O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS é uma lei editada em 1755 e que
reúne importantes dispositivos acerca da política indígena adotada por Portugal
no na segunda metade do século XVIII, quando Dom Sebastião José de Carvalho e
Melo – Marquês de Pombal - dominou o cenário político brasileiro como poderoso ministro de Dom José I, rei de Portugal.
Este regimento conta com 95 artigos, onde destaca-se a intenção da Coroa
Portuguesa de manter os povos indígenas fora do sistema escravagista, evitando
sua segregação e isolamento reprimindo o tratamento dos indígenas como pessoas
de segunda categoria por colonizadores e missionários brancos.
Além de várias outras medidas, o documento estabelece a proibição do uso
da palavra "negro" (artigo 10), o incentivo ao casamento entre
colonos brancos e indígenas, prometendo vantagens e prêmios aos brancos que se
casassem com mulheres indígenas (artigos 88, 89, 90 e 91) e substituição da
língua geral – o nheengatu – pela língua portuguesa (artigo 6), ensino
das crianças nativas em escolas públicas (artigo 7 e 8), bem como punição
contra possíveis discriminações (artigos 84, 85 e 86).
Através do Diretório dos Índios, os povos nativos conquistavam o direito
à realização do comércio e posse de bens individuais. Porém, até que fossem
capazes de se inserir na “sociedade civilizada”, os índios deveriam ter um
Diretor em cada aldeia ou povoação, com funções predominantemente de orientação
e instrução do que de administração.
Tal política de valorização dos indígenas, por meio deste documento e
subsequentes esforços para seu cumprimento tinham também a finalidade de
afastar os indígenas da influência dos jesuítas, além fazê-los súditos fiéis da
Coroa Portuguesa, auxiliando na defesa das fronteiras da colônia. Foram
ordenadas pelo rei a edificação de povoações civis de índios livres, o que
servia para tais propósito, e o ensino de meninos e meninas em escolas públicas
foi realmente posto em prática de norte a sul do Brasil, mesmo que de forma
improvisada.
O Diretório dos Índios foi extinto através de Carta-Régia da rainha D.
Maria I, em 12 de maio de 1798. Nela, os índios eram elevados à categoria de
cidadãos comuns desde o nascimento, em igualdade com os outros vassalos do
reino, sujeitos às leis do Estado e da Igreja.
O Diretório dos Índios foi decisivo na mudança linguística que se operou
no Brasil no final do século XVIII. Antes desta sua intervenção, a língua
geral, ou nheengatu, era comumente
falada por todo o Brasil, e o português só se falava em poucos principais
centros. Em poucas décadas, este entrou em decadência, mantendo sua importância
apenas no estado do Amazonas. Em São Paulo, no início do século XIX, a
população já se utilizava quase que somente do português, ao contrário dos três
séculos anteriores.
Baseado em texto de Emerson Santiago
Segue, abaixo, o texto integral do DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS:
Diretório
que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão, enquanto Sua
Majestade não mandar o contrário
1 Sendo Sua Majestade servido pelo Alvará com força
de Lei de 7 de Junho de 1755, abolir a administração Temporal, que os Regulares
exercitavam nos Índios das Aldeias deste Estado; mandando-as governar pelos
seus respectivos Principais, como estes pela lastimosa rusticidade, e ignorância,
com que até agora foram educados, não tenham a necessária aptidão, que se
requer para o Governo, sem que haja quem os possa dirigir, propondo-lhes não só
os meios da civilidade, mas da conveniência, e persuadindo-lhes os próprios
ditames da racionalidade, de que viviam privados, para que o referido Alvará
tenha a sua devida execução, e se verifiquem as Reais, e piíssimas intenções do
dito Senhor, haverá em cada uma das sobreditas Povoações, em quanto os Índios
não tiverem capacidade para se governarem, um Diretor, que nomeará o
Governador, e Capitão General do Estado, o qual deve ser dotado de bons
costumes, zelo, prudência, verdade, ciência da língua, e de todos os mais
requisitos necessários para poder dirigir com acerto os referidos índios debaixo
das ordens, e determinações seguintes, que inviolavelmente se observarão
enquanto Sua Majestade o houver assim por bem, e não mandar o contrário.
2 Havendo o dito Senhor declarado
no mencionado Alvará, que os Índios existentes nas Aldeias, que passarem a ser
Vilas, sejam governados no Temporal pelos Juizes Ordinários, Vereadores, e mais
Oficiais de Justiça; e das Aldeias independentes das ditas Vilas pelos seus
respectivos Principais: Como só ao Alto, e Soberano arbítrio do dito Senhor
compete o dar jurisdição ampliando-a, ou limitando-a como lhe parecer justo,
não poderão os sobreditos Diretores em caso algum exercitar jurisdição coativa
nos Índios, mas unicamente a que pertence ao seu ministério, que é a diretiva;
advertindo aos Juizes Ordinários, e aos Principais, no caso de haver neles
alguma negligência, ou descuido, a indispensável obrigação, que tem por conta
dos seus empregos, de castigar os delitos públicos com a severidade, que pedir
a deformidade do insulto, e a circunstância do escândalo; persuadindo-lhes,
que na igualdade do prêmio, e do castigo, consiste o equilíbrio da Justiça, e
bom governo das Repúblicas. Vendo porém os Diretores, que são infrutuosas as
suas advertências, e que não basta a eficácia da sua direção para
que os ditos Juizes Ordinários, e Principais, castiguem exemplarmente os
culpados; para que não aconteça, como regularmente sucede, que a dissimulação
dos delitos pequenos seja a causa de se cometerem culpas maiores, o
participarão logo ao Governador do Estado, e Ministros de Justiça, que
procederão nesta matéria na forma das Reais Leis de S. Majestade, nas quais
recomenda o mesmo Senhor, que nos castigos das referidas culpas se pratique
toda aquela suavidade, e brandura, que as mesmas Leis permitirem, para que o
horror do castigo os não obrigue a desamparar as suas Povoações, tornando para
os escandalosos erros da Gentilidade.
3 Não se podendo negar, que os
índios deste Estado se conservaram até agora na mesma barbaridade, como se
vivessem nos incultos Sertões, em que nasceram, praticando os péssimos, e
abomináveis costumes do Paganismo, não só privados do verdadeiro conhecimento
dos adoráveis mistérios da nossa Sagrada Religião, mas até das mesmas
conveniências Temporais, que só se podem conseguir pelos meios da civilidade,
da Cultura, e do Comércio: E sendo evidente, que as paternais providências de
Nosso Augusto Soberano, se dirigem unicamente a cristianizar, e civilizar estes
até agora infelizes, e miseráveis Povos, para que saindo da ignorância, e
rusticidade, a que se acham reduzidos, possam ser úteis a si, aos moradores, e
ao Estado: Estes duos virtuosos, e importantes fins, que sempre foi a heróica
empresa do incomparável zelo dos nossos Católicos, e Fidelíssimos Monarcas,
serão o principal objeto da reflexão, e cuidado dos Diretores.
4 Para se conseguir pois o primeiro
fim, qual é o cristianizar os índios, deixando esta matéria, por ser meramente
espiritual, à exemplar vigilância do Prelado desta Diocese; recomendo
unicamente aos Diretores, que da sua parte dêem todo o favor, e auxílio, para
que as determinações do dito Prelado respectivas à direção das Almas, tenham a
sua devida execução; e que os Índios tratem aos seus Párocos com aquela
veneração, e respeito, que se deve ao seu alto caráter, sendo os mesmos Diretores
os primeiros, que com as exemplares ações de sua vida lhes persuadam a
observância deste Parágrafo.
5 Enquanto porém à civilidade dos Índios, a que se
reduz a principal obrigação dos Diretores, por ser própria do seu ministério;
empregarão estes um especialíssimo cuidado em lhes persuadir todos aqueles
meios, que possam ser conducentes a tão útil, e interessante fim, quais são os
que vou a referir.
6 Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em
todas as Nações, que conquistaram novos Domínios, introduzir logo nos povos
conquistados o seu próprio idioma, por ser indisputável, que este é um dos
meios mais eficazes para desterrar dos Povos rústicos a barbaridade dos seus
antigos costumes; e ter mostrado a experiência, que ao mesmo passo, que se
introduz neles o uso da Língua do Príncipe, que os conquistou, se lhes radica
também o afeto, a veneração, e a obediência ao mesmo Príncipe. Observando pois
todas as Nações polidas do Mundo, este prudente, e sólido sistema, nesta
Conquista se praticou tanto pelo contrário, que só cuidaram os primeiros
Conquistadores estabelecer nela o uso da Língua, que chamaram geral; invenção
verdadeiramente abominável, e diabólica, para que privados os Índios de todos
aqueles meios, que os podiam civilizar, permanecessem na rústica, e bárbara
sujeição, em que até agora se conservavam. Para desterrar esse perniciosíssimo
abuso, será um dos principais cuidados dos Diretores, estabelecer nas suas
respectivas Povoações o uso da Língua Portuguesa, não consentindo por modo
algum, que os Meninos, e as Meninas, que pertencerem às Escolas, e todos
aqueles Índios, que forem capazes de instrução nesta matéria, usem da língua
própria das suas Nações, ou da chamada geral; mas unicamente da Portuguesa, na
forma, que Sua Majestade tem recomendado em repetidas ordens, que até agora se
não observaram com total ruína Espiritual, e Temporal do Estado.
7 E como esta determinação é a base fundamental da
Civilidade, que se pretende, haverá em todas as Povoações duas Escolas
públicas, uma para os Meninos, na qual se lhes ensine a Doutrina Cristã, a ler,
escrever, e contar na forma, que se pratica em todas as Escolas das Nações
civilizadas; e outra para as Meninas, na qual, além de serem instruídas na
Doutrina Cristã, se lhes ensinará a ler, escrever, fiar, fazer renda, costura,
e todos os mais ministérios próprios daquele sexo.
8 Para a subsistência das sobreditas Escolas, e de
um Mestre, e uma Mestra, que devem ser Pessoas dotadas de bons costumes,
prudência, e capacidade, de sorte, que possam desempenhar as importantes
obrigações de seus empregos; se destinarão ordenados suficientes, pagos pelos
Pais dos mesmos Índios, ou pelas Pessoas, em cujo poder eles viverem,
concorrendo cada um deles com a porção, que se lhes arbitrar, ou em dinheiro,
ou em efeitos, que será sempre com atenção à grande miséria, e pobreza, a que
eles presentemente se acham reduzidos. No caso porém de não haver nas Povoações
Pessoa alguma, que possa ser Mestra de Meninas, poderão estas até a idade de
dez anos serem instruídas na Escola dos Meninos, onde aprenderão a Doutrina
Cristã, a ler, e escrever, para que juntamente com as infalíveis verdades da
nossa Sagrada Religião adquiram com maior facilidade o uso da Língua Portuguesa.
9 Concorrendo muito para a rusticidade dos Índios a
vileza, e o abatimento, em que têm sido educados, pois até os mesmos
Principais, Sargentos maiores, Capitães, e mais Oficiais das Povoações, sem
embargo dos honrados empregos que exercitavam, muitas vezes eram obrigados a
remar as Canoas, ou a ser Jacumáuas, e Pilotos delas, com escandalosa
desobediência às Reais Leis de Sua Majestade, que foi servido recomendar aos
Padres Missionários por Cartas do 1., e 3. de Fevereiro de 1701. firmadas pela
sua Real Mão, o grande cuidado que deviam ter em guardar aos Índios as honras,
e os privilégios competentes aos seus postos: E tendo consideração a que nas
Povoações civis deve precisamente haver diversa graduação de Pessoas a
proporção dos ministérios que exercitam, as quais pede a razão, que sejam
tratadas com aquelas honras, que se devem aos seus empregos: Recomendo aos
Diretores, que assim em público, como em particular, honrem, e estimem a todos
aqueles Índios, que forem Juízes Ordinários, Vereadores, Principais, ou
ocuparem outro qualquer posto honorífico; e também as suas famílias; dando-lhes
assento na sua presença; e tratando-os com aquela distinção, que lhes for
devida, conforme as suas respectivas graduações, empregos e cabedais; para que,
vendo-se os ditos Índios estimados pública, e particularmente, cuidem em
merecer com o seu bom procedimento as distintas honras, com que são tratados;
separando-se daqueles vícios, e desterrando aquelas baixas imaginações, que
insensivelmente os reduziram ao presente abatimento, e vileza.
10 Entre os lastimosos princípios,
e perniciosos abusos, de que tem resultado nos Índios o abatimento ponderado, é
sem dúvida um deles a injusta, e escandalosa introdução de lhes chamarem Negros; querendo talvez com a
infâmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado
para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos Pretos
da Costa da África. E porque, além de ser prejudicialíssimo à civilidade dos
mesmos Índios este abominável abuso, seria indecoroso às Reais Leis de Sua
Majestade chamar Negros a
uns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de
toda, e qualquer infâmia, habilitando-os para todo o emprego honorífico: Não
consentirão os Diretores daqui por diante, que pessoa alguma chame Negros aos Índios, nem que eles
mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavam; para que
compreendendo eles, que lhes não compete a vileza do mesmo nome, possam
conceber aquelas nobres idéias, que naturalmente infundem nos homens a
estimação, e a honra.
11 A Classe dos mesmos abusos se
não pode duvidar, que pertence também o inalterável costume, que se praticava
em todas as Aldeias, de não haver um só Índio, que tivesse sobrenome. E para se
evitar a grande confusão, que precisamente havia de resultar de haver na mesma
Povoação muitas Pessoas com o mesmo nome, e acabarem de conhecer os Índios com
toda a evidência, que buscamos todos os meios de os honrar, e tratar, como se
fossem Brancos; terão daqui por diante todos os Índios sobrenomes, havendo
grande cuidado nos Diretores em lhes introduzir os mesmos Apelidos, que os das
Famílias de Portugal; por ser moralmente certo, que tendo eles os mesmos
Apelidos, e Sobrenomes, de que usam os Brancos, e as mais Pessoas que se acham
civilizadas, cuidarão em procurar os meios lícitos, e virtuosos de viverem, e
se tratarem à sua imitação.
12 Sendo também indubitável, que
para a incivilidade, e abatimento dos Índios, tem concorrido muito a
indecência, com que se tratam em suas casas, assistindo diversas Famílias em
uma só, na qual vivem como brutos; faltando àquelas Leis da honestidade, que se
deve à diversidade dos sexos; do que necessariamente há de resultar maior
relaxação nos vícios; sendo talvez o exercício deles, especialmente o da
torpeza, os primeiros elementos com que os Pais de Família educam a seus
filhos: Cuidarão muito os Diretores em desterrar das Povoações este
prejudicialíssimo abuso, persuadindo aos Índios que fabriquem as suas casas a
imitação dos Brancos; fazendo nelas diversos repartimentos, onde vivendo as
Famílias com separação, possam guardar, como Racionais, as Leis da honestidade,
e polícia.
13 Mas concorrendo tanto para a
incivilidade dos Índios vícios, e abusos mencionados, não se pode duvidar, que
o da ebridade os tem reduzido ao último abatimento; vício entre eles tão
dominante, e universal, que apenas se conhecerá um só Índio, que não esteja
sujeito à torpeza deste vício. Para destruir pois este poderoso inimigo do bem
comum do Estado, empregarão os Diretores todas as suas forças em fazer evidente
aos mesmos Índios a deformidade deste vício; persuadindo-lhes com a maior
eficácia o quanto será escandaloso, que, aplicando Sua Majestade todos os meios
para que eles vivam com honra, e estimação, mandando-lhes entregar a
administração, e o governo Temporal das suas respectivas Povoações; ao mesmo
tempo, em que só deviam cuidar em se fazer beneméritos daquelas distintas
honras, se inabilitem para elas, continuando no abominável vício de suas
ebridades.
14 Porém como a Reforma dos
costumes, ainda entre homens civilizados, é a empresa mais árdua de
conseguir-se, especialmente pelos meios da violência, e do rigor; e a mesma
natureza nos ensina, que só se pode chegar gradualmente ao ponto da perfeição,
vencendo pouco a pouco os obstáculos, que a removem, e a dificultam: Advirto
aos Diretores, que para desterrar nos Índios as ebridades, e os mais abusos
ponderados, usem dos meios da suavidade, e da brandura; para que não suceda,
que degenerando a reforma em desesperação, se retirem do Grêmio da Igreja, a que
naturalmente os convidará de uma parte o horror do castigo, e da outra a
congênita inclinação aos bárbaros costumes, que seus Pais lhes ensinaram com a
instrução, e com o exemplo.
15 Finalmente, sendo a profanidade
do luxo, que consiste na excessiva, e supérflua preciosidade das galas, um
vício dos capitães, que tem empobrecido, e arruinado os Povos; é lastimoso o
desprezo, e tão escandalosa a miséria, com que os Índios costumam vestir, que
se faz preciso introduzir neles aquelas imaginações, que os possam conduzir a
um virtuoso, e moderado desejo de usarem de vestidos decorosos, e decentes;
desterrando deles a desnudez, que sendo efeito não da virtude, mas da
rusticidade, tem reduzido a toda esta Corporação de gente à mais lamentável
miséria. Pelo que ordeno aos Diretores, que persuadam aos Índios os meios
lícitos de adquirirem pelo seu trabalho com que se possam vestir à proporção da
qualidade de suas Pessoas, e das graduações de seus postos; não consentindo de
modo algum, que andem nus, especialmente as mulheres em quase todas as
Povoações, com escândalo da razão, e horror da mesma honestidade.
16 Dirigindo-se todas as Reais
Leis, que até agora emanaram do Trono, ao bom regimen [sic] dos Índios, ao bem
espiritual, e temporal deles: E querendo os nossos Augustos Monarcas, que os
mesmos Índios pelo meio do seu honesto trabalho, sendo úteis a si, concorram
para o sólido estabelecimento do Estado, fazendo-se entre eles, e os Moradores
recíprocas as utilidades, e comunicáveis os interesses, como já se declarou no
§. 9 do Regimento das Missões; para o que foi servido o mesmo Senhor mandar
entregar aos Padres Missionários a administração Econômica, e Política dos
mesmos Índios; cujos importantes fins só se podiam conseguir pelos meios da
Cultura, e do Comércio: De tal sorte se executaram estas piíssimas, e Reais
Determinações, que aplicados os Índios unicamente às conveniências
particulares, não se omitiu meio algum de os separar do Comércio, e da
Agricultura. Para se conseguir pois estes dous virtuosos, e interessantes fins,
observarão os Diretores as ordens seguintes.
17 Em primeiro lugar cuidarão muito
os Diretores em lhes persuadir o quanto lhes será útil o honrado exercício de
cultivarem as suas terras; porque por este interessante trabalho não só terão
os meios competentes para sustentarem com abundância as suas casas, e famílias;
mas vendendo os gêneros, que adquirirem pelo meio da cultura, se aumentarão
neles os cabedais à proporção da lavoura, e plantações, que fizerem. E para que
estas persuasões cheguem a produzir o efeito, que se deseja, lhes farão
compreender os Diretores, que a sua negligência, e o seu descuido, tem sido a
causa do abatimento, e pobreza, a que se acham reduzidos; não omitindo
finalmente diligência alguma de introduzir neles aquela honesta, e louvável
ambição, que desterrando das Repúblicas o pernicioso vício da ociosidade, as
constitui populosas, respeitadas e opulentas.
18 Conseqüentemente lhes
persuadirão os Diretores, que dignando-se Sua Majestade de os habilitar para
todos os empregos honoríficos, tanto os não inabilitará para estas ocupações o
trabalharem nas suas próprias terras; que antes pelo contrário, o que render
mais serviço ao público neste frutuoso trabalho, terá preferência a todos nas
honras, nos privilégios, e nos empregos, na forma que Sua Majestade ordena.
19 Depois que os Diretores tiverem
persuadido aos Índios estas sólidas, e interessantes máximas, de sorte, que
eles percebam evidentemente o quanto lhes será útil o trabalho, e prejudicial a
ociosidade; cuidarão logo em examinar com a possível exatidão, se as terras,
que possuem os ditos Índios (que na forma das Reais ordens de Sua Majestade
devem ser adjacentes às suas respectivas Povoações) são competentes para o
sustento das suas casas, e famílias; e para nelas fazerem as plantações, e as
lavouras; de sorte, que com a abundância dos gêneros possam adquirir as
conveniências, de que até agora viviam privados, por meio do comércio em
benefício comum do Estado. E achando que os Índios não possuem terras
suficientes para a plantação dos preciosos frutos, que produz este fertilíssimo
País; ou porque na distribuição delas se não observaram as Leis da eqüidade, e
da justiça; ou porque as terras adjacentes às suas Povoações foram dadas em
sesmarias às outras Pessoas particulares; serão obrigados os Diretores a
remeter logo ao Governador do Estado uma lista de todas as terras situadas no
continente das mesmas Povoações, declarando os Índios, que se acham
prejudicados na distribuição, para se mandarem logo repartir na forma que Sua Majestade
manda.
20 Consistindo a maior felicidade
do País na abundância de pão, e de todos os mais víveres necessários para a
conservação da vida humana; e sendo as terras, de que se compõem este Estado,
as mais férteis, e abundantes, que se reconhecem no Mundo; dous princípios têm
concorrido igualmente para a consternação, e miséria, que nele se experimenta.
O primeiro é a Ociosidade, vício quase inseparável, e congênito a todas as
Nações incultas, que sendo educadas nas densas trevas da sua rusticidade, até
lhe faltam as luzes do natural conhecimento da própria conveniência. O segundo
é o errado uso, que até agora se fez do trabalho dos mesmos Índios, que
aplicados à utilidade particular de quem os administrava, e dirigia; haviam de
padecer os habitantes do Estado o prejudicialíssimo dano de não ter quem os
servisse, e ajudasse na colheita dos frutos, e extração das drogas; e os
miseráveis Índios, faltando por este princípio a interessantíssima obrigação
das suas terras, haviam de experimentar o irreparável prejuízo dos muitos, e
preciosos efeitos, que elas produzem.
21 Estes sucessivos danos, que tem
resultado sem dúvida dos mencionados princípios, arruinaram o interesse
público; diminuíram nos Povos o comércio; e chegaram a transformar neste País a
mesma abundância em esterilidade de sorte, que pelos anos de, 1754., e 1755.
chegou a tal excesso a carestia da farinha, que, vendendo-se a pouca, que
havia, por preços exorbitantes; as pessoas pobres, e miseráveis, se viam
precisadas a buscar nas frutas silvestres do mato o quotidiano sustento com
evidente perigo das próprias vidas.
22 Ensinando pois a experiência, e
a razão, que assim como nos Exércitos faltos de pão não pode haver obediência,
e disciplina; assim nos Países, que experimentam esta sensível falta, tudo é
confusão, e desordem; vendo-se obrigados os habitantes deles a buscar nas
Regiões estranhas, e remotas, o mantimento preciso com irreparável detrimento
das manufaturas, das lavouras, dos tráficos, e do louvável, e virtuoso trabalho
da Agricultura. Para se evitarem tão perniciosos danos, terão os Diretores um
especial cuidado em que todos os Índios, sem exceção alguma, façam Roças de
maniba, não só as que forem suficientes para a sustentação de suas casas, e
famílias, mas com que se possa prover abundantemente o Arraial do Rio Negro;
socorrer os moradores desta Cidade; e municionar as Tropas, de que se guarnece
o Estado: Bem entendido, que a abundância da farinha, que neste País serve de
pão, como base fundamental do comércio, deve ser o primeiro, e principal objeto
dos Diretores.
23 Além das Roças de maniba, serão
obrigados os Índios a plantar feijão, milho, arroz, e todos os mais gêneros
comestíveis, que com pouco trabalho dos Agricultores costumam produzir as
fertilíssimas terras deste País; com os quais se utilizarão os mesmos Índios;
se aumentarão as Povoações; e se fará abundante o Estado; animando-se os
habitantes dele a continuar no interessantíssimo Comércio dos Sertões, que até
aqui tinham abandonado, ou porque totalmente lhes faltavam os mantimentos
precisos para o fornecimento das Canoas; ou porque os excessivos preços, porque
se vendiam, lhes diminuíam os interesses.
24 Sendo pois a Cultura das terras
o sólido fundamento daquele Comércio, que se reduz à venda, e comutação dos
frutos; e não podendo duvidar-se, que entre os preciosos efeitos, que produz o
País, nenhum é mais interessante que o algodão: Recomendo aos Diretores, que
animem aos Índios a que façam plantações deste último gênero, novamente
recomendado pelas Reais ordens de Sua Majestade: Porque sendo a abundância dele
o meio mais proporcionado para se introduzirem neste Estado as Fábricas deste
pano, em breve tempo virá a ser este ramo de Comércio o mais importante para os
moradores dele, com recíproca utilidade não só do Reino, mas das Nações
Estrangeiras.
25 Igual utilidade a das plantações
de algodão, considero-a nas lavouras do Tabaco, gênero sem dúvida tão útil para
os Lavradores dele, como se experimenta nas mais partes da nossa América; não
só pelo grande consumo, que há deste precioso gênero nos mesmos Países, que o
produzem; mas porque, suposta a indefectível extração, que há dele para o
Reino; evidentemente se compreende o quanto este ramo de Comércio será
importante para os moradores do Estado. Mas como as lavouras do Tabaco são mais
laboriosas, que as plantações dos mais gêneros; será preciso, para se
introduzir nos Índios este interessantíssimo trabalho, que os Diretores os
animem, propondo-lhes não só as conveniências, mas as honras, que dele lhes hão
de resultar; persuadindo-lhes, que à proporção das arrobas de Tabaco, com que
cada um deles entrar na Casa de Inspeção, se lhes distribuirão os empregos, e
os privilégios.
26 E como para se estabelecer a
Cultura dos mencionados gêneros nas referidas Povoações, não bastará toda a
atividade, e zelo dos Diretores, sendo mais poderoso, que as suas práticas, o
inimigo comum da frouxidão, e negligência dos Índios, que com a sua aparente
suavidade os tem radicado nos seus péssimos costumes com abatimento total do
interesse público: Para o Governador do Estado, sendo informado daqueles
Índios, que entregues ao abominável vício da ociosidade faltarem à
importantíssima obrigação da Cultura das suas terras, possa dar as providências
necessárias para remediar tão sensíveis danos; serão obrigados os Diretores a
remeter todos os anos uma lista das Roças, que se fizerem, declarando nela os
gêneros, que se plantaram, pelas suas qualidades; e os que se receberam; e
também os nomes assim dos Lavradores, que cultivaram os ditos gêneros, como dos
que não trabalharam; explicando as causas, e os motivos, que tiveram para
faltarem a tão precisa, e interessante obrigação; para que à vista das
referidas causas possa o mesmo Governador louvar em uns o trabalho, e a
aplicação; e castigar em outros a ociosidade, e a negligência.
27 Sendo inúteis todas as
providências humanas, quando não são protegidas pelo poderoso braço da
Onipotência Divina; para que Deus Nosso Senhor felicite, e abençoe o trabalho
dos Índios na Cultura das suas terras, será preciso desterrar de todas estas
Povoações o diabólico abuso de se não pagarem Dízimos. Em sinal do supremo
domínio reservou Deus para si, e para os seus Ministros, a décima parte de
todos os frutos, que produz a terra, como Autor universal de todos eles. Sendo
esta obrigação commua [sic] a todos os Católicos, é tão escandalosa a
rusticidade, com que têm sido educados os Índios, que não só não reconheciam a
Deus com este limitadíssimo tributo, mas até ignoravam a obrigação que tinham
de o satisfazer. Para desterrar pois dos Índios este perniciosíssimo, costume,
que na realidade se deve reputar por abuso, por ser matéria, que, conforme o
Direito, não admite prescrição; e para que Deus Nosso Senhor felicite os seus
trabalhos, e as suas lavouras: Serão obrigados daqui por diante a pagar os
Dízimos, que consistem na décima parte de todos os frutos, que cultivarem, e de
todos os gêneros, que adquirirem, sem exceção alguma; cuidando muito os
Diretores, em que os referidos Índios observem exatamente a Pastoral, que o
Digníssimo Prelado desta Diocese mandou publicar em todo o Bispado, respectiva
a esta importantíssima matéria.
28 Mas como a observância deste
Capítulo será sumamente dificultosa, enquanto se não destinar método claro,
racionavel, e fixo, para se cobrarem os Dízimos sem detrimento dos Lavradores,
nem prejuízo da Fazenda Real; atendendo por uma parte a que os Índios costumam
desfazer intempestivamente as Roças para fomento das suas ebriedades; e por
outra ao pouco escrúpulo, com que deixaram de satisfazer este preceito, por
ignorarem assim as Censuras Eclesiásticas, em que incorrem os transgressores
dele; como os horrorosos castigos, que o mesmo Senhor lhes tem fulminado; serão
obrigados os Diretores no tempo, que julgarem mais oportuno, a examinar
pessoalmente todas as Roças na companhia dos mesmos Índios, que as fabricaram;
levando consigo dous Louvados, que sejam pessoas de fidelidade, e inteireza; um
por parte da Fazenda Real, que nomearão os Diretores; e outro, que os
Lavradores nomearão pela sua parte.
29 Aos ditos Louvados recomendarão
os Diretores, depois de lhes deferir o juramento, que sendo chamados para
avaliarem todos os frutos, que pouco mais ou menos poderão render naquele ano
as ditas Roças; de tal sorte se devem dirigir pelos ditames da equidade, que se
atenda sempre à notória pobreza dos Índios; fazendo-se a dita avaliação a favor
dos Agricultores. Concordando os ditos Louvados nos votos, se fará logo assento
em um caderno, de que avaliando os Louvados F., e F. a Roça de tal Índio,
julgaram uniformemente, que renderia naquele ano tantos alqueires, dos quais
pertencem tantos ao Dízimo: Cujo assento deve ser assinado pelos Diretores,
Louvados, e pelos mesmos Lavradores. No caso porém de não concordarem nos
votos, nomearão as Câmaras nas Povoações, que passarem a ser Vilas, e nas que
ficarem sendo Lugares os seus respectivos Principais, terceiro Louvado, a quem
os Diretores darão também o juramento para que decidam a dita avaliação pela
parte, que lhe parecer justo, de que se fará assento no referido caderno.
30 Concluída deste modo a avaliação
do rendimento das Roças, mandarão os Diretores extrair do caderno mencionado
uma Folha pelo Escrivão da Câmera; e na sua ausência, ou impedimento, pelo do
Público, pela qual se deve fazer a cobrança dos Dízimos; cuja importância
líquida se lançará em um livro, que haverá em todas as Povoações, destinado
unicamente para este ministério, e rubricado pelo Provedor da Fazenda Real:
Declarando-se nele em o Título da Receita assim as distintas parcelas que se
receberam, como os nomes dos Lavradores, que as entregaram: Concluindo-se
finalmente a dita Receita com um Termo feito pelo mesmo Escrivão, e assinado
pelo Diretor, como Recebedor dos referidos Dízimos. Advertindo porém que nem
um, nem outro, poderão levar emolumentos alguns pelas referidas diligências,
por serem dirigidas à arrecadação da Fazenda Real, à qual pertencem em todas as
Conquistas os Dízimos na conformidade das Bulas Pontifícias.
31 E para que os ditos Diretores
não experimentem prejuízo algum na arrecadação dos referidos gêneros, que lhes
ficam carregados em Receita; haverá em todas as Povoações um Armazém, em que
todos estes efeitos se possam conservar livres de corrupção, ou de outro
qualquer detrimento; ficando por conta dos mesmos Diretores o beneficiarem os
ditos gêneros, de sorte, que por este princípio não padeçam a menor
danificação, até serem remetidos para esta Provedoria. O que os Diretores
executarão na forma seguinte.
32 Em primeiro lugar, mandarão
fazer duas guias autênticas, que devem ser extraídas fielmente assim do livro
dos Dízimos, como das Folhas das avaliações, que remeterão juntamente com os
efeitos ao Provedor da Fazenda Real; ficando também com a obrigação de enviar
ao Governador do Estado as cópias de uma, e outra lista. Mas como pode suceder,
que a Canoa do transporte experimente nestes caudalosos rios algum naufrágio, e
seria encargo não só penoso, mas insuportável aos Diretores, o ficarem
obrigados à satisfação daquela perda, que inculpavelmente acontecer, por ser
contra toda forma de Direito padecer a pena quem não comete a culpa; tanto que
os Diretores embarcarem os Dízimos na Canoa do transporte, mandarão logo fazer
no mencionado livro Termo de despesa, observando a mesma forma, que se declara
no da Receita; com advertência porém, que serão obrigados a fazer o dito
transporte com a possível cautela, e segurança; escolhendo a melhor Canoa;
destinando-lhe a esquipação competente; e entregando o governo dela àquela
Pessoa, que lhe parecer mais capaz de dar conta com honra, e fidelidade, dos
Dízimos, que se lhe entregaram: Bem entendido, que omitindo os Diretores alguma
destas circunstâncias; e procedendo desta culpável omissão ou naufragar a
Canoa, ou padecer a importância dos Dízimos outro qualquer detrimento; ficarão
com a indispensável obrigação de satisfazer à Fazenda Real todo o dano, que
houver.
33 Finalmente, sendo precisa toda a
cautela, e vigilância, na boa arrecadação dos Dízimos; e devendo evitar-se
nesta importante matéria qualquer desordem, e confusão; apenas se fizer entrega
deles neste Almoxarifado, os mandará o Provedor da Fazenda Real carregar em
Receita viva ao Almoxarife; declarando nela o nome da Vila, de que vieram os
tais Dízimos, e o Diretor, que os remeteu; de cuja Receita mandará entregar o
dito Ministro uma Certidão ao Cabo da Canoa, para que sirva de descarga ao dito
Diretor; e para que a todo o tempo, que for removido do seu emprego, possa dar
contas nesta Provedoria pelas mesmas Certidões do líquido, que remeteu para
ela. E dada que seja a dita conta na forma sobredita, o Provedor da Fazenda
Real lhe mandará passar para sua descarga uma Quitação geral, que apresentará
ao Governador do Estado, para lhe ser constante a fidelidade, e inteireza, com
que executou as suas ordens.
34 E suposto que devo esperar da
Cristandade, e zelo dos Diretores, a inviolável observância de todos os
Parágrafos respectivos à Cultura das terras, plantações dos gêneros, e cobrança
dos Dízimos; por confiar deles, que reputarão pelo mais estimável prêmio a
incomparável honra de se empregarem no Real serviço de Sua Majestade: Como
ditam as leis da Justiça, que sendo recíprocos os trabalhos, e incômodos, devem
ser commuas [sic] as utilidades, e os interesses; pertencerá aos Diretores
a sexta parte de todos os frutos, que os Índios cultivarem, e de todos os
gêneros, que adquirirem, não sendo comestíveis: E sendo comestíveis, só
daqueles, que os mesmos Índios venderem, ou com que fizerem outro qualquer
negócio: Para que animados com este justo, e racionável prêmio, desempenhem com
o maior cuidado as importantes obrigações do seu ministério; e a mesma
conveniência particular lhes servirá de estímulo para dirigirem os Índios com a
possível eficácia no interessantíssimo trabalho da Agricultura.
35 Sendo pois a Cultura das terras
o sólido princípio do comércio, era infalível conseqüência, que este se
abatesse à proporção da decadência daquela; e que pelo trato dos tempos viessem
a produzir estas duas causas os lastimosos efeitos da total ruína do Estado.
Para reparar pois tão prejudicial, e sensível dano, observarão os Diretores a
este respeito as ordens seguintes.
36 Entre os meios, que podem
conduzir qualquer República a uma completa felicidade, nenhum é mais eficaz,
que a introdução do Comércio, porque ele enriquece os Povos, civiliza as
Nações, e conseqüentemente constitui poderosas as Monarquias. Consiste
essencialmente o Comércio na venda, ou comutação dos gêneros, e na comunicação
com as gentes; e se desta resulta a civilidade, daquela o interesse, e a riqueza.
Para que os Índios destas novas Povoações logrem a sólida felicidade de todos
estes bens, não omitirão os Diretores diligência alguma proporcionada a
introduzir nelas o Comércio, fazendo-lhes demonstrativa a grande utilidade, que
lhes há de resultar de venderem pelo seu justo preço as drogas, que extraírem
dos Sertões, os frutos, que cultivarem, e todos os mais gêneros, que adquirirem
pelo virtuoso, e louvável meio da sua indústria, e do seu trabalho.
37 É certo indisputavelmente, que
na liberdade consiste a alma do comércio. Mas sem embargo de ser esta a
primeira, e mais substancial máxima da Política; como os Índios pela sua
rusticidade, e ignorância, não podem compreender a verdadeira, e legítima
reputação de seus gêneros; nem alcançar o justo preço das fazendas, que devem
comprar para o seu uso: Para se evitarem os irreparáveis dolos, que as péssimas
imaginações dos comerciantes deste País têm feito inseparáveis dos seus
negócios; observarão os Diretores as determinações abaixo declaradas, as quais
de nenhum modo ofendem a liberdade do comércio, por serem dirigidas ao bem
comum do Estado, e à utilidade particular dos mesmos comerciantes.
38 Primeiramente haverá em todas as
Povoações, Pesos, e Medidas, sem as quais senão pode conservar o equilíbrio na
Balança do comércio. Em todo este Estado tem feito evidente a experiência os
perjudicialíssimos [sic] danos, que produziu este intolerável abuso; oposto
igualmente aos interesses públicos, e particulares; porque costumando-se vender
em todas estas Povoações a Farinha, Arroz, e Feijão por Paneiros, sem que
fossem alqueirados, precisamente haviam de ser recíprocos os prejuízos pela
falta de fé pública, que é a base fundamental de todo o negócio. Para remediar
esta perniciosíssima desordem, ordeno aos Diretores cuidem logo, em que nas
suas Povoações haja Pesos, e Medidas, as quais devem ser aferidas pelas
respectivas Câmeras; porque deste modo, nem os Índios poderão falsificar os
Paneiros na deminuição [sic] dos gêneros; nem as pessoas, que comerceiam [sic]
com eles experimentarão a violência de os satisfazer como alqueires não o sendo
na realidade: Estabelecendo-se deste modo entre uns, e outros aquela mútua
fidelidade, sem a qual nem o comércio se pode aumentar, nem ainda subsistir.
39 Em segundo lugar, recomendo aos
ditos Diretores, que por nenhum modo consintam, que os Índios, comerceiem [sic]
ao seu pleno arbítrio; porque não podendo negar-se-lhes a liberdade de
venderem, ou comutarem os frutos, que tiverem cultivado, aquelas pessoas, e
naquelas partes donde lhes possa resultar maior utilidade; nem devendo
proibir-se aos moradores do Estado o comerciar com os ditos Índios nas suas
mesmas Povoações; porque deste modo se ficaria conservando a odiosa separação,
que até agora se praticou entre uns, e outros contra as Reais intenções de Sua
Majestade, como já se declarou no §. IX do Regimento das Missões; como subposto
[sic] da parte dos Índios o desinteresse, e a ignorância; e da parte dos
moradores, o conhecimento, e ambição; ficando a venda dos gêneros ao arbítrio,
e convenção das partes, faltaria no mesmo comércio a igualdade; não poderão os
Índios até segunda ordem de Sua Majestade fazer negócio algum sem a assistência
dos seus Diretores, para que regulando estes racionavelmente [sic] o preço dos
frutos, e o valor das fazendas, sejam recíprocas as utilidades entre uns, e
outros comerciantes.
40 Ficando pois na liberdade dos
Índios ou vender seus frutos por dinheiro, ou comutá-los por fazendas, na forma
que costumam as mais Nações do Mundo; sendo inegavelmente certo, que entre as
mesmas fazendas, umas são nocivas aos Índios, como é a aguardente, e outra
qualquer bebida forte; e outras se devem reputar supérfluas, atendendo ao
miserável estado a que se acham reduzidos; não consentirão os Diretores, que
eles comutem os seus gêneros por fazendas, que lhe não sejam úteis, e
precisamente necessárias para o seu decente vestido, e das suas famílias, e
muito menos por aguardente que neste Estado é o siminário [sic] das maiores
iniqüidades, perturbações, e desordens.
41 E como para extinguir
totalmente, o injusto, e prejudicial comércio da aguardente, não bastaria só
proibir aos Índios ocumutarem [sic] por ela os seus efeitos, não se cominando
pena grave a todos aqueles que costumam introduzir nas Povoações este
pernicioso gênero: Ordeno aos Diretores, que apenas chegar ao Porto das suas
respectivas Povoações alguma Canoa, ou outra qualquer embarcação, a vão logo
examinar pessoalmente, levando na sua companhia o Principal, e o Escrivão da
Câmera; e na falta destes a Pessoa, que julgarem de maior capacidade; e achando
na dita embarcação aguardente; (que não seja para o uso dos mesmos Índios que
arremam na forma abaixo declarada), prenderão logo o Cabo da dita Canoa, e o
remeterão a esta Praça a ordem do Governador do Estado; tomando por perdida a
dita aguardente que se aplicará para os gastos da mesma Povoação, de que se
fará termo de tomada nos livros da Câmera assinada pelos Diretores, e mais
pessoas que a presenciarem.
42 Mas, porque pode suceder, que
fazendo viagem alguma destas Canoas para o Sertão, ou para outra qualquer parte
que seja indispensavelmente necessário conduzir algumas frasqueiras de
aguardente; ou para remédio, ou para gasto dos Índios da sua esquipação; o que
devem depor os mesmos Cabos, debaixo de juramento, que lhe diferirão os
Diretores; para se acautelarem os irreparáveis danos, que os ditos Cabos podem
causar nas Povoações, por meio desse prejudicialíssimo comércio; enquanto eles
se demorarem naqueles Portos mandarão os Diretores por em depósito as sobreditas
frasqueiras em parte, onde possam ser guardadas com fidelidade, as quais lhe
serão entregues apenas quiserem continuar a sua viagem, assinando termo de não
contratarem com o referido gênero, assim naquela, como em outra Povoação.
43 Ao mesmo tempo, que para
favorecer a liberdade do comércio, permito que os Índios possam vender nas
suas, e em outras quaisquer Povoações os gêneros, que adquirirem, e os frutos,
que cultivarem, excetuando unicamente os que forem necessários para a
sustentação de suas casas, e famílias: o que só poderão fazer achando-se
presente os seus Diretores na forma acima declarada. Ordeno aos meus Diretores
debaixo das penas cominadas no §. 89., que nem por si, nem por interposta
pessoa possa pessoalmente comprar aos Índios os referidos gêneros, nem
estipular com eles direta, ou indiretamente negócio, ou contrato algum por mais
racionável, e justo, que pareça.
44 E para, que os Diretores possam
dar uma evidente demonstração da sua fidelidade, e do seu zelo, e os Índios
possam vender os seus gêneros livres de todos os enganos, com que até agora
foram tratados; logrando pacificamente à sombra da Real proteção de Sua
Majestade, aquelas conveniências, que naturalmente lhes podem resultar de um
negócio lícito, justo, e virtuoso: haverá em todas as Povoações um livro,
chamado do Comércio, rubricado pelo Provedor da Fazenda Real, no qual os
Diretores mandarão lançar pelos Escrivães da Câmera, ou do público, e na falta
destes pelos Mestres das Escolas, assim os frutos, e gêneros, que se venderam,
como as fazendas porque se comutaram; explicando-se a reputação destas, e o
preço daquelas, e também o nome das pessoas, que comerciarão com os Índios, de
cujos assentos, que serão assinados pelos mesmos Diretores, e comerciantes,
extraindo-se uma lista em forma autêntica, a remeterão todos os anos ao
Governador do Estado, para que se possa examinar com a devida exação e pureza,
com que eles se conduziram em matéria tão importante como esta de que depende
sem dúvida a subsistência, e aumento do Estado.
45 Mas como todas estas
providências se dirigem primeiramente, a maior utilidade dos Índios; e vendo-se
os gêneros na Cidade ficará sendo para eles mais vantajoso, e útil o comércio;
atendendo por uma parte a maior reputação, que hão de ter nela; e por outra ao
limitado dispêndio, que se fará nos transportes por ser este País cercado por
toda a parte de Rios, pelos quais se podem transportar os gêneros com muita
facilidade, e pouca despesa; recomendo aos Diretores, que persuadam os Índios
pelos meios da suavidade, quais são neste caso, o propor-lhes a sua maior
conveniência, que conduzam para a Cidade todos os gêneros, e frutos, que aliás
poderiam vender nas suas Povoações; observando os Diretores nesta matéria
aquela mesma forma, que se determina nos parágrafos subseqüentes a respeito do
comércio do Sertão.
46 Não podendo duvidar-se, que
entre os ramos do negócio de que se constitui o comércio deste Estado; nenhum é
mais importante, nem mais útil, que o do Sertão; o qual não só consiste na
extração das próprias Drogas, que nele produz a natureza; mas nas feitorias de
manteigas de tartaruga, salgas de peixe, óleo de cupaiva, azeites de andiroba,
e de outros muitos gêneros de que é abundante o país; empregarão os Diretores a
mais exata vigilância, e incessante cuidado em introduzir, e aumentar o
referido comércio nas suas respectivas Povoações. E para que nesta
interessantíssima matéria possam os Diretores conduzir-se por uma regra fixa, e
invariável, observarão a forma, que lhe vou a prescrever.
47 Em primeiro lugar se informarão
da qualidade das terras, que são adjacentes, e próximas às suas Povoações, e
dos efeitos, de que são abundantes: e achando, que delas se podará [sic]
extrair com maior facilidade, este, ou aquele gênero, esse será o ramo do
negócio a que apliquem todo o seu cuidado; bem entendido, que todo o comércio
para se aumentar, e florescer, deve fundar-se nestas duas sólidas, e
verdadeiras máximas: Primeiro, que em todo o negócio cresce a utilidade ao
mesmo passo, a que determine a despesa, sendo evidentemente certo, que aquele
gênero, que puder fabricar-se em menos tempo, e com menor número de
trabalhadores, terá melhor consumo, e conseqüentemente será mais bem reputado:
Segunda, que seria sumamente, prejudicial, que todas as Povoações de que se compõem
uma Monarquia, ou um Estado, aplicando-se à fabrica, ou à extração de um só
efeito, conservassem o mesmo ramo de comércio; não só porque a abundância
daquele gênero o reduziria ao último abatimento com total prejuízo dos
comerciantes; mas também porque as referidas Povoações não poderiam mutuamente
socorrer-se, comprando umas o que lhes falta, e vendendo outras o que lhe
sobeja.
48 Na inteligência destas duas
fundamentais, e interessantes máximas, recomendo muito aos Diretores, que
estabeleçam o comércio das suas respectivas Povoações, persuadindo aos Índios,
aquele negócio, que lhes for mais útil na forma, que tenho ponderado, e ainda
mais claramente explicarei. Se as ditas Povoações estiverem próximas ao mar, ou
situadas nas margens de Rios, que sejam abundantes de peixes, será a feitoria
das salgas o ramo do comércio, de que resultará maior utilidade, aos
interessados. Se porém os Rios, e as terras adjacentes às suas Povoações
produzirem com abundância cacau, salsa, cravo, ou outro qualquer efeito, empregarão
os Diretores todo o seu cuidado em aplicar os Índios a esse ramo de negócio.
49 Para animar os ditos Índios e
freqüentar gostosamente o interessante comércio do Sertão, lhes explicarão os
Diretores, que daqui por diante toda a utilidade, que resultar do seu trabalho,
se distribuirá entre eles mesmos; correspondendo a cada um o interesse à
proporção do mesmo trabalho. E como a utilidade do referido negócio deve ser
igual para todos, observarão os Diretores na nomeação, que fizerem deles para o
mencionado comércio, a forma seguinte. Apenas se concluir o trabalho da cultura
das terras, que em todas as circunstâncias deve ser o primeiro objeto dos seus
cuidados, chamarão à sua presença todos os Principais, e mais Índios de que
consta a Povoação: E achando que todos eles desejam ir ao negócio do Sertão, os
nomearão juntamente, com os Principais, guardando inviolavelmente as Leis da
alternativa: Porque deste modo experimentarão todos igualmente o peso do
trabalho; e a suavidade do lucro; bem entendido, que a dita nomeação se fará
exclusivamente daquela parte dos Índios que pertencerem à distribuição das
Povoações como abaixo se declarará.
50 Mas como não seria justo, que os
Principais, Capitães mores, Sargentos mores, e mais Oficiais, de que se compõe
o governo de Povoações, ao mesmo tempo que Sua Majestade tem ordenado nas suas
Reais, e piíssimas Leis que se lhes guardem todas aquelas honras competentes à
graduação de seus postos, se reduzissem ao abatimento de se precisarem a ir
pessoalmente à extração das drogas do Sertão; poderão os ditos Principais
mandar nas Canoas, que forem ao dito negócio seis Índios por sua conta, não
havendo mais que dous [sic] Principais na Povoação: E excedendo este número,
poderão mandar até quatro Índios cada um; os Capitães mores, Sargentos mores
quatro; e os mais Oficiais dous [sic]; os quais devem ser extraídos do número
da repartição do Povo; ficando sobreditos Oficiais com a obrigação de lhe
satisfazerem os seus sellarios [sic] na forma das Reais ordens de Sua Majestade.
E querendo os ditos Principais, Capitães mores, e Sargentos mores,
voluntariamente ir com os Índios, que se lhes distribuírem, à extração daquelas
drogas, o poderão fazer alternativamente, ficando sempre metade dos Oficiais na
Povoação.
51 Consistindo pois no aumento
deste comércio o sólido estabelecimento do Estado; para que aquele não só
subsista mas floresça, correrá por conta das Câmeras, nas Povoações, que forem
Vilas, e nas quais forem lugares por conta dos Principais, a expedição das
referidas Canoas; tendo o seu cargo, o mandá-las preparar em tempo hábil;
provê-las dos mantimentos necessários; e de tudo o mais, que for preciso; para
que possam fazer viagem ao Sertão; cujas despesas se lançarão nos livros das
mesmas Câmeras; com a condição porém de que não poderão tomar resolução alguma
nesta importante matéria; sem primeiro a participarem aos seus respectivos
Diretores. Mas suposto encarrego ao zelo, e cuidado das Câmeras, e Principais a
execução de todas estas providências, lhe recomendo que antes de expedirem as
Canoas recorram por petição ao Governador do Estado, explicando o número dos
Índios, de que se compõe a esquipação [sic] delas; assim para se lhes declarar
o modo com que devem proceder a fatura do Cacau; como para se satisfazerem os
novos direitos na mesma forma que se pratica com o outro qualquer morador.
52 E como as Canoas distinadas
[sic] para o negócio, não só deve levar o número de Índios competentes à sua
esquipação [sic], mas alguns de sobresselente, para que não suceda, que
falecendo, enfermando, ou fugindo alguns, fiquem as Canoas nos Sertões,
expostas ao último desemparo [sic], como repetidas vezes tem sucedido; poderão
as mesmas Câmeras, e Principais dar licença para que as sobreditas Canoas levem
dez até doze Índios além da sua esquipação [sic], que façam o negócio para si;
isto se entende se acaso os houver; e que de forte nenhuma sejam dos que
pertencem à distribuição do Povo; porque a este deve ficar sempre salvo o seu
prejuízo.
53 Tendo ensinado a experiência,
que os mesmos Cabos, a quem se entregam o governo, e a direção das Canoas,
devendo sustentar a fé pública deste Comércio, a tem não só diminuído, mas
totalmente arruinado; porque atraídos da utilidade própria, fazem com os mesmos
Índios negócios particulares; bastando só esta circunstância para os constituir
dolosos, e iníquos; terão grande cuidado o [sic] Diretores em que as Câmeras, e
os Principais só nomeiem para Cabos das referidas Canoas, aquelas pessoas que
forem de conhecida fidelidade; inteireza, honra, e verdade; cuja nomeação se
fará pelas mesmas Câmeras, e Principais, mas sempre a contento daqueles Índios
que forem interessados.
54 Feita deste modo sobredita
nomeação, serão logo chamados às Câmeras os Cabos nomeados, para assinarem o
termo de aceitação; obrigando-se por sua pessoa, e bens, não só a dar conta de
toda a importância que receberem pertencente àquela expedição; mas à satisfação
de qualquer prejuízo, que por sua culpa, negligência, ou descuido houver no
dito negócio. E como sem embargo de todas estas cautelas poderão faltar os
ditos Cabos às condições, a que se sujeitarem; ou porque esquecidos da
fidelidade, e com que se deve tratar o Comércio compraram aos Índios
particularmente os efeitos; ou porque os venderam aos moradores, antes de
chegar às suas Povoações; Ordeno aos Diretores, que logo na chegada das Canoas,
tirem uma exata informação nesta matéria; e achando que os Cabos cometeram
culpa grave, além de serem obrigados a satisfazerem o prejuízo em dobro, que
distribuirá entre os mesmos interessados, os remeterão presos ao Governo do
Estado, para mandar proceder contra eles à proporção de seus delitos.
55 Felicitando Deus Nosso Senhor o
comércio das referidas Canoas, virão estas em direitura às Povoações a que
pertencer: nelas se fará logo o manifesto autêntico de toda a importância da
carga: mandando os Diretores, lançar no livro do Comércio com toda a distinção,
e clareza os gêneros de que constam a dita carregação: o que tudo se Executará,
na presença dos Oficiais da Câmera, e de todos os Índios interessados.
Concluída esta diligência, com a brevidade que permitir o tempo, cuidarão logo
os Diretores depois de mandarem extrair duas guias em forma de todas as
parcelas, que se lançará no livro do Comércio, remeter para esta Cidade os
referidos efeitos; ordenando aos Cabos das mesmas Canoas, que apenas chegarem a
este Porto, entreguem logo uma das guias ao Governador do Estado; e outra ao
Tesoureiro geral do Comércio dos Índios: Para cujo emprego, por me parecer
indispensavelmente necessário, nas circunstâncias presentes, tenho nomeado
interinamente o Sargento mor Antonio Rodrigues Martins, atendendo à grande
fidelidade, e notório zelo de que é dotado.
56 Tanto os Cabos das Canoas
entregarem ao Tesoureiro geral as guias da carregação, terá este um especial cuidado,
conferindo primeiro as cargas com as mesmas guias, de vender os gêneros, que
receber, dando-lhes a melhor reputação, que permitir a qualidade deles, o que
não poderá executar com efeito sem dar parte ao Governador do Estado. De todo o
dinheiro, que liquidamente importar a venda dos sobreditos gêneros pagará o
dito Tesoureiro em primeiro lugar os Dízimos à Fazenda Real; em segundo as
despesas, que se fizeram naquela expedição; em terceiro a porção, que se
arbitrar ao Cabo da mesma Canoa; em quarto, a sexta parte pertencente aos
Diretores; distribuindo-se finalmente o remanescente em partes iguais por todos
Índios interessados.
57 E para que de nenhum modo possa
haver confusão na forma com que se devem pagar os Dízimos dos gêneros, que se
extraem dos Sertões, declaro, que enquanto ao Cacau, Café, Cravo, e Salsa,
pertence esta obrigação aos mesmos, que comprarem os referidos gêneros, dos
quais se acostumam pagar os Dízimos na mesma ocasião do embarque. A respeito
porém dos mais gêneros, como são Manteigas de Tartarugas, e toda a qualidade de
Peixes, óleos de Cupaúba, azeite de Andiroba, e todos os mais efeitos,
excetuando unicamente os frutos, que produz a terra por meio da cultura, sendo
eles remetidos para esta Cidade, nela se pagarão os Dízimos dirigindo-se nesta
matéria o Tesoureiro geral pelas Guias, que lhe forem remetidas. E se algum dos
ditos gêneros se vender nas Povoações, serão obrigados os Diretores a cobrar os
Dízimos observando a forma, que se lhes prescreve no parágrafo 30.
58 Finalmente como, suposta a
rusticidade, ignorância dos mesmos Índios, entregar a cada um o dinheiro, que
lhe compete, seria ofender não só as Leis da Caridade, mas da Justiça, pela
notória incapacidade que têm ainda agora de o administrarem ao seu arbítrio,
será obrigado o Tesoureiro geral a comprar com o dinheiro, que lhes pertencer
na presença dos mesmos Índios aquelas fazendas de que eles necessitarem:
Executando-se nesta parte inviolavelmente aquelas ordens com que tenho regulado
nesta Cidade o pagamento dos ditos Índios, em benefício comum deles. Deste modo
acabando de compreender com evidência estes miseráveis Índios a
fidelidade com que cuidamos nos seus interesses, e as utilidades, que
correspondem ao seu tráfico, se reporão naquela boa fé de que depende a
subsistência, e aumento do Comércio.
59 Sendo a distribuição dos Índios,
um dos principais objetos a que se dirigirão sempre as paternais Providências,
e piíssimas Leis de Sua Majestade: como em prejuízo comum dos seus Vassalos, se
faltou à observância, que elas deverão ter, com escandalosa ofensa não só das
Leis, da Justiça, e Piedade, mas até daquele mesmo decoro, que se deve aos
respeitosos decretos dos nossos Augustos Soberanos: Para que as ditas Reais
Ordens, tenham a sua devida execução; observarão os Diretores as determinações
seguintes.
60 Ditam as
Leis da natureza, e da razão, que assim como as partes no corpo físico deve
concorrer para a conservação do todo, é igualmente percisa [sic] esta obrigação
nas partes, que constituem o todo moral, e político. Contra os irrefragáveis
ditames do mesmo direito natural, se faltou até agora a esta indispensável
obrigação; afetando-se especiosos pertextos [sic] para se iludir a repartição
do Povo, de que por infalível conseqüência se havia de seguir a ruína total do
Estado; porque faltando aos moradores dele os operários de que necessitam para
a fábrica das Lavouras, e para a extração das Drogas, precisamente se havia de
diminuir a cultura, e abater o Comércio.
61
Estabelecendo-se neste sólido, e fundamental princípio as leis da distribuição,
clara, e evidentemente compreenderão os Diretores, que deixando de observar
esta Lei, se constituem Réus do mais abominável, e escandaloso delito; qual é
embaraçar o estabelecimento, a conservação, o aumento, e toda felicidade do
Estado, e frustrar as piíssimas intenções de Sua Majestade, as quais na forma
do Alvará de 6 de Junho de 1755 se dirigem a que os Moradores dele se não vejam
precisados a mandar vir obreiros, e trabalhadores de fora para o tráfico das
suas Lavouras, e cultura das suas terras; e os Índios naturais dos Pais, não
fiquem privados do justo estipêndio correspondente ao seu trabalho, que daqui
por diante se lhe regulará na forma das Reais Ordens do dito Senhor: Fazendo-se
por este modo entre uns, e outros recíprocos os interesses, de que sem dúvida
resultarão ao Estado as ponderadas felicidades.
62 Pelo que
recomendo aos Diretores, apliquem um especialíssimo cuidado, a que os
Principais, a quem compete privativamente a execução das Ordens respectivas a
distribuição dos Índios, não falte com eles aos moradores, que lhes presentarem
[sic] Portarias do Governador do Estado; não lhes sendo lícito em caso algum,
nem exceder o número da repartição; nem deixar de Executar as referidas Ordens,
ainda que seja com detrimento da maior utilidade dos mesmos Índios; por ser
indisputavelmente certo, que a necessidade commua [sic], constitui uma Lei
superior a todos os incômodos, e prejuízos particulares.
63 E como
Sua Majestade foi servido dar novo método ao governo destas Povoações; abolindo
a administração temporal, que os Reguladores exercitavam nelas; e em
conseqüência desta Real Ordem, fica cessando a forma da repartição dos Índios;
os quais se dividirão em três partes; uma pertencente aos Padres Missionários; outra
ao serviço dos Moradores; e outras às mesmas Povoações: Ordeno aos Diretores,
que observem daqui por diante inviolavelmente, o parágrafo 15. do Regimento no
qual o dito Senhor manda, que, dividindo-se os ditos Índios em duas partes
iguais, uma delas se conserve sempre nas suas respectivas Povoações, assim para
defesa do Estado, como para todas as diligências do seu Real serviço, e outra
para se repartir pelos Moradores, não só para esquipação [sic] das Canoas, que
vão extrair Drogas ao Sertão, mas para ajudar na plantação dos Tabacos, canas
de Açúcar, Algodão, e todos os gêneros, que podem enriquecer o Estado, e
aumentar o Comércio.
64 Para que
a referida distribuição, se observe com aquela retidão, e inteireza, que pedem
as Leis da Justiça distributiva, cessando de uma vez os clamores dos Povos que
cada dia se faziam mais justificados pelos afetados pertextos [sic], com que se
confundiam em tão interessante matéria, as repetidas Ordens de Sua Majestade;
não se podendo compreender, se era mais abominável a causa, se mais prejudicial
o efeito; haverá dos livros rubricados pelo Desembargador Juiz de Fora, em que
se matriculem todos os Índios capazes de trabalho que na forma do §. XIII. do
Regimento são todos aqueles, que tendo treze anos de idade, não passarem de
sessenta.
65 Um
destes livros se conservará em poder do Governador do Estado, e outro no do
Desembargador Juiz de Fora, como Presidente da Câmera; nos quais se irão
matriculando os Índios, que chegarem à referida Idade; riscando-se deste número
todos aqueles, que constar por Certidões de seus Párocos, que tiverem falecido,
e os que pela razão dos seus achaques se reputarem por incapazes de trabalho: O
que se deve executar na conformidade das listas, que os Diretores remeterão
todos os anos ao Governador do Estado, as quais devem estar na sua mão até o
fim do mês de Agosto infalivelmente.
66 Sendo
pois as referidas listas o documento, autêntico, pelo qual se devem regular
todas as ordens respectivas à mesma distribuição, ordeno aos Diretores, que as
façam todos os anos, declarando nelas fidelissimamente todos os Índios, que
forem capazes de trabalho, na forma dos parágrados antecedentes, as quais serão
assinados pelos mesmos Diretores, e Principais, com cominação de que faltando
às Leis da verdade em matéria tão importante ao interesse público, uns, e
outros serão castigados como inimigos comuns do Estado.
67 Mas ao
mesmo tempo, que recomendo aos Diretores, e Principais a inviolável, e exata
observância de todas as ordens respectivas à repartição do Povo; lhes ordeno,
que não apliquem Índio algum ao serviço particular dos Moradores para fora das
Povoações, sem que estes lhe apresentem licença do Governador do Estado, por
escrito; nem consintam, que os ditos Moradores retenham em casa os referidos
Índios além do tempo porque lhe forem concedidos: O qual se declarará nas
mesmas Licenças, e também nos recibos, que os Moradores devem passar aos
Principais, quando lhes entregarem os Índios. E como a escandalosa negligência,
que tem havido na observância desta Lei, que se declara no parágrafo 5. tem
sido a origem de se acharem quase desertas as Povoações, serão obrigados os
Diretores, e Principais a remeter todos os anos ao Governador do Estado uma
Lista dos transgressores para se proceder contra eles, impondo-se-lhes aquelas
penas, que determina a sobredita Lei no referrido parágrafo.
68 É
verdade, que não admite controvérsia, que em todas as nações civilizadas, e
polidas do Mundo à proporção das Lavouras, das manufaturas, e do Comércio, se
aumenta o número dos Comerciantes, operários, e Agricultores; porque
correspondendo a cada um o justo, e racionável interesse proporcionado aos seu
tráfico, se fazem recíprocas as conveniências, e commuas [sic] as utilidades. E
para que as Leis da distribuição se observem com recíproca conveniência dos
moradores, e dos Índios, e estes se possam empregar sem violência nas
utilidades daqueles, desterrando-se por este modo o poderoso inimigo da
ociosidade, serão obrigados os moradores, apenas receberem os Índios, a
entregar aos Diretores toda a importância dos seus sellarios [sic], que na
forma das Reais Ordens de Sua Majestade, devem ser arbitrados de sorte que a
conveniência do lucro lhes suavize o trabalho.
69 Mas
porque da observância deste parágrafo, se podem originar aquelas racionáveis, e
justas queixas, que até agora faziam os moradores, de que deixando ficar nas
Povoações os pagamentos dos Índios, ainda quando evidentemente mostravam, que
os mesmos índios desertavam de seu serviço se lhes não restituíam os ditos
pagamentos; vindo por este modo os desertores a tirar comodo do seu mesmo
delito, não só com irreparável dano dos Povos, mas com total abatimento do
Comércio; sendo talvez este o iníquo fim a que se dirigia tão pernicioso abuso;
para se evitarem as referidas queixas; Ordeno aos Diretores, que apenas
receberem os sobreditos sellarios [sic] entreguem aos Índios uma parte da
importância deles, deixando ficar as duas partes em depósito; para o que haverá
em todas as Povoações um Cofre, destinado unicamente para o depósito dos ditos
pagamentos, os quais se acabarão aos mesmos Índios, constando, que eles os
venceram com o seu trabalho.
70
Sucedendo porém desertarem os Índios do serviço dos moradores antes do tempo,
que se acha regulado, pelas Reais Leis de Sua Majestade, que na forma do
parágrafo 14. do Regimento, a respeito desta Capitania é de seis meses; e
verificando-se a dita deserção, a qual os moradores devem fazer certa por algum
documento; ficarão os Índios perdendo as duas partes do seu pagamento, que logo
se entregarão aos mesmos moradores. O que se praticará pelo contrário
averiguando-se, que os moradores deram causa à dita deserção, porque neste caso
não só perderão toda a importância do pagamento, mas o dobro dele. E para que
os moradores não possam alegar ignorância alguma nesta matéria, lhes advirto
finalmente, que falecendo-se algum Índio no mesmo trabalho, ou
impossibilitando-se para ele, por causa de moléstia, serão obrigados a entregar
ao mesmo Índio, ou a seus herdeiros o justo estipêndio, que tiver merecido.
71 E como
pelo parágrafo 50. deste Diretório, se concede licença aos Principais, Capitães
mores, Sargentos mores, e mais Oficiais das Povoações, para mandarem alguns
Índios por sua conta ao Comércio do Sertão, por ser justo, que se lhes permitam
os meios competentes para sustentarem as suas Pessoas, e Famílias com a
decência devida aos seus empregos, observarão os Diretores com os referidos
Oficiais na forma dos pagamentos, o que se determina a respeito dos Moradores,
excetuando unicamente o caso em que eles como Pessoas miseráveis não tenham
dinheiro, ou fazendas com que possam prefazer a importância dos Salários,
porque nesse caso serão obrigados a fazer um escrito de dívida, assinado por
eles, e pelos mesmos Diretores, que ficará no Cofre do depósito, no qual se
obriguem à satisfação dos referidos Salários apenas receberem o produto, que
lhes competir.
72 Devendo
acautelar-se todos os dolos, que podem acontecer nos pagamentos dos Índios,
recomendo muito aos Diretores, que no caso, que os moradores queiram fazer o
dito pagamento, em fazendas; achando os Índios conveniência neste modo de
satisfação; não consintam de nenhum modo, que estas sejam reputadas por maior
preço, do que se vende nesta Cidade; permitindo unicamente de avanço a justa
despeza dos transportes, que se arbitrará a proporção das distâncias das
Povoações a respeito da mesma Cidade. E quando os ditos Moradores pertendam
reputar as suas fazendas, por exorbitantes preços, não poderão os Diretores
aceitá-las em pagamento, com cominação de satisfazerem aos mesmos Índios
qualquer prejuízo, que se lhe seguir do contrário. O que os mesmos Diretores
observarão em todos os casos, em que os Moradores concorrem por este modo com
os Índios, ou seja satisfazendo-lhes com fazendas o seu trabalho, ou comprando-lhes
os seus gêneros.
73
Consistindo finalmente na inviolável execução destes Parágrafos o
distribuírem-se os Índios com aquela fidelidade; e inteireza, que recomendam as
piíssimas Leis de Sua Majestade, dirigidas unicamente ao bem comum dos seus
Vassalos, e aos sólido aumento do Estado: Para que de nenhum modo se possam
iludir estas interessantíssimas detreminações [sic] serão obrigados os
Diretores a remeter todos os anos no princípio de Janeiro ao Governador do
Estado uma lista de todos os Índios, que se distribuíram no ano antecedente;
declarando-se os nomes dos Moradores, que se receberão; e em que tempo; a
importância dos selários, que ficarão em depósito; e os preços porque foram
reputadas as fazendas, com as quais se fizeram os ditos pagamentos; para que
ponderadas estas importantes matérias com a devida reflexão, se possam dar
todas aquelas providências, que se julgarem precisas, para se evitarem os
prejudicialíssimos dolos, que se tinham introduzido no importantíssimo Comércio
do Sertão, faltando-se com escândalo da piedade, e da razão às Leis da Justiça
destributiva [sic], na repartição dos Índios, em prejuízo comum dos Moradores,
e às da comutativa ficando por este modo privados os ditos Índios do racionável
lucro do seu trabalho.
74 A
lastimosa ruína, a que se acham reduzidas as Povoações dos Índios, de que se
compõem este Estado; é digna de tão especial atenção, que não devem os
Diretores omitir diligência alguma conducente ao seu prefeito [sic]
restabelecimento. Pelo que recomendo aos ditos Diretores, que apenas chegarem
às suas respectivas Povoações, apliquem logo todas as providência para que
nelas se estabeleçam casas de Câmera, e Cadeias públicas, cuidando muito em que
estas sejam erigidas com toda a segurança, e aquelas com a possível grandeza.
Conseqüentemente empregarão os Diretores um particular cuidado em persuadir aos
Índios, que façam casas decentes para os seus domicílios, desterrando o abuso,
e a vileza de viver em choupanas a imitação dos que habitam como bárbaros o
inculto centro dos Sertões, sendo evidentemente certo, que para o aumento das
Povoações, concorre muito a nobreza dos Edifícios.
75 Mas como
a principal origem do lamentável estado que as ditas Povoações estão reduzidas
procede de se acharem evacuadas; ou porque os seus habitantes obrigados das
violências, que experimentaram nelas, buscavam o refúgio nos mesmos Matos em
que nasceram; ou porque os Moradores do Estado usando do ilícito meio de os
praticar, e de outros muitos que administra em uns a ambição, em outros a miséria,
os retém, e conservam no seu serviço; cujos ponderados danos pedem uma pronta,
e eficaz providência: Serão obrigados os Diretores e remeter ao Governado do
Estado um mapa de todos os Índios ausentes, assim dos que se acham nos Mattos,
como nas casas dos Moradores, para que examinando-se as causas da sua deserção,
e os motivos porque os ditos Moradores os conservam em suas casas, se apliquem
todos os meios proporcionados para que sejam restituídos às suas respectivas
Povoações.
76 E como
para conservação, e aumento delas não seria providência bastante o
restituírem-se aqueles Moradores, com que foram estabelecidas, não se
introduzindo nelas maior número de habitantes; o que só se pode conseguir, ou
reduzindo-se as Aldeias pequenas a Povoações populosas; ou fornecendo-as de
Índios por meio dos descimentos; observarão os Diretores nesta importante
matéria as determinações seguintes, as quais lhes participo na conformidade das
Reais ordens de Sua Majestade.
77 No §.
II. do Regimento ordena o dito Senhor, que as Povoações dos Índios constem ao
menos de 150 Moradores, por não ser conveniente ao bem Espiritual, e Temporal
dos mesmos Índios, que vivam em Povoações pequenas, sendo indisputável que à
proporção do número de habitantes se introduz nelas a civilidade, e Comércio. E
como para se executar esta Real Ordem se devem reduzir as Aldeias e Povoações
populosas, incorporando-se, e unindo-se umas a outras; o que na forma da Carta
do primeiro de Fevereiro de 1701. firmada pela Real mão de Sua Majestade, se
não pode executar entre Índios de diversas Nações, sem primeiro consultar a
vontade de uns, e outros; ordeno aos Diretores, que na mesma lista que devem
remeter dos Índios na forma assim declarada, expliquem com toda a clareza a
distinção das Nações; a diversidade dos costumes, que há entre elas; e a
oposição, ou concórdia em que vivem; para que, refletidas todas estas
circunstâncias, se possa determinar em Junta o modo, com que sem violência dos
mesmos Índios se devem executar estas utilíssimas reduções.
78 Em quanto
porém aos decimentos, sendo Sua Majestade servido recomendá-los aos Padres
Missionários nos §§. 8., e 9. do Regimento, declarando o mesmo Senhor que
confiava deles este cuidado, por lhes ter encarregado a administração Temporal
das Aldeias; como na conformidade do Alvará de 7 de Junho de 1755. foi o dito
Senhor servido remover dos Regulares o dito governo Temporal mandando-o
entregar aos Juízes Ordinários, Vereadores, e mais Oficiais de Justiça, e aos
Principais respectivos; terão os Diretores uma incansável vigilância em
advertir a uns, e outros, que a primeira, e mais importante obrigação dos seus
postos consiste em fornecer as Povoações de Índios por meio dos decimentos,
ainda que seja à custa das maiores despesas da Real Fazenda de Sua Majestade, como
a inimitável, e católica piedade dos nossos Augustos Soberanos, tem declarado
em repetidas Ordens, por ser este o meio mais proporcionado para se dilatar a
Fé, e fazer-se respeitado, e conhecido neste novo Mundo o adorável nome do
nosso Redentor.
79 E para
que os ditos Juízes Ordinários, e Principais possam desempenhar cabalmente tão
alta, e importante obrigação, ficará por conta dos Diretores persuadir-lhes as
grandes utilidades Espirituais, e Temporais, que se hão de seguir dos ditos
descimentos, e o pronto, e eficaz concurso, que acharão sempre nos Governadores
do Estado, como fiéis executores, que devem ser das exemplares, católicas, e
religiosíssimas intenções de Sua Majestade.
80 Mas como a Real intenção dos
nossos Fidelíssimos Monarcas, em mandar fornecer as Povoações de novos Índios
se dirige, não só ao estabelecimento das mesmas Povoações, e aumento do Estado,
mas à civilidade dos mesmos Índios por meio da comunicação, e do Comércio; e
para este virtuoso fim pode concorrer muito a introdução dos Brancos nas ditas
Povoações, por ter mostrado a experiência, que a odiosa separação entre uns, e
outros, em que até agora se conservavam, tem sido a origem da incivilidade, a
que se acham reduzidos; para que os mesmos Índios se possam civilizar pelos suavíssimos
meios do Comércio, e da comunicação; e estas Povoações passem a ser não só
populosas, mas civis; poderão os Moradores deste Estado, de qualquer qualidade,
ou condição que sejam, concorrendo neles as circunstâncias de um exemplar
procedimento, assistir nas referidas Povoações, logrando todas as honras, e
privilégios, que Sua Majestade for servido conceder aos Moradores delas: Para o
que apresentando licença do Governador do Estado, não só admitirão os
Diretores, mas lhe darão todo o auxílio, e favor possível para ereção de casas
competentes às suas Pessoas, e Famílias; e lhes distribuirão aquela porção de
terra que eles possam cultivar, e sem prejuízo do direito dos Índios, que na
conformidade das Reais Ordens do dito Senhor são os primários, e naturais
senhores das mesmas terras; e das que assim se lhes distribuírem mandarão no
termo que lhes permite a Lei, os ditos novos Moradores tirar suas Cartas de
Datas na forma do costume inalteravelmente estabelecido.
81 E porque os Índios, a quem os
Moradores deste Estado tem reposto em má Fé pelas repetidas violências, com que
os trataram até agora, se não persuadam de que a introdução deles lhes será
sumamente prejudicial; deixando-se convencer de que assistindo naquelas
Povoações as referidas pessoas, se farão senhoras das suas terras, e se
utilizarão do seu trabalho, e do seu Comércio; vindo por este modo a sobredita
introdução a produzir contrários efeitos ao sólido estabelecimento das mesmas
Povoações; serão obrigados os Diretores, antes de admitir as tais Pessoas,
manifestar-lhes as condições, a que ficam sujeitas, de que se fará termo nos
livros da Câmera assinado pelos Diretores, e pelas mesmas Pessoas admitidas.
82 Primeira: Que de nenhum modo
poderão possuir as terras, que na forma das Reais Ordens de Sua Majestade se
acharem distribuídas pelos Índios, perturbando-os da posse pacífica delas, ou
seja em satisfação de alguma dívida, ou a título de contrato, doação,
disposição, Testamentária, ou de outro qualquer pretexto, ainda sendo
aparentemente lícito, e honesto.
83 Segunda: Que serão obrigados a
conservar com os Índios aquela recíproca paz, e concórdia, que pedem as Leis da
humana Civilidade, considerando a igualdade, que tem com eles na razão genérica
de Vassalos de Sua Majestade, e tratando-se mutuamente uns a outros com todas
aquelas honras, que cada um merecer pela qualidade das suas Pessoas, e
graduação de seus postos.
84 Terceira: Que nos empregos
honoríficos não tenham preferência a respeito dos Índios, antes pelo contrário,
havendo nestes capacidade, preferirão sempre aos mesmos Brancos dentro das suas
respectivas Povoações, na conformidade das Reais Ordens de Sua Majestade.
85 Quarta: Que sendo admitidos
naquelas Povoações para civilizar os Índios, e os animar com o seu exemplo à
cultura das terras, e a buscarem todos os meios lícitos, e virtuosos de
adquirir as conveniências Temporais, senão desprezem de trabalhar pelas suas
mãos nas terras, que lhes forem distribuídas; tendo entendido, que à proporção
do trabalho manual, que fizerem, lhes permitirá Sua Majestade aquelas honras,
de que se constituem beneméritos os que rendem serviço tão importante ao bem
público.
86 Quinta: Que deixando de observar
qualquer das referidas condições, serão logo expulsos das mesmas terras,
perdendo todo o direito, que tinham adquirido, assim à propriedade delas, como
todas as Lavouras, e plantações, que tiverem feito.
87 Para se conseguirem pois os
interessantíssimos fins, a que se dirigem as mencionadas condições, que são a
paz, a união, e a concórdia pública, sem as quais não podem as Repúblicas
subsistir, cuidarão muito os Diretores em aplicar todos os meios conducentes
para que nas suas Povoações se extingua [sic] totalmente a odiosa, e abominável
distinção, que a ignorância, ou a iniqüidade de quem preferia as conveniências
particulares aos interesses públicos, introduzia entre os Índios, e Brancos,
fazendo entre eles quase moralmente impossível aquela união, e sociedade Civil
tantas vezes recomendada pelas Reais Leis de Sua Majestade.
88 Entre os meios, mais
proporcionados para se conseguir tão virtuoso, útil, e santo fim, nenhum é mais
eficaz, que procurar por via de casamentos esta importantíssima união. Pelo que
recomendo aos Diretores, que apliquem um incessante cuidado em facilitar, e
promover pela sua parte os matrimônios entre os Brancos, e os Índios, para que
por meio deste sagrado vínculo se acabe de extinguir totalmente aquela
odiosíssima distinção, que as nações mais polidas do mundo abominaram sempre,
como inimigo comum do seu verdadeiro, e fundamental estabelecimento.
89 Para facilitar os ditos
matrimônios, empregarão os Diretores toda a eficácia do seu zelo em persuadir a
todas as Pessoas Brancas, que assistirem nas suas Povoações, que os Índios
tanto não são de inferior qualidade a respeito delas, que dignando-se Sua
Majestade de os habilitar para todas aquelas honras competentes às graduações
dos seus postos, conseqüentemente ficam logrando os mesmos privilégios as
Pessoas que casarem com os ditos índios; desterrando-se por este modo as
prejudicialíssimas imaginações dos Moradores deste Estado, que sempre reputaram
por infâmia semelhantes matrimônios.
90 Mas como as providências, ainda
sendo reguladas pelos ditames da reflexão, e da prudência, produzem muitas
vezes fins contrários, e pode suceder, que, contraídos estes matrimônios,
degenere o vínculo em desprezo, em discórdia a mesma união; vindo por este modo
tranformar-se em instrumentos de ruína os mesmo meios que deverão conduzir para
a concórdia; recomendo muito aos Diretores, que apenas forem informados de que
algumas Pessoas, sendo casadas desprezam os seus maridos, ou suas mulheres, por
concorrer neles a qualidade de Índios, o participe logo ao Governador do
Estado, para que sejam secretamente castigados, como fomentadores das antigas
discórdias, e perturbadores da paz, e da união pública.
91 Deste modo acabarão de
compreender os Índios com toda a evidência, que estimamos as suas pessoas; que
não desprezamos as suas alianças, e o seu parentesco; que reputamos, como
próprias as suas utilidades; e que desejamos, cordial, e sinceramente conservar
com eles aquela recíproca união, em que se firma, e estabelece a sólida
felicidade das Repúblicas.
92 Consistindo finalmente o firme
estabelecimento de todas estas Povoações na inviolável, e exata observância das
ordens, que se contem neste Diretório, devo lembrar aos Diretores o incessante
cuidado, e incansável vigilância, que devem ter em tão útil, e interessante
matéria; bem entendido, que entregando-lhes meramente a direção, e economia
destes Índios, como se fossem seus Tutores, enquanto se conservam na bárbara, e
incivil rusticidade, em que até agora foram educados; não os dirigimos com
aquele zelo, e fidelidade que pedem as Leis do Direito natural, e Civil, serão
punidos rigorosamente como inimigos comuns dos sólidos interesses do Estado com
aquelas penas estabelecidas pelas Reais Leis de Sua Majestade, e com as mais
que o mesmo Senhor for servido impor-lhes como Réus de delitos tão prejudiciais
ao comum, e ao importantíssimo estabelecimento do mesmo Estado.
93 Mas ao mesmo tempo, que
recomendo aos Diretores a inviolável observância destas ordens, lhes torno a
advertir a prudência, a suavidade, e a brandura, com que devem executar as
sobreditas ordens, especialmente as que disserem respeito à reforma dos abusos,
dos vícios, e dos costumes destes Povos, para que não suceda que, estimulados
da violência, tornem a buscar nos centros dos Matos os torpes, e abomináveis
erros do Paganismo.
94 Devendo pois executar-se as
referidas ordens com todos os Índios, de que se compõem estas Povoações, com
aquela moderação, e brandura, que ditam as Leis da prudência; ainda se faz mais
precisa esta obrigação com aqueles, que novamente descerem dos Sertões, tendo
ensinado a experiência, que só pelos meios da suavidade é que estes miseráveis
rústicos recebem as sagradas luzes do Evangelho, e o utilíssimo conhecimento da
civilidade, e do Comércio. Por cuja razão não poderão os Diretores obrigar os
sobreditos Índios a serviço algum antes de dous anos de assistência nas suas
Povoações; na forma, que determina Sua Majestade no §. XIII. do Regimento.
95 Ultimamente recomendo aos Diretores,
que esquecidos totalmente dos naturais sentimentos da própria conveniência, só
empreguem os seus cuidados nos interesses dos Índios; de sorte que as suas
felicidades possam servir de estímulo aos que vivem nos Sertões, para que
abandonando os lastimosos erros, que herdaram de seus progenitores, busquem
voluntariamente nestas Povoações Civis, por meio das utilidades Temporais, a
verdadeira felicidade, que é a eterna. Deste modo se conseguirão sem dúvida
aqueles altos, virtuosos, e santíssimos fins, que fizeram sempre o objeto da
Católica piedade, e da Real beneficência dos nossos Augustos Soberanos; quais
são; a dilatação da Fé; a extinção do Gentilismo; a propagação do Evangelho; a
civilidade dos Índios; o bem comum dos Vassalos; o aumento da Agricultura; a
introdução do Comércio; e finalmente o estabelecimento, a opulência, e a total
felicidade do Estado. Pará, 3 de Maio de 1757. = Francisco Xavier de Mendoça
Furtado
EU EL REY
Faço saber aos que este Alvará de confirmação
virem: Que sendo-me presente o Regimento, que baixa incluso, e tem por título: Diretório,
que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão, enquanto Sua
Majestade não mandar o contrário: deduzido
nos noventa e cinco Parágrafos, que nele se contém, e publicado em três de Maio
do ano próximo precedente de mil setecentos e cinqüenta e sete por Francisco
Xavier de Mendoça [sic] Furtado,
do meu Conselho, Governador e Capitão General do mesmo Estado, e meu Principal
Comissário, e Ministro Plenipotenciário nas Conferências sobre a Demarcação dos
Limites Setentrionais do Estado do Brasil: e porque sendo visto, e examinado
com maduro conselho, e prudente deliberação por Pessoas doutas, e timoratas,
que mandei consultar sobre esta matéria se achou por todos uniformemente, serem
muito convenientes para o serviço de Deus, e meu, e para o Bem Comum, e
felicidade daqueles Índios, as Disposições conteúdas no dito Regimento: Hei por
bem, e me apraz de confirmar o mesmo Regimento em geral, e cada um dos seus
noventa e cinco Parágrafos em particular, com se aqui por extenso fossem
insertos, e transcritos: E por este Alvará o confirmo do meu próprio Motu,
certa Ciência, poder Real, e absoluto; para que por ele se governem as
Povoações dos Índios, que já se acham associados, e pelo tempo futuro se
associarem, e reduzirem a viver civilmente. Pelo que: Mando ao Presidente do
Conselho Ultramarino, Regedor da Casa da Suplicação, Presidente da Mesa da
Consciência, e Ordens; Vice-Rei, e Capitão General do Estado do Brasil, e a
todos os Governadores, e Capitães Generais dele; como também aos Governadores
das Relações da Bahia, e Rio de Janeiro; Junta do Comércio destes Reinos, e
seus Domínios; Junta da Administração da Companhia Geral do Grão Pará, e
Maranhão; Governadores das Capitanias do Grão Pará, e Maranhão; de S. Joseph do
Rio Negro, do Piauhí, e de quaisquer outras Capitanias; Desembargadores,
Ouvidores, Provedores, Intendentes, e Diretores das Colônias; e a todos os
Ministros, Juízes, Justiças, e mais Pessoas, a quem o conhecimento deste
pertencer, o cumpram, e guardem, e o façam cumprir, e guardar tão inteiramente,
como nele se contém; sem embargo, nem dúvida alguma; e não obstante quaisquer
Leis, Regimentos, Alvarás, Provisões, Extravagantes, Opiniões, e Glossas de
doutores, e costumes, e estilos contrários: Porque tudo Hei por derrogado para
este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor. E Hei outrossim por
bem, que este Alvará se registe [sic] com o mesmo Regimento nos livros das Câmeras, onde pertencer, depois
de haver sido publicado por Editais: E que valha como Carta feita em meu Nome,
passada pela Chancelaria, e selada com os Selos pendentes das minhas Armas;
ainda que pela dita Chancelaria não faça trânsito, e o seu efeito haja de durar
mais de um ano, sem embargo das Ordenações em contrário. Dado em Belém, aos
dezessete dias do mês de Agosto de mil setecentos e cinqüenta e oito.
REY.
Sebastião Joseph de Carvalho Mello.
Alvará,
porque V. Majestade há por bem confirmar o Regimento, intitulado: Diretório, que se deve observar nas
Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão, enquanto Sua Majestade não mandar o
contrário: Na forma acima declarada.
Para V.
Majestade ver.
Filippe Joseph da Gama o fez.
Registado
[sic] na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, no livro da Companhia
Geral do Grão Pará, e Maranhão, a fol. 120. Belém a 18 de Agosto de 1758.
Filippe Joseph da Gama
Texto digitado a partir das cópias dos originais publicadas no livro
“O diretório dos índios: um
projeto de "civilização" no Brasil do século XVIII”,
de Rita Heloísa de Almeida. Editora UnB, 1997.