quarta-feira, 7 de outubro de 2009

PACHACÚTEC - O REFORMADOR DO MUNDO

PACHACÚTEC, que em quéchua significa “AQUELE COM QUEM COMEÇA UMA NOVA ERA", é o nome simbólico de TITO CUSI YUPANQUI. Ele soube organizar todos os povos andinos para criar um Estado produtivo e expansionista como não houvera até então na América do Sul : TAHUANTINSUYO, o Império Inca. Por isso foi um verdadeiro divisor de águas na história do estabelecimento da etnia Inca na região andina.

Ao tornar-se líder dos incas – depois de uma espetacular vitória contra a tentativa de invasão dos Chanca –, iniciou uma política de expansão e ocupação de territórios muito mais amplos do que seus antecessores haviam podido algum dia imaginar. Submeteu os reinos Chanca e Ayarmaca, ocupou a região dos Tambos (hoje Ollantaytambo), fundada pelos poderosos Taipicala, anexou as etnias Cuyo, Cugma e Huata e incorporou os senhorios de Vilcabamba, Vitcus, Amaybamba, Pampa, Cotapampa, Cotanera, Omasayo e Aymarae.

Ao Norte de Cusco, tomou posse de Andahuayllas, sede dos Chanca, de inúmeras regiões e etnias da costa, como as de Nasca e Ishmay (hoje Pachacámac-Rimac), além de Pultamarca (hoje Cajamarca), na serra setentrional, e das férteis terras das margens do rio Pampa. Ao Sul, incursionou sobre os Colla e os Lupaca, vencendo-os de uma vez por todas e chegando até Tiahuanaco. A Oeste foi até Camana e a costa central peruana, e a Leste chegou a Marcapata (Carabaya).

Pachacútec não foi somente o iniciador da expansão imperial dos Inca; foi, de acordo com todos os registros, o organizador do Tahuantinsuyo em seus mínimos detalhes, aproveitando o conjunto de conquistas culturais que etnias sem conta haviam desenvolvido no correr da história e as dispondo de forma a permitir a gradativa hegemonia Inca. Num trabalho que envolveu, principalmente, a crescente organização centralizada de todas as formas de pensar, sentir, agir e fazer das incontáveis etnias que se espalhavam pelas regiões da América Andina.

Para a consolidação e expansão do Tahuantinsuyo foi necessário forjar uma série de lendas sobre as origens da etnia Inca, valorizando-a como a forma mais bem acabada de civilização possível. De acordo com elas, tudo teria tido começo no Lago Puquinacocha (atual Lago Titicaca), onde um casal primordial – Manco Cápac e Mama Ocllo – teria sido concebidos pelo Deus-Sol e enviados a Cuzco para civilizar os habitantes daquelas regiões. Desta forma, a andança dos primeiros incas desapareceu das versões oficiais e foi dado destaque ao período em que assumiram o poder em Cusco, na passagem do Século XII ao XIII. A desfiguração histórica foi tão intensa que as primeiras emigrações passaram a coincidir com o início do ordenamento do universo e dos homens por TICSI HUIRACOCHA PACHACHAYACHIC – o maior Deus da hierarquia teológica e cosmogônica de toda a região andina -, mesclando-as com a peregrinação deste deus ao Norte da região; então, Manco Capac aparece como filho de um deus e nomeado por este como regente da humanidade, sempre à frente da etnia Inca.

Mas foi necessário muito mais que apenas uma coleção de lendas para criar, organizar e estabelecer um Estado Imperial e a etnia Inca teve de intervir em todos os aspectos da vida andina da época, codificando-os e os dispondo de forma a regulamentá-la em detalhes. Para isto, Pachacútec organizou a base das atividades do Tahuantinsuyo:

● regulamentou o sistema de MITMAS ("traslado de povoações", dirigido pelo Estado com várias finalidades);
● delimitou as terras, os mananciais e os pastos para racionalizar a produção;
● ampliou o uso de estatística no controle da população e da produção têxtil, agrícola e pecuária;
● iniciou o sistema de expansão e controle de etnias pela redistribuição organizada de produtos agropecuários;
● intensificou a construção de PATAPATAS (ou “andenes”, como os espanhóis os chamaram) e HUAROHUAROS (ou "camellones") nas serranias, visando ampliar as terras agricultáveis em todas as regiões conquistadas;
● realizou a demarcação política dos reinos e senhorios, mantendo as características locais de cultura e poder;
● incrementou a construção de caminhos, pontes e llactas ("cidades planejadas"), com a infraestrutura política, civil, militar e judicial necessária para uma boa administração;
● dividiu o Estado em suyos ("regiões") e huamanis ("províncias");
● implantou o serviço de tucricuts ("governadores") e de tucuirucuts ("olheiros do Estado");
● iniciou a utilização do sistema decimal para controle da população através de pachacas (unidades administrativas de 100 famílias), guarangas (unidades administrativas de 1.000 famílias) e unus (unidades administrativas de 10.000 famílias), sistema este que já havido sido adotado pelos Huari, quando de seu ponto máximo de desenvolvimento;
● procedeu à replanificação e reedificação total da cidade de Cusco, sempre utilizando maquetes;
● concebeu e construiu um novo templo sacerdotal, o Q’ORICANCHA, construindo-o de pedra e adobe e fazendo-o revestir de placas de ouro, utilizando blocos rochosos vindos da região dos Sano (nos arrabaldes de Cusco) e empregando um verdadeiro exército de mitayos ("trabalhadores por turno"), aos quais pagava com roupas, coca, alimentos e bebidas;
● conformou definitivamente o sistema de parcialidades de Cusco, demarcando com precisão as terras de Anan e Urin – Alto Cuzco e Baixo Cuzco –, entregues aos principais ayllus de cada parcialidade;
● estabeleceu benefícios especiais para as etnias Sahuasera, Antasayac e Alcahuisa, dando-lhes o título de Incas de Privilégio (costume ampliado mais tarde para premiar aliados políticos e líderes militares ou especialistas técnicos);
● iniciou a construção da fortaleza-templo de Sacsayhuamán nos cerros ao Norte de Cusco, inspirando-se nas velhas construções de Taipicata e enviando especialistas até aquela longínqüa região;
● preencheu a praça principal da cidade (Aucaypata, a futura Plaza de Armas) com areia vinda de Chincha, secando o banhado ali existente e elevando seu nível;
● ampliou a Acllahuasi da cidade ("Casa das escolhidas", mulheres que ali se dedicavam à produção das bebidas e artefatos têxteis necessários à nobreza Inca e suas práticas de retribuições, como veremos mais adiante);
● instalou cárceres para delinqüentes em Sano;
● erigiu pousadas (tambos) e depósitos estatais de gêneros alimentícios (collcas) no vale do rio Vilcamayo;
● definiu o papel dos curacas (líderes locais), do exército, dos funcionários e dos administradores estatais, montando uma infra-estrutura administrativa burocraticamente organizada;
● definiu as faixas etárias dentro das quais os cidadãos eram considerados responsáveis por determinados papéis sociais;
● acatou as regras sucessórias dos curacazgos regionais, com o objetivo de evitar tumultos ou guerras civis depois da morte de cada curaca;
● estabeleceu a guarda pessoal do Sapainca ("O Único Inca"), sempre de guerreiros vindos de Anancusco;
● criou escolas para a educação e a formação histórica e/ou administrativa da elite Inca, ampliando o uso de quippus ("cordões com nós", com os quais se registrava quantidades e qualidades estatísticas);
● reorganizou e instituiu festas religiosas; e
● fez propagar amplamente uma série de versões mitificadas sobre seus antecessores, estabelecendo-os como paradigmas de toda a vida organizada e civilizada da humanidade andina. Nesta versão ideologizada, Manco Cápac foi transfigurado como o Organizador Inicial do Tahuantinsuyo e Pachacútec como seu Organizador Definitivo, sempre tendo por objetivo justificar a dominação das etnias subjugadas e conseguir mais facilmente sua submissão.

Por tudo isso Waldemar Espinoza Soriano resume assim o papel deste Inca no processo de implantação do Tahuantinsuyo: "Pachacútec e seu co-regente (Túpac Yupanqui, seu filho) levaram a cabo o que se pode chamar de um 'casamento de conveniência' entre a velha civilização andina, sobretudo a da serra, incapaz de renovar a si mesma, e a etnia Inca, que não destruía o conquistado mas dele se apropriava, o assimilava e se acreditava legítima sucessora dos deuses estelares. O surgimento do Estado Imperial Inca, conseqüentemente, não implicou o desaparecimento das culturas precedentes e das demais etnias andinas (o que foi possível) porque quase todas, praticamente, participavam dos mesmos elementos culturais. A formação do Império foi rápida e fácil porque entre Cusco e muitas etnias regionais haviam inúmeros traços de semelhança, coincidência em crenças e concepções políticas ou morais, fenômeno que vinha sendo gestado deste os vetustos tempos de Chavín, de tal forma que a expansão Inca veio a ser a vitória do sincretismo".

Pachacútec morreu em 1471, e teve sua múmia colocada no Templo do Trono que fizera construir em T'oqoq'achi (hoje San Blás, em Cusco); ao seu lado estava o principal ídolo dos Chanca, de acordo com o costume de conservar o ídolo dos povos conquistados como troféus do Inca que os submetera.

Baseado no texto de Luiz Carlos Teixeira de Freitas

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