Ao levantarem seus olhos para o céu, os astrônomos incas nada mais faziam do que dar continuidade a uma prática muito antiga, que teve início com as nações andinas a cerca de 2000 aC. Desde os primórdios da ocupação humana na Cordilheira dos Andes, o homem buscou compreender o meio ambiente para dele forjar os alicerces de sua sociedade.
Ao longo de toda Cordilheira, tanto no litoral desértico quanto no Altiplano, os arqueólogos encontraram vestígios de construções que tinham como função, compreender a natureza e suas particularidades. O viajante que hoje se aventurar por essas regiões remotas de nosso continente, poderá ainda experimentar a dura prova que é sobreviver sob condições climáticas selvagens. Somente assim podemos compreender a verdadeira obsessão dos antigos povos pela observação do meio ambiente.
Uma das mais surpreendentes descobertas nesse sentido, ocorreu na região do lago Titicaca, a 3812 m de altitude, relacionada a antiga cultura CHIRIPA (1350 aC - 100 dC). O morro rochoso de Quesasani, ao lado da atual cidade boliviana de Copacabana, eterno centro de peregrinações religiosas, é guardião de um monumento conhecido popularmente como "Forca do Inca": trata-se de duas colunas naturais de rocha, entre as quais existiam sete traves do mesmo material; hoje apenas uma se mantém intacta. As primeiras referências foram feitas pelos conquistadores espanhóis. Concluíram - em sua mentalidade militarista - que as traves e colunas serviam para enforcar os marginais da nação incaica. Daí seu nome. Em 1880, o viajante Charles Wiener - buscando semelhança com monumentos europeus - chamou-as de dólmens, fazendo uma clara referência a Stonehenge, na Inglaterra.
O mistério da obra só foi devidamente esclarecido em 1983, quando Juan de la Cruz Zapata, especialista em física cósmica da Universidade Maior de San Andrés, desenvolveu estudos dos quais concluiu serem as colunas, usadas para prever os movimentos lunares e a chegada de eclipses. Podemos dizer hoje com toda certeza, que o monumento foi um observatório astronômico.
Em finais da década de 80, o arqueólogo Oswaldo Rivera Sundt confirmou essa tese, datando o local em 1764 aC. Descobriu pedras que foram desgastadas propositadamente para que os raios solares pudessem projetar-se nas traves. Essas "deformações" rochosas serviram para marcar datas fundamentais à observação do meio ambiente. Através das projeções solares, os pré-colombianos puderam organizar seu ano e suas plantações.
A exemplo da nação Chiripa, outras utilizaram calendários e marcações solares e lunares para organizar seu dia-a-dia. O meio ambiente rude e selvagem moldou características curiosas nos homens andinos: a da constante observação climática, do animismo e do culto a natureza. Os pré-colombianos tornaram-se especialistas em observar as mudanças - por menores que fossem - do clima. Ao visitar a região do lago Titicaca, pude conversar com camponeses de origem aymara que se utilizam de sinais do meio ambiente para programar a vida de suas comunidades. Indícios de geadas, coloração do céu, coachar dos sapos, direção do vento e revoada de pássaros até hoje são utilizados para esse fim. Preocupa-os em especial a degradação do meio ambiente que já começa a atingir a região do Altiplano, causada pelo crescimento desordenado das cidades e pelas queimadas na floresta Amazônica brasileira, que emitem nuvens gigantescas de fumaça através dos vales pré-cordilheiranos. Essa névoa aquece e desequilibra o meio ambiente do Altiplano, interferindo nos indícios climáticos, tão necessários às comunidades andinas.
O controle do meio ambiente permitiu durante a ocupação regional da nação TIWANAKU (1580 aC - 1200 dC) um desenvolvimento sem igual na produção de alimentos. Através da criação de canais artificiais, criaram sistemas de plantio conhecidos atualmente como Camellones, que ainda não foram superados em eficiência por nenhum outro sistema da história. Os maiores Camellones chegaram a atingir 200 metros de comprimento por 50 de largura. Foram plataformas artificiais, erguidas em várias camadas (pedra, argila, cascalho e terra), com aproveitamento total dos terrenos alagadiços. Essa avançada técnica agronômica levava em consideração as observações do meio e o microclima noturno formado em terrenos de altitude, às margens do Titicaca. Os produtos plantados nesse sistema, como batatas e outros tubérculos regionais, chegam a produzir 10 vezes mais do que um plantio normal. Além do que, os produtos atingem um tamanho individual até 5 vezes os atualmente conhecidos.
No mundo INCA (1200 - 1532 dC) os astrônomos - ou Pachap Onanchac - eram os responsáveis oficiais pelo estudo do céu (Hanan Pacha) e pela observação climática. Seu conhecimento era passado verbalmente entre os profissionais da área. Por esse motivo, hoje sabemos pouco sobre seus estudos astronômicos, mas o suficiente para compreendermos que eles buscavam aperfeiçoar os métodos de seus antecessores. Sabiam que o meio ambiente era um poderoso aliado.
O homem andino aprendeu, através da observação, que a agricultura estava vinculada ao ciclo do tempo. Existia o período propício para plantar e colher, que era determinado pelo frio, calor, geadas, chuvas e secas. O estudo da astronomia foi antes de tudo, a vontade dos homens em dominar o tempo, garantindo assim sua própria continuidade. Podemos dizer que, de forma prática, a observação do meio ambiente levou ao avanço da agricultura, e o sucesso desta, à necessidade de aprender mais sobre astronomia. Controlar o tempo e compreender o clima era antes de tudo, dominar o poder político e religioso da região. Poder esse que durante muito tempo ficou em mãos de uma classe especial de sacerdotes.
As poucas - e conflitantes - informações sobre o uso de calendários baseados na observação do meio ambiente nos foram deixadas pelos conquistadores espanhóis. Tudo leva a crer que os incas utilizavam durante certo período, dois sistemas de controle do meio para suas plantações: uma lunar e outra solar. O lunar era dividido em 12 partes (ou meses) correspondendo a cada uma delas, uma atividade ou festa específica, geralmente relacionada com o plantio e colheita. Já o ano solar despendia um período diferente do lunar: ao final de cada ano, "sobravam" mais de 10 dias em relação ao lunar, que deveriam ser reintegrados de alguma forma ao ciclo normal das colheitas. Até o momento, não se sabe exatamente a solução encontrada por eles para solucionar esse excedente de dias. Contudo, temos conhecimento que o Inca Pachacuty mandou erguer 12 colunas ao redor da capital Cusco, que serviam para observar os azimutes. Assim, medindo as sombras projetadas no solo, conseguiam estipular a época correta dos solstícios e equinócios.
Os incas tinham, a exemplo de outros povos, seus observatórios solares e astronômicos, de forma geral chamados Sucanas. O tipo mais conhecido deles é sem dúvida o Intihuatana, ou "lugar onde se amarra o sol", construção já utilizada por nações pré-incaicas, que consistia de um círculo de pedras - sendo algumas propositadamente maiores - em cujo centro erguia-se um pequeno obelisco. A coluna não projetava sombra ao meio-dia, mas o fazia nas demais horas, sobre as rochas ladeadas, registrando assim o passar do tempo.
Tudo indica que o calendário incaico tinha uma função basicamente agrária. Não parecia existir - ao contrário de outros povos americanos - qualquer espécie de relação a marcação de dias de sorte, azar ou períodos premonitórios. Os astros eram compreendidos principalmente como elementos indicadores de secas e chuvas. Essa era sua principal função. O mesmo não ocorria com observações de outros fenômenos como cometas, eclipses e arco-íris, que podiam anunciar guerras, invasões, pestes ou incertezas para as sociedades andinas.
Podemos dividir assim o ano incaico, partindo do calendário lunar, tendo como mês de início o correspondente a semeadura da terra:
Junho – Awkay Kushi - INTI RAYMI (Festa do Sol)
Julho – Chana Warkis - Purificação terrena
Agosto – Yapakis - Purificação geral (semeadura)
Setembro – Raya Koymi - Sitwa (expulsão das doenças)
Outubro – Uma Raymi - Festa da água
Novembro – Ayamarka - Procissão dos defuntos
Dezembro – Kapaj Raymi - CAPAC RAYMI (Grande Festa)
Janeiro – Juchuy Pukuy - Pequena madurez
Fevereiro – Qatun Pukuy - Grande madurez
Março – Pacha Pukuy - Pacha Puchuy (Maturação)
Abril – Ariwakis - Dança do milho jovem
Maio – Qatun Kuski - Colheita
Julho – Chana Warkis - Purificação terrena
Agosto – Yapakis - Purificação geral (semeadura)
Setembro – Raya Koymi - Sitwa (expulsão das doenças)
Outubro – Uma Raymi - Festa da água
Novembro – Ayamarka - Procissão dos defuntos
Dezembro – Kapaj Raymi - CAPAC RAYMI (Grande Festa)
Janeiro – Juchuy Pukuy - Pequena madurez
Fevereiro – Qatun Pukuy - Grande madurez
Março – Pacha Pukuy - Pacha Puchuy (Maturação)
Abril – Ariwakis - Dança do milho jovem
Maio – Qatun Kuski - Colheita
Baseado em texto do historiador Dalton Delfini Maziero.
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