segunda-feira, 5 de abril de 2010

BELAS PALAVRAS

Esse é parte de um canto do povo Guarani – As Belas Palavras – dirigidas a Nhamandu. Cantam a reflexão humana diante da finitude, ao mesmo tempo em que, investindo as Palavras de potência sagrada, visam alcançar a morada de Nhamandu.


Nosso Pai, o último, Nosso Pai, o primeiro,

fez com que seu próprio corpo surgisse

da noite originária.


A divina planta dos pés,

o pequeno traseiro redondo:

no coração da noite originária

ele os desdobra, desdobrando-se.


Divino espelho do saber das coisas,

Compreensão divina de toda coisa,

divinas palmas das mãos,

palmas divinas de ramagens floridas:

ele os desdobra, desdobrando a si mesmo, Nhamandu,

no coração da noite originária.


No cimo da cabeça divina

as flores, as plumas que o coroam,

são gotas de orvalho.

Entre as flores, entre as plumas da coroa divina,

o pássaro originário, Maino, o colibri,

esvoaça, adeja.


Nosso Pai primeiro,

seu corpo divino, Ele o desdobra,

em seu próprio desdobramento,

no coração do vento originário.

A futura morada terrena,

Ele não a sabe ainda por si mesmo;

a futura estada celeste, a terra futura,

elas que foram desde a origem,

Ele não as sabe ainda por si mesmo:

Maino faz então com que sua boca seja fresca

Maino, alimentador divino de Nhamandu.


Nosso Pai primeiro, Nhamandu,

ainda não fez com que se desdobre,

em seu próprio desdobramento,

sua futura morada celeste:

a noite, então, Ele não a vê,

e todavia o sol não existe.

Pois é em seu coração luminoso que Ele se desdobra,

em seu próprio desdobramento;

do divino saber das coisas,

Nhamandu faz um sol.


Nhamandu, Pai verdadeiro primeiro,

habita o coração do vento originário;

e, aí onde ele repousa,

Urukure’a, a coruja, faz com que existam as trevas:

ela faz com que já se pressinta o espaço tenebroso.


Nhamandu, Pai verdadeiro primeiro,

ainda não fez com que se desdobre,

em seu próprio desdobramento,

em seu próprio desdobramento,

sua futura morada celeste:

Ele ainda não fez com que se desdobre,

em seu próprio desdobramento,

a terra primeira:

Ele habita o coração do vento originário.


O vento originário no coração do qual nosso pai

de novo se deixa unir cada vez que volta

o tempo originário.

Terminado o tempo originário, quando a árvore tajy está florida,

então o vento se converte um tempo novo:

ei-los aqui já os ventos novos, o tempo novo

o tempo novo de coisas não mortais.


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Aqui temos o canto do nascimento de NHAMANDU. Ele gera-se a partir de si mesmo, na escuridão inicial. Diferentemente do humano, ele nasce de pé; as plantas dos pés como que raízes fincadas naquela escuridão. A seguir, o assento - que significa o lugar ocupado pelos sábios, mas que significa, também, a metafora do jaguar.


Há homogeneidade entre o mundo divino, o mundo animal e o mundo vegetal. O quadro que se desenha é de uma beleza extraordinária: as mãos floridas fazem um conjunto harmonioso juntamente com a cabeça, coroada de flores e de plumas. Aí, abriga-se Maino, o colibri (beija-flor) sagrado que tem a função de refrescar, sempre, a boca do Nhamandu, habitat das Palavras Sagradas.


Nhamandu desdobra-se no seu próprio desdobramento, ou seja, ele gera a si mesmo, no coração do vento originário, quando ainda não há sol para os homens, pois ainda não existe a sua morada celeste, porém, ele próprio é o sol. Todavia, esta morada virá a existir, no momento em que, numa das suas repetições, na Primavera, quando a árvore tajy estiver florida, então, será o momento de um tempo novo, o tempo dos imortais.


Este é o tempo almejado pelos Guarani que, durante não se sabe quanto tempo, procuraram, em multidões, encontrar o espaço físico onde se encontra a Terra sem Mal. Contudo, hoje, tendo em vista que estes deslocamentos são impossíveis, este povo concentra-se em profundas meditações, questionando sempre o destino do homem e buscando sempre pontes entre homens e deuses, entre mortais e imortais.


As Belas Palavras são o resultado desta busca infindável, agora, não mais feita em grandes deslocamentos pela imensidão verde do Brasil, até porque, esta, é cada vez mais diminuta, mas concentrada em velhos índios, que detêm uma sabedoria imensuravel e que, por isso, oferecem alguma tranquilidade a este povo que, a cada dia, vê sua sobrevivência mais e mais ameaçada pelo avanço dos brancos.


Baseado em texto de Neiza Teixeira

Um comentário:

  1. Ôi,
    sou Neiza. Fico muito contente que outras pessoas empenhem-se, como eu, em trabalhar o que temos de melhor para oferecer ao mundo: nossa brasilianidade!
    Um grande abraço.

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