Segundo a tese mais
aceita, os Guarani são originários da Amazônia, de onde começaram a sair a uns
3 mil anos atrás, portanto, por volta do a no 1000 a.C.
Provavelmente desde o
primeiro milênio antes de Cristo, uns 3000 ou 2.500 anos atrás, os movimentos
de migração originados na bacia amazônica se intensificaram, motivados talvez por
um notável aumento demográfico. Esses grupos que conhecemos como Guarani
passaram a ocupar as selvas subtropicais do Alto rio Paraná, do rio Paraguai e
do rio Uruguai médio. Essa área era basicamente o Paraguai. Ou melhor: o antigo
Paraguai, bem maior que o país de hoje.
A caminhada da
Amazônia ao Paraguai foi lenta, demorou uns 500 anos. Já que segundo Branislava
Susnik e Gonzales Torres, a presença guarani em terras paraguaias foi datada em
500 a.C. aproximadamente.
Disputando e
conquistando territórios, o povo passou a viver na região, transformando o
Paraguai no centro do seu mundo. Ali era a sagrada YVY MBYTE (terra do centro, terra do meio, centro da terra) ou YVY PURUÃ (umbigo da terra), que ficava
no atual Caagazú, fato que ainda hoje é mencionado até pelos Guarani que moram
no litoral do Brasil.
O departamento de
Caagazu localiza-se no sudeste do Paraguai e é curioso perceber que esta “terra
do meio” fica justamente a 1/3 da distância entre Atlântico e o Pacífico, com
uma mínima diferença de 50 km. Este “centro” dista cerca de 750 km do oceano
Atlântico e 1.400km do oceano Pacífico.
Na mitologia, tal
“centro” ou “meio da terra” em Caagazu seria também o local de origem de
Ñandecy (“nossa mãe”, as vezes chamada de “nossa avó”). Um guarani contou a
Cadogan: “O lugar onde originalmente
viveu a nossa avó se chama o lugar das águas surgentes. Tal lugar é o centro da
terra, o verdadeiro centro da terra”. Detalhe interessante: alguns
estudiosos, como Meliá, supõem que ao falar de “águas surgentes” ele estejam se
referindo ao Aquífero Guarani, o maior reservatório de água subterrânea do
mundo, já conhecido pelos Guarani há centenas de anos.
Apesar da importância
de Gaaguazu, existe um outro local com o mesmo papel. Fica mais acima, no
leste, no departamento de Amambay. Trata-se do monte JASUKÁ RENDÁ, também chamado de Cerro Guazu. Esse local representa
o centro do mundo para os guarani pai
tavyterã. O nome desse grupo é justamente traduzido como “habitantes do
centro da terra”.
O antigo território
os pai tavyterã abrangia também parte do Mato Grosso do Sul. Ali ainda possuem
aldeias e são conhecidos como KAIOWAS.
Porém, desde a década de 1980 vem sendo vítimas do latifúndio, fazendeiros de
soja que tomam suas terras e os expulsam, encurralando-os em áreas mínimias,
muitas delas bem próximas a cidades. O afastamento de seu lugar tradicional e
sagrado provocou, no fim dos anos 1980 e início dos 1990, uma tragédia entre os
guarani kaiowas: um elevado número de suicídios. Hoje essas mortes diminuíram
mas seus efeitos ainda permanecem.
No Paraguai, a
cultura dos pai tavyterã parece concentrar-se, de alguma maneira, ao redor e a
partir de montanhas e cerros. Dizem eles que seu mundo era delimitado por 11
cerros, os quais constituíam os marcos de um território chamado YVY MBYTE ou YVYPYTE que, como já
vimos, significa “terra do meio” ou “centro da terra”. É interessante constatar
que no departamento de Amambay, a uns 60 km da cidade de Capitán Bado, ainda
existe um ponto chamado Yvypyte, que é ocupado por uma aldeia guarani. Também é
interessante o fato de que o local onde constituiu-se Capitán Bado, bem perto
do “centro da terra”, era chamado pelos guaranis de NHU VERÁ. Esta expressão quer dizer “campo brilhante”, “campo
resplandecente”.
No campo de Nhu Verá
existia uma enorme quantidade de pés de erva mate nativo, que – segundo os
guarani – tinha sido plantado por Tupã. O mate (kaá) é uma das plantas sagradas
dos Guarani, consumida até hoje em homenagem ao nascer do sol. E, no mito, ela
tem ligação com Sumé, o personagem lendário que poderia ter construído o
Caminho do Peabiru (que vai da costa atlântica de Santa Catarina) à costa
pacífica do Peru e Chile.
No Jasuká Rendá
encontramos, também, numerosas inscrições rupestres, ainda pouquíssimo
estudadas. Por isso o monte é considerado pelos Guarani como a mais importante
dos 11 cerros. Seu nome que dizer “Lugar de Jasuká”, que é uma divindade
feminina, muitas vezes apresentada como esposa de Kuarahy, o Sol. Percebe-se,
ai, a repetição dos laços de uma mulher sagrada com o “centro da terra”. Para
alguns grupos guarani, trata-se de Ñandecy, para outros é Jasuká. Mas isso tem
uma explicação: Jasuká seria um símbolo feminino, diz Cândida Graciela Chamorro
Arguello no artigo “O rito de nominação
numa aldeia mbyá-guarani do Paraná”, publicado na revista Diáloigos, da
Universidade Estadual de Maringá – PR. “Jasuká
é o nome sagrado das mulheres e do bastão de ritmo por elas usado nas
cerimônias religiosas. É também o nome de uma divindade feminina, a Grande Avó
do universo, de cujos seios teria se nutrido o criador do mundo”.
Existe, no entanto, mais
um entendimento acerca de Jasuká, que conduz a uma relação com o Peabiru. Pois
além de nome próprio de uma deusa, a palavra jasuká também pode ser um
substantivo comum, porém com conotação religiosa, afirmam alguns estudiosos.
Seria sinônimo de “grande névoa primigênia”, “neblina que é origem da vida”,
segundo o etnógrafo paraguaio José Pertasso. Graciela Chamorro afirma algo
igual em seu artigo: “A origem de Jaxuká
remonta à origem de uma das substâncias elementares da natureza: a água. Por
isso ela é representada pelo orvalho, pela fumaça, pela neblina, pela chuva e
pela árvore sagrada, o cedro, que fala e destila sua água para saúde e reparo
das pessoas. Por isso, na cerimônia de nominação dos Mbyá (quando as
divindades dão nomes às crianças), a água
e a fumaça são os símbolos mais importantes”.
Essa fumaça ou
neblina estaria localizada numa terra sagrada, “terra do fluído indestrutível
de Jasuká”, que fica no zênite, diz Perasso. O zênite, para os Guarani, é o “meio
do céu”, o “centro do céu”, onde o Sol alcança o meio de sua caminhada diária.
Como o Peabiru, para esse povo, parece ter possuído a finalidade de reproduzir
na terra o caminho do Sol, leste-oeste, se poderia fazer uma “leitura”
geográfica disso: o começo do caminho solar e do Peabiru seria o nascente
(Atlântico); o meio seria o Paraguai (Caagazu e Jasuká rendá), o “centro da
terra” e o “zênite”. O fim seria o poente (Pacífico).
Sem o sol, nada
poderia viver ou crescer; ele rege ou cuida da terra, percorrendo com tal
objetivo a sua trajetória cotidiana. Neste percurso, ele se detém um pouco em
três pontos principais: no oriente, no zênite e no ocidente, a fim de ver tudo
com exatidão. Esses pontos percorridos pelo Sol (e onde dá uma “paradinha” para
ver tudo com exatidão) também forma percorridos pelos Guarani, que nos três
também fizeram ou tentaram fazer suas “paradas”, com aldeias, ocupações fixas
ou temporárias, etc. Seria coincidência ou os Guarani estavam querendo
acompanhar o Sol?
Texto de Rosana Bond
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