sexta-feira, 23 de setembro de 2011

SENHORES DA TERRA OU IRMÃOS DO UNIVERSO?


Quando, em 1492, os conquistadores europeus chegaram às costas da América, quase 2/3 do mundo lhes eram desconhecidos. Quando toda a África e a Oceania foram "descobertas", desbravadas e também conquistadas, uma nova visão do mundo dominou o imaginário dos europeus: a terra e as suas riquezas eram ilimitadas e estavam à disposição dos homens dispostos a colonizá-las. Essa maneira moderna de pensar o destino da terra subordinado à vontade do homem ocidental durou até agora. Na verdade, ela ainda é muito difundida. 

Mas, agora, sabemos que não. Os recursos da terra e da Terra são imensos, mas são limitados. A energia do Universo é inesgotável, mas a da pequena única casa de que dispomos até agora não é. Há um múltiplo relógio à nossa frente apontando quando cada uma das reservas de minérios, de petróleo, de outras fontes de matéria e energia não-renováveis estará esgotada. Outras contas, mesmo a dos otimistas, são gritos de alarme. No ritmo atual de destruição, quando não haverá mais no mundo florestas tropicais? No ritmo atual de degradação, quando as terras serão desertos, quando os rios estarão mortos e os oceanos agonizantes?

Talvez os povos indígenas tenham protestado e estejam protestando muito pouco. Afinal, a concorrência pelas riquezas da terra e uma luta cega em nome de uma sobremelhora da qualidade de vida da parte rica e desenvolvida do planeta, em detrimento da outra parte, não ameaçam com o destruir apenas alguns modos de vida à margem dessa corrida em nome do standart de vida dos que a inventaram e se meteram nela. Ameaça com destruir a própria vida em todas as suas dimensões.

Alguns historiadores e outros especialistas que, nos últimos anos, estão procurando reconstruir sistemas de idéias e de ações das nossas próprias sociedades diante do mundo natural  não conseguem deixar de escrever várias observações em que os índios se reconheceram. A consciência do homem produtivo-ocidental parte, ainda, de um duplo princípio único: ele é separado de todas as outras dimensões do mundo em que vive e é o seu único senhor terreno. Tudo o mais decorre disso e faz pelo menos 500 anos que é sobre isso e as suas consequências que os indígenas estão falando.

Sabemos que as possíveis medidas políticas ou tecnológicas não serão bastantes para "salvar o planeta". Agora mesmo vemos que são exatamente os governos dos países mais ricos e mais industrializados os que negam antecipadamente apoio às propostas mais avançadas de salvaguarda da terra e de seus recursos. Uma resposta do presidente dos EUA foi publicada nos jornais de todo o mundo. Sem rodeios, ele declarou que não irá faze-lo por "não ser um bom negócio".

As conclusões de alguns estudos sobre o Ocidente e a Natureza são pelo menos em alguma coisa alentadoras. Não só por causa dos perigos da terra, mas por longo aprendizado, pelo desenvolvimento de novas sensibilidades e pela revisão fecunda de idéias e valores religiosos, muitos deles enraizados demais para serem revistos em pouco tempo, há por toda parte a aurora de uma nova consciência do mundo, da vida e do destino deles e nosso. Por toda parte, difunde-se pouco a pouco uma nova mentalidade: não somos senhores do mundo e o que existe à nossa volta é parte de nós mesmos. Somos partilha do fluxo da vida e, queiramos ou não, ela nos impõe as suas regras, os seus preceitos. A terra nos fala e chegou o momento de escutá-la.

Faz alguns séculos, uma revolução nos conhecimentos da astronomia deslocou a Terra de uma posição central para uma outra, pequena e periférica. Faz alguns anos, uma outra teoria de nossa própria ciência descobriu que isso não tem sentido, pois no campo da absoluta relatividade de todas as coisas, de todos os mundos, tudo é parte de um mesmo imenso Universo e o fluxo da vida pode estar em toda parte. As pessoas de depois de Copérnico não foram mais infelizes do que as de antes, embora algumas tenham sido queimadas pelo que aconteceu. Nós, pessoas de agora, no novo milênio, somos responsáveis por vivermos o tempo em que segredos da ciência nos revelam, ao mesmo tempo, uma Terra frágil e um Universo incomensurável. Não há mais dogmas sobre coisa alguma e tudo pode ser pensado.

Algumas vozes das florestas, dos desertos, faz muitos anos têm nos dito coisas muito simples. Estivemos ocupados demais em conquistar para aprender a compreender. O tempo é chegado. Saibamos ouvi-los, povos da terra, filhos das florestas. Eles nos fazem o melhor convite: sermos segundo os nossos termos e apenas mudando o essencial em nossos modos de vida e sistemas de pensamento, não mais senhores do mundo mas irmãos do universo.

Texto de Carlos Rodrigues Brandão

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