança histórico-cultural. Durante os anos 1970, o principal foco da
pesquisa foi à realização de prospecções arqueológicas, empreendidas pelo PRONAPABA
– Programa Nacional de Prospecções Arqueológicas na Bacia Amazônica. Criado por
Clifford Evans, Betty Meggers e Mário Simões, o programa concentrou suas
atividades ao longo dos principais rios e tributários da bacia Amazônica,
visando a determinação de fases e tradições cerâmicas. A metodologia da época baseava-se
na construção de cronologias relativas, por meio da seriação (NUNES FILHO,
2005).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">De modo geral, o registro arqueológico da
Amazônia era visto como o produto de sociedades ceramistas de pequena escala,
que, impactadas pelas restrições impostas pelo meio-ambiente, eram obrigadas a uma
mudança constante do local de assentamento, o que resultava em sucessivas
ocupações de curta duração, num padrão bastante semelhante às sociedades
conhecidas etnograficamente (MEGGERS, 1977, 1979). Evidências de complexidade sócio-política,
especialmente no caso da Ilha de Marajó, foram interpretadas como sociedades
originárias dos Andes, com uma organização social do tipo cacicado, que, em
contato com o meio ambiente da floresta tropical decaíram (MEGGERS, 77; EVANS,
1955). Contudo, a partir de 1980, com o início dos trabalhos de Anna Roosevelt
no Baixo Amazonas, assistimos a uma mudança nos parâmetros da arqueologia amazônica,
em termos de teoria, prática e escolha dos temas de pesquisa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Além da investigação em antigos sítios
cerâmicos e paleoíndios, Roosevelt têm se dedicado ao estudo das sociedades
complexas na Amazônia. A cultura pré-colonial Santarém (1000-1500 d.C.) é uma
destas sociedades estudada por ela. Embora os dados que poderiam comprovar o desenvolvimento
de um cacicado local ainda não tenha sido publicado pela autora, seu modelo
preditivo, baseado em antigos relatos etno-históricos e em trabalhos
arqueológicos anteriores, destaca a existência de hierarquia social e política,
concentração territorial, expansão da guerra, agricultura intensiva, trabalhos
de larga escala e presença de especialistas – exemplificada pelo
desenvolvimento de uma indústria cerâmica elaborada (Roosevelt 1992).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">De fato, a cerâmica Santarém pode ser
considerada como exemplo de uma das indústrias pré-coloniais mais elaboradas da
Amazônia. Sua iconografia é caracterizada por um repertório básico de animais
de floresta tropical, estruturados de maneira coerente e recursiva, a fim
comunicar princípios de significado mitológico. Por outro lado, grandes
representações de homens, algumas delas bastante naturalistas, exibem
indivíduos sentados em bancos, segurando chocalhos, que demonstram a importância
dos xamãs como líderes de rituais e guardiões do conhecimento cosmológico desta
sociedade (GOMES, 2002).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Depois deste panorama das pesquisas
arqueológicas na Amazônia, devemos considerar que ela não foi hostil à presença
do ser humano. A vida na floresta nunca foi fácil, mas há milhares de anos o
homem aprendeu a se estabelecer na mata e nela desenvolveu sociedades
complexas. Grupos com hierarquia de poder bem definidas criaram verdadeiras
capitais que integravam vastas áreas da Amazônia. A descobertas arqueológicas mostram
que a ocupação da floresta amazônica começou há cerca de 12 mil anos e que
alguns dos grupos pré-históricos chegaram a desenvolver trabalhos sofisticados,
como: tesos (elevação artificial do solo), canais, estradas, poços funerários,
urnas funerárias refinadas, mumificação e manejo florestal. Inicialmente, a ocupação
aconteceu por populações caçadoras-coletoras, mas algumas delas se
desenvolveram em sociedades complexas, que desapareceram deixando suas marcas
enterradas no solo da Amazônia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Os indícios do início da ocupação da Amazônia
foram encontrados por Anna Roosevelt na Caverna da Pedra Pintada, no Baixo
Amazonas, no Pará. E seriam de mais de dez mil anos atrás. A cerâmica mais
antiga das Américas também foi achada nessa região, com datação de oito mil
anos. Segundo Roosevelt, as sociedades complexas viriam bem mais tarde,
começando por volta do século XI d.C. (ainda considerado pré-história nas
Américas) e indo até o século XVII ou XVIII. Seu desaparecimento estaria ligado
ao contato com os colonizadores. Cronistas espanhóis do Século XVI e XVII que
estiveram na Amazônia registraram que estas sociedades possuíam uma hierarquia
de chefes e de assentamentos, na qual Santarém funcionava como uma espécie de capital.
Existiam paralelamente outros centros com aldeias subordinadas a eles. Estas
sociedades produziram uma cerâmica em que fica claro o cuidado com seu
acabamento (PORRO, 1996). Os motivos e a técnica utilizados são bem diferentes
dos andinos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Com a descoberta e a exploração da América
pelos europeus, filósofos, autoridades políticas, teólogos e cientistas
conheceram uma realidade de contrastes culturais espantosos em relação à
civilização humana até então conhecida. No período conhecido como Iluminismo,
surgiram as primeiras tentativas sistemáticas para explicar as diferenças
culturais. A idéia central era a noção de progresso, onde se acreditava que a
humanidade havia passado por estágio não civilizado: sem leis, governos,
agricultura ou qualquer conhecimento técnico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Gradualmente, no entanto, guiada pela razão,
evoluiu do estado natural para o estado civilizado iluminista. As diferenças
culturais eram atribuídas aos diversos estágios de progresso moral e intelectual
dos povos. Nesta concepção de progresso alguns pesquisadores e cientista que
tentaram explicar a evolução humana a partir de modelos explicativos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Assim, no século XIX, teremos: Augusto Comte,
que postulou um progresso em que o pensamento teológico cedia lugar ao
pensamento científico; Hengel que via o movimento de um passado onde só havia
um homem livre (despotismo oriental), passando por um estágio intermediário
onde poucos homens podiam exercer a liberdade (cidades-estado da Grécia), até o
estágio final onde todos os homens eram livres (monarquias constitucionais e
democracias modernas); Morgan que dividiu a evolução cultural em estágios
(selvagem, barbárie e civilização), detalhando minuciosamente a passagem de um
para outro em estudos etnográficos; Darwin com o social-darwinismo, movimento
que acreditava ser o progresso biológico e cultural dependente da competição
das espécies pela sobrevivência; Marx e Engels avaliaram as culturas por meio
de estágios progressivos (comunismo primitivo, escravismo, feudalismo,
capitalismo e comunismo).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">No Século XX, os antropólogos se dividiram em
diversas correntes de pensamento, criticando tanto os esquemas
social-darwinistas como o pensamento marxista. Sem encampar nenhuma das
correntes, há conceitos de uma e de outra que devem ser consideradas para uma
compreensão ampla do processo de evolução cultural. Assim, os antropólogos
assumiram a tarefa de elaborar modelos teóricos para explicar a presença humana
no planeta Terra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Frans Boas, antropólogo americano, defende o
Particularismo Histórico, onde todas as tentativas de esquematizar estágios ou
determinar leis para a evolução cultural são infrutíferas. Segundo ele, cada
cultura possui sua própria história e é única. Sustenta o relativismo cultural,
em que não há formas culturais superiores ou inferiores e os conceitos de
selvageria, barbárie e civilização são etnocêntricos, refletindo a preocupação
de cada povo em afirmar que seu próprio meio de vida é melhor que os demais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Durante muito tempo, e por inspiração dos
filósofos racionalistas do século XVIII, a palavra civilização significou um
conjunto de instituições capazes de instaurar a ordem, a paz e a felicidade, favorecendo
o progresso intelectual da humanidade. Por ser uma concepção eurocêntrica, a
palavra civilização teve emprego dificultado na América quando utilizada para distinguir
os povos autóctones antes da chegada do europeu, pois, no caso particular da
Amazônia esta dificuldade é somada as teorias que tentam explicar a ocupação da
Amazônia, por parte de pesquisadores norte americanos a partir da década de 30
do Século XX. Assim, por mais de cinco décadas pensou-se na Amazônia pré-colonial
como uma região sem expressão cultural, pouco povoada e sem o desenvolvimento
de grandes civilizações humanas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Para Pinsky (2003), na concepção européia,
uma civilização, via de regra, implica ter: uma organização política formal; projetos
amplos de trabalho conjunto e administrativo centralizados; corpo de
sustentação política; incorporação de crenças por uma religião vinculada ao
poder central; uma produção artística que tenha sobrevivido ao tempo e ainda
nos encante; criação ou incorporação de um sistema de escrita e a criação de cidades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Por outro lado Porro (1996) utilizando os
cronistas do século XVI e XVII (Carvajal, de Altamirano, de Vasquez, Rojas,
Acuña, Cruz e Heriarte), fala da existência de organizações sociopolíticas
complexas na Amazônia antes da chegada dos europeus; de grandes territórios
tribais; de uma grande demografia, com grandes assentamentos nas áreas de várzeas;
de estratificação social; de poder político de alguns caciques; de uma
dominação intertribal; de religião estruturada; da realização de comércio entre
as tribos; de mitologias e da produção de artesanatos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Corroborando com o trabalho etno-histórico de
Porro (1996) temos o artigo <i>“Sociedades
complexas na mata”</i>, de Eduardo Góes Neves (2004), que destaca que a
arqueologia amazônica tem passado por uma grande transformação na última
década. Isto é, estudos realizados em diferentes partes têm mostrado que a
região foi densamente ocupada antes da chegada do europeu. Prova disso são as
descobertas arqueológicas realizadas nas últimas décadas, como também, essas evidências
contribuem para que se repense a relação entre as populações humanas e o meio
ambiente na Amazônia pré-colonial. As novas informações têm mostrado, ao contrário,
que amplas partes da Amazônia no século XVI eram densamente ocupadas por
populações sedentárias, que viviam em grandes aldeias com centenas e talvez, em
alguns casos, milhares de pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Segundo Neves (2004), a Amazônia é ocupada há
pelo menos 12 mil anos. Entre 9 mil e 8 mil anos atrás, sítios localizados na
serra dos Carajás, em Rondônia, no rio Caquetá (Colômbia) e na Amazônia
central, perto de Manaus, já eram ocupados por populações com economias
baseadas na caça, pesca e coleta. A distribuição desses sítios por áreas
ribeirinhas e de terra firme mostra que essas populações não estavam restritas
apenas a locais próximos aos grandes rios. Assim, a ocupação da Amazônia não
pode mais ser pensada a partir de um único modelo teórico ecológico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Segundo Jameson (2005), o conceito da palavra
modernidade já estava em uso desde o século V d.C. e, que a palavra latina <i>modernus</i> significa simplesmente <i>“agora”</i> ou <i>“o tempo do agora”</i>. Para ele moderno é necessariamente novo, ao
passo que tudo que é novo não é necessariamente moderno. Assim, significa
sempre estabelecer e postular uma data e um começo. Portanto, a modernidade refere-se
a uma inovação relevante no presente atual ou passado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Utilizando o conceito de modernidade de
Jameson (2005) já é possível fazer inferências, a partir de dados
arqueológicos, da existência de sociedades modernas em sociedades pré-coloniais
da Amazônia a partir de complexos culturais arqueológicos, como: <b>Marajoara</b>, <b>Tapajônica</b>, <b>Maracá</b>, <b>Aristé</b> e <b>Mazagão</b>. Alguns grupos culturais pré-coloniais, de uma forma ou de
outra, desenvolveram inovações culturais relevantes no passado e no presente.
Para Gomes (2002) a maior parte das pesquisas arqueológicas atuais,
desenvolvidas na Amazônia brasileira, tem mostrado a existência de sociedades
complexas pré-coloniais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Fontes etno-históricas sugerem que, na época
da conquista européia, as várzeas dos principais rios estavam repletas de
assentamentos humanos. Os relatos indicam que tais assentamentos estavam
integrados a amplos territórios, controlados por chefias políticas hierarquizadas
(ACUÑA, 1891; PORRO, 1996). O registro arqueológico destas áreas apresenta estilos
cerâmicos elaborados, construções coletivas, além de inúmeras evidências que
confirmam a existência de grandes densidades populacionais (ROOSEVELT,
1991,1992).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Exemplo de inovação cultural na Amazônia
Pré-Colonial tem confirmado a utilização do manejo florestal com a produção de
terra preta, batizada pela população do interior da Amazônia de <b>Terra Preta de Índio (TPI)</b>, estudada desde
1995 por pesquisadores da Universidade de São Paulo, através do Projeto
Amazônia Central – PAC. Segundo Beckerman (1991) ocorreram mudanças na paisagem
da Amazônia Pré-Colonial, sobre a qual o homem teve uma participação não
intencional: o desenvolvimento de TPI.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">O conhecimento da existência das TPI é muito
antigo na Amazônia, remota o Século XVII, quando os primeiros colonos europeus
(ingleses, franceses, holandeses e portugueses) estabeleceram-se na região, os
quais localizaram suas plantações agrícolas nesse tipo de terra. No espaço de pesquisa
do PAC, o testemunho mais perceptível de modificação antrópicas ocorridas no
passado são solo de terra preta. Normalmente, o solo da Amazônia é amarelado,
pouco fértil e ácido, já as terras pretas, ao contrário, são bastante férteis,
escuras ricas em matéria orgânica e com um pH tendendo a neutro, ela é surpreendentemente
estável ao longo do tempo, sendo capaz de manter alta quantidade de nutrientes
ao longo dos séculos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Para os pesquisadores do PAC ainda não está
claro por que as terras pretas são tão estáveis. Contudo, eles supõem que a
estabilidade é resultado da associação entre fatores naturais (o próprio solo)
e fatores culturais (fragmentos de cerâmicas, carvão resultante fogueiras,
ossos de animais em restos de comida) nas matrizes dos sítios arqueológicos. A
pesquisa do PAC está sendo muito significativa do ponto de vista
interdisciplinar, pois, com a participação de diferentes áreas cientificas,
estamos podem entender a verdadeira história dos povos antigos que viveram na
Amazônia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Depois de todos os dados apresentados,
naturalmente, surgem diversas dúvidas, por exemplo: como era a qualidade de
vida das pessoas na Amazônia Pré-Colonial? Qual era a relação entre
desenvolvimento e meio ambiente? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Respondendo a primeira questão podemos dizer
que medir a qualidade de vida segundo o modelo utilizado hoje, não é possível,
pois, de acordo com Veiga (2005) os bens de primeira necessidade variam de
cultura para cultura e, a cultura é a principal geradora de diferenças. Assim, podemos
dizer que os nativos da Amazônia pré-colombiana não conheciam um sistema de
escrita e comunicação parecido com o nosso; alguns grupos desenvolveram um sistema
de comunicação iconográfico presente em seus vasilhames cerâmicos (SCHAAN,
1999); não tinham que angustiar-se com pagamento de despesas, pois, não
possuíam renda per capita; não possuíam água encanada e nem energia elétrica.
Enfim, eles não tinham que se preocupar com o dia seguinte e, muito menos com a
fome e a privação física e material, preocupações da maioria das pessoas que
hoje vivem no planeta Terra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">A relação entre desenvolvimento e meio
ambiente é algo que surge com a produção de bens e produtos a partir de matérias
primas que são transformadas em um processo de produção industrializada ou
artesanal, o que resulta na produção de riscos, em especial os ambientais de
graves conseqüências. O conceito de risco passa a ocupar um papel estratégico para
entender as características, os limites e as transformações do projeto histórico
da modernidade (JACOBI, 2005). As sociedades americanas no nosso entendimento
não chegaram a uma produção de riscos, pois, a sua relação com o meio ambiente
ocorreu a partir da diversidade e especialização econômica, ou seja, cultivo de
plantas, criação de animais aquáticos em cativeiro, pesca e caça (Roosevelt 1992).
Portanto, o que caracterizava as sociedades americanas antes do contato com os
europeus era a diversidade econômica, política, cultural e religiosa (EVANS,
2003).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">Baseado em texto de Edinaldo Pinheiro Nunes
Filho</span><span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-44710082437751719582014-05-18T11:19:00.000-07:002014-05-18T11:19:49.422-07:00AMAZÔNIA: UM PRODUTO PALEOINDÍGENA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLLSj3vzfTDp3nD2apbdXThIeUPi8PjQDdgdKpowSCWYdbyafpJvJimxjtPhYmGTFGrHDRNfqFFr0kMQ42Ca-Mhkh3_zoACyg10nK0Zkl8DxNAipgKfRUE09Gz1BggQiNouNWshqQgBw/s1600/Amazonia+cultural+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLLSj3vzfTDp3nD2apbdXThIeUPi8PjQDdgdKpowSCWYdbyafpJvJimxjtPhYmGTFGrHDRNfqFFr0kMQ42Ca-Mhkh3_zoACyg10nK0Zkl8DxNAipgKfRUE09Gz1BggQiNouNWshqQgBw/s1600/Amazonia+cultural+1.jpg" height="480" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se a Amazônia tem o nome de uma tribo de mulheres guerreiras, talvez não seja coincidência que sua virgindade continue sendo tema de um intenso debate, dentro e fora da Academia. Como se fosse uma donzela em um romance de cavalaria, a expectativa é que, na Amazônia, quanto mais virgem for uma parte da floresta, mais valor ela terá para conservação. Ironias à parte, essa é uma discussão importante, principalmente em face ao brutal processo de ocupação e desmatamento que tem ocorrido na região nas últimas décadas, com uma perda importante de biodiversidade e também de conhecimento tradicional – de indígenas, quilombolas e ribeirinhos – sobre essa biodiversidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Desde o final do século passado, antropólogos e arqueólogos vêm insistindo que, na Amazônia, existe um importante componente humano na constituição atual desta floresta, que para muitos ainda é o exemplo acabado de natureza intocada pela ação nociva do Homo sapiens. Se essa hipótese estiver correta, boa parte do que é <b>patrimônio natural da Amazônia</b> deve também ser considerado como <b>PATRIMÔNIO CULTURAL</b>, resultado da atividade humana ao longo dos milênios, obviamente em uma escala totalmente diferente da verificada nos contextos de exploração madeireira e pecuária verificados na região do arco do desmatamento.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há uma óbvia diferença de escala e ritmo entre, por um lado, as formas de antropização da natureza que ocorreram no passado ou entre populações tradicionais do presente, e desmatamento violento que assistimos acontecer do Acre ao Pará.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quais são as evidências usadas pelos arqueólogos para apoiar esta hipótese? A primeira delas diz respeito à própria presença de sítios arqueológicos em diferentes partes a Amazônia, em áreas ribeirinhas e de terra firme e também sob muitas das cidades da região. Em Manaus, Carlos Augusto da Silva, da Universidade Federal do Amazonas, catalogou há alguns anos mais de quarenta sítios arqueológicos na área urbana, a maioria destruídos – como o conjunto Nova Cidade, próximo à Reserva Ducke – ou então em processo de destruição, como o sítio localizado no Conjunto Atílio Andreazza no Japiim, onde ônibus manobram sobre fragmentos de urnas funerárias da cultura Paredão, com cerca de mil anos de idade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em Santarém, os moradores do bairro da Aldeia, no centro da cidade, encontram constantemente fragmentos cerâmicos e solos de terra preta no quintal de suas casas, enquanto que em Urucurituba a Prefeitura Municipal guarda um verdadeiro tesouro arqueológico reunido pelo Professor Alberto Neves em um trabalho louvável de resgate em face do impacto gerado pela construção da nova sede do município na década de 70.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fora das cidades, em unidades de conservação, como Parques Nacionais ou Reservas Biológicas, sítios arqueológicos são também comuns. Márjorie Lima, manauara da gema, que faz seu mestrado em arqueologia na Universidade de São Paulo, trabalha agora com cerâmicas produzidas há mais de dois mil anos nos sítios Floresta e Lago das Pombas, localizados sob as comunidades homônimas no rio Unini, em um ambiente de igapós de águas pretas, a mais de 100 km de sua boca junto ao rio Negro, no Parque Nacional do Jaú. Na Reserva Biológica do Guaporé, Eurico Miller localizou sambaquis fluviais com cerâmicas datadas em cerca de quatro mil anos em uma área atualmente ocupada por quilombolas e grupos indígenas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A recente publicação de um artigo denominado <i>“Hiperdominância na Flora Arbórea da Amazônia”</i> na revista Science, escrito por dezenas de cientistas, muitos deles brasileiros, coordenados por Hans ter Steege, da Universidade de Utrecht, na Holanda, parece corroborar, por outros caminhos, o que têm dito os arqueólogos. Nesse artigo os autores realizaram uma ampla compilação de dados de inventários de espécies de árvores realizados em 1170 locais em toda a bacia Amazônica. Baseados nesses dados, estima-se que há cerca de 16.000 espécies de árvores por toda a Amazônia, algo compatível com a imensa biodiversidade da região. Desse total de espécies, no entanto, apenas 227 – ou seja, 1.4% – correspondem a metade de todas as árvores amostradas. Seria mais ou menos como, guardadas as proporções, se, sobre uma mesa de bilhar, houvesse vinte bolas coloridas, dez delas com cores diferentes, dez delas vermelhas. Essas espécies preponderantes seriam as tais “hiperdominantes” mencionadas no título do artigo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A coisa fica ainda mais interessante quando se verifica a lista das vinte espécies mais dominantes entre as 227 hiperdominantes porque nela encontraremos velhas conhecidas dos povos tradicionais da Amazônia. Encabeçando a lista está, nada mais nada menos, que Euterpe precatoria, o bom e velho AÇAÍ, que faz a fama de Codajás. Em sexto lugar, pra não ficar distante, vem seu primo<i> Euterpe oleracea</i>, o AÇAÍ-DO-PARÁ, seguido logo após, em sétimo pela bela bacabeira <i>Oenocarpus bataua</i>. Entre as vinte primeiras há ainda outras plantas manejadas há séculos ou milênios pelos povos indígenas, tais como <i>Hevea brasiliensis</i> (seringueira),<i> Licania heteromorpha</i> (lixeira), <i>Astrocaryum murumuru </i>(muru-muru) e <i>Socratea exorrhiza</i>, nada mais nada menos que a paxiuba, tão usada como material de construção no rio Negro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O artigo de Steege e colegas parece mostrar claramente que a atividade humana de baixa intensidade no passado e no presente tem um papel importante na história da distribuição de espécies de árvores na Amazônia. Isso quer dizer que toda a Amazônia foi modificada pela ação humana no passado? Ainda é cedo para afirmar, mas é inegável que há um grande paralelismo entre os dados botânicos agora apresentados e a ampla distribuição de sítios arqueológicos pela região, paralelismo esse que nos permite dizer que há uma longa história co-evolutiva entre plantas e pessoas na Amazônia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Outro dado interessante que ilustra o quanto a agricultura indígena alterou a floresta e paisagem amazônica e co-evoluiu com ela, segundo Evaristo E. Miranda, é o fato dos sítios arqueológicos amazônicos estarem associados a terras de cor muito escura, conhecidas como “terra preta de índio”, que formam um mosaico de áreas com vegetação em diferentes estágios de reconstituição, desde pequenas capoeiras até matas secundárias e bem recompostas. Isso é facilmente observável, ainda hoje, através de imagens de satélite: a floresta parece um mosaico de matas com diversos tamanhos e fisionomias, em função da idade das capoeiras, desenhando figuras geométricas bem definidas (círculos, elipses, polígonos, etc). Elas descrevem a fantástica história das relações homem-natureza, caracterizada pelo enriquecimento contínuo de determinadas unidades de vegetação com plantas de interesse alimentar, medicinal ou simbólico, úteis para a fabricação de instrumentos de caça, pesca e, posteriormente, para a agricultura. Ao longo dos séculos, esses povos foram transformando as florestas e, de certa forma, co-evoluíram com a vegetação. <i>“Os conhecimentos dos grupos humanos sobre os diversos usos das plantas amazônicas os levaram a favorecer algumas delas, protegendo-as ou disseminando-as em determinados locais”</i>, segundo Evavisto Miranda.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esse debate, no entanto, não é puramente acadêmico. Na Amazônia, populações tradicionais são ainda constrangidas a abandonar seus locais de moradia, seja pela perspectiva de construção de usinas hidrelétricas, como acontece agora no Tapajós, seja para a constituição de alguns tipos de unidade de conservação que restringem bastante a ocupação humana, mesmo que em condições de baixa densidade demográfica e baixo impacto. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Parece claro que não são esses ribeirinhos e quilombolas as reais ameaças à preservação da floresta. Ao contrário, pode ser que seja sua ação de manejo que garanta uma parte da própria reprodução da Amazônia que hoje conhecemos e queremos proteger. Ao forçar seu deslocamento, não estaria o poder público matando o mutum que põe os ovos de ouro?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i>Baseado em texto de Eduardo Góes Neves</i></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6039031603237364000.post-20264506261218727702014-05-18T10:27:00.000-07:002014-05-18T10:27:09.630-07:00TERRA PRETA INDÍGENA: O ADUBO DA AMAZÔNIA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicqC63M8jYzAe6O7N4G_ta24_5ODMoS9Bu5HcaK7Vka9d10X_BcJDLPuxVed5mP6WXZTjRgMnPs_XaZcGyRcRW-EQwhSyv5QBDUH-iJ1ERZZkj0zPQvA9oOIOKwUEiS-eu2gdUZCD8TQ/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicqC63M8jYzAe6O7N4G_ta24_5ODMoS9Bu5HcaK7Vka9d10X_BcJDLPuxVed5mP6WXZTjRgMnPs_XaZcGyRcRW-EQwhSyv5QBDUH-iJ1ERZZkj0zPQvA9oOIOKwUEiS-eu2gdUZCD8TQ/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+1.jpg" height="400" width="273" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os arqueólogos costumam debater qual o real significado das manchas de terra preta encontradas em sítios pré-históricos da Amazônia Central, um tipo de solo escuro que se destaca visualmente da monotonia marrom-amarelada característica das áreas de terra firme da região. Essa terra preta tem de duas a três vezes mais nutrientes do que o solo circundante, de baixa qualidade. É caracterizada pelo grande acúmulo de matéria orgânica e apresentam nutrientes como cálcio, magnésio, zinco, manganês, fósforo e carbono, além de restos de cerâmica pré-colombiana, artefatos líticos, carapaças de tartarugas e ossos. Em geral, cada mancha mede dois ou três hectares, mas calcula-se que a soma dessas manchas chegaria a 154.063 km² de terra preta na Amazônia, de acordo com artigo publicado no periódico </span><i style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Proceedings of the Royal Society B</i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para alguns pesquisadores, elas são um indicativo de que grupos indígenas pré-colombianos viveram por centenas ou até uns poucos milhares de anos em sociedades complexas e estruturadas, baseadas na agricultura sedentária e no manejo do ambiente, em meio à floresta. Esse solo teria, portanto, sua origem relacionada a povos ancestrais pré-colombianos e, por isso, chamada de <b>TERRA PRETA INDÍGENA – TPI</b>. Para outros, a existência desse tipo de terreno mais escuro, frequentemente recheado de fragmentos de peças de cerâmica, não é uma prova cabal de que houve ali um processo de ocupação humana antiga e prolongada antes do desembarque do conquistador europeu. Mas sobre uma questão, mais relacionada às ciências agrárias do que às humanidades, há consenso generalizado: a terra preta indígena é um oásis quase permanente de fertilidade numa zona recheada de solos pobres e incapazes de reter nutrientes por muito tempo. Estudo recente confirma que um componente importante dessa variante de solo é um vestígio inequívoco do estabelecimento de assentamentos humanos: as fezes dos índios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDgBegYNUa9H599YbnZRWPbQFLP9Y4UYG8ymy1UOLPGlANvTU4Q8ZvexL-6nbWYYCYCORGKRmx3GEEIPlYJFPemQXpFe2bDZPizlsQRuaxY4BaVBHnkSgAZ-IVNvLUgEsrYVZFLVQoCg/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+mapa.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDgBegYNUa9H599YbnZRWPbQFLP9Y4UYG8ymy1UOLPGlANvTU4Q8ZvexL-6nbWYYCYCORGKRmx3GEEIPlYJFPemQXpFe2bDZPizlsQRuaxY4BaVBHnkSgAZ-IVNvLUgEsrYVZFLVQoCg/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+mapa.jpg" height="272" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Concentrações de um biomarcador associado à deposição de excrementos humanos no ambiente, o coprostanol (5ß-stanol), foram encontradas em amostras de terra preta oriundas de cinco sítios pré-históricos da Amazônia, de acordo com um artigo científico a ser publicado por uma equipe de pesquisadores do Brasil e da Alemanha na edição de junho da revista Journal of Archaeological Science. Quatro sítios estão localizados no Amazonas, a sudoeste de Manaus, numa faixa de terra firme na confluência entre os rios Negro e Solimões, e um se situa no Pará, a sudoeste de Santarém, no baixo Tapajós. <i>“A rigor, o biomarcador também poderia indicar a presença de fezes de porcos domesticados”</i>, afirma o engenheiro agrônomo Wenceslau Geraldes Teixeira, da Embrapa Solos, do Rio de Janeiro, um dos autores do trabalho. <i>“Mas, como esse animal só foi introduzido na América do Sul depois da chegada dos europeus, descartamos essa possibilidade.”</i> Todos os exemplares de terra preta analisados se formaram entre 500 e 2.500 anos atrás, antes da descoberta oficial do continente por Cristóvão Colombo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rica em minerais associados à fertilidade dos solos, a terra preta deve sua cor enegrecida à elevada presença em sua composição do chamado carbono pirogênico, uma forma estável de carvão aromático produzida pela combustão incompleta de biomassa. O modo de vida dos antigos índios da Amazônia – que queimavam os restos de animais consumidos, enterravam os mortos e depositavam lixo e excrementos nos arredores de suas comunidades – deve ter sido o responsável pela formação desse tipo de solo. <i>“Estamos tentando entender a composição química da terra preta e descobrir qual aporte de material orgânico a mantém fértil até hoje”</i>, afirma o arqueólogo Eduardo Góes Neves, da Universidade de São Paulo (USP), outro autor do estudo e coordenador de um projeto temático da FAPESP sobre a história pré-colonial da Amazônia. <i>“Se tivermos sucesso nesse objetivo, talvez possamos aprender a melhorar a fertilidade em solos pobres e dar uma contribuição para uma agricultura tropical mais sustentável.”</i> Pesquisadores consideram a terra preta indígena um dos solos mais férteis do mundo. Por isso, desde a década de 90, existem tentativas de reproduzir artificialmente as propriedades da TPI, mas os esforços ainda estão nos trabalhos iniciais. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW2-HD3s36Z_IqggsyJXCirnzJoCrsEFAt35N5mfL6HqK2r3C5vNT2DjHVCc0KzdxGOwE3Edz2MkNB-yWknt2U4VzECWmYxQDJSaFDTU4DuCuN9KR6GttfDpqV7IPLhdjbg184hkVfHA/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW2-HD3s36Z_IqggsyJXCirnzJoCrsEFAt35N5mfL6HqK2r3C5vNT2DjHVCc0KzdxGOwE3Edz2MkNB-yWknt2U4VzECWmYxQDJSaFDTU4DuCuN9KR6GttfDpqV7IPLhdjbg184hkVfHA/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+2.jpg" height="400" width="298" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Alguns especialistas acreditam que compostos presentes nas fezes humanas desempenham um papel importante na manutenção a longo prazo da fecundidade dessa variante do chão amazônico. Ao contrário dos empobrecidos latossolos típicos da Amazônia, a terra preta sofre pouca lixiviação, processo caracterizado pela perda de nutrientes devido à infiltração da água da chuva que “lava” o solo e lhe rouba os componentes químicos.<i> “Os excrementos dão uma contribuição significativa para o conteúdo de nutrientes encontrados na terra preta, como nitrogênio e fósforo, e a ajudam a reciclar seus nutrientes”</i>, afirma Bruno Glaser, da Universidade Martinho Lutero de Halle-Wittenberg, Alemanha, estudioso da biogeoquímica de solos e também coautor do artigo. <i>“Nas sociedades modernas isso não ocorre mais, pois esses nutrientes são perdidos com a deposição do lodo de esgoto em reservatórios.”</i> Na terra preta as fezes provavelmente se misturam ao solo devido à ação de minhocas, cupins, formigas e outros organismos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora não costume ser diretamente apontado como um elemento capaz de conferir fertilidade ao solo, o carbono pirogênico parece conter uma conjunto único de fungos e bactérias, cuja sinergia pode estar relacionada à fertilidade da terra preta. Trabalhos feitos pela equipe da engenheira agrônoma Siu Mui Tsai, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da USP, em Piracicaba, mostram que a forma de carvão presente nesse tipo de solo abriga o DNA de até 3 mil espécies de microrganismos. <i>“Essa biodiversidade é bem maior do que a encontrada em solos amazônicos vizinhos à terra preta”</i>, afirma Siu. <i>“Os índios não usavam produtos tóxicos e seu sistema estava em equilíbrio.”</i> Ninguém sabe, no entanto, se os povos pré-colombianos criaram intencionalmente a terra preta, como forma de enriquecer o solo destinado à agricultura, ou se ela é uma mera decorrência acidental dos dejetos e do lixo produzidos por seu modo de vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na sua maioria, as manchas de terra preta indígena têm uma idade entre 500 e 2.500 anos, mas alguns sítios foram datados em mais de 4.000 anos. Sua profundidade pode chegar a extraordinários 2 metros – sabe-se que são necessários dez anos de ocupação permanente e intensa para se produzir 1 cm de terra preta; portanto, dois metros equivaleriam a mais ou menos 2000 anos de ocupação ininterrupta. Outro dado importante é que as manchas de TPI encontram-se normalmente em áreas elevadas próximas a curvas de rio, lagos, igarapés e cachoeiras. Nas suas camadas mais profundas, foram encontrados urnas funerárias, algumas de sepultamento coletivo (mulheres e jovens junto com homens adultos).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_PxEAplVgRiuxiIHFD4i4yWVRvrf5_yfgIh4inmLkCooVM1mAkRDsHq5aXlWiiOZfruYPIwJreV12m2Ta0c3vT0T5woNbxYe9XE7Dhc01XWC_v-advTThboeQL-oBvta90MRtoX7MLg/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_PxEAplVgRiuxiIHFD4i4yWVRvrf5_yfgIh4inmLkCooVM1mAkRDsHq5aXlWiiOZfruYPIwJreV12m2Ta0c3vT0T5woNbxYe9XE7Dhc01XWC_v-advTThboeQL-oBvta90MRtoX7MLg/s1600/Terra+Preta+Ind%25C3%25ADgena+3.jpg" height="326" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>“A ocorrência de milhares de sítios de TPI na Amazônia seria um forte indicador da existência de povoamentos permanentes, densos, hierarquizados e estáveis, a partir do quinto milênio AEP. Foram povos muito diferentes dos atuais, cujas práticas agrícolas e nomadismo não levam à formação de terras pretas”</i>, de acordo com Evaristo E. Miranda.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><i>Baseado em texto do NUPARQ – Núcleo de Pesquisa Arqueológica da UFRGS</i></span></div>
HERNE, the Hunterhttp://www.blogger.com/profile/10006270607237021183noreply@blogger.com0