Declarações de um jovem quechua, em La Paz, na Bolívia, sobre a diferença entre a forma como o branco e seu povo pensa o mundo e se pensa nele:
Os brancos pensam tudo opondo uma coisa à outra. E isto está certo para muitas coisas, porque o quente é o oposto do frio assim como o alto é o oposto do baixo. O destino de alguns opostos é o complemento e assim são o homem e a mulher, o inverno e o verão e a noite e o dia. Mas os homens brancos quase sempre pensam os opostos como coisas separadas uma da outra e as duas de algum tipo de todo, de que são parte e que lhes dá sentido. Por exemplo: entre os brancos se diz "meu quarto" por oposição a todos os outros quartos de uma casa; "minha casa", por oposição a todas as outras de uma mesma rua; "a minha rua", por oposição às outras ruas de um bairro; "meu bairro", por oposição a todos os bairros de uma mesma cidade; "a minha cidade", por oposição a todas as outras. Ou então se diz "cidade" e a imagem é a de alguma coisa que o homem fez e separou dos rios, das matas, dos montes e das cordilheiras. Assim, ele diz que há um Deus, por oposição a tudo o mais, e que ele criou "o céu e a terra", mas está no céu e deixou terra os homens. A terra é um criação de Deus, mas é separada dele e dos homens. É profana, é para "fazer coisas" e pode ser possuída, comprada ou vendida. Por isso, os brancos inventaram o arame e a cerca. Cercam as casas e os campos, separam tudo de tudo e dão uma importância enorme em saber "o que é de quem".
Os índios da minha gente pensam as mesmas coisas ao contrário. O meu quarto existe entre os outros e eles e outros cômodos formam uma casa. As casas só podem ser pensadas junto com s outras, no ayllu, na aldeia. As aldeias todas juntas são o lugar de um povo e não se separam do mundo à volta delas. Assim como meu quarto se continua na casa e a minha casa, nas outras e todas na aldeia, a aldeia e os seus caminhos são parte das terras de batatas e milho, dos pastos do gado, dos bosques. E tudo isso existe dentro dos mesmos círculos de vida em que estão os rios e se prolonga pelos montes e pelas cordilheiras. E vai além, por todos os círculos da terra, das águas, dos espaços em que existem lugares e tempos e seres vivos. Assim, quando penso no meu quarto, só consigo imaginá-lo "num círculo de círculos", onde tudo se continua e complementa.
Por isso, para o índio não é difícil pensar que ele mora, o mesmo tempo, em uma choupana, em um aldeia, em um lugar natural do altiplano, nos montes, nos rios e tudo e na Terra inteira, e no universo e nas estrelas.
Os brancos parece que só se sentem vivendo n o que possuem e por isso "ser dono" é tão importante. Eles são muito inseguros e sofrem muito por isso. O Deus deles está muito longe nos céus, que é o oposto da terra. Por isso, ele precisa ser invocado poderosamente, para escutar as súplicas dos seus filhos. Alguns dizem que Deus está dentro de seus corações, mas eu acho que eles não crêem nisso, porque senão não seriam tão amedrontados, mesmo quando parecem ser tão poderosos. Nossos Deuses não, eles estão ai pelos montes e convivem conosco por toda a parte. Os nossos Deuses não estão em, eles são. A própria terra é nossa mãe e ela é viva e, por isso, é fecunda e nos alimenta: "Pachamama".
Os brancos pensam tudo opondo uma coisa à outra. E isto está certo para muitas coisas, porque o quente é o oposto do frio assim como o alto é o oposto do baixo. O destino de alguns opostos é o complemento e assim são o homem e a mulher, o inverno e o verão e a noite e o dia. Mas os homens brancos quase sempre pensam os opostos como coisas separadas uma da outra e as duas de algum tipo de todo, de que são parte e que lhes dá sentido. Por exemplo: entre os brancos se diz "meu quarto" por oposição a todos os outros quartos de uma casa; "minha casa", por oposição a todas as outras de uma mesma rua; "a minha rua", por oposição às outras ruas de um bairro; "meu bairro", por oposição a todos os bairros de uma mesma cidade; "a minha cidade", por oposição a todas as outras. Ou então se diz "cidade" e a imagem é a de alguma coisa que o homem fez e separou dos rios, das matas, dos montes e das cordilheiras. Assim, ele diz que há um Deus, por oposição a tudo o mais, e que ele criou "o céu e a terra", mas está no céu e deixou terra os homens. A terra é um criação de Deus, mas é separada dele e dos homens. É profana, é para "fazer coisas" e pode ser possuída, comprada ou vendida. Por isso, os brancos inventaram o arame e a cerca. Cercam as casas e os campos, separam tudo de tudo e dão uma importância enorme em saber "o que é de quem".
Os índios da minha gente pensam as mesmas coisas ao contrário. O meu quarto existe entre os outros e eles e outros cômodos formam uma casa. As casas só podem ser pensadas junto com s outras, no ayllu, na aldeia. As aldeias todas juntas são o lugar de um povo e não se separam do mundo à volta delas. Assim como meu quarto se continua na casa e a minha casa, nas outras e todas na aldeia, a aldeia e os seus caminhos são parte das terras de batatas e milho, dos pastos do gado, dos bosques. E tudo isso existe dentro dos mesmos círculos de vida em que estão os rios e se prolonga pelos montes e pelas cordilheiras. E vai além, por todos os círculos da terra, das águas, dos espaços em que existem lugares e tempos e seres vivos. Assim, quando penso no meu quarto, só consigo imaginá-lo "num círculo de círculos", onde tudo se continua e complementa.
Por isso, para o índio não é difícil pensar que ele mora, o mesmo tempo, em uma choupana, em um aldeia, em um lugar natural do altiplano, nos montes, nos rios e tudo e na Terra inteira, e no universo e nas estrelas.
Os brancos parece que só se sentem vivendo n o que possuem e por isso "ser dono" é tão importante. Eles são muito inseguros e sofrem muito por isso. O Deus deles está muito longe nos céus, que é o oposto da terra. Por isso, ele precisa ser invocado poderosamente, para escutar as súplicas dos seus filhos. Alguns dizem que Deus está dentro de seus corações, mas eu acho que eles não crêem nisso, porque senão não seriam tão amedrontados, mesmo quando parecem ser tão poderosos. Nossos Deuses não, eles estão ai pelos montes e convivem conosco por toda a parte. Os nossos Deuses não estão em, eles são. A própria terra é nossa mãe e ela é viva e, por isso, é fecunda e nos alimenta: "Pachamama".
Texto de Carlos Rodrigues Brandão