A categoria “ÍNDIO” só se define por oposição aos brancos, pois abrange populações muito diferentes entre si, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista lingüístico, seja do ponto de vista dos costumes.
Os “índios” do Brasil, quando olhados numa perspectiva biológica, não constituem, de modo algum, um todo homogêneo. Qualquer pessoa pode constatar que em muitos grupos Tupi os indivíduos apresentam estatura sensivelmente baixa, que entre os Timbíra predominam os de estatura média e corpo delgado, que os do alto Xingu são bem mais corpulentos. Além disso, mesmo entre os membros de um mesmo grupo as diferenças podem ser muito grandes, já que as relações entre os povos, sejam amistosas ou hostis, levam ao intercruzamento sexual. Ente os Gaviões, da floresta do médio Tocantins, pode-se notar presença de indivíduos muito altos ao lado de outros de baixa estatura, havendo também uma diferença acentuada na cor da pele, sendo uns bem claros e outros bastante escuros; as mulheres do grupo tendem de um modo geral para a estatura baixa, enquanto entre os homens há altos e baixos.
Não é raro encontrar pessoas que acreditam que todos os “índios” falam língua tupi. Essa crença tem explicação: os conquistadores portugueses encontraram todo o litoral ocupado por “índios” entre os quais predominava a língua tupi; assim, essa foi a primeira língua que os missionários aprenderam, a ela se apegaram e adotaram uma atitude de desdém para com as outras línguas que não compreendiam, chamando-as de “línguas travadas”. A língua tupi foi não somente aprendida, mas também modificada por esses missionários, que lhe impuseram uma gramática nos moldes do latim, sendo divulgada por eles à força, de modo que populações indígenas de outras tradições lingüísticas foram obrigadas a aprender o tupi, sob a forma de NHENGATU, a “língua geral”. Hoje, até mesmo dentro do Brasil, na região do rio Negro, afluente do Amazonas, encontramos povos que ainda usam a “língua geral” para se comunicarem entre si e com os sertanejos. Desta forma, muitos povos vieram a aprender o tupi por imposição dos missionários.
Os índios Tupi contaram, ainda, com um grande número de cronistas, que deixaram muitas informações sobre seus costumes, o que não aconteceu com outros grupos. Antes que a pesquisa etnológica se iniciasse no Brasil, a partir do final do século XIX, o que se sabia dos costumes indígenas referia-se sobretudo aos índios Tupi, devido às informações de André Thevet, Jean de Léry, Claude d’Abbeville, Hans Staden, Gabriel Soares, José de Anchieta, Pero de Magalhães Gandavo, entre outros. Dada a falta de informações sobre os “índios” não-tupi, as grandes figuras da literatura brasileira, nos seus trabalhos indianistas, focalizaram predominantemente os Tupi, chegando mesmo a atribuir a eles costumes de outros povos, como o faz Gonçalves Dias nos seus poemas.
A primeira classificação das línguas indígenas do Brasil foi aquela que as distribuía em “Línguas Tupi” e “Línguas Tapuia”. Tal classificação deve-se aos primeiros colonizadores e missionários, que adotaram também os preconceitos dos Tupi contra os demais. Assim, enquanto as línguas classificadas como Tupi se relacionavam entre si, as classificadas como Tapuia eram as mais diversas, completamente diferentes umas das outras, e que aos missionários não interessava conhecer. Essa classificação vigorou por muito tempo, até que Von Martius, no século XIX, demonstrou que as línguas tapuia não formam um todo homogêneo. Ele destacou, da confusão, a família JÊ e mais outras duas, que os estudos lingüísticos recentes não aceitam mais. Ainda no final do século XIX, Von de Steinen estuda o Bakairí, da família Karíb. Desse modo se foi, pouco a pouco, chegando à tão conhecida classificação das línguas indígenas no Brasil em TUPI, JÊ, KARIB e ARUAK. E o termo “tapuia” perdeu cada vez mais sua razão de ser. Além dessas grandes famílias lingüísticas, os pesquisadores conseguiram distinguir conjuntos menores, como o PANO, TUKANO, GAUIKURÚ, MAKÚ e outros.
Há várias maneiras de se fazer uma classificação das línguas, mas os lingüistas atuais consideram como mais desejável a classificação do tipo genético, só recorrendo a outras quando não há dados suficientes para realizá-la. A classificação de tipo genético consiste em reunir numa só classe as línguas que tenham tido origem comum numa língua anterior. Esta língua anterior é reconstituída de tal maneira pelos lingüistas que de seus vocábulos se possa fazer derivar, através de leis fonéticas, os vocábulos das línguas atuais que constituem a referida classe. Desse modo, as línguas que têm uma origem comum são todas reunidas numa “família”. As famílias que apresentam certas afinidades são agrupadas num “bloco”. Os blocos que apresentam certas afinidades são, por sua vez, colocadas num mesmo “filo”. Com base nesse critério, os lingüistas se esforçam para conseguir incluir as línguas ainda não classificadas numa família.
No que diz respeito aos “índios”, o trabalho de classificação genética mais ousado parece ser o de Greenberg, em que tenta classificar todas as línguas americanas. Reúne, por exemplo, num mesmo filo, todas as línguas Jê, Pano e Karib; num outro filo, as línguas Tupi, Aruak e Tukano. Embora o ideal dos lingüistas seja obter famílias, blocos e filos que abranjam o máximo de unidades, simplificando cada vez mais a classificação, como faz Greenberg, a classificação elaborada por ele ainda é muito prematura, uma vez que não se assenta em informações suficientes.
Além do valor que tem para a lingüística, a classificação das línguas indígenas pelo critério genético muito serve para auxiliar os etnólogos. De fato, se as línguas de uma mesma família têm origem anterior, isso significa que os povos que as falam podem ter tido origem num único grupo ainda mais antigo, embora tal hipótese não valha para todos os casos, já que uma língua pode ser imposta por um povo a outro. De qualquer modo, se dois povos falam línguas da mesma família, isto indica uma conexão histórica no passado. Se têm uma origem comum ou uma conexão histórica, tais povos podem dispor também de algumas instituições sociais em comum.
A etnologia, em seus estudos sobre o “índios” brasileiro, não se vale apenas das classificações lingüísticas, mas também de classificações de cunho mais nitidamente etnológico, como são as divisões em “áreas culturais”. Uma área cultural é uma região que apresenta uma certa homogeneidade quanto à presença de certos costumes e de certos artefatos que a caracterizam. Muitas são as tentativas de classificação dos indígenas em áreas culturais; visam abranger todos os povos da América ou, pelo menos, da América do Sul. As atuais áreas culturais dos povos do Brasil aceitas atualmente foram elaboradas por Eduardo Galvão.
Este etnólogo, ao realizá-la, tomou uma série de cuidados. Em primeiro lugar, só foram incluídas nas suas áreas os povos indígenas do Brasil existentes entre os anos de 1900 e 1959, quando esta classificação foi apresentada à IV Reunião Brasileira de Antropologia. Ou seja: inclui apenas os povos do século XX. Por conseguinte, esta divisão não abrange os Tupinambá, os Kaeté, os Goitaka, por exemplo, simplesmente porque tais povos desapareceram muito antes de iniciar o século. A delimitação dessa classificação dentro de um período bem determinado tem sua razão de ser. Suponha-se, por exemplo, uma classificação em áreas culturais que não considerasse o tempo. O mapa dessas áreas registraria a presença de Xavante tanto em Goiás como no Mato Grosso. Isso daria uma idéia falsa a quem consultasse o mapa, pois seria levado a pensar que os Xavante ocupam toda essa área, mas na realidade eles habitaram em Goiás no passado e, atualmente, vivem no Mato Grosso. Usando essa delimitação de tempo, Eduardo Galvão admite que as áreas culturais se modificam com o tempo e que outras divisões podem ser elaboradas para outros períodos. Em segundo lugar, foram levadas em consideração as modificações sofridas pelas tradições dos grupos indígenas tanto pela influência de outros povos como pelo contato com os brancos. Em terceiro lugar, para a delimitação das áreas, ele deu grande importância à presença continua no espaço tanto de técnicas como de costumes. Finalmente, procurou aproveitar, na medida do possível, a contribuição de pesquisadores que anteriormente tinham se aplicado ao problema.
Dessa maneira, chegou a distribuir os “índios” do Brasil em ONZE ÁREAS CULTURAIS: Norte-Amazônica, Juruá-Purus, Guaporé, Tapajós-Madeira, Alto-Xingu, Tocantins-Xingu, Pindaré-Gurupi, Paraguai, Paraná, Tietê-Uruguai e Nordeste. Parece que certas áreas têm uma individualidade mais marcada devido à presença de certo número de elementos distribuídos mais homogeneamente, tal com a área Alto-Xingu. Nesta, a Festa dos Mortos, também conhecida como “Kuarup”, o uso cerimonial do propulsor de dardos, o acessório da indumentária feminina chamado “uluri”, as casas de projeção ovalada e tetos-paredes em ogiva, constituem, entre outros, elementos que não são encontrados fora da área e que estão presentes em quase todos os povos da região, tornando-a inconfundível. Quase não se encontram elementos que sejam compartilhados por grupos de cada diferente área.
Os “índios” do Brasil, quando olhados numa perspectiva biológica, não constituem, de modo algum, um todo homogêneo. Qualquer pessoa pode constatar que em muitos grupos Tupi os indivíduos apresentam estatura sensivelmente baixa, que entre os Timbíra predominam os de estatura média e corpo delgado, que os do alto Xingu são bem mais corpulentos. Além disso, mesmo entre os membros de um mesmo grupo as diferenças podem ser muito grandes, já que as relações entre os povos, sejam amistosas ou hostis, levam ao intercruzamento sexual. Ente os Gaviões, da floresta do médio Tocantins, pode-se notar presença de indivíduos muito altos ao lado de outros de baixa estatura, havendo também uma diferença acentuada na cor da pele, sendo uns bem claros e outros bastante escuros; as mulheres do grupo tendem de um modo geral para a estatura baixa, enquanto entre os homens há altos e baixos.
Não é raro encontrar pessoas que acreditam que todos os “índios” falam língua tupi. Essa crença tem explicação: os conquistadores portugueses encontraram todo o litoral ocupado por “índios” entre os quais predominava a língua tupi; assim, essa foi a primeira língua que os missionários aprenderam, a ela se apegaram e adotaram uma atitude de desdém para com as outras línguas que não compreendiam, chamando-as de “línguas travadas”. A língua tupi foi não somente aprendida, mas também modificada por esses missionários, que lhe impuseram uma gramática nos moldes do latim, sendo divulgada por eles à força, de modo que populações indígenas de outras tradições lingüísticas foram obrigadas a aprender o tupi, sob a forma de NHENGATU, a “língua geral”. Hoje, até mesmo dentro do Brasil, na região do rio Negro, afluente do Amazonas, encontramos povos que ainda usam a “língua geral” para se comunicarem entre si e com os sertanejos. Desta forma, muitos povos vieram a aprender o tupi por imposição dos missionários.
Os índios Tupi contaram, ainda, com um grande número de cronistas, que deixaram muitas informações sobre seus costumes, o que não aconteceu com outros grupos. Antes que a pesquisa etnológica se iniciasse no Brasil, a partir do final do século XIX, o que se sabia dos costumes indígenas referia-se sobretudo aos índios Tupi, devido às informações de André Thevet, Jean de Léry, Claude d’Abbeville, Hans Staden, Gabriel Soares, José de Anchieta, Pero de Magalhães Gandavo, entre outros. Dada a falta de informações sobre os “índios” não-tupi, as grandes figuras da literatura brasileira, nos seus trabalhos indianistas, focalizaram predominantemente os Tupi, chegando mesmo a atribuir a eles costumes de outros povos, como o faz Gonçalves Dias nos seus poemas.
A primeira classificação das línguas indígenas do Brasil foi aquela que as distribuía em “Línguas Tupi” e “Línguas Tapuia”. Tal classificação deve-se aos primeiros colonizadores e missionários, que adotaram também os preconceitos dos Tupi contra os demais. Assim, enquanto as línguas classificadas como Tupi se relacionavam entre si, as classificadas como Tapuia eram as mais diversas, completamente diferentes umas das outras, e que aos missionários não interessava conhecer. Essa classificação vigorou por muito tempo, até que Von Martius, no século XIX, demonstrou que as línguas tapuia não formam um todo homogêneo. Ele destacou, da confusão, a família JÊ e mais outras duas, que os estudos lingüísticos recentes não aceitam mais. Ainda no final do século XIX, Von de Steinen estuda o Bakairí, da família Karíb. Desse modo se foi, pouco a pouco, chegando à tão conhecida classificação das línguas indígenas no Brasil em TUPI, JÊ, KARIB e ARUAK. E o termo “tapuia” perdeu cada vez mais sua razão de ser. Além dessas grandes famílias lingüísticas, os pesquisadores conseguiram distinguir conjuntos menores, como o PANO, TUKANO, GAUIKURÚ, MAKÚ e outros.
Há várias maneiras de se fazer uma classificação das línguas, mas os lingüistas atuais consideram como mais desejável a classificação do tipo genético, só recorrendo a outras quando não há dados suficientes para realizá-la. A classificação de tipo genético consiste em reunir numa só classe as línguas que tenham tido origem comum numa língua anterior. Esta língua anterior é reconstituída de tal maneira pelos lingüistas que de seus vocábulos se possa fazer derivar, através de leis fonéticas, os vocábulos das línguas atuais que constituem a referida classe. Desse modo, as línguas que têm uma origem comum são todas reunidas numa “família”. As famílias que apresentam certas afinidades são agrupadas num “bloco”. Os blocos que apresentam certas afinidades são, por sua vez, colocadas num mesmo “filo”. Com base nesse critério, os lingüistas se esforçam para conseguir incluir as línguas ainda não classificadas numa família.
No que diz respeito aos “índios”, o trabalho de classificação genética mais ousado parece ser o de Greenberg, em que tenta classificar todas as línguas americanas. Reúne, por exemplo, num mesmo filo, todas as línguas Jê, Pano e Karib; num outro filo, as línguas Tupi, Aruak e Tukano. Embora o ideal dos lingüistas seja obter famílias, blocos e filos que abranjam o máximo de unidades, simplificando cada vez mais a classificação, como faz Greenberg, a classificação elaborada por ele ainda é muito prematura, uma vez que não se assenta em informações suficientes.
Além do valor que tem para a lingüística, a classificação das línguas indígenas pelo critério genético muito serve para auxiliar os etnólogos. De fato, se as línguas de uma mesma família têm origem anterior, isso significa que os povos que as falam podem ter tido origem num único grupo ainda mais antigo, embora tal hipótese não valha para todos os casos, já que uma língua pode ser imposta por um povo a outro. De qualquer modo, se dois povos falam línguas da mesma família, isto indica uma conexão histórica no passado. Se têm uma origem comum ou uma conexão histórica, tais povos podem dispor também de algumas instituições sociais em comum.
A etnologia, em seus estudos sobre o “índios” brasileiro, não se vale apenas das classificações lingüísticas, mas também de classificações de cunho mais nitidamente etnológico, como são as divisões em “áreas culturais”. Uma área cultural é uma região que apresenta uma certa homogeneidade quanto à presença de certos costumes e de certos artefatos que a caracterizam. Muitas são as tentativas de classificação dos indígenas em áreas culturais; visam abranger todos os povos da América ou, pelo menos, da América do Sul. As atuais áreas culturais dos povos do Brasil aceitas atualmente foram elaboradas por Eduardo Galvão.
Este etnólogo, ao realizá-la, tomou uma série de cuidados. Em primeiro lugar, só foram incluídas nas suas áreas os povos indígenas do Brasil existentes entre os anos de 1900 e 1959, quando esta classificação foi apresentada à IV Reunião Brasileira de Antropologia. Ou seja: inclui apenas os povos do século XX. Por conseguinte, esta divisão não abrange os Tupinambá, os Kaeté, os Goitaka, por exemplo, simplesmente porque tais povos desapareceram muito antes de iniciar o século. A delimitação dessa classificação dentro de um período bem determinado tem sua razão de ser. Suponha-se, por exemplo, uma classificação em áreas culturais que não considerasse o tempo. O mapa dessas áreas registraria a presença de Xavante tanto em Goiás como no Mato Grosso. Isso daria uma idéia falsa a quem consultasse o mapa, pois seria levado a pensar que os Xavante ocupam toda essa área, mas na realidade eles habitaram em Goiás no passado e, atualmente, vivem no Mato Grosso. Usando essa delimitação de tempo, Eduardo Galvão admite que as áreas culturais se modificam com o tempo e que outras divisões podem ser elaboradas para outros períodos. Em segundo lugar, foram levadas em consideração as modificações sofridas pelas tradições dos grupos indígenas tanto pela influência de outros povos como pelo contato com os brancos. Em terceiro lugar, para a delimitação das áreas, ele deu grande importância à presença continua no espaço tanto de técnicas como de costumes. Finalmente, procurou aproveitar, na medida do possível, a contribuição de pesquisadores que anteriormente tinham se aplicado ao problema.
Dessa maneira, chegou a distribuir os “índios” do Brasil em ONZE ÁREAS CULTURAIS: Norte-Amazônica, Juruá-Purus, Guaporé, Tapajós-Madeira, Alto-Xingu, Tocantins-Xingu, Pindaré-Gurupi, Paraguai, Paraná, Tietê-Uruguai e Nordeste. Parece que certas áreas têm uma individualidade mais marcada devido à presença de certo número de elementos distribuídos mais homogeneamente, tal com a área Alto-Xingu. Nesta, a Festa dos Mortos, também conhecida como “Kuarup”, o uso cerimonial do propulsor de dardos, o acessório da indumentária feminina chamado “uluri”, as casas de projeção ovalada e tetos-paredes em ogiva, constituem, entre outros, elementos que não são encontrados fora da área e que estão presentes em quase todos os povos da região, tornando-a inconfundível. Quase não se encontram elementos que sejam compartilhados por grupos de cada diferente área.
Baseado em texto de Júlio Cezar Melatti
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