quinta-feira, 9 de setembro de 2010

TUPÃ


Muitos procuraram interpretar o significando da palavra TUPÃ. Tais interpretações, porém, não nos parecem satisfatórias.

Primeiramente, há os que atribuem a essa palavra o significado de “PAI EXCELSO”, fazendo-a derivar de TUBA (pai) e AMA (excelso). Logo TUBAMA passaria depois a TUPANA ou TUPÃ.

Concedamos que a palavra AMA, “estar em pé”, viesse a designar “excelso”, o que na prática a língua tupi não atesta.

Seria preciso aceitar também que o “B” de TUBA passasse a “P”, o que igualmente nesta circunstância não é atestado pelo tupi. Não queremos negar a possibilidade de transformação do “b” em “p” nesse idioma, e é por isso mesmo que dissemos “nesta circunstância”; mas geralmente se dá o contrário: o “p”, antes do som não nasal, pode mudar-se em “b”. Alias, pela própria índole da língua e mais conforme às leis fonéticas universais, o som nasal de AMA, sendo sonoro, deveria conservar o “b” que é consoante sonora; o “p” é surda.

Além disso, a palavra TUPÃ deveria mudar o “t” inicial em “r”, porque todas as palavras começadas em “t”, exceto alguns nomes como os onomatopaicos, devem mudá-lo em “r” quando se acham em relação sintática com uma palavra precedente. Mas a palavra “tuba” é dessas que, segundo a regra geral, tem o “t” móvel; donde: “xe ruba”, meu pai, “akûé kurumí ruba”, o pai daquele menino, etc. Mas ainda: a palavra “tupã” tem o “t” imóvel; diz-se “xe tupã”, meu deus, e não “xe rupã”, etc. Logo...

Ainda mais: a forma primitiva de TUPÃ era TUPANA, que no tupi colonial ainda se encontra e sobre a qual temos o testemunho dos padres Anchieta e Nóbrega. Portanto a terminação AMA não tem fundamento. Os tupis distinguiam bem o “m” do “n”, e até nos finais, como por exemplo: “xe mim”, esconder-me; “xe min”, tenho lança, etc.

Outros dão outra explicação. O padre Montoya, por exemplo, em seu “Tesoro de La Lengua Guarani”, no verbete “TUPÔ, diz: “compuesto de TU, admiração, y PA, pregunta: MANHU? Qui est hoc? – Nombre que aplicaron a Dios”. Também segue essa explicação o Prof. Dobritzhoffer.

Montoya faz relação do modo de exclamar dos índios com o dos judeus quando viram o maná.

Se a palavra TUPÃ fosse composta de admiração TU e da interrogação PÃ, não estaria isto conforme o idioma guarani. De fato, a admiração TU era só usada pelos homens, enquanto TUPÃ, era empregada por eles e pelas mulheres. Mas vá lá que depois passassem a usá-la também as mulheres. Quanto a este primeiro elemento há algo favorável: o “t” é imóvel, igual ao da palavra “Tupã”. Todavia o segundo elemento, a partícula interrogativa “pã”, que melhor seria “pang”, cuja forma plena, atestada pelo próprio Montoya, é “panga” (composta talvez de “pe” e “ang” ou “anga”, e portanto igual a “piã” ou “piang”) não poderia mudar-se sem mais nem menos em “pana”, como seria de fato a terminação de TUPÃ: “tupana”. Logo...

O Dr. Hartt apresenta a sugestão de que TUPÃ se derive do verbo TEAPU, roncar, pois no Amazonas o mesmo verbo é dito TEAPUAN.

Quanto a isso, basta observarmos que esta sugestão está certa quanto ao sentido da palavra TUPÃ; mas, quanto à forma, a coisa, muda, porque a palavra TEAPU ou mesmo TEAPUAN (conforme ele cita), que propriamente no tupi colonial era TYAPU, tem o “t inicial móvel, enquanto TUPÃ não o tem, segundo vimos acima. E as palavras derivadas seguem a forma da primitiva. Logo...

Por fim outros querem ainda derivar TUPÃ da raiz TUP ou TOP do quéchua, que significa “queimar”, “calor” e portanto “brilhar”, dizendo-a derivada do sânscrito. O segundo elemento seria a palavra ANG ou ANGA, alma, espírito.

Quanto ao sentido e quanto à forma, essa relação com o quéchua e com o sânscrito estaria certa. Mas a palavra TUPÃ indicaria antes o raio ou relâmpago do que o trovão; e os índios distinguiam bem os raios ou relâmpagos dos trovões, tanto assim que possuíam palavras para designar cada um deles, embora em um ou outro dialeto tupi hodierno, como por exemplo o pauaté e o aoiampi, seja usada a mesma palavra “tupã” para significar tanto o trovão como o raio ou relâmpago. O contrário porém é certo, isto é, que TUPÃ indique o trovão, conforme veremos mais adiante.

Além disso, poderíamos dizer melhor que se relaciona com a raiz indo-européia TUN, bater, raiz essa onomatopaica que encontramos parecida no ramo tupi-guaraní, e, por isso, por ser onomatopaica, pode achar-se em outras línguas, sem relação alguma dever existir entre elas. Por esta razão temos no guarani TU, golpe, MBOTU, bater, e no grego TYPOS, golpe, TYPTO, bater, etc.

Não queremos afirmar aqui nenhuma relação do indo-europeu com o tupi-guarani, não obstante a nossa opinião particular seja um tanto favorável, e por muitas razões. Aliás, esperamos poder em um próximo artigo apresentar fatos, bastantes e interessantes, a respeito de tal relação.

O segundo elemento seria a palavra ANG ou ANGA, alma. Logo, TUPANG ou melhor TUPANGA daria TUPÃ ou TUPANA. Assim significaria, como querem, “espírito brilhante, resplandecente”. Não poderia isto acontecer por dois motivos: um, baseado na forma – como explicaria a mudança, apenas nesta palavra, de TUPANGA para TUPANA? Gostaríamos que nos dessem outros exemplos em outras palavras tupis. O segundo motivo é próprio da estrutura, da construção, da sintaxe do ramo lingüístico tupi-guarani. Para significar “espírito brilhante”, a palavra ANGA estaria em colocação errada, diferente das demais formas de composição da língua: deveria nesse caso vir antes, porque os nomes, indicando uma qualidade, devem vir depois. Logo...

Até aqui vimos as explicações dos outros. Agora devemos apresentar a nossa.


O nosso ponto de vista é que a palavra TUPÃ ou TUPANA é composta de TU, onomatopéia de “golpe”, e PANA (ou PÃ), palavra também onomatopaica, designativa de “pancada”, “barulho”, “som”. De TU deriva-se YTU, golpe d’água, cachoeira; MBOTU, bater em, golpear, chocar-se com. De PANA o verbo MOPANA, bater, fazer soar. Portanto, TUPANA significaria “barulho de golpe”, “som de pancada”, “som de golpe”. É o trovão.

A esse respeito vejamos o testemunho dos padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta:

Falando sobre os Tupinambás e os Tupiniquins, Nóbrega assim escreve, na carta sobre as “Informações das Terras do Brasil”: “Essa gentilidade nenhuma cousa adora, nem conhece a Deus; somente aos trovões chama TUPANA, que é como quem diz cousa divina. E assim nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus, que chamar-lhe Pae Tupana” (Cartas Jesuíticas, I; Manuel da Nóbrega: Cartas do Brasil, 159-1560, pag. 99).

E o padre Anchieta nas suas “Informações do Brasil e de suas Capitanias”, 1584, assim escreve: “Nenhuma criatura adoram por Deus, somente aos trovões cuidam que são Deus, mas nem por isso lhes fazem honra alguma, nem comumente tem ídolos nem sortes...”

A forma tupi é propriamente TUPANA; foi generalizada a foram TUPÃ talvez por influência indireta do guarani. A palavra TUPANA primeiramente significou o trovão, que era também a representação do poder divino, e daí significou o próprio Ser Supremo. Por isto os jesuítas a aplicaram a Deus e ela passou a indicar igualmente “dia santo”, como neologismo cristão.

Os índios, atribuindo a Deus a mesma palavra que designava o trovão, não fugiram à regra geral. De fato o homem não teria podido ser preciso em definir a natureza de Deus, exceto pela revelação; por isto o chamavam com um nome que lhe designasse algum atributo aparente.

No indo-europeu a palavra DEUS vem da raiz DIV, que significa “brilhar”. Daí temos DEVAS no sânscrito, deus, divus, divinus no latim, ZEUS (dieus), DIOS em grego, etc. Daí, também, vem as palavras DIES do latim, DIAUS, o céu iluminado, do sânscrito, etc, etc. Por conseguinte DEUS no indo-europeu era “o brilhante”, “o resplandecente”, na maioria dos seus dialetos.

Por outra parte, no mesmo indo-europeu, encontramos outra designação. No inglês, no alemão, no gótico diz-se respectivamente GOD, GOTT e GUTH, que provavelmente representam um tipo GHU-TOM, derivado da raiz GHU (com “u” breve), sacrificar, ou mesmo da raiz GHU (com “u” longo), invocar. No sânscrito há as duas derivações, um breve: HUTA, significando “aquele a quem se faz um sacrifício”; a outra longa: HUTA, “aquele que é invocado”.

No hebraico temos a forma ELOAH, geralmente usada no plural ELOHIM, como também a forma EL, para designar Deus. Ora, estas formas são derivadas da raiz EL, que significa “força”, “forte”. E cognatas à forma hebraica, há as palavras ILAH do árabe (que com o artigo faz ALLAH), ELAH do aramaico, ALAHA do siríaco. Deus seria para estes “o forte”, “o poderoso”.

Portanto não tememos em afirmar que a palavra TUPÃ ou melhor TUPANA, significando “trovão”, possa designar o Ser Supremo, principalmente se considerarmos que, entre os Romanos, Júpiter (diupater), o pai dos deuses, era chamado de TOPANS, o tonante, o retumbante.


Estavam pois certos os jesuítas ao aplicá-la a Deus, o Deus como é concebido pelos cristãos, isto é, o Deus verdadeiro criador e senhor de todas as coisas.

Texto de Geraldo C. Lapenda,
in “Boletim Universitário” – Recife, 15 de Junho de 1953

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