domingo, 14 de fevereiro de 2010

POSTULADOS DO VIVER BEM

A nova Constituição Política da Bolívia estabelece o princípio ancestral de VIVER BEM como o modelo a ser reimplantado no pais, que busca “o viver em harmonia com a natureza”. Estas consideravam que o ser humano esta em segundo plano, logo após o meio ambiente. Seu Artigo 8º estabelece que “O Estado assume e promove como princípios ético-morais da sociedade plural: AMA QHILLA, AMA LLULLA, AMA SUWA (não sejas preguiçoso, não sejas mentiroso e não sejas ladrão), SUMA GAMAÑA (viver bem), ÑANDEREKO (vida harmoniosa), TEKO KAVI (vida boa), YVY MARÃ EY (terra sem mal) e QHAPAJ ÑAN (caminho ou vida noble)”.

O Ministro das Relações Exteriores, David Choquehuanca – estudioso aymara desse modelo e expert na cosmovisão andina –, conversou com o jornal LA RAZÕN e explicou os detalhes destes princípios reconhecidos no Artigo 8º da Constituição Política do Estado (CPE). “Queremos voltar ao ‘VIVER BEM’, o que significa que iremos valorizar nossa história, nossa música, nossos trajes, nossa cultura, nosso idioma, nossos recursos naturais. Ao decidirmos recuperar tudo o que é ‘nosso’, voltamos a ser o que fomos”.

O ministro procurou ressaltar a distância que há entre essa decisão política e o Socialismo, tanto quanto do Capitalismo. O primeiro, por buscar satisfazer as necessidades humanas apenas; o segundo porque coloca o dinheiro e a propriedade como o mais importante. “Para os que pertencem à cultura da vida, o mais importante não é nem a prata, nem o ouro e nem mesmo o homem. O mais importante são os rios, o ar, as montanhas, as estrelas, as formigas, as mariposas (...) pois sem essas coisas o homem não pode viver; para nós, portanto, o mais importante é a vida”.

Nessa entrevista, David Choquehuana apresenta as principais características de um Estado construído a partir do BEM VIVER:

PRIORIZAR A VIDA
VIVER BEM é buscar a vida em comunidade, onde todos se preocupam com o bem-estar de cada pessoa. O mais importantes não é o indivíduo (como afirma o Socialismo), nem o dinheiro (como postula o Capitalismo), mas a VIDA. Por isso se busca uma vida mais fraterna, que seja o caminho da harmonia com a natureza.

BUSCAR O CONSENSO
VIVER BEM é buscar sempre pelo consenso entre todos. Isso implica que ainda que as pessoas tenham diferenças, o diálogo deve continuar até que se chegue a um ponto em que todos estejam satisfeitos e não haja conflitos. “Não estamos contra a democracia, mas queremos superá-la pois nela existe também a palavra “submetimento” e submeter o próximo não é VIVER BEM”, esclareceu David Choquehuanca.

RESPEITAR AS DIFERENÇAS
VIVER BEM é respeitar o outro, saber escutar a todos aqueles que desejam falar, sem discriminação ou qualquer tipo de submetimento. Não podemos nos contentar com a tolerância, mas devemos chegar ao respeito. “Não há unidade na diversidade, mas apenas semelhanças e diferenças. Cada cultura ou região tem uma forma diferente de pensar; para VIVER BEM e em harmonia é necessário respeitar essas diferenças”. Esta doutrina inclui a todos os seres que habitam o planeta, como os animais e as plantas.

VIVER EM COMPLEMENTARIEDADE
VIVER BEM é priorizar a complementariedade: todos os seres que vivem no planeta se complementam uns aos outros. Nas comunidades, a criança se complementa com o idoso, o homem com a mulher, etc. Por isso o homem não pode matar as plantas; elas complementam sua existência e o ajudam a sobreviver.

EQUILÍBRIO COM A NATUREZA
VIVER BEM é levar uma vida de equilíbrio com todos os seres dentro de uma comunidade. Segundo David Choquehaunca, a Justiça ocidental também é excludente, porque só leva em contar as pessoas dentro de uma comunidade humana e não ao que é mais importante: a vida e a harmonia do homem com a natureza. É por isso que VIVER BEM aspira uma sociedade com equidade e sem exclusões.

DEFENDER A IDENTIDADE
VIVER BEM é valorizar e recuperar a identidade cultural de cada povo. Essa identidade implica desfrutar plenamente uma vida baseada em valores que têm resistido por mais de 500 anos (à invasão espanhola) e que são o legado de famílias e comunidades que vivem em harmonia com a natureza e o cosmo.

PRIORIZAR DIREITOS CÓSMICOS
VIVER BEM é dar prioridade aos direitos cósmicos antes de aos direitos humanos. Quando se fala de mudança climática, estamos nos referindo a direitos cósmicos, assegura o Ministro de Relações Exteriores. “Por isso, no momento, é mais importante falar sobre os direitos da Mãe Terra que falar sobre os direitos humanos”.

SABER COMER
VIVER BEM é saber alimentar-se, saber combinar as comidas adequadas de acordo com as estações do ano (alimentos segundo a época). O Ministro David Coquehuanca explica que este hábito deve basear-se na prática dos antepassados, que se alimentavam com um determinado produto durante toda uma estação e que essa era a garantia de boa saúde.

SABER BEBER
VIVER BEM é usar bebidas alcoólicas com moderação. Nas comunidades indígenas cada festa tem um significado e as bebidas alcoólicas sempre estiveram presentes nas celebrações, mas nunca eram consumidas com exageros. “Temos que saber beber; nossas comunidades tinham festas que estavam relacionadas com as épocas sazonais. Não é como ir a uma cantina e encher a cara de cerveja e matar os neurônios”.

SABER DANÇAR
VIVER BEM é saber dançar, não simplesmente saber bailar. A dança se relaciona com alguns momentos concretos, como a colheita e a semeadura. As comunidades continuam honrando com a dança e música à Pachamama, principalmente em épocas agrícolas. Nas cidades ocidentalizadas, as danças originárias são consideradas como “expressões folclóricas”. O BEM VIVER inclui a redescoberta do verdadeiro significado de dançar.

SABER TRABALHAR
VIVER BEM é considerar o trabalho como festa. “O trabalho para nós é felicidade”, disse David Choquehuanca, ressaltando a diferença em relação ao Capitalismo, onde se paga para trabalhar. O BEM VIVER retoma o pensamento ancestral de considerar o trabalho como uma festa; é uma forma de crescimento, por isso que nas culturas indígenas se trabalha desde pequenos.

RETORNAR A ABYA YALA
VIVER BEM é promover que os povos se unam em uma grande família. Para David Choquehuanca, isso implica que todas as regiões dos pais devem se reconstitir no que ancestralmente se considerou como uma grande comunidade. “E isso tem que estender-se a todos os países. Por isso vemos como bom sinal os presidentes que estão juntos na tarefa de unir a todos os povos e voltarmos a ser o Abya Yala que fomos”.

REINCORPORAR A AGRICULTURA
VIVER BEM é reincorporar a agricultura às comunidades. É recuperar as formas de vivência em comunidade, como o trabalho da terra, cultivando produtos para suprir as necessidades básicas para a subsistência. “Por isso é fundamental que se faça a devolução de terras às comunidades, de modo que as economias locais possam se reorganizarem”.

PODER COMUNICAR-SE
VIVER BEM é poder se comunicar. O VIVER BEM exige que retomemos a comunicação que existia nas comunidades ancestrais, posto que o diálogo é o resultado dessa boa comunicação. “Temos que nos comunicarmos como nossos pais o faziam antes, e resolviam os problemas antes que se tornassem conflitos”.

CONTROLE SOCIAL
VIVER BEM é realizar um controle obrigatório entre os habitantes de uma comunidade. “Esse controle é o que garante a verdadeira participação das pessoas”, disse Choquehuanca. “Como nos tempos antigos, quando todos se encarregavam de controlar suas principais autoridades”.

TRABALHAR EM RECIPROCIDADE
VIVER BEM é retomar a reciprocidade do trabalho nas comunidades. Nos povos indígenas essa prática se denomina AYNI, que não é mais que devolver em trabalho a ajuda prestada a uma família em uma atividade agrícola, como a semeadura e a colheita. “É, sem dúvida, o mais importante dos princípios ou códigos, pois é o que nos garantiam o equilíbrio frente às grandes adversidades”, explica o Ministro.

NÃO ROUBAR E NÃO MENTIR
VIVER BEM baseia-se no “ama sua” e “ama quilla” (“não roubar” e “não mentir”, em quéchua). Esses preceitos, que também estão incluídos na nova Constituição Política do Estado, deve ser respeitada pelo Presidente, mas também é fundamental que as comunidades respeitem estes princípios para lograr o bem-estar e confiança de seus habitantes.

PROTEGER AS SEMENTES
VIVER BEM é proteger e guardar as sementes como um meio de preservar a riqueza agrícola ancestral através, por exemplo, da criação de bancos de sementes, para que no futuro se evite o uso de produtos transgênicos, que danifica e acaba com as sementes ancestrais.

RESPEITAR A MULHER
VIVER BEM é respeitar a mulher, porque ela representa a Pachamama – a Mãe Terra que da vida e cuida de seus frutos. Por estas razões, dentro das comunidades, a mulher deve ser valorizada e está presente em todas as atividades orientadas à vida, à criança, à educação e à revitalização da cultura. Os povoados das comunidades indígenas valorizam a mulher como base da organização social, porque transmitem a seus filhos os saberes de sua cultura.

VIVER BEM AO INVÉS DE VIVER MELHOR
VIVER BEM é diferente de viver melhor, que se relaciona com o Capitalismo. Viver melhor se traduz em egoísmo, desinteresse pelos demais, individualismo e pensar somente em lucro; essa doutrina capitalista impulsiona à exploração das pessoas com acumulação de riquezas em poucas mãos, enquanto o VIVER BEM aponta para uma vida comunitária que mantenha uma produção equilibrada.

RECUPERAR RECURSOS
VIVER BEM é recuperar a riqueza natural do país e permitir que todos se beneficiem desta maneira equilibrada e equitativa. A finalidade da doutrina do VIVER BEM também é a nacionalização e recuperação das empresas estratégicas do país, como marco do equilíbrio e a convivência entre o ohmem e a natureza em contraposição com uma exploração irracional dos recursos naturais. “Ante tudo se deve priorizar à natureza”, disse o Ministro.

EXERCÍCIO DA SOBERANIA
VIVER BEM é construir o exercício da soberania no país, a partir das comunidades. Isto significa que se chegará à soberania por meio do consenso comunal, que defina e construa a unidade e a responsabilidade a favor do bem comum, sem que nada falte a ninguém. Esse deve ser o marco a partir do qual se reconstruirão as comunidades e a nação para chegarmos a uma sociedade soberana, com harmonia entre a pessoa, a natureza e o cosmos.

USO RACIONAL DA ÁGUA
VIVER BEM é distribuir racionalmente a água e usá-la de maneira correta. A água é direito de todos os seres que habitam o planeta. “Temos muitas coisas, recursos naturais, água. A França, por exemplo, não tem a quantidade de terra nem a quantidade de água que há em nosso país, e, no entanto, eles não têm nenhum Movimento de Sem-Terra. Da mesma forma, devemos valorizar o que temos e preservar o mais possível, isso é VIVER BEM”.

ESCUTAR OS MAIS VELHOS
VIVER BEM é ler nas rugas dos mais vellhos para poder retomar o caminho. Uma das principais fontes de aprendizagem são os idosos das comunidades, que guardam histórias e costumes que, com o passar dos anos, vão se perdendo. “Nossos avós são bibliotecas vivas, por isso sempre devemos aprender deles”. Portanto, os idosos são respeitados e consultados nas comunidades indígenas do pais.

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