segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

TERRITORIEDADE INDÍGENA

Para as sociedades indígenas, a terra é m uito mais que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligadaa ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural mas um RECURSO SOCIOCULTURAL.

A Terra não é e não pode ser objeto de propriedade individual. A noção de propriedade privada da terra não existe nas sociedades indígenas. No passado a questão da manutenção de fronteiras territoriais não chegava a se colocar de maneira categórica. Todos tinham o direito de utilizar os recursos do meio ambiente na forma de caça, pesca, coleta e agricultura, sem que divisas rígidas fossem mantidas entre aldeias ou povos vizinhos. E atualmente, quando praticamenta todas as sociedades indígenas encontram-se cercadas por sociedades ocidentais e que, portanto, a defesa das fronteiras das terras indígenas se torna uma necessidade para eles, ainda assim a terra contilhia sendo objeto de propriedade comunal. O modelo ocidental de propriedade individual não foi adotado pelas sociedades indígenas. Ao contrário, as reivindicações que partem deles enfatizam o grupo como um todo e não indivíduos isolados.

Limites territoriais não são estranhos às tradições indígenas. O que é estranho é o sentido de exclusividade e de policiamento de um dado território. Tradicionalmente, é muito comum existir o reconhecimento geográfico do território. Porém, esses limites não são tão rígidos que impossibilitem o acessao a outras comunidades, nem tão permanentes que inibam uma mudança de local e rearranjos espaciais. O que existe, geralmente, é um consenso partilhado por comunidades vizinhasa de que é eticamente incorreto utilizar os recursos de outra comunidade sem consultá-la ou informá-la. O traçado exato desses limites pode não sere do conhecimento ou do interesse da população, mas há uma praxe reconhecida e observada por todos.

Por exemplo, para os KOBÉWA, que vivem no Alto Uaupé da Colômbia e do Brasil, no noroeste amazônico, não é uma questão a ser pensada, pois não são zelosos de fronteiras e raramente têm problemas com elas, embora as conheçam. Segundo Irving Goldman, "com respeito à terra, estamos lidando mais com dominío do que com propriedade. (...) O domínio é sancionado por tradições de origem que narram precisamente de onde vieram os primeiros ancestrais e suas viagens e aldeamentos subsequentes. É como base nessas tradições que as pessoas podem dizer: 'Esta é a nossa terra'."
Darcy Ribeiro relata conceito semelhante sobre os URUBU-KAAPÓR, do Maranhão: "Embora não haja qualquer idéia de propriedade sobre o território tribal ou de divisão do mesmo entre os vários grupos locais, cada aldeia, na prática, cobre uma certa área em suas atividades de caça, coleta e pesca, de modo que raramente os caçadores de grupos locais diferentes se encontram na mata".

Considerações de ordem social, ritual ou religiosa são muito mais importantes para a noção de território que a questão de limites geográficos. Muitas sociedades proíbem ou desencorajam o casamento entre pessoas na mesma aldeia, o que necessariamente leva várias aldeias a se interligarem por laços de casamento. Esses laços, por sua vez, vêm acompanhados de uma série de obrigações mútuas que transcendem a mera união conjugal. Visitas recíprocas, prestaçaaões de serviços vários, desde econômicos a rituais, levam as comunidades envolvidas a se utilizar do território comum que as contém, território esse que toma uma importância social extraordinária.

Um dos temas de conversa mais recorrente entre pessoas da mesma aladeia ou de aldeias diversas, é o estado geral e particular do território: trocam-se notícias sobre caçadas, abundância ou escassez de um produto, amadurecimento de um fruto, as idas e vindas dos moradores das diversas aldeias, os sustos e as recompensas que a mata pode trazer, o encontro ocasional com espíritos na mata, e muitos outros assuntos que revelam a inquestionável importância do território, não apenas como sustentáculo físico dessas populações, mas também - e principalmente - como uma realidade socialmente construída, elaborada e intensamente vivida.

A questão da escassez, por exemplo, é bem significativa. No sistema econômico ocidental adotado pelos países sul-americanos, a escassez de recursos é mais o resultado do sistema socioeconômico vigente do que de uma limitação natural. A própria terra foi transformada em bem escasso no momento em que passou a ser regida pelo princípio da propriedade privada: somente aqueles com suficente poder aquisitivo têm acesso a ela. Nas sociedades indígenas isso não ocorro. A terra e seus recursos natruais sempre pertenceram às comunidades que os utilizam, de modo que praticamente não existe escassez, socialmente provocada, desses recursos. Se há escassez natural, ela é partilhada por todos: se há fartura, todos se beneficiam; se há falata, todos a sofrem. Pois a desigualdade social, quando existe, não se dá à custa de privações econômicas de uns em benefício de outros; geralmente está vinculada a privilégios sociais, políticos ou rituais que não envolvem acumulação desproporcional de bens materiais ou acesso diferencial a recursos naturais.
território grupal está ligado a uma história cultural revestida de uma linguagem mítico-religiosa, que orienta e define os movimentos espaciais das aldeias de um sítio ocupado para outro novo. David Price cita o exemplo dos NAMBIQUARA: "Os vivos oferecem comida e bebida aos espíritos dos mortos e os agradam com canto, e os espíritos, reciprocamente, asseguram saúde e bem-estar à aldeia. segue que o lugar onde os parentes são enterrados é sagrado. E já que estão enterrados na aldeia, a aldeia é sagrada. Onde há Nanbiquara enterrado é aldeia, e onde não há ninguem enterrado não é aldeia, ainda que ai vivam cinquenta habitantes". Isso significa que cada aldeia está históricamente vinculado a seus habitantes, de modo que o passar do tempo não apaga o conhecimento dos movimentos do grupo, desde que se mantenha viva a memória dos ancestrais. Estes estão, portanto, ligados ao território, sendo que o foco dessa relação é o local de habitação. Quando alguém morre longe de uma aldeia, o corpo é levado, se for necessário, para ser enterrado num lugar onde há mata boa, onde roças possasm futuramente ser feitas. Ou seja: se não pode ser enterrado numa aldeia antiga, então será numa aldeia futura!

Assim, no território estão inscritas as mais básicas noções de autodeterminação, de articulação sociopolítica, de vivência e crenças religiosas. Limitar o território de um grupo às imediações de seu centro residencial, a aldeia, é condenar esse grupo à penúria permanente, privando-o dos recursos naturais que, por natureza ecológica, acham-se espalhados por grandes distâncias, necessitando, consequentemente, de uma exploração extensiva e não intensiva. No Brasil temos inúmeros exemplos de índios que, havendo perdido seus territórios originais, são obrigados a utilizar, para sobreviver, o único recurso que lhes resta: o seu trabalho, vendido barato, senão mesmo dado, aos invasores ocidentais.
Baseado em texto de Alcida Rita Ramos.

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