Os Wajãpi são um povo originário, da
família Tupi, que vivem atualmente na região entre os rios Oiapoque, Jari e
Araguari, no Amapá.
Nos mitos
de origem, os Wajãpi situam-se como uma etnia diferenciada dos outros povos por
eles conhecidos: os brasileiros (karai-ku), os franceses (parainsi-ku) e os
grupos indígenas vizinhos (Wayana-Aparai, Tiriyó, Karipuna, Galibi e Palikur).
A tradição estabelece que, no tempo mítico, todos os povos viviam juntos e
teriam sido separados pela intervenção do herói criador, Ianejar ("nosso dono"). Após esta separação, as outras
etnias se distanciaram e, desde então, os Wajãpi consideram que habitam o
"centro da terra". Ali, eles se dividiram em diferentes grupos que se
reconhecem como "parentes".
A
história dos Wajãpi nos últimos 250 anos corresponde à movimentação desse povo
rumo ao norte, a partir do baixo rio Xingu, sua origem. Nos últimos 100 anos,
essa migração os levou a abandonar os grandes eixos, como o rio Jari, para se
instalar nas cabeceiras e nos afluentes dos rios Jari, Amapari e Oiapoque.
Em 1973,
os Wajãpi do Amapari foram "contatados" por uma equipe de atração da
Funai que preparava, naquela região, os trabalhos de abertura da rodovia
Perimetral Norte (BR 210). Quando os trabalhos de construção da estrada foram
interrompidos em 1976, o trecho final já penetrava por mais de 30 km a área
indígena. A estrada, aliada a uma fiscalização inadequada, abriu as terras dos
Wajãpi aos invasores: inicialmente caçadores de peles, depois garimpeiros e,
mais recentemente, interesses de empresas de mineração, atraídas pelas
importantes jazidas de ouro, cassiterita, manganês e tântalo da região. Ao
mesmo tempo, crescia a pressão nos limites da área, na medida em que as margens
da Perimetral Norte vinham sendo ocupadas por serrarias, fazendas e garimpos,
alimentados pelos centros urbanos próximos (Serra do Navio, a 90 km da área
indígena, e Macapá, a 370 km).
A partir
dos anos 80, os Wajãpi assumiram expulsar, sozinhos, os invasores de seu
território. Ao mesmo tempo, deram início a várias atividades de controle
territorial e de diversificação do extrativismo na área tradicionalmente
ocupada.
As
dificuldades de subsistência nas aldeias super povoadas e as mais atingidas
pela proximidade da rodovia Perimetral Norte e, consequentemente, pelo
esgotamento dos recursos naturais, fez com que muitas famílias voltassem aos
sítios de ocupação tradicional, em zonas distantes dos Postos da Funai, ou se dispersassem
em pequenas aldeias situadas num raio de 5 a 20 km dos Postos. Atualmente, há
13 aldeias permanentes além de numerosos acampamentos dispersos em toda a
extensão da área indígena.
Em 1990,
o presidente da Funai interditou a Área Indígena Wajãpi, com 543.000 ha, nos
municípios de Almerim, Mazagão e Macapá, no Amapá. Em 1994, iniciou-se, com
apoio do governo alemão, no contexto do PPG-7, a autodemarcação da área
indígena Wajãpi. Neste mesmo ano, foi fundado o Conselho das Aldeias Wajãpi, reunindo
todos os chefes de famílias extensas, que escolheram sua diretoria . Esta
associação é também denominada Apina,
nome de um subgrupo da etnia lembrado pela sua valentia na guerra: eram os
Wajãpi que "flechavam longe". Seus objetivos principais são garantir
uma representação mais direta da comunidade junto às autoridades e buscar
soluções para reorientar o relacionamento com as agências que atuam na área.
A vida
cerimonial dos Wajãpi é intensa, marcada por grandes ciclos de rituais como a festa do milho (no inverno), a festa do mel e as danças dos peixes. Esses ciclos constituem-se em cantos ordenados,
que nem sempre são conhecidos por todos, dando lugar a reuniões entre
comunidades para participação na festa, com danças e cantos das músicas
coletivas, acompanhadas de flautas de diversos tipos. Durante essas reuniões
são distribuídas grandes quantidades de caxiri preparadas por uma ou duas
mulheres, cujos maridos são os "donos" da festa.
Certas
danças, como as do milho, a dos peixes e o ciclo do turé, contêm elementos
rituais mais preeminentes. Dançam mais em momentos de crise, para agradar Ianejar,
herói criador. Por outro lado, os rituais associados à maioridade das meninas
são realizados no âmbito familiar e raramente dão lugar a festas coletivas.
A
agricultura é uma atividade central na vida dos Wajãpi. A abertura das
clareiras condiciona a localização das habitações permanentes e o ritmo dos
deslocamentos sazonais; o produto das plantações, de curto, médio e longo
ciclo, contribuem em praticamente 50% dos alimentos consumidos pelo grupo.
Os
trabalhos agrícolas são realizados segundo técnicas tradicionais de queima e
coivara; o uso de machados de ferro, aos quais os Wajãpi do Amapari têm acesso
regular há apenas 30 anos, modificou, segundo eles, o tamanho das clareiras,
sem alterar, porém, o ritmo dos trabalhos agrícolas. Queimar e limpar as roças
são atividades coletivas, nas quais um chefe de família é ajudado por outros
membros da comunidade, num sistema de mutirão denominado pusirõ. Na roça, as espécies cultivadas são plantadas sem ordem
aparente. Há uma nítida ênfase para a mandioca brava, cujos sub-produtos – farinha,
beiju, tapioca, tucupi e caxiri – constituem a base da alimentação.
Os outros
produtos cultivados são o milho, a banana, o cará e a batata doce, cana de
açúcar e frutas como caju, mamão, abacaxi, além da pimenta, amendoim e feijão.
Os Wajãpi cultivam, ainda, o urucu, a cana para as flechas, o curauá, do qual
obtêm fibras para cordas, o veneno de pesca, o algodão, cuias e cabaças. Para
cada espécie, os Wajãpi possuem um número elevado de variedades: conhecem mais
de quinze tipos de mandioca brava, dez tipos de batata, outros dez de cará,
cinco de milho, etc.
A
composição da aldeia Wajãpi não é constante: os membros do grupo local estão
sempre em movimento entre as aldeias e as casas provisórias construídas junto
às roças. Cisões políticas e reunião de membros de grupos distintos contribuem
para a recomposição constante da população das aldeias, assim como surtos de
doenças, mortes e problemas de invasões intermitentes do território por
garimpeiros. O ciclo agrícola e o esgotamento da caça também influenciam o
deslocamento dos Wajãpi por seu território.
A aldeia Wajãpi
não apresenta formato característico, as casas estão dispersas no espaço
limitado pelo igarapé ou pelo rio e pelas roças, deixando livre uma praça (okara) onde se realizam as
atividades sociais e rituais.
Cada casa
corresponde a uma família nuclear ou, em raros casos, a uma família extensa,
abrigando em média 4 a 7 pessoas.
As casas
do tipo tradicional são casas palafíticas construídas sobre estacas que podem
chegar à altura de dois metros: tem-se acesso ao estrado por uma escada
esculpida num tronco de árvore. A cobertura, em duas águas, é feita de folhas
de ubim e palha preta. Atualmente elas vêm sendo substituídas por grandes
construções baixas, sem paredes, ou ainda por simples tapiris de construção
rudimentar e provisória. Além das casas de habitação, há também em todas as
aldeias, na proporção de uma para duas ou três casas, construções que servem de
cozinha, com jiraus, os pontos para o fogo e todos os instrumentos para o
processamento da mandioca. Estas construções servem para várias famílias nucleares
e nela se reúnem mães e filhas para a preparação dos alimentos.
Dados
demográficos dos últimos 25 anos demonstram que os Wajãpi têm tido um
crescimento populacional constante, sendo que a taxa de natalidade cresceu
muito nos anos que se seguiram ao contato com a Funai, ocorrido em 1973. Nessa
época, eles contavam, no Brasil, com 151 indivíduos. Quinze anos depois,
somavam 310 indivíduos. Eram 498 indivíduos no Brasil (censo de 1994) e 412 na
Guiana Francesa (censo de 1992), totalizando uma população de aproximadamente
910 pessoas.
Baseado em texto de Dominique T. Gallois, Antropóloga/USP
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