quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

REGULAMENTO DAS MISSÕES - 1845

Durante o século XIX, a ausência de uma política indigenista de caráter geral - desde a extinção do Diretório, em 1798, até a publicação do REGULAMENTO DAS MISSÕES, em 1845 - não impediu o predomínio da política assimilacionista, dando sequência às propostas iniciadas por Pombal. Ao longo do oitocentos, intensificaram-se os debates políticos e intelectuais sobre os índios, discutindo-se basicamente como integrá-los e as propostas divergiam entre a possibilidade de fazê-lo de forma branda ou violenta. O projeto de José Bonifácio, na Constituinte de 1823, que afirmava a humanidade dos índios e a necessidade de integrá-los com brandura, apesar de aprovado, não chegou à prática. A Constituição de 1824 sequer mencionou a questão indígena, que se tornou competência das Assembléias Legislativas Provinciais. Não obstante, apesar das teorias discriminatórias e racistas que influenciavam o pensamento intelectual e político, a proposta humanista de José Bonifácio predominou na política indigenista. As autoridades estatais e locais visavam extinguir as aldeias e incorporar suas terras, integrando os índios, sem distinção, à massa populacional, mas procuravam fazer isso dentro das regras estabelecidas pela legislação através de meios brancos e persuasivos, recomendando-se a violência para os que se recusassem a colaborar. Foi o caso dos  Botocudos, contra os quais foi decretada a guerra ofensiva através da Carta Régia de 1808. Em relação aos aliados, verificavam-se alguns cuidados em cumprir a legislação.

O Regulamento das Missões, de 1845, decretou o direito dos índios às terras nas aldeias, considerando, no entanto, a possibilidade de extingui-las, conforme seu estado de decadência. A Lei de Terras, de 1850, seguiu orientação semelhante ao estabelecer para os índios o usufruto temporário das terras, até que atingissem o "estado de civilização".

Na segunda metade do século XIX, a intensa correspondência oficial entre autoridades do governo central, das províncias e dos municípios é reveladora da preocupação do Estado em obter informações sobre o estado de decadência das aldeias e o grau de civilização dos índios com o objetivo de dar cumprimento à política assimilacionista, a ser implementada conforme as situações específicas de cada região. Algumas petições dos índios para resguardar seus direitos contradiziam os discursos assimilacionistas que pregavam estarem eles misturados à massa da população. A partir de 1861, o encargo da catequese e civilização dos índios passou para o Ministério dos Negócios, Agricultura, Comércio e Obras Públicas, evidenciando que, no século XIX, a questão dos índios tornara-se, em algumas regiões, essencialmente uma questão de terras.

Baseado em texto de Maria Regina Celestino de Almeida.

Segue, na íntegra, o texto do REGULAMENTO ACERCA DAS MISSÕES DE CATEQUESE E CIVILIZAÇÃO DOS ÍNDIOS - única documento indigenista geral da época do Império brasileiro:


DECRETO Nº. 426 - DE 24 DE JULHO DE 1845
Contém o Regulamento ácerca das Missões de catechese, e civilisação dos Indios.

Hei por bem, Tendo ouvido o Meu Conselho de Estado, Mandar que se observe o Regulamento seguinte:

Art.  Haverá em todas as Provincias um Director Geral de Indios, que será de nomeação do Imperador. Compete-lhe:
§ 1º Examinar o estado, em que se achão as Aldêas actualmente estabelecidos; as occupações habituaes dos lndios, que nellas se conservão; suas inclinações e propensões; seu desenvolvimento industrial; sua população, assim originaria, como mistiça; e as causas, que tem influido em seus progressos, ou em sua decadencia.
§ 2º Indagar os recursos que offerecem para a lavoura, e commercio, os lugares em que estão collocadas as Aldêas; e informar ao Governo Imperial sobre a conveniencia de sua conservação, ou remoção, ou reunião de duas, ou mais, em uma só.
§ 3º Precaver que nas remoções não sejão violentados os Indios, que quizerem ficar nas mesmas terras, quando tenhão bem comportamento, e apresentem um modo de vida industrial, principalmente de agricultura. Neste ultimo caso, e emquanto bem se comportarem, lhes será mantido, e ás suas viuvas, o usufructo do terreno, que estejão na posse de cultivar.
§ 4º Indicar ao Governo Imperial o destino que se deve dar ás terras das Aldêas que tenhão sido abandonadas pelos Indios, ou que o sejão em virtude do § 2º deste artigo. O proveito, que se tirar da applicação dessas terras, será empregado em beneficio dos Indios da Provincia.
§ 5º Indagar o modo por que grangeão os Indios as terras, que lhes tem sido dadas; e se estão occupadas por outrem, e com que titulo.
§ 6º Mandar proceder ao arrolamento de todos os Indios aldeados, com declaração de suas origens, suas linguas, idades, e profissões. Este arrolamento será renovado todos os quatro annos.
§ 7º Inquerir onde ha Indios, que vivão em hordas errantes; seus costumes, e linguas; e mandar Missionarios, que solicitará do Presidente da Provincia, quando já não estejão á sua disposição, os quaes lhes vão pregar a Religião de Jesus Christo, e as vantagens da vida social.
§ 8º Indagar se convirá fazel-os descer para as Aldêas actualmente existentes, ou estabelecel-os em separado; indicando em suas informações ao Governo Imperial o lugar onde deve assentar-se a nova Aldêa.
§ 9º Diligenciar a edificação de Igrejas e de casas para a habitação assim dos Empregados da Aldêa, como dos mesmos Indios.
§ 10. Distribuir pelos Directores das Aldêas, e pelos Missionarios, que andarem nos lugares remotos, os objectos que pelo Governo Imperial forem destinados para os Indios, assim para a agricultura, ou para o uso pessoal dos mesmos, como mantimentos, roupas, medicamentos, e os que forem proprios para attrahir-lhes a attenção, excitar-lhes a curiosidade, e despertar-lhes o desejo do trato social; requisitando-os do Presidente da Provincia, segundo as Instrucções que tiver do Governo Imperial.
§ 11. Propôr ao Presidente da Provincia a demarcação, que devem ter os districtos das Aldêas, e fazer demarcaras terras que, na fórma do § 15 deste artigo e do § 2º, forem dadas aos Indios. Se a AIdêa já estiver estabelecida, e existir em lugar povoado, o districto não se estenderá além dos limites das terras originariamente concedidas á mesma.
§ 12. Examinar quaes são as Aldêas que precisão de ser animadas com plantações em commum, e determinar a porção de terras que deve ficar reservada para essas plantações, assim como a porção das que possão ser arrendadas, quando, attenta ainda a pequena população, não possão os Indios aproveital-as todas.
§ 13. Arrendar por tres annos as terras, que para isso forem destinadas, procedendo ás mais miudas investigações, sobre o bom comportamento dos que as pretenderem, e sobre as posses que tem. Nestes arrendamentos não se comprehende a faculdade de derrubar matos, para o que será necessario o consenso do Presidente, que será expresso no contracto, com declaração dos lugares onde os possão derrubar.
§ 14. Examinar quaes são as Aldêas, onde, pelo seu adiantamento, se possão aforar terras para casas de habitação; informar ao Governo Imperial com o quantitativo do fôro; e aforal-as segundo as Instrucções, que receber. Não são permittidos aforamentos para cultura.
§ 15. Informar ao Governo Imperial ácerca daquelles Indios, que, por seu bom comportamento e desenvolvimento industrial, mereção se lhes concedão terras separadas das da Aldêa para suas grangearias particulares. Estes Indios não adquirem a propriedade dessas terras, senão depois de doze annos, não interrompidos, de boa cultura, o que se mencionará com especialidade nos relatorios annuaes; e no fim delles poderão obter Carta de Sesmaria. Se por morte do concessionario não se acharem completos os doze annos, sua viuva, e na sua falta seus filhos, poderão alcançar a sesmaria, se, além do bom comportamento, e continuação de boa cultura, aquella preencher o tempo que faltar, e estes a grangearem pelo duplo deste tempo, com tanto que este nem passe de oito annos, e nem seja menos de quinze o das diversas posses.
§ 16. Dar licença ás pessoas que quizerem ir negociar nas Aldêas novamente creadas, com estabelecimento ou fixo, ou volante; e retiral-a, quando o julgar conveniente. Quanto ás que já estão estabelecidas, examinará quaes as que estão nas circumstancias de precisarem desta protecção; e as declarará sujeitas a esta disposição, com dependencia de approvação Imperial.
§ 17. Representar ao Presidente da Provincia a necessidade que possa haver de alguma força militar, que proteja as Aldêas, a qual poderá ter um Regulamento especial.
§ 18. Propor á Assembléa Provincial a creação de Escolas de primeiras Letras para os lugares, onde não baste o Missionario para este ensino.
§ 19. Empregar todos os meios licitos, brandos, e suaves, para atrahir Indios ás Aldêas; e promover casamentos entre os mesmos, e entre elles, e pessoas de outra raça.
§ 20. Esmerar-se em que lhes sejão explicadas as maximas da Religião Catholica, e ensinada a doutrina Christã, sem que se empregue nunca a força, e violencia; e em que não sejão os pais violentados a fazer baptisar seus filhos, convindo attrahil-os á Religião por meios brandos, e suasorios.
§ 21. Cuidar na introducção da vaccina nas Aldêas, e facilitar-lhes todos os soccorros nas epidemias.
§ 22. Corresponder-se com os Missionarios, de quem receberá todos os esclarecimentos para a catechese e civilisação dos Indios, providenciando no que couber em suas faculdades; e com todas as Autoridades, por quem possa ser auxiliado.
§ 23. Vigiar na segurança, e tranquillidade das Aldêas, e seus districtos, requerendo, ou constituindo procurador para requerer perante as Justiças, e requisitando das Autoridades competentes as providencias necessarias.
§ 24. Indagar se nas Aldêas, e seus districtos, morão pessoas de caracter rixoso, e de máos costumes, ou que introduzão bebidas espirituosas, ou que tenhão enganado aos Indios com lesão enorme; e fazel-as expulsar até cinco leguas fóra dos limites dos districtos.
§ 25. Informar-se dos meios de subsistencia, que tem as Aldêas, para providenciar que não sobrevenha alguma fome, que seja causa de que os Indios abalem para os matos, ou se derramem pelas Fazendas, e Povoações.
§ 26. Promover o estabelecimento de officinas de Artes mecanicas, com preferencia das que se prestão ás primeiras necessidades da vida; e que sejão nellas admittidos os Indios, segundo as propensões, que mostrarem.
§ 27. Indagar quaes as producções do lugar de mais facil cultura, e de mais proveito; esmerando-se em fazer adoptar aquelle genero de trabalho, e modo de vida, que offereça mais facilidade, e a que os Indios mais promptamente se acostumem.
§ 28. Exercer toda a vigilancia em que não sejão os Indios constrangidos a servir a particulares; e inquerir se são pagos de seus jornaes, quando chamados para o serviço da Aldêa, ou qualquer serviço publico; e em geral que sejão religiosamente cumpridos de ambas as partes os contractos, que com elles se fizerem.
§ 29. Vigiar que não sejão os Indios avexados com exercicios militares, procurando que se lhes dê aquella instrucção, que permittir o seu estado de civilisação, suas occupações diarias, e seus habitos e costumes, os quaes não devem ser aberta, e desabridamente contrariados.
§ 30. Fiscalizar as rendas das Aldêas, quaesquer que sejão as suas fontes; e exercer vigilante inspecção sobre as producções das lavouras, pescas, e extracções de drogas, e de outro qualquer ramo de industria, e em geral sobre todos os objectos destinados para o uso, e consumo das Aldêas.
§ 31. Applicar os dinheiros, e outros quaesquer objectos, segundo as necessidades das Aldêas, e na conformidade das ordens do Governo Imperial, dando uma conta circumstanciada todos os annos, e todas as vezes que uma urgente necessidade o obrigue a fazer alguma despeza extraordinaria, da applicação, que houver resoluto.
§ 32. Servir de Procurador dos Indios, requerendo, ou nomeando Procurador para requerer em nome dos mesmos perante as Justiças, e mais Autoridades.
§ 33. Propôr ao Presidente da Provincia o Director da Aldêa, o Thesoureiro, Almoxarife e o Cirurgião, preferindo-se para estes empregos os casados aos solteiros; suspender os tres ultimos, e em geral a todos os que estão empregados no serviço das Aldêas, nomeando interinamente quem os substitua, e dando parte immediatamente ao Presidente, ou ao Director da Aldêa, segundo pertencer a nomeação ao primeiro, ou ao segundo.
§ 34. Organizar a Tabella dos vencimentos dos Pedestres, e dos salarios dos officiaes de officios, que estiverem ao serviço das Aldêas; e leval-a ao conhecimento do Governo Imperial para sua approvação.
§ 35. Approvar, e mandar pôr em execução provisoriamente a Tabella, organizada pelos Directores das Aldêas, dos jornaes, que devem ganhar os Indios, que forem chamados para o serviço das mesmas, ou qualquer outro serviço publico; levando-a ao conhecimento do Governo Imprial para sua final approvação.
§ 36. Propor ao Governo Imperial os Regulamentos especiaes para o regimes das Aldêas, e as instrucções convenientes para o desenvolvimento de sua industria; tendo attenção ao estado de civilisação dos Indios, sua indole, e caracter; ás necessidades dos lugares, em que se acharem ellas estabelecidas; ás produções do Paiz, e ás proporções, que o mesmo offerece para o seu adiantamento moral, e material.
§ 37. Apresentar todos annos ao Governo Imperial o Orçamento da receita e despeza das Aldêas, e um Relatorio circumstanciado do seu estado em população, instrucção, e industria, com exposição miuda da execução das disposições deste Regulamento; exigindo dos Directores das Aldêas outros iguaes, que o habilitem a esclarecer o Governo sobre os progressos, ou decadencia das mesmas, e as causas, que para isso tem concorrido; e apontando as providencias, que convenha ser adoptadas.
§ 38. Expor ao Governo Imperial os inconvenientes, que tenha encontrado na execução deste Regulamento, e de outros, que houver de fazer; indicando as medidas, que julgar apropriadas para se conseguir o grande fim da catechese, e civilisação dos Indios.

Art.  Haverá em todas as Aldêas um Director, que será de nomeação do Presidente da Provincia, sobre proposta do Director Geral. Compete-lhe:
§ 1º Informar ao Director Geral a necessidade, que possa haver de trabalhos em commum, e a natureza destes; assim como sobre a parte dos productos desses trabalhos, que deva reservada para o uso commum dos Indios.
§ 2º Designar as terras, que devem ficar reservadas para as plantações em comum, depois de determinada a porção, que o deve ser pelo Director Geral; assim como as que devem ficar para as plantações particulares dos Indios, e as que possão ser arrendadas, art. 1º § 2º.
§ 3º Inspeccionar essas plantações ou outros quaesquer trabalhos da Aldêa; e procurar consumo aos seus productos, depois de feitas as reservas necessarias.
§ 4º Nomear quem substitua o Thesoureiro, ou Almoxarife, nos impedimentos imprevistos, e de caso repentino.
§ 5º Nomear os Indios para as plantações, ou outros trabalhos em commum, ou para qualquer serviço publico; procurando repartir o trabalho com igualdade, e ir de accordo, quanto ser possa, com o Maioral dos mesmos Indios.
§ 6º Fazer entregar ao Thesoureiro, ou Almoxarife, os productos dos trabalhos dos Indios, os objectos obtidos em troca dos que forem vendidos, o dinheiro pertencente á Aldêa, qualquer que seja sua origem, e em geral todos os objectos destinados para a aldêa.
§ 7º Distribuir os objectos, que forem applicados pelo Director Geral para os trabalhos communs, e particulares dos Indios; e os que forem destinados para animar, e premiar os Indios já aldeados, e attrahir os que ainda o não estejão.
§ 8º Applicar os dinheiros, e mais objectos, segundo as determinações do Director Geral; podendo, em casos urgentes, gastar, sob sua responsabilidade, do dinheiro, que houver em caixa, até a quantia de cem mil réis, de que dará conta ao mesmo Director para sua approvação.
§ 9º Nomear, suspender, e despedir os Pedestres, e officiaes de officios, que estiverem ao serviço da AIdéa, e determinar o serviço, que devem fazer.
§ 10. Vigiar sobre a segurança, e tranquilidade da Aldêa, e seu districto; podendo, em caso, menores, reter em prisão, até seis dias, o que a perturbar, sendo Indio; e não sendo, fazel-o expulsar para fóra da Aldêa, e até do seu districto: e em casos maiores, prender e remetter ás Justiças ordinarias com todas as indicações que esclareção a verdade.
§ 11. Requerer ás Autoridades policiaes contra os que, tendo sido expulsos em virtude do paragrapho antecedente, ou do § 24 do art. 1º, se estabelecerem dentro dos limites declarados no Mandado de despejo, ou não queirão obedecer a este.
§ 12. Ter debaixo de suas ordens a força militar que se houver de mandar collocar na Aldêa, e seu districto; representando a necessidade, que della possa haver, ao Director Geral, conformando-se com as instrucções que receber e com o Regulamento especial do § 17 do art. 1º.
§ 13. Alistar os Indios, que estiverem em estado de prestar algum serviço militar, e acostumal-os a alguns exercicios, animando com dadivas aos que mostrarem mais gosto e zelo pelo serviço, e tendo todo o cuidado em que não se desgostem por excesso de trabalho. Dará uma conta circumstanciada ao Director Geral das disposições que encontrar para ser levada ao conhecimento, do Governo Imperial, que resolverá sobre, a opportunidade de se crearem algumas Companhias, as quaes poderão ter uma organização particular.
§ 14. Procurar que sejão demarcadas as terras dadas aos indios, e proceder á demarcação das porções das mesmas, que, em virtude deste Regulamento, tenhão de ser demarcadas dentro dos seus limites.
§ 15. Esmerar-se em que as festas tanto civis como religiosas se fação com a maior pompa, e apparato, que ser possa; procurando introduzir nas Aldêas o gosto da musica instrumental.
§ 16. Servir de Procurador dos Indios, podendo nomear quem faça as suas vezes para requerer perante as Justiças, e outras Autoridades.
§ 17. Dar parte todos os trimestres ao Director Geral dos acontecimentos mais notaveis na Aldêa, e fazer um relatorio annual do estado em que se ela acha, com declaração da execução, que tem tido as disposições deste Regulamento, e com o orçamento da receita e despeza para o anno seguinte.
§ 18. Exercer as funcções do art. 1º, desde o § 1º até o § 9º, e desde o § 19 até o § 30; entendendo-se que suas faculdades são restrictas á Aldêa de que é Director; e que em lugar do Presidente, ou Governo Imperial, deve dirigir-se ao Director Geral da Provincia.

Art.  Ao Thesoureiro compete:
§ 1º Receber os dinheiros pertencentes a Aldêa, qualquer que seja a origem d'onde provenha, recolhendo-os em uma caixa, de que o Director da Aldêa terá uma chave; assim como receber todos os objectos, que forem destinados para o serviço, e uso da Aldêa.
§ 2º Ter a seu cargo a escripturação, e contabilidade, para o que terá os livros proprios, fornecidos pela Fazenda Publica.
§ 3º Ajudar ao Director da Aldêa na sua correspondencia, particularmente na confecção dos mappas estatisticos.
§ 4º Fazer os pagamentos, e entregar os objectos, que estiverem debaixo de sua guarda, segundo as ordens que receber do Director Geral, e as determinações do Director da Aldêa.
§ 5º Dar todos os annos uma conta circumstanciada ao Director Geral de todos os dinheiros e objectos que houver recebido; dos empregos, que fez; e das ordens que os autorizárão.
§ 6º Escrever em todos os actos, que houverem de ser remettidos ás Justiças, e nos termos das demarcações das porções de terras, a que houver de proceder o Director da Aldêa dentro dos limites das terras da Aldêa.
§ 7º Substituir o Director da Aldêa em seus impedimentos imprevistos, e de caso repentino dando parte immediatamente ao Director Geral para prover interinamente.

Art.  Quando o estado da Aldêa não exiba um Tesoureiro, um Almoxarife receberá todos os objectos que forem destinados para a Aldêa, e os entregará segundo as ordens do Director da mesma, dando annualmente conta ao Director Geral; e o Director da Aldêa receberá os dinheiros que á mesma pertencerem.

Art.  O Cirurgião tem a seu cargo a botica, e os instrumentos cirurgicos; e cuidará da enfermaria com um Enfermeiro, que será um dos Pedestres, que proporá ao Director da Aldêa.

Art.  Haverá um Missionario nas Aldêas novamente creadas, e nas que se acharem estabelecidas em lugares remotos, ou onde conste que andão Indios errantes. Compete-lhe:
§ 1º Instruir aos Indios nas maximas da Religião Catholica, e ensinar-lhes a Doutrina Christã.
§ 2º Servir de Parocho na Aldêa, e seu districto, emquanto não se crear parochia.
§ 3º Fazer o arrolamento de todos os Indios pertencentes á Aldêa, e seu districto, com declaração dos que morão nas Aldêas, e fóra dellas; dos baptisados, idades e profissões; e dos nascimentos, e obitos, e casamentos: para o que lhe serão fornecidos os livros pelo Bispo Diocesano, pela caixa das Obras Pias.
§ 4º Dar parte ao Bispo Diocesano, por intermedio do Director Geral da Provincia, do estado espiritual da Aldêa; representando as necessidades que encontrar e apontando as providencias que lhe parecerem mais proprias para occorrer a ellas.
§ 5º Representar ao Director Geral, por intermedio do da Aldêa, a necessidade que possa haver de outro Missionario, que o ajude, principalmente se houver nas vizinhanças Indios errantes, que seja mister chamar á Religião e sociedade.
§ 6º Ensinar a ler, escrever e contar aos meninos, e ainda aos adultos, que sem violencia se dispuzerem a adquirir essa instrucção.
§ 7º Substituir ao Director da Aldêa, quando esteja impedido o Thesoureiro, e nos casos, em que este o póde substituir.

Art.  A creação de Thesoureiro, Almoxarife, cirurgião, dependerá do estado, em que se achar a Aldêa, e da sua importancia; e do lugar, em que estiver collocada: sobre o que o Director Geral informará ao Governo Imperial para resolver. O Cirurgião poderá servir de Thesoureiro, e as circumstancias o permittirem. Seus vencimentos, e os dos Missionarios serão fixados segundo as informações dos Directores Geraes.

Art.  A creação dos Pedestres e officiaes de officios; seu numero, salario, organização, e a natureza dos officios, dependeráõ das circumstancias locaes, segundo as informações dos Directores Geraes.

Art.  As informações, de que trata o artigo; antecedente, as do art. 7º, e as do art. 1º §§ 2º, 4º, 8º, 14, 15, 16, 34, 35, 36, e 37, serão transmittidas ao Governo Imperial por intermedio do Presidente da Provincia, que as acompanhará com as observações convenientes.

Art. 10. Nos impedimentos do Director Geral o Presidente da Provincia nomeará quem o substitua; e nos impedimentos do Director da Aldêa, que não serão imprevistos, e de caso repentino, fará a nomeação o Director Geral.

Art. 11. Emquanto servirem, terão a graduação honoraria o Director Geral de Brigadeiro, o Director da Aldêa de Tenente Coronel, e o Thesoureiro de Capitão; e usaráõ do uniforme, que se acha estabelecido para o Estado Maior do Exercito.

José Carlos Pereira de Almeida Torres, Conselheiro de Estado, Ministro e Secretario de Estado dos negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em vinte e quatro de Julho de mil oitocentos quarenta e cinco; vigesimo quarto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

José Carlos Pereira de Almeida Torres

Nenhum comentário:

Postar um comentário