Chegando à América, os cronista europeus
ouviram todos o mesmo eco de um terrível DILÚVIO. A tradição oral a seu
respeito era geral, desde as terras nórdicas dos pele-vermelhas até as
possessões austrais dos Tehuelches, na Terra do Fogo.
Em sua “História da Cultura Peruana”,
Atílio SIvirichi faz o balanço deste mito espalhado por todo o novo continente.
O auto observa que “as
características especiais que o dilúvio adquire confirmam a hipótese de um
dilúvio provocado por catalismos geológicos”. A arqueóloga peruana Rébecca
Carrion Cachot fala de “certos fenômenos
que revolucionaram todo o continente e deixaram traços palpáveis em sua
amplitude”. Erupções vulcânicas acompanhadas de sismos e de chuvas
torrenciais surpreenderam os velhos povos que vivam então “a idade do ouro de uma prosperidade marcada pelo desenvolvimento
intensivo das belas-artes, especialmente de uma arquitetura monumental que não
teve rival nos séculos vindouros”.
O padre Ávila ouviu dos indígenas de
Cusco que tinham lembranças de “cinco
dias de obscuridade” durante o dilúvio. Todas as versões dos cronistas
coincidem no fato de que o mundo foi imerso nas trevas depois de um dilúvio.
Uma tradição ZUNI, recolhida por G. W. James, declara que “a despeito das advertências Daqueles do Alto, seus ancestrais
perseveraram em suas práticas até que o Povo das Sombras resolveu apagá-lo da
superfície da terra. As duas grandes fontes de água do mundo foram abertas: o
reservatório do alto, de onde tombam as chuvas, e aquele de baixo, que alimenta
as fontes, rios e regatos. As chuvas abateram-se e os rios transbordaram até
que os Zuni refugiaram-se às presas sobre o cume do Tai-yo-al-la-ne (Monte do Trovão).
“O
medo invadiu o coração de todas as pessoas. Em vão os sacerdotes cantaram,
dançaram e fizeram grande fumarada; a cólera Daqueles do Alto não se acalmou. O
chefe dos sacerdotes resolveu, então, retirar-se para o mais alto cume da
montanha sagrada e ali meditar e interceder em favor de seu povo. Quando
voltou, trazia uma resposta: Aqueles do Alto pediam o sacrifício do mais belo
dos rapazes e da mais encantadora das moças.
“Ainda
hoje, quando os Zuni contemplam o nascer ou o por do sol no cume da Montanha
Sagrada, conseguem distinguir duas silhuetas em pé”.
Os YOWAS,
que “viviam numa ilha onde nasce o Sol”,
segundo suas crenças mais antiga, foram desalojados dela por um dilúvio que
engoliu a maioria dos seus antepassados. O Grande Espírito precisou criar um
novo casal do qual eles descendem.
A cosmogonia americana dá um lugar
preponderante às diferentes idades geológicas que aparecem divididas em “sóis”.
Padre Toríbio de Matolinia indica que os MAIAS
contavam cinco idades ou sóis. A primeira delas é NAHUI-ATL, o Primeiro Sol
desaparecido sob as águas que afogaram todas as pessoas. Segundo o Codex Chimalpopoca, “a duração deste Sol foi de seiscentos e
setenta e seis anos, ao fim dos quais os homens foram em um só dia transformados
em peixes. As montanhas desapareceram sob a água, que ficou tranqüila durante cinqüenta
e duas primaveras”.
Segundo Pedrarias de Ávila, os indígenas
de Santa Cruz, perto do Golfo de Araba, falavam de um grande senhor chamado Chiripa, que fez cair do céu a “grande
chuva”. No Yucatã, um casal e seus filhos salvaram-se do dilúvio em uma canoa.
Os indígenas das Caraíbas atribuíram a catástrofe ao pássaro íbis, que “revirou a Terra de cima para baixo”,
formando um círculo de picos muito altos onde se refugiaram alguns indivíduos.
Os ARAWAK
atribuíam o dilúvio a três grandes Espíritos: Mokanaima, Aimon-Kindi e
Moerewana, que, batendo-se,
desencadearam terríveis cataclismas de fogo e de água.
Na Colômbia, os CHIBCHAS conservam diversas crenças que se referem a fenômenos
plutônicos. O mais importante remonta a Chibchacum
que fez transbordar os rios Sopo e Tibito, formando um lago imenso. Refugiados
sobre os cimos andinos, as pessoas imploraram o auxílio de Bochica, que lhes apareceu como um arco-íris. Com seu bastão de
ouro, Bochica rompeu o Tequendama para que as águas pudessem escoar pela
brecha. E condenou o Chibchacum a carregar o mundo sobre os ombros. Nesses
altos montes dos Andes colombianos, geólogos encontraram esqueletos de animais
pré-históricos que, fugindo das águas, morreram a 3.000 metros de altitude por
falta de pastagem.
Os ACHAGUAS
do Alto Orenoco acusam Catana, o
dilúvio, de ter destruído todos os povos e os animais. Um grande lago subsistiu
que, pouco a pouco, secando-se, forma ainda em nossos dias a laguna
Catena-Manoa.
No Equador, o dilúvio ocupa um grande
lugar sob o nome de HATUN TAMIAJUDNA
PACHAPA, ou seja, “a época da Grande Chuva”. Este cataclismo teria sido
provocado pela erupção conjunta de todos os vulcões da cinta do fogo do
Pacífico, situados na linha do equador, que sopraram para o céu gigantescas
colunas de vapor ardente. O ar saturado de nuvens sombrias e espessas, recaiu
depois sob a forma de uma chuva diluviana, mortal para tudo quanto vivia. As
correntes de alva obstruíram o curso dos rios que transbordaram, criando lagos
que não cessavam de crescer. Levado pelas águas – o que lhe valeu o nome que
intriga tantos americanistas ainda hoje – apareceu então um mensageiro de
cabeça resplandecente, trazendo uma longa barba tão branca quanto a túnica
longa: VIRACOCHA, que trouxe aos
sobreviventes do cataclismo o reconforto da palavra e das leis estruturais para
restabelecer a ordem da vida. Antonio de la Calancha menciona que em Gonzamana,
no Equador, venerava-se um rochedo que guardaria a impressão das mãos de
Viracocha.
Entre os CAÑARI, contasse que dois irmãos sobreviveram ao dilúvio subindo
até o alto do Huayñan. Em Quito fala-se de Atacorupaqui
e Cusicayo que também teriam
sobrevivido no alto do monte Wakayñan. Ali, eles forma alimentados por dois guacamayos (papagaios). Os dois
papagaios transformaram-se, por fim, em duas mulheres que revelaram terem sido
enviadas por Viracocha. Por isso os Cañari
veneram essas aves até hoje, depositando-lhes oferendas no alto do Wakayñan.
Marcos de Niza fala de uma outra versão
equatoriana para o dilúvio: “Em tempos
muito antigos, houve um naufrágio geral dos homens que foi provocado por uma
enorme serpente que um caçador havia transpassado com suas flechas. A serpente
vomitou uma tal quantidade de água que a terra inteira ficou recoberta por ela.
Apenas uma mulher, chamada Pacha, e seus três filhos sobreviveram subindo ao
alto do Pichincha, vulcão que domina a capital do Equador.
Entre os GUANARI o dilúvio chama-se IPORO; dele, apenas um casal sobreviveu
refugiando-se no algo da Serra do Mar – uma muralha que se ergueu para deter o
avanço das águas. Para os TUPI, o
responsável pelo dilúvio foi Irinmaje,
tentando apagar o fogo de Monan. Já
os GÊ consideram o dilúvio obra de Anatiwa; os sobreviventes foram salvos
por uma galinha d’água, que os guiou até o Pico Saracura... e depois lhes
trouxe comida e sementes para fazer suas hortas.
Os ARAUCANOS
atribuem a inundação à “guerra que se
fazia entre duas gigantescas serpentes: uma habitava as grutas do monte Ten-Ten,
um cume sagrado; a outra, nas profundezas do Caicai-Vilu. O Ten-Ten avisou os
homens que o mar iria transbordar, mas eles não lhe deram crédito. Caicai fez,
então, o mar subir e recobrir a terra, mas Ten-Ten fazia crescer os montes,
para se erguerem acima das águas. Muitos homens tornaram-se seres aquáticos –
baleias, atuns, peixes-espada, lisas, robalos, e Ten-Ten os ensinou a nadar”.
Desde essa época, muitos povos no atual Chile, trazem nomes de peixes e
mamífero aquáticos.
Os povos do Chaco argentino tem
numerosos mito diluvianos. Em plena noite, para escapar à inundação, os homens,
os avestruzes e os guanacos escalaram as montanhas. Em coro eles suplicavam ao
Sol para iluminar seu caminho, para que eles não afundassem nos lagos de lama.
O Deus enviou-lhes, então, a Lua que, caminhando sob a chuva, segurava em suas
mãos uma tocha. Mas a água abundante enfraqueceu sua luz e é por isso que a Lua,
atualmente, ilumina com um fogo fraco e sem calor.
Em TIAHUANACO
o tempo geológico também eram dividido em sóis. O primeiro é o Sol da Água
Diluviana. O padre Cristobal de Molina conta, em seu “Rito e Fábulas dos Incas”,
de 1572, que os indígenas de Tiahuanaco diziam que antes do cataclismo, “os lhamas, guanacos e outros animais
domésticos mostraram-se tristes. Dias e noite sem comer, eles olhavam para o
céu. Um pasto que noto isso reuniu seus seis filhos e seu rebanho e conduziu-os
para o mais alto cerro de ANKASMARKA, de onde eles contemplaram as chuvas que
caiam interminavelmente. As águas elevavam-se sem cessar, porém a montanha
também crescia. Este sobreviventes do desastre pudera repovoar a província”.
Os KUYOS, de Pisac, no Vale Sagrao
do Urubamba, afirmam ser os descendentes do pastor do Calca.
Francisco de Ávila nota a mesma tristeza
lendária dos animais dos Andes, “até ao
transbordamento do mar que recobri a terra”. Um só homem sobreviveu subindo
o Villacota, na região de Huarohiri. Segundo outra versão, quem sobreviveu foi
um casal, dentro de uma caixa de madeira, que, no final da inundação, “o vento os atirou para Tiahuanaco, a
setenta léguas de Cuzco”.
Sarmiento de Gamboa informa que os
andinos chamavam o dilúvio de UNI
PACHACUTI, que significa “a
destruição do mundo pela água” ou ainda, “a água que revoluciona o mundo”. Segundo ele, choveu durante
sessenta dias e sessenta noite e tudo desapareceu. Entretanto, “pode-se ver nas ruínas de Pukara, situada a
dez léguas do lago sagrado, as forma daqueles que foram petrificados por
Viracocha em memória desse feito”.
Antônio de la Calancha fala do dilúvio
em sua célebre “Crônica moralizada da
Ordem de Santo Agostinho do Peru”. Segundo ele, os indígenas diziam que “o deus que criara o mundo e que eles chamam
de Pachayachachic (O Senhor
Invisível) foi desconsiderado pelos homens que adoravam as águas, as fontes,
as montanhas, os rochedos, porque não
fizeram mais caso do criador. Pachayachachic sofreu muito com tal afronta. Ele então vingou-se mandando raios
ardentes. Mas os humanos continuaram a desconsiderá-lo. Então ele derramou
sobre a humanidade uma quantidade tão grande de chuva que os afogou a todos,
exceto alguns poucos, que ainda o procuravam. A esses ele mandou que subissem
nos mais altos montes e se escondessem em cavernas e grutas.
“Quando
a chuva cessou, ele disse-lhes que saíssem e fossem povoar a terra onde
viveriam alegres e felizes. Estes foram, por sua vez, agradecidos aos montes,
às grutas e aos outros esconderijos que eles começaram a venerar. E seus filhos
os chamam de HUACA”.
Lopez de Gomara narra que “os homens que se refugiaram em certas
cavernas das sierras muito altas, fecharam as entradas desses abrigos de modo
que as chuvas ali não pudessem entrar. Eles colocaram no interior muita reserva
de alimento e animais. Quando não ouvira mais cair a chuva, atiraram dois
cachorro para fora. Eles voltaram sujos e molhados. Os homens compreenderam que
as águas ainda não haviam baixado. Depois, eles atirara outros cachorros que
voltaram sujos, mas secos, o que lhes indicou que as chuvas tinham por fim cessado
e eles saíra de seus refúgios para repovoar a terra”.
As tradições URU, colhidas por Anello de Oliva, fazem alusão a um passado
opulento “quando seus ancestrais
habitavam a terra firme... Um castigo divino atingiu-os com um dilúvio que os
obrigou doravante a viver sobre o lago Titicaca”.
Durante o dilúvio, conta o padre Cobo, o
Sol escondeu-se sob um rochedo na ilha Titicaca, em companhia de alguns homens
que ele quis proteger. Entre estes estava Manco Capac.
A lembrança de um dilúvio americano
encontra-se igualmente na Amazônia. Os povos do Alto Napo contam a seus filhos
que uma terrível inundação provocada pelo fechamento do curso do rio, formou um
vasto mar interior, que fez desaparecer a árvore sagrada Sumaco, a mais alta da floresta. Os PAUMARI que habitam as margens do rio Purus, afluente do Amazonas,
recordam-se de gigantesca tromba d’água que desceu das montanhas e fez perecer
toda a humanidade. Somente os Paumari conseguiram escapar dela porque a tribo
tem por costume viver constantemente sobre a água, a bordo de grandes jangadas
de balsa que se elevaram com a corrente. Os MAYNA do rio Maranhão pretendem descender de um só casal que se
salvou do dilúvio subindo aos galhos de um alto carvalho.
Os YUNGA
da Bolívia contam que os deuses tinham proibido queimar as florestas que atapetavam
o flanco da montanha. Mas procurando terras férteis, eles desobedecera... A
espessa fumaça que coroou o fantástico incêndio cobriu o pico do Illimani e do
Mururata. Viracocha, então, pediu que Kon desencadeasse uma chuva torrencial durante
vários dias, destruindo as culturas, fazendo desabar as cabanas, apagando
caminhos e tornando impossível toda comunicação com o alto planalto.
Baseado em texto de Simone Waisbard