sábado, 13 de novembro de 2010

ARTESANATO DE ÑANDERU


“O corpo é o 'artesanato' de Nhanderu. Assim como nós fazemos o artesanato do nosso jeito, Nhanderu faz cada Guarani”.
Cristino, um Mbya-Guarani

Ao aprofundar o sentido da nominação, pude entender que o nome, recebido na cerimônia do “batismo do milho” - NIMONGARAI -, torna o Mbya uma pessoa com todas as condições de mostrar no seu corpo aquilo que seu artesanato mostra, suas tradições. Assim como criam em seu artesanato desenhos ou miniaturas de animais que lhe são caros, também os mostram pela sua dança, que imitam os animais.

O nome expressa a pessoa e por isso é tão importante para os Mbyas mantê-lo. O corpo do Mbya-Guarani é o artesanato de Nhanderu, porque “ele pensa como vai fazer um novo corpo, imagina como a pessoa completa vai ser e faz o pai ou a mãe sonhar com ela para ela existir”. Ou seja: esse corpo, que é o artesanato de Nhanderu, é a pessoa Mbya Guarani, concebido e cuidado no cotidianamente para continuar sendo.

A concepção da pessoa Mbya Guarani é resultado de um sonho. A criança normalmente é sonhada pelo pai que, ao contar para sua esposa, a engravida, mas também pode acontecer de a própria mãe sonhar. No entanto, quem faz a pessoa social do filho é Nhanderu. A partir daí, começam a ter repetidas relações sexuais para construir a criança no corpo da mãe; acreditam que cada ato sexual constrói uma parte do corpo. A seguir, começam a reclusão pubertária e a relação entre um morto e seus pais na cerimônia dos mortos. Não basta copular muito para garantir que o novo ser humano nasça com saúde, mas marido e mulher devem formar uma unidade devotada ao bem-estar da criança. Dizem que o corpo da criança é constituído por mistura de sêmen e sangue menstrual; e vai sendo fabricado através da alimentação e da troca de fluidos corporais. Daí, por exemplo, evitar comer carne de tatu porque provocaria inflamação no corpo do filho.

Aqueles que vivem juntos, que comem juntos e que partilham da mesma dieta alimentar, tornam-se consubstanciais. A identidade é explicitamente concebida como situada no corpo e relacionada ao parentesco. Embora, essa consubstancialidade (a natureza compartilhada de dois corpos ou mais), que se desdobra em comensalidade não depende de morarem juntos. Se um parente (pais, filhos, irmãos) come alimento proibido em um lugar, sem saber que o outro está doente, contribui para agravar seu estado.

Após o nascimento, entre os Mbya-Guaranis, a menstruação para as meninas, e o furo labial para os meninos, constituem momentos que requerem restrições alimentares, como de açúcar, mel ou carne. Alguns alimentos, como o milho, a mandioca e a batata doce, fortalecem seu nhandereko (suas tradições, seu jeito de ser) e “guaraniza” seus corpos e toda comunidade. Mas, para que isso tenha real sentido, seu consumo ocorre preferencialmente entre parentes e na prática da língua materna. Em nenhum momento os Mbya-Guaranis estão mais alegres do que quando reunidos para degustarem espigas verdes de milho, tomarem seu chimarrão e fumarem seu cachimbo e, é claro, falando na sua língua.

Entre os Mbya-Guaranis, o cuidado concedido aos seus corpos é visível em diversos momentos do cotidiano, quer pelos banhos de rio ou de chuveiro, a troca de roupas, o penteado - principalmente por parte das mulheres, moças e meninas -, quer com sua alimentação, quer com os corpos das outras pessoas, ao se interessarem sobre como estão e se precisam de alguma coisa. Os mais velhos ensinam que para o corpo não exalar cheiro, é necessário não consumir sal, tomar banho com água fria e realizar a última refeição até as 16 horas, praticas que, dentro do possível, procuram manter. Toda noção de corpo é ampla, ou seja, não há separação entre corpo e alma. A noção de alma Mbya não está dissociada da noção de corpo, e é através deste corpo que se alegra o ‘deus’ Guarani Mbya e a si próprio.

Baseado em texto de ZÉLIA MARIA BONAMIGO

Nenhum comentário:

Postar um comentário