domingo, 30 de junho de 2013

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS BRASILEIROS

Conforme o último levantamento feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1998, existem 12.517 sítios arqueológicos em todo o território nacional. Hoje, acredita-se que esse número já tenha saltado para 20 mil. Entretanto, no quadro desse órgão federal, vinculado ao Ministério da Cultura e responsável por identificar, conservar, explorar e restaurar todos os sítios arqueológicos brasileiros, há apenas seis arqueólogos: quatro lotados no Rio de Janeiro, um em Brasília e outro em Santa Catarina.



A falta de estrutura e os impasses na operacionalização são, hoje, o maior obstáculo para a preservação dos sítios arqueológicos no país. Segundo o arqueólogo Rossano Lopes Bastos, consultor na área de arqueologia do IPHAN, do ponto de vista normativo e legal sobre a proteção e preservação dos sítios arqueológicos, o Brasil é um dos mais avançados em nível mundial. "Obtivemos avanços extraordinários. Durante a década de 80, o maior depredador era o próprio Estado, fazendo rodovias e hidrelétricas sem qualquer levantamento arqueológico. Há 20 anos, parar um empreendimento por conta de descoberta arqueológica era até um risco de integridade física", comenta o arqueólogo.

Bastos já foi coordenador de arqueologia do Departamento de Proteção do IPHAN. Ele mesmo afirma que esses avanços na legislação, como a Portaria 230, instituída em dezembro de 2002, estabelecendo a exigência de estudos criteriosos de impacto arqueológico nas três fases da licença ambiental (prévia, de instalação e de operacionalização), dificilmente poderão ser praticados com a atual número de profissionais do IPHAN. "Mas, o Instituto está passando por significativas mudanças na gestão e a expectativa é de melhora", diz.

Sob o benefício da Lei 3.924 (26/07/1961), todos os sítios são considerados bens patrimoniais da União e, supostamente, contam com proteção especial. O tombamento, entretanto, reforça essa proteção e impede a destruição ou descaracterização dos sítios arqueológicos de grande interesse para a preservação da memória coletiva.

Entre os 20 mil sítios arqueológicos do país somente seis são tombados: Sambaqui do Pindaí, em São Luís, no Maranhão; Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí; Inscrições Pré-Históricas do Rio Ingá, no município de Ingá, na Paraíba; Sambaqui da Barra do Rio Itapitangui, em Cananéia, São Paulo; Lapa da Cerca Grande, em Matozinhos, Minas Gerais; e a Ilha do Campeche, em Florianópolis, Santa Catarina.

Conforme afirma Rossano Bastos, em cada região, os sítios possuem características peculiares que dão "relevância" e "significado" arqueológico importantes em nível nacional ou até mundial. Essa importância é definida pela descoberta de materiais de ocorrência única ou que colaboram com o avanço das ciências arqueológicas. Portanto, a destruição dos sítios arqueológicos, em qualquer região, significa uma perda para a própria história do povo brasileiro e das Américas.

Em geral, as descobertas na região Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste têm contribuído ao esclarecimento dos detalhes da história do povoamento do continente americano. Na região Sul, os sítios conservam conhecimentos dos recursos naturais marinhos brasileiros. Na Amazônia, manifestações simbólicas, como as inscrições rupestres e as cerâmicas policromadas, ganham destaque nas descobertas, que se concentram especialmente ao longo dos rios.

O arqueólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), André Prous, também destaca a falta de estrutura de fiscalização do IPHAN como uma dificuldade para garantir a preservação dos sítios arqueológicos. "Em Minas Gerais, o IPHAN não possui nenhum arqueólogo em seu quadro; existem somente arquitetos e historiadores. Quando há necessidade de vistoria na área arqueológica os pesquisadores da UFMG são chamados", comenta.

A região de Lapa Vermelha, no município de Lagoa Santa, a cerca de 40 quilômetros da capital de Minas Gerais, atualmente é considerada como um dos mais importantes sítios arqueológicos do continente americano. Lá foi encontrado o fóssil humano de cerca de onze mil anos conhecido como "Luzia", que aponta para novas teorias da evolução e ocupação do homem nas Américas.

Lapa Vermelha possui mais de uma centena de sítios arqueológicos registrados pelo IPHAN e potencial constante de novas descobertas. Mas, conforme explica Prous, alguns sítios arqueológicos da região já foram destruídos pelo turismo descontrolado; outros dependem da conscientização dos proprietários.

Fato semelhante acontece na região amazônica, especialmente no arquipélago do Marajó, no estado do Pará. "Lá, há anos famílias proprietárias de fazendas com sítios arqueológicos sobrevivem da retirada e venda de peças. Em alguns casos a situação é gritante", afirma a arqueóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Edithe Pereira. Para ela, os principais entraves para garantir a preservação dos sítios arqueológicos na Amazônia são a distância e a dificuldade de acesso para fiscalização.

Donos de fazenda têm coleções particulares ou fazem o contrabando das peças de cerâmica marajoara diretamente para clientes que chegam em aviões. Essas informações são empíricas. As atividades são absolutamente clandestinas. "Às vezes, ficamos sabendo de peças somente depois, por fotos", lamenta ela.

Além disso, os povos antigos da região do Marajó construíam tesos (elevações do terreno) para fugir das inundações, o que facilita a localização dos sítios por qualquer pessoa sem especialidade na área. "Muitas vezes, a destruição dos sítios arqueológicos acontece por puro desconhecimento da população em geral sobre a importância das peças e das informações elas contêm", comenta a arqueóloga.

No município de Monte Alegre, também no Pará, depois da divulgação, em nível mundial, da descoberta de inscrições rupestres de cerca de onze mil anos, o fluxo de turistas aumentou e a atividade vem acontecendo de forma totalmente descontrolada. "Muitas pinturas que estavam intactas há alguns anos, já estão riscadas, especialmente da Serra da Lua, que é o sítio mais importante da região", diz Pereira. O próprio governo do estado estaria estimulando o turismo em Monte Alegre sem manter uma política de preservação ou dar qualquer estrutura de suporte adequado para a atividade.

Os sítios arqueológicos de Monte Alegre estão dentro de um Parque Estadual, criado em novembro de 2001. Mas, até hoje, não foi publicado o edital para a elaboração do plano de manejo da área, ou seja, nenhuma medida de controle ou estudos detalhados foram realizados.

O patrimônio arqueológico amazônico também é ameaçado pelos grandes empreendimentos privados. Em 1992, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) detonou a Gruta do Gavião, na província mineral de Serra dos Carajás, também no Pará. A gruta tinha datação comprovada em cerca de oito mil anos. Estudos posteriores constataram a existência de mais onze grutas pré-históricas na área da empresa. Numa dessas, a Gruta do Piquiá, foram descobertos ossos humanos e de animais, sementes e artefatos de cerâmica, com datação de nove mil anos. Foi na Gruta do Piquiá, também, que foi registrada a primeira ocorrência de artefatos feitos em ferro lascado no Brasil.

Segundo o pesquisador do Museu Goeldi, Marcos Magalhães, as descobertas arqueológicas na Gruta do Piquiá e nos demais sítios da Serra dos Carajás podem ser considerados até mais importantes que as feitas pela arqueóloga norte-americana Ana Roosevelt - as inscrições rupestres de Monte Alegre. A Gruta do Piquiá está exatamente na área prevista para próxima exploração da empresa.

Em Manaus, uma obra de reurbanização na praça D. Pedro II, no centro histórico da cidade, foi suspensa por tempo indeterminado com a descoberta de um conjunto de urnas funerárias. Segundo Carlos Augusto da Silva, arqueólogo do Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e responsável pelos trabalhos na praça, o sítio de Manaus fica no entorno da orla do rio Negro, onde existe terra preta arqueológica (TPA). A fertilidade desse solo é motivo de disputa entre agricultores e sua exploração indiscriminada vem causando a destruição de algumas peças arqueológicas.

Para o arqueólogo da UFAM, o fato das peças recentemente descobertas estarem intactas é uma novidade na arqueologia, já que Manaus possui mais de 300 anos de história e o material está bem no centro da cidade. Povos indígenas do Amazonas têm protestado contra a exumação das urnas, exigindo respeito com os espíritos de seus antepassados e que os objetos fiquem no local onde foram encontrados. Mas, os arqueólogos da região dizem que o material deve ser retirado e levado a um museu para ser devidamente acondicionado.

Segundo Silva, o ideal seria fazer um laboratório de visitação pública e de pesquisa, no local onde foram encontradas as peças. Mas, para isso, também seria necessário transportar as peças para um museu, mesmo que temporariamente.

Os problemas enfrentados pela maioria dos sítios arqueológicos brasileiros não afetam os mais de 600 sítios que estão no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Localizado em uma área de 130 mil hectares o Parque Nacional da Serra da Capivara é um exemplo de conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. Em 1991, foi consagrado patrimônio mundial pela UNESCO.

A ONG Fundação Museu do Homem Americano (FUNDAHM) incentiva o desenvolvimento de pesquisas e conta com um laboratório de arqueologia e um centro interdisciplinar para abrigo da documentação fotográfica e filmográfica.

A superintendente regional do Iphan no Ceará e Piauí, Diva Figueiredo, afirma que a Serra da Capivara é uma das áreas mais protegidas do Brasil, pois está sob a guarda do Iphan, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Fundahm e do Ibama local, que tem poder de polícia. "Há muito tempo que não ocorrem problemas de depredação. Na década de 80, houve alguns, esporádicos", conta.

Apesar da Serra da Capivara ser considerada um modelo de preservação ambiental, Figueiredo destaca que novas dificuldades estão surgindo. "A ocupação desordenada do território para a prática da agricultura ameaça os sítios", alerta. Há ainda aqueles que criam animais de forma extensiva, extraem mel e, no período da estiagem, caçam no Parque para complementar a alimentação. Além disso, as queimadas realizadas no entorno contribuem para a perturbação de todo ecossistema.

Segundo a superintendente regional do IPHAN, as exigências de estudos de impactos ambientais freqüentemente não contemplam as questões arqueológicas, apesar da legislação exigir isso. Assim, no Piauí, o IPHAN, juntamente com o IBAMA e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, desenvolve um trabalho preventivo contra atividades e empreendimentos de impacto arqueológico, exigindo uma prospecção prévia e um estudo de impacto sobre esses riscos. "Com o apoio do Ministério Público Estadual temos conseguido fazer um trabalho preventivo importante", conta. De acordo com Diva Figueiredo, a prospecção arqueológica em paralelo ao estudo ambiental evitaria a destruição de muitos sítios.

Na região da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, segundo o espeleólogo (profissional que estuda as cavernas) José Guilherme Aires Lima, chefe do Centro Nacional de Estudos, Proteção e Manejo de Cavernas do IBAMA/MT, a grande maioria dos sítios arqueológicos não se beneficiam do Parque Nacional porque estão fora de seu território. "Na época da demarcação, já havia conhecimento da existência dos sítios, mas eles foram excluídos".

O espeleólogo afirma que, apesar de os sítios serem de difícil acesso, a falta de fiscalização incentiva a visitação dos turistas. Um dos mais conhecidos é a Lapa do Frei Canuto, um sítio de cerimonial que foi depredado com pixações.

Outro sítio que está fora do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães é a caverna Kamukuaká, às margens do rio Batuvi. Este é um sítio arqueológico vivo, que conta com os relatos dos descendentes indígenas para a interpretação dos materiais encontrados. Os índios Waurás estão confinados no Parque e, desde o ano passado, reivindicam o reconhecimento da área da caverna para o tombamento. Mas agora, segundo José Guilherme Lima, o sítio está sendo ameaçado pela autorização de cerca de 20 mil hectares de desmatamento para o plantio de algodão no entorno.


Texto de André Gardini e Sílvia Fujiyoshi

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