domingo, 18 de maio de 2014

DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA PRÉ-COLOMBIANA


No final do século XX surge a preocupação mundial com o desenvolvimento e meio ambiente. Nessa mesma época, na Amazônia Brasileira, alguns pesquisadores brasileiros e estrangeiros (arqueólogos, etnólogos, antropólogos, etc.) descobriam vestígios de um modelo de desenvolvimento social, econômico, tecnológico e humano totalmente diferente do que se vinha propondo em termos de desenvolvimento local, até então baseados unicamente no determinismo ecológico (FAUSTO, 2000). Surge uma nova explicação para o desenvolvimento social na Amazônia, centrado na questão ecológica.

As provas arqueológicas mostram que as sociedades que se desenvolveram na Amazônia antes da conquista européia adotavam sistemas de manejo que não agredem o meio ambiente, conseqüentemente, não prejudicam as gerações futuras, mediante uma forma de desenvolvimento planejado que otimizou o uso dos recursos disponíveis num lugar, dentro das restrições ambientais locais. Para Godard (1997) o ecodesenvolvimento pode ser compreendido como uma visão do desenvolvimento consorciado com o manejo dos ecossistemas, procurando utilizar os conhecimentos já existentes na região, no âmbito cultural, biológico, ambiental, social e político, evitando-se assim a agressão ao meio ambiente. Portanto, ecodesenvolvimento também pode se definido como um processo criativo de transformação do meio com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas em função das potencialidades deste meio, impedindo o desperdício inconsiderado dos recursos, e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos contextos culturais (SACHS apud VEIGA, 2005)

As estratégias do ecodesenvolvimento são múltiplas e só podem ser concebidas a partir de um espaço endógeno das populações consideradas. Atualmente, promover o ecodesenvolvimento é, no essencial, ajudar as populações envolvidas a se organizar e se educar, para que repensem seus problemas, identifiquem suas necessidades e recursos potenciais para conceber e realizar um futuro digno de ser vivido, conforme os postulados de justiça social e prudência ecológica (SACHS apud VEIGA, 2005). Um estilo ou modelo para o desenvolvimento de cada ecossistema, que, além dos aspectos gerais, considera de maneira particular os dados ecológicos e culturais do próprio ecossistema para otimizar seu aproveitamento, evitando a degradação e ações degradadoras. E uma técnica de planejamento que busca articular dois objetivos: por um lado, o desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida através do incremento da produtividade, por outro, manter em equilíbrio o ecossistema onde se realizam essas atividades.

A Arqueologia Amazônica é marcada por uma forte herança histórico-cultural. Durante os anos 1970, o principal foco da pesquisa foi à realização de prospecções arqueológicas, empreendidas pelo PRONAPABA – Programa Nacional de Prospecções Arqueológicas na Bacia Amazônica. Criado por Clifford Evans, Betty Meggers e Mário Simões, o programa concentrou suas atividades ao longo dos principais rios e tributários da bacia Amazônica, visando a determinação de fases e tradições cerâmicas. A metodologia da época baseava-se na construção de cronologias relativas, por meio da seriação (NUNES FILHO, 2005).

De modo geral, o registro arqueológico da Amazônia era visto como o produto de sociedades ceramistas de pequena escala, que, impactadas pelas restrições impostas pelo meio-ambiente, eram obrigadas a uma mudança constante do local de assentamento, o que resultava em sucessivas ocupações de curta duração, num padrão bastante semelhante às sociedades conhecidas etnograficamente (MEGGERS, 1977, 1979). Evidências de complexidade sócio-política, especialmente no caso da Ilha de Marajó, foram interpretadas como sociedades originárias dos Andes, com uma organização social do tipo cacicado, que, em contato com o meio ambiente da floresta tropical decaíram (MEGGERS, 77; EVANS, 1955). Contudo, a partir de 1980, com o início dos trabalhos de Anna Roosevelt no Baixo Amazonas, assistimos a uma mudança nos parâmetros da arqueologia amazônica, em termos de teoria, prática e escolha dos temas de pesquisa.

Além da investigação em antigos sítios cerâmicos e paleoíndios, Roosevelt têm se dedicado ao estudo das sociedades complexas na Amazônia. A cultura pré-colonial Santarém (1000-1500 d.C.) é uma destas sociedades estudada por ela. Embora os dados que poderiam comprovar o desenvolvimento de um cacicado local ainda não tenha sido publicado pela autora, seu modelo preditivo, baseado em antigos relatos etno-históricos e em trabalhos arqueológicos anteriores, destaca a existência de hierarquia social e política, concentração territorial, expansão da guerra, agricultura intensiva, trabalhos de larga escala e presença de especialistas – exemplificada pelo desenvolvimento de uma indústria cerâmica elaborada (Roosevelt 1992).

De fato, a cerâmica Santarém pode ser considerada como exemplo de uma das indústrias pré-coloniais mais elaboradas da Amazônia. Sua iconografia é caracterizada por um repertório básico de animais de floresta tropical, estruturados de maneira coerente e recursiva, a fim comunicar princípios de significado mitológico. Por outro lado, grandes representações de homens, algumas delas bastante naturalistas, exibem indivíduos sentados em bancos, segurando chocalhos, que demonstram a importância dos xamãs como líderes de rituais e guardiões do conhecimento cosmológico desta sociedade (GOMES, 2002).

Depois deste panorama das pesquisas arqueológicas na Amazônia, devemos considerar que ela não foi hostil à presença do ser humano. A vida na floresta nunca foi fácil, mas há milhares de anos o homem aprendeu a se estabelecer na mata e nela desenvolveu sociedades complexas. Grupos com hierarquia de poder bem definidas criaram verdadeiras capitais que integravam vastas áreas da Amazônia. A descobertas arqueológicas mostram que a ocupação da floresta amazônica começou há cerca de 12 mil anos e que alguns dos grupos pré-históricos chegaram a desenvolver trabalhos sofisticados, como: tesos (elevação artificial do solo), canais, estradas, poços funerários, urnas funerárias refinadas, mumificação e manejo florestal. Inicialmente, a ocupação aconteceu por populações caçadoras-coletoras, mas algumas delas se desenvolveram em sociedades complexas, que desapareceram deixando suas marcas enterradas no solo da Amazônia.

Os indícios do início da ocupação da Amazônia foram encontrados por Anna Roosevelt na Caverna da Pedra Pintada, no Baixo Amazonas, no Pará. E seriam de mais de dez mil anos atrás. A cerâmica mais antiga das Américas também foi achada nessa região, com datação de oito mil anos. Segundo Roosevelt, as sociedades complexas viriam bem mais tarde, começando por volta do século XI d.C. (ainda considerado pré-história nas Américas) e indo até o século XVII ou XVIII. Seu desaparecimento estaria ligado ao contato com os colonizadores. Cronistas espanhóis do Século XVI e XVII que estiveram na Amazônia registraram que estas sociedades possuíam uma hierarquia de chefes e de assentamentos, na qual Santarém funcionava como uma espécie de capital. Existiam paralelamente outros centros com aldeias subordinadas a eles. Estas sociedades produziram uma cerâmica em que fica claro o cuidado com seu acabamento (PORRO, 1996). Os motivos e a técnica utilizados são bem diferentes dos andinos.

Com a descoberta e a exploração da América pelos europeus, filósofos, autoridades políticas, teólogos e cientistas conheceram uma realidade de contrastes culturais espantosos em relação à civilização humana até então conhecida. No período conhecido como Iluminismo, surgiram as primeiras tentativas sistemáticas para explicar as diferenças culturais. A idéia central era a noção de progresso, onde se acreditava que a humanidade havia passado por estágio não civilizado: sem leis, governos, agricultura ou qualquer conhecimento técnico.

Gradualmente, no entanto, guiada pela razão, evoluiu do estado natural para o estado civilizado iluminista. As diferenças culturais eram atribuídas aos diversos estágios de progresso moral e intelectual dos povos. Nesta concepção de progresso alguns pesquisadores e cientista que tentaram explicar a evolução humana a partir de modelos explicativos.

Assim, no século XIX, teremos: Augusto Comte, que postulou um progresso em que o pensamento teológico cedia lugar ao pensamento científico; Hengel que via o movimento de um passado onde só havia um homem livre (despotismo oriental), passando por um estágio intermediário onde poucos homens podiam exercer a liberdade (cidades-estado da Grécia), até o estágio final onde todos os homens eram livres (monarquias constitucionais e democracias modernas); Morgan que dividiu a evolução cultural em estágios (selvagem, barbárie e civilização), detalhando minuciosamente a passagem de um para outro em estudos etnográficos; Darwin com o social-darwinismo, movimento que acreditava ser o progresso biológico e cultural dependente da competição das espécies pela sobrevivência; Marx e Engels avaliaram as culturas por meio de estágios progressivos (comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e comunismo).

No Século XX, os antropólogos se dividiram em diversas correntes de pensamento, criticando tanto os esquemas social-darwinistas como o pensamento marxista. Sem encampar nenhuma das correntes, há conceitos de uma e de outra que devem ser consideradas para uma compreensão ampla do processo de evolução cultural. Assim, os antropólogos assumiram a tarefa de elaborar modelos teóricos para explicar a presença humana no planeta Terra.

Frans Boas, antropólogo americano, defende o Particularismo Histórico, onde todas as tentativas de esquematizar estágios ou determinar leis para a evolução cultural são infrutíferas. Segundo ele, cada cultura possui sua própria história e é única. Sustenta o relativismo cultural, em que não há formas culturais superiores ou inferiores e os conceitos de selvageria, barbárie e civilização são etnocêntricos, refletindo a preocupação de cada povo em afirmar que seu próprio meio de vida é melhor que os demais.

Durante muito tempo, e por inspiração dos filósofos racionalistas do século XVIII, a palavra civilização significou um conjunto de instituições capazes de instaurar a ordem, a paz e a felicidade, favorecendo o progresso intelectual da humanidade. Por ser uma concepção eurocêntrica, a palavra civilização teve emprego dificultado na América quando utilizada para distinguir os povos autóctones antes da chegada do europeu, pois, no caso particular da Amazônia esta dificuldade é somada as teorias que tentam explicar a ocupação da Amazônia, por parte de pesquisadores norte americanos a partir da década de 30 do Século XX. Assim, por mais de cinco décadas pensou-se na Amazônia pré-colonial como uma região sem expressão cultural, pouco povoada e sem o desenvolvimento de grandes civilizações humanas.

Para Pinsky (2003), na concepção européia, uma civilização, via de regra, implica ter: uma organização política formal; projetos amplos de trabalho conjunto e administrativo centralizados; corpo de sustentação política; incorporação de crenças por uma religião vinculada ao poder central; uma produção artística que tenha sobrevivido ao tempo e ainda nos encante; criação ou incorporação de um sistema de escrita e a criação de cidades.

Por outro lado Porro (1996) utilizando os cronistas do século XVI e XVII (Carvajal, de Altamirano, de Vasquez, Rojas, Acuña, Cruz e Heriarte), fala da existência de organizações sociopolíticas complexas na Amazônia antes da chegada dos europeus; de grandes territórios tribais; de uma grande demografia, com grandes assentamentos nas áreas de várzeas; de estratificação social; de poder político de alguns caciques; de uma dominação intertribal; de religião estruturada; da realização de comércio entre as tribos; de mitologias e da produção de artesanatos.

Corroborando com o trabalho etno-histórico de Porro (1996) temos o artigo “Sociedades complexas na mata”, de Eduardo Góes Neves (2004), que destaca que a arqueologia amazônica tem passado por uma grande transformação na última década. Isto é, estudos realizados em diferentes partes têm mostrado que a região foi densamente ocupada antes da chegada do europeu. Prova disso são as descobertas arqueológicas realizadas nas últimas décadas, como também, essas evidências contribuem para que se repense a relação entre as populações humanas e o meio ambiente na Amazônia pré-colonial. As novas informações têm mostrado, ao contrário, que amplas partes da Amazônia no século XVI eram densamente ocupadas por populações sedentárias, que viviam em grandes aldeias com centenas e talvez, em alguns casos, milhares de pessoas.

Segundo Neves (2004), a Amazônia é ocupada há pelo menos 12 mil anos. Entre 9 mil e 8 mil anos atrás, sítios localizados na serra dos Carajás, em Rondônia, no rio Caquetá (Colômbia) e na Amazônia central, perto de Manaus, já eram ocupados por populações com economias baseadas na caça, pesca e coleta. A distribuição desses sítios por áreas ribeirinhas e de terra firme mostra que essas populações não estavam restritas apenas a locais próximos aos grandes rios. Assim, a ocupação da Amazônia não pode mais ser pensada a partir de um único modelo teórico ecológico.

Segundo Jameson (2005), o conceito da palavra modernidade já estava em uso desde o século V d.C. e, que a palavra latina modernus significa simplesmente “agora” ou “o tempo do agora”. Para ele moderno é necessariamente novo, ao passo que tudo que é novo não é necessariamente moderno. Assim, significa sempre estabelecer e postular uma data e um começo. Portanto, a modernidade refere-se a uma inovação relevante no presente atual ou passado.

Utilizando o conceito de modernidade de Jameson (2005) já é possível fazer inferências, a partir de dados arqueológicos, da existência de sociedades modernas em sociedades pré-coloniais da Amazônia a partir de complexos culturais arqueológicos, como: Marajoara, Tapajônica, Maracá, Aristé e Mazagão. Alguns grupos culturais pré-coloniais, de uma forma ou de outra, desenvolveram inovações culturais relevantes no passado e no presente. Para Gomes (2002) a maior parte das pesquisas arqueológicas atuais, desenvolvidas na Amazônia brasileira, tem mostrado a existência de sociedades complexas pré-coloniais.

Fontes etno-históricas sugerem que, na época da conquista européia, as várzeas dos principais rios estavam repletas de assentamentos humanos. Os relatos indicam que tais assentamentos estavam integrados a amplos territórios, controlados por chefias políticas hierarquizadas (ACUÑA, 1891; PORRO, 1996). O registro arqueológico destas áreas apresenta estilos cerâmicos elaborados, construções coletivas, além de inúmeras evidências que confirmam a existência de grandes densidades populacionais (ROOSEVELT, 1991,1992).

Exemplo de inovação cultural na Amazônia Pré-Colonial tem confirmado a utilização do manejo florestal com a produção de terra preta, batizada pela população do interior da Amazônia de Terra Preta de Índio (TPI), estudada desde 1995 por pesquisadores da Universidade de São Paulo, através do Projeto Amazônia Central – PAC. Segundo Beckerman (1991) ocorreram mudanças na paisagem da Amazônia Pré-Colonial, sobre a qual o homem teve uma participação não intencional: o desenvolvimento de TPI.

O conhecimento da existência das TPI é muito antigo na Amazônia, remota o Século XVII, quando os primeiros colonos europeus (ingleses, franceses, holandeses e portugueses) estabeleceram-se na região, os quais localizaram suas plantações agrícolas nesse tipo de terra. No espaço de pesquisa do PAC, o testemunho mais perceptível de modificação antrópicas ocorridas no passado são solo de terra preta. Normalmente, o solo da Amazônia é amarelado, pouco fértil e ácido, já as terras pretas, ao contrário, são bastante férteis, escuras ricas em matéria orgânica e com um pH tendendo a neutro, ela é surpreendentemente estável ao longo do tempo, sendo capaz de manter alta quantidade de nutrientes ao longo dos séculos.

Para os pesquisadores do PAC ainda não está claro por que as terras pretas são tão estáveis. Contudo, eles supõem que a estabilidade é resultado da associação entre fatores naturais (o próprio solo) e fatores culturais (fragmentos de cerâmicas, carvão resultante fogueiras, ossos de animais em restos de comida) nas matrizes dos sítios arqueológicos. A pesquisa do PAC está sendo muito significativa do ponto de vista interdisciplinar, pois, com a participação de diferentes áreas cientificas, estamos podem entender a verdadeira história dos povos antigos que viveram na Amazônia.

Depois de todos os dados apresentados, naturalmente, surgem diversas dúvidas, por exemplo: como era a qualidade de vida das pessoas na Amazônia Pré-Colonial? Qual era a relação entre desenvolvimento e meio ambiente?

Respondendo a primeira questão podemos dizer que medir a qualidade de vida segundo o modelo utilizado hoje, não é possível, pois, de acordo com Veiga (2005) os bens de primeira necessidade variam de cultura para cultura e, a cultura é a principal geradora de diferenças. Assim, podemos dizer que os nativos da Amazônia pré-colombiana não conheciam um sistema de escrita e comunicação parecido com o nosso; alguns grupos desenvolveram um sistema de comunicação iconográfico presente em seus vasilhames cerâmicos (SCHAAN, 1999); não tinham que angustiar-se com pagamento de despesas, pois, não possuíam renda per capita; não possuíam água encanada e nem energia elétrica. Enfim, eles não tinham que se preocupar com o dia seguinte e, muito menos com a fome e a privação física e material, preocupações da maioria das pessoas que hoje vivem no planeta Terra.

A relação entre desenvolvimento e meio ambiente é algo que surge com a produção de bens e produtos a partir de matérias primas que são transformadas em um processo de produção industrializada ou artesanal, o que resulta na produção de riscos, em especial os ambientais de graves conseqüências. O conceito de risco passa a ocupar um papel estratégico para entender as características, os limites e as transformações do projeto histórico da modernidade (JACOBI, 2005). As sociedades americanas no nosso entendimento não chegaram a uma produção de riscos, pois, a sua relação com o meio ambiente ocorreu a partir da diversidade e especialização econômica, ou seja, cultivo de plantas, criação de animais aquáticos em cativeiro, pesca e caça (Roosevelt 1992). Portanto, o que caracterizava as sociedades americanas antes do contato com os europeus era a diversidade econômica, política, cultural e religiosa (EVANS, 2003).

Baseado em texto de Edinaldo Pinheiro Nunes Filho

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