segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

AYVU RAPYTA - Os Fundamentos do Ser


AYVU RAPYTA já foi traduzido por Tupã Kuchuvi como "OS FUNDAMENTOS DA LINGUAGEM HUMANA". Para o pensamento guarani, ser e linguagem, alma e palavra são uma coisa só. a palavra "ayvu" expressa o espírito como som vivo, sopro-luz primeiro, aquilo que é eterno em cada indivíduo e que vivifica o corpo e manifesta-se no reino humano sob a pele da palavra, pelo sopro que a preenche.

O espírito-sopro, a vida-luz, que é em essência o ser humano, de acordo com a visão guarani, desdobrou-se em três: ayvu ("espírito"), ñe'eng ("alma") e tu ("som-matéria, corpo").

A tradição guarani diz "ñe'eng" para designar a fala humana e aplica-o também para o cantar das aves, o chilrear dos insetos, etc. No entanto, dependendo do momento, esse significado se aprofunda: "ñe'eng" ganha o sentido de porção divina da alma, palavra-alma, assim como e'en'g-ey é o espírito que os Seres-Trovão (deuses) enviam para que se encarne em um ser que está para nascer, segundo os registros de Tupã Kuchuvi.

A palavra-poema de um pajé anuncia a hierarquia divina, desdobrada do Grande Mistério, que viria co-criar o Universo e, sobretudo, o ser humano. Este é percebido como "alma-palavra" - é o que se expressa mediante a linguagem e por meio do pensamento. Ser e som têm o mesmo sentido. Para essa percepção é necessário ampliar o nosso conceito de som para além da vibração sonora; percebê-lo como corpo-vida, princípio dinâmico da luz, cuja forma denominamos "consciência".

Léon Cadogan, antes de tornar-se Tupã Kuchuvi, disse que havia sido justamente essa a parte que o havia levado a penetrar fundo, durante anos, a fim de compreender a cultura Guarani. Disse ainda que permaneceu seis anos transcrevendo hinos, conselhos e mitos. Um dia, na aldeia, perguntou a Pablo Werá:

- Se tivesses discorrendo sobre as ñe'e porã tenondê (as Palavras Formosas) e teus netos te perguntassem o significado de "ayvu rapyta", o que responderias?

- "Ayvru rapyta oguero-jera, oguero-yudra, Ñande Ru tenondê ñen'ey mbyterãs" (O ser fundamenta-se no fato de ter sido desdobrado do nosso Pai Primeiro, o ser fez-se parte da divindade primeira como medula, palavra-alma, da coluna do Criador).
O Ser emerge do Todo, mas nao se desfaz do Todo. Da mesma forma que o Todo se desdobra em dimensões (sete) e mundos (três), o Ser acompanha. No Mundo-Céu, o Ser e o Todo manifestam-se como unidade; no Mundo-Terra, o Ser e o Todo manifestam-se como diversidade; no Mundo-Intermediário, o Ser e o Todo manifestam-se expresssando a marca do masculino (jequaka) e a marca do feminino (jasuka) e colocando a vida em movimento. Esses três mundos acontecem de modo interdependente e fundamentam o Ser.
As dimensões do Ser vibram em tom de sete notas ancestrais, incluindo-se o silêncio. Essas cordas vibrantes interpenetram-se, gerando a música da vida, totalizando o Ser.


Baseado em texto de Kaka Werá Jecupé

Um comentário:

  1. Muito bom o texto que você postou... estou encantada com o Ayvu Rapyta e toda essa riqueza de consciência espiritual que converge pra mesma essência em todas as culturas mundo afora. Obrigada.

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