segunda-feira, 31 de agosto de 2009

XAMANISMO e ANIMAL DE PODER

Em todas as civilizações que valorizam a participação mística do ser humano integrado à natureza, faz-se imprescindível a figura do XAMÃ – universalmente reconhecido como elo entre o sagrado e os humanos, entre os vivos e seus Ancestrais.

O nome xamã, originalmente, é asiático. Diz respeito aos SAMANS, feiticeiros tungues, um dos povos da família altaica que habitava a região centro-setentrional siberiana na Era Paleolítica, cerca de 20.000 a.C. O termo é aparentado do sânscrito SRAMANA e do pâli SAMANA, que designam o homem inspirado por espíritos, podendo igualmente significar esconjurador ou exorcista. Mas o xamã é, antes de tudo, o porta-voz oracular de seu povo. É o iniciado nos mistérios da natureza, nos segredos dos ciclos de vida e morte, nos fenômenos que podem ameaçar sua comunidade. Desempenhando um papel de agente equalizador de forças naturais, ele detém a sabedoria de interpretar os desígnios da natureza e escutar os seus apelos para contrapor às vicissitudes e às intempéries da vida rituais capazes de reinstaurar a ordem cósmica, garantindo assim a permanência de sua gente ao longo das gerações.

O xamã está sempre atento aos sinais à sua volta. Ele ouve as pulsações da terra, compreende o caráter dos ventos e tempestades, entende o que lhe dizem os animais, extrai conhecimento de plantas sagradas, vale-se das propriedades medicinais dos reinos mineral, vegetal e animal que o cercam e prevê, graças a eventos observados, a tendência das ocorrências vindouras.

Longe da relação de causa e efeito a que o mundo civilizado ocidental, filho da ciência moderna, acostumou-se a viver nos últimos três séculos de história, o modo de viver xamânico privilegia as SINCRONICIDADES. Tal termo, no sentido que lhe deu C. G. Jung, diz respeito ao fenômeno de coincidirem no tempo dois ou mais eventos objetivos, sem relação causal entre si, mas que, simultaneamente, são consonantes com algum estado psíquico fortemente emocional. Isso permite àquele que presencia tal experiência abstrair dela algum significado súbito e evidente, capaz até mesmo de subverter suas próximas condutas, ainda que tal entendimento se faça por vias não racionais. Assim sendo, o xamã é aquele que atualiza em seu contexto cultural a tendência inata da espécie humana de criar símbolos e transformar inconscientemente o significado de objetos, seres vivos ou eventos naturais, conferindo-lhes uma importância psicológica mais profunda (ou mesmo sagrada), para daí fazer uma leitura sincronística de todos os fenômenos que os agreguem.

Tal prática, comprovada pela paleoantropologia, remonta aos tempos pré-históricos. Inúmeras cavernas do paleolítico apresentam figuras rupestres de animais em câmaras interiores de difícil acesso. Evidentemente, esses locais quase inacessíveis serviam ao propósito de cerimônias ritualísticas reservadas. Tomado em sua qualidade de arquétipo, o animal, na verdade, representa nosso conjunto de potencialidades e instintos, que, se devidamente assimilados, podem desdobrar-se em dons especiais. Via de regra, animais simbolizam forças cósmicas terrenas, e acham-se presentes por todas as mitologias, quer associados à imagem dos deuses, quer ocupando o lugar das próprias divindades.

Nesse aspecto, o poder do xamã decorre do entendimento que se estabelece entre ele e as hostes espirituais que o rodeiam, visto que não se discute que o xamã possa perceber a realidade sutil disfarçada por detrás dos eventos corriqueiros da vida, como o vôo rasante de um pássaro, a passagem de um morcego em hora de sagração ritualística, o rugir de uma fera, a queda de uma árvore, etc. A percepção intuitiva xamânica não se limita, obviamente, à esfera animal. Toda a natureza pode servir-lhe de texto sagrado; o xamã interage com o espírito da lagoa, com a força da montanha, com as entidades do fogo e assim por diante. Segundo Don Juan, famoso brujo dos livros de Carlos Castañeda, “o xamã é aquele que realiza, graças aos espíritos-guardiões, aquilo que nenhum homem comum conceberia ser possível”.

Dele aprendi, por exemplo, algumas coisas a respeito dos três principais animais totêmicos do universo andino: o puma, o condor e a lhama.

A lhama é o tronco genético da família dos camelídeos, sendo a alpaca, o guanaco e a vicunha os demais componentes de seu grupo. Deste animal – importantíssimo para a economia andina – tudo é aproveitado, desde o esterco e a gordura até a lã. Os camelídeos habitam as altas montanhas e representam a própria Pachamama, ou Mãe-Terra, posto que são animais serenos, resistentes ao frio, fortes e estáveis. Da vicunha pode-se extrair a lã mais fina, com a qual, antigamente, apenas os nobres incas podiam vestir-se. Seu surgimento em sonhos e visões traz a idéia de trabalhos e fardos a serem cumpridos, sugere-nos resistir às dificuldades e nos anuncia bom agouro aos novos empreendimentos.

Já o condor, em todas as mitologias da Cordilheira dos Andes, seja em Tiahuanaco, em Chavin de Huantar, nas cerâmicas de Nazca ou pedras de Ica, é uma ave cósmica, portadora de energia solar, e simboliza o espírito das montanhas. A maior ave de rapina do planeta, representa a consciência arguta e desabrochada, de asas abertas, capaz de enxergar com clareza o presente e o futuro. É também símbolo de liberdade, de renascimento e sinal de intuição sincronizada à inteligência.

O puma, animal caçador de hábitos noturnos, por sua vez, é a contraparte do condor. Simboliza a essência feminina e comumente é visto representado com um meio disco preso ao pescoço, sugestivo do elemento lunar. Podemos dizer que o condor e o puma compõem o “tao” andino, já que são respectivamente exemplos das energias opostas primordiais, das quais tudo se deriva: k’onhi (yang, ou o quente) e tchiri (yin, ou o frio).

Evidentemente, existem muitos outros animais dentro do mundo andino, e todos eles se prestam para impressionar nosso psiquismo ou assumir a função de espíritos-guardiões. Cada animal traz os talentos que lhe são inerentes. Sempre que os vislumbramos, quer em sonhos, quer em visões ou exercícios de imaginação ativa, conforme nos ensinou Jung, não devemos desperdiçar a chance de explorar os aspectos para os quais eles chamam nossa atenção. Muitas vezes o surgimento de certos animais propõe que focalizemos a consciência sobre determinado modo de agir e, a partir dessa nova percepção, somos inspirados para melhorar nossa conduta.

Texto de Paulo Urban

domingo, 23 de agosto de 2009

A FOLHA SAGRADA DOS INCAS


A coca – do quéchua KUKA – é uma planta nativa da Bolívia e do Peru: um arbusto de 1 a 3 metros de altura; casca esbranquiçada, folhas de cor verde oliva, flores pequenas e amarelas e o fruto vermelho, oblongo e carnoso. Em estado selvagem abunda nos Andes até dois mil metros de altura. Os incas exaltavam este arbusto e os sacerdotes do Sol mastigavam e queimavam suas folhas em honra a divindades.

Achados arqueológicos mostram vestígios de uso das folhas de coca há 4 mil anos atrás. Nos Andes, tudo se faz com a folha de coca, desde a hora em que acordam até a hora em que dormem. Milhares de andinos elevam ao alto suas folhas de coca, seus pensamentos e sua devoção todos os dias, buscando a reciprocidade com aquela que nos dá o dom da vida, a Mãe Terra Pachamama.

Os peruanos e bolivianos até hoje têm o costume de PICCHAR, isto é, mascar as folhas para resistirem à fadiga e ao sono, bem como aos jejuns prolongados. Os peões não saem para o trabalho enquanto não fizerem seu ACULLICO – por na boca uma certa quantidade de folhas de coca, misturada com LLICTA (massa feita de batatas fervidas e kañiwa - planta do altiplano boliviano e peruano, que usada junto com as folhas da coca extrai melhor suas propriedades nutrientes e curativas).

A coca ainda tem um grande papel em todas as práticas religiosas dos povos andinos. Por exemplo, quando estão para empreender uma viagem ou um negócio, molham com saliva uma folha inteira e a colam na ponta do nariz; logo a seguir dão um sopro forte e olham para o lado que caiu, se para a direita, é sorte, se para esquerda é sinal de desgraça. Raras vezes empreendem algo, se a coca lhe anunciou má sorte. Antes de empreender qualquer coisa importante, oferecem coca a Pachamama, a Mãe dos cerros (Nevados). Quando vão à caça, fazem um buraco no chão, na boca do mato, e todos depositam uma oferenda de coca, invocando a Pachamama para que lhes seja propícia a caça. Em viagens pelas montanhas, nas vertentes e no encontro de dois montes, encontramos certos montinhos de pedra chamados APACHETAS, onde encontramos folhas de coca ofertadas pelos viajantes; é raro o viajante que passa e não tire da boca a folha que estás mascando para depositá-la ali para propiciar-se uma feliz viagem. Esse costume sé comum também entre o povo guarani do Paraguai.

Para os Aymaras e Quechuas, a folha da coca é sagrada! Como a hóstia dos cristãos. É utilizada em cerimônias sociais e rituais. Diz a lenda que quando Manco Capac, Filho do Sol, foi enviado do céu para ensinar aos homens a cultivar as terras, ele trouxe consigo a planta divina, cujas as folhas mascadas o faziam recuperar as forças perdidas pela altitude e trabalho duro do dia-a-dia. Foi ele quem a ofertou à humanidade, e os ensinou a plantar e usar.

Varias lendas foram adaptadas na época da conquista, mas sempre com essa característica de ser um presente divino para o ser humano, como a folha sagrada que concede dons divinos. Entre todas, a lenda de Khana Chuyma é a mais ilustrativa para referenciar o período da conquista do povo inca: conta a historia Khana Chuyma vivia em uma ilha no lago Titicaca e era o guardião do tesouro do Deus Sol. Ao ver que os espanhóis iam dominá-lo, ele jogou o tesouro no lago para evitar que fosse roubado. Capturado, Khana Chuyma resistiu às cruéis torturas sem dizer uma única palavra sobre a localização do tesouro, e foi finalmente libertado para então morrer. Naquela mesma noite, em grande agonia, foi visitado pelo Deus Sol que lhe disse: "Meu filho, você merece ser recompensado pelo seu enorme sacrifício. Faça qualquer pedido e eu irei realizá-lo." Ele respondeu: "Oh meu querido Deus, o que poderia pedir em tempos de dor e derrota como esse, se não a vitória de meu povo e a expulsão dos invasores?". O Deus Sol respondeu: "O que você me pede é impossível. Não tenho poderes contra o inimigo. Porém, antes de deixá-lo, gostaria de conceder-lhe algo sobre o qual tenho poderes". Khana Chuyma pediu algo que os ajudasse a suportar a escravidão e a vida dura que os esperava; algo que não era ouro. O Deus Sol lhe mostrou a planta de coca e disse: "Diga a seu povo para cultivar essa planta com carinho e colher suas folhas. Após secas, as folhas devem ser mascadas para que seu suco alivie seu sofrimento. Quando se sentirem exaustos de seu destino essa planta lhes dará nova vitalidade. Em suas jornadas através de terras altas, elas irá aliviar sua fome e frio, tornando a viagem mais tolerável. Nas minas onde serão forçados a trabalhar, o terror e a escuridão dos túneis será insuportável sem a ajuda desta planta. Quando quiserem olhar para o futuro, uma mão cheia de folhas jogadas ao vento revelarão os mistérios do destino, mas enquanto essa planta significará força, saúde e vida para seu povo, ela será maldição para os estrangeiros. Quando eles tentarem explorar suas virtudes, a planta irá destruí-los. O que para seu povo servirá de alimento, para os invasores criará conflitos". E essa é a MALDIÇÃO INCA: enquanto o homem branco fizer mal uso da planta sagrada, ela o destruiria... e eis que aí temos a cocaína, alterada quimicamente, destruindo muitas vidas.

A folha de coca, estigmatizada por ser a matéria-prima da cocaína, se transformou em um ingrediente saudável na produção de pães, sorvetes, bombons e balas, além de sabonetes e pasta de dentes. Vários estabelecimentos da cidade peruana de Cuzco passaram a usá-la com o objetivo de demonstrar que a planta sagrada dos povos andinos, além de combater o mal-estar causado por grandes altitudes (“mal de puna” ou “soroche”), também melhora o metabolismo, a oxigenação do sangue, a freqüência respiratória, tira a fome e ajudar em problemas estomacais, dores de cabeça e anemias.




Também é utilizada nos antigos rituais pré-colombianos. Os Paqos, sacerdotes andinos, usam uma CHUSPA, uma bolsinha de tecido ou de pele de lhama para carregar as folhas de coca. Fazem adivinhação através das folhas e também oferendas importantes para retribuir a Pachamama o dom da vida e seu sustento que vem da terra. A principal oferenda ritual chama-se K’INTU, que compreende três folhas de coca, sendo a maior folha é dedicada aos APUS, espíritos protetores da natureza que vivem nas montanhas e picos nevados. Os Apus são invocados em todos os rituais andinos. A segunda folha, mediana, é dedicada a Pachamama, mãe terra, nutridora, provedora da vida. E a terceira folha, de menor tamanho, representa a humanidade. Essas folhas são consagradas com um pequeno sopro ou com o hálito, que significa o sopro de vida que todos temos dentro de nós.

Há uma energia muito forte de identidade entre os povos andinos através das folhas de coca e é impossível dissociar um do outro. Entender o que representa a coca e seus usos, é compreender o legado ancestral, é compreender a essência desses povos que habitaram e habitam o altiplano boliviano e peruano, bem como as grandes altitudes. A conexão do povo andino com seus protetores e com a Mãe Terra é a essência de sua cosmovisão.

Baseado nos textos de Atila Barros e Tatiana Menkaiká

domingo, 16 de agosto de 2009

A PACHAMAMA

Protetora,
Senhora Espiritual,
Dona da Fertilidade,
são os significados
que os povos indígenas
das culturas andinas
dão à Terra,
uma veneração
agora reconhecida
pela Organização
das Nações Unidas.

A decisão da ONU aceitar a proposta do presidente da Bolívia, Evo Morales e instituir o DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA - Pachamama em quéchua e aymara, expressa a preocupação dos povos indígenas de Abya Yala (América) pela destruição do planeta, a acelerada destruição de florestas e faunas e pela contaminação da água.

“A celebração pretende que os governos de todo o mundo e os organismos internacionais se conscientizarem dos desafios que tem a humanidade para preservar a saúde do planeta”, disse o presidente da Assembléia Geral da ONU, o nicaraguense Miguel d’Escoto. A proposta de Morales, da etnia aymara, tem origem nos ancestrais costumes dos povos indígenas, firmes crentes nas bondades da terra e convencidos de viver em harmonia com a natureza.

Estes princípios culturais caracterizam o governo de Morales, como se vê nas medidas para recuperar o bem-estar coletivo e proclamar como bens não privatizáveis a água e outros recursos naturais. A declaração da ONU “é um reconhecimento de que a Terra e seus ecossistemas sustentam nossas vidas. Também realça nossas responsabilidades em promover a harmonia com a natureza”.

Mas o pronunciamento também encerra significados políticos como os expressados pelo embaixador boliviano na ONU, Pablo Sólon, que reclama um compromisso de todas as nações para evitar à Terra “os danos de um capitalismo selvagem que somente vê lucro e não mede os impactos”. Sólon destacou o conteúdo da nova Constituição boliviana, em vigor desde fevereiro, que em seu artigo 20 reconhece a toda pessoa o direito ao acesso universal e eqüitativo dos serviços básicos de água potável, esgoto, eletricidade, gás domiciliar, postal e telecomunicações.

Porém, a Mãe Terra, conhecida por quéchuas e aymaras como PACHAMAMA, encerra outros significados segundo a visão tradicional de povos andinos. O antropólogo aymara Angel Yujra explicou que a palavra Pachamama vem de dois vocábulos aymara e quéchua. Pacha com seu significado de tempo, espaço e representação do todo, e Mama é a representação da categoria superior entre as mulheres, o mais alto cargo espiritual, político e de autoridade dentro de uma cultura ou confederação de nações. As duas palavras unidas representam a senhora com grande autoridade que maneja um espaço territorial, como Tiahuanacu ou o Tahuantinsuyo.

Tiahunacu é uma antiga civilização localizada no altiplano que rodeia o lago Titicaca, a oeste de La Paz, e estima-se que atingiu seu maior desenvolvimento por volta de 2000 antes de Cristo, enquanto o Tahuantinsuyo incluiu uma ampla área sul-americana e que hoje compreende as faixas costeiras do norte do Chile, Peru e Equador, e as zonas por onde se estende a cordilheira dos Antes na Argentina e na Bolívia, em uma área aproxima de três milhões de quilômetros quadrados. Segundo Yujra, o conceito de Pachamama é equivalente a uma senhora do cosmos das culturas dos povos do sul, hoje conhecidas como América Latina.

Nas zonas de planícies quentes e florestas ricas em flora e fauna, a Mãe Terra é a Casa Grande que guarda a floresta, a água, os animais e a natureza em seu conjunto. A cultura guarani denomina a terra como ÑANDERETA. Os povos guarayos, chiquitanos, mojeños e também os guaranis rendem um culto permanente à Terra e, antes de caçar ou pescar, os indígenas da região conversam com a natureza, pedindo licença para obter os frutos de suas entranhas. “Não se pode entrar disparando uma escopeta na floresta. É preciso pedir permissão com muita fé para caçar animais silvestres”.

Os ritos aymaras consideram a Pachamama como protetora de todos os nascidos nos povos do Sul, e seu nome se associa às sociedades agrícolas desenvolvidas antigamente nas terras ecológicas que compreendem desde a costa, o altiplano, os vales e a Amazônia. A Pachamama é considerada a senhora da fertilidade e as evocação é permanente em tempo de plantar e colher em uma sociedade agrícola que valoriza em alto grau o alimento produzido pela terra. Em agradecimento à abundante colheita ou para pedir um ano com clima favorável para a produção agrícola, os indígenas andinos realizam um tributo em maio e agosto.

As oferendas consistem em ervas escolhidas para rituais, doces, papel colorido, gordura animal e fetos de llama, que são colocados em uma cova no chão para agradecer a Pachamama. Outra época em que se agradece à Terra é a temporada de chuvas, antigamente chamada de Anata, e agora conhecida como carnaval – um tempo em que as plantações estão florescentes. Após a colonização espanhola, os povos indígenas associaram Pachamama com a Virgem Maria, um costume mantido até hoje. Isso se deveu a uma tentativa dos jesuítas, principais missões católicas, em evangelizar os povos nativos e substituir seus deuses e costumes pela cultura cristã européia.

O culto à Mãe Terra não diminuiu em 400 anos de colonialismo. E a incorporação da religião católica entre os povos indígenas terminou em um processo intercultural onde se compartilha padrões culturais como um intercâmbio de produtos espirituais e materiais. À luz da nova Constituição aprovada no governo Morales, que reconhece os valores culturais dos povos indígenas, muitos sacerdotes aymaras dirigem seus passos para restaurar espaços rituais sagrados, aos espíritos antigos e ao mesmo culto a Pachamama.




Texto de Franz Chávez

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

CULTURA CHINCHORRO

O deserto de Atacama, no Chile, é o lugar mais seco da Terra; há poucos sinais de vida ali e, em algumas partes, não chove há milhares de anos. Mas foi essa própria secura que fez dele o guardião perfeito de um tesouro único: em suas areias encontram-se os segredos íntimos de um velho mundo, o legado de um povo da Idade da Pedra que acreditava ser capaz de vencer a morte: a CULTURA CHINCHORRO.


A cidade de Arica, na costa do Pacífico, começou como pequena aldeia de pescadores. Escavações de 1983, nos arredores da cidade, trouxeram à mostra um antigo local de sepultamento do povo Chinchorro: cerca de 96 corpos mumificados, enterrados com alguns artefatos. A múmia mais antiga tem cerca de 9.000 anos. Portanto, são as múmias mais antigas do mundo. Ou seja: essa remota comunidade de pescadores da América do Sul já praticava a mumificação antes mesmo do nascimento da civilização e pelo menos 2000 anos antes das lendárias múmias do antigo Egito.

“Chinchorro” é uma palavra espanhola que designa uma pequena rede de pesca em forma de bolsa (hoje também usada para referir-se a rede de dormir). Algumas destas bolsas de pesca foram encontradas enterradas junto de múmias. Daí terem recebido esse nome. Os 96 corpos recuperados consagraram os Chinchorros como os primeiros e mais prolíficos preparadores de múmias que o mundo conheceu: envolvida numa capa de juncos, com uma máscara facial de argila que suporta uma grande cabeleira.

Na escavação da encosta junto ao mar, descobriram-se conchas de moluscos e outros objetos que revelam o modo de vida dos Chinchorros: um povo de caçadores-recoletores da Idade da Pedra que trocaram a vida por uma existência mais estável e sedentária junto à costa. Permaneceram nesta zona durante milhares de anos, pois aqui tinham tudo quanto necessitavam para uma existência relativamente confortável: havia leões marinhos e peixe com fartura; as agulhas dos cactos serviam para fazer os anzóis; dos juncos do vale à beira-rio, das peles dos animais, faziam vestuário e esteiras, sólidas redes de pesca, delicados ornamentos corporais e sudários para envolver os mortos. Não conheciam os metais, a cerâmica, a roda ou animais de carga. A análise dos crânios muitos homens sofriam de problemas auditivos e doenças do canal auditivo que levavam à surdez, provavelmente provocadas pelo mergulho em águas frias para a coleta de mariscos e outros animais marinhos. Podemos presumir – baseados nos dados recolhidos e na comparação com outras culturas de período mais ou menos semelhantes –, que os homens iam para o mar mergulhar e pescar, enquanto as mulheres se encarregariam de preparar os alimentos recolhidos pelos homens. Não deixaram quaisquer sinais de escrita nem construções duradouras. Eram simplesmente um povo da Idade da Pedra. Mas a maneira como tratavam os mortos era tudo menos simples. Os Chinchorros mumificavam todos – homens, mulheres e crianças – sem distinção. E o mais estranho é que as múmias não eram logo sepultadas; antes, ao que parece, eram mantidas em exposição junto dos vivos.

O quadro que se pode fazer com estes dados é o de um povo muitíssimo criativo, cuja imaginação e energia espiritual não se manifestavam na cerâmica, no mobiliário ou em construções, mas sim na misteriosa arte de mumificar os mortos.

A sua técnica de mumificação era absolutamente única: com lâminas de pedra lascada arrancavam toda a carne, esvaziavam o corpo retirando todos os tecidos moles e o sangue. Depois reforçavam o esqueleto atando estacas de madeira aos ossos. As cavidades do corpo eram preenchidas então com ervas, cinzas e pêlo de animais. A pele era então resposta no lugar e cozida. Braços e pernas eram também reforçados com paus e depois envolvidos em tecido vegetal. Por fim, o corpo todo era coberto com uma espécie de pasta de cinza branca, posteriormente pintada com manganês preto. Uma máscara de argila com uma sofisticada cabeleira feita de cabelo humano cobria o rosto e a cabeça. Uma vez pronta, a múmia estava apta a ser transportada acompanhando os vivos. Era uma efígie robusta, muito diferente do esplendor pictórico dos egípcios. O mais notável de tudo, e é um aspecto em que se distinguem de todos os outros é que os Chincorros aplicavam os seus sofisticados processos de mumificação tanto nas crianças como nos adultos, como se quisessem conservar junto de si todos os seus mortos ou como se, de certo modo, sentissem que eles ainda continuavam vivos.

Presumivelmente que também seriam as mulheres que teriam os conhecimentos necessários (que aprendiam na preparação de alimentos) para esfolarem os corpos, retirar os tecidos moles do interior do corpo e depois reconstruí-lo cosendo a pele sobre a múmia. De toda forma, a maneira como trabalhavam os mortos revela um alto grau de sofisticação no manuseio de ferramentas e materiais muito elevado, além de mostrarem-se extremamente familiarizados com a anatomia humana – sabiam remover os órgãos internos para evitar a decomposição e as costuras na pele revela um fabuloso conhecimento dos processos necessários e atenção aos detalhes. Por outro lado, a forma como a múmia era depois vestida e cuidada mostra uma preocupação e, aparentemente, um carinho fora do comum para com os seus mortos.

Algo que chama a atenção é o fato de os Chinchorros mumificarem todas as pessoas com o mesmo requinte, quanto outras culturas antigas habitualmente reservarem a mumificação para privilegiados, os ricos e poderosos, por tratar-se de uma arte que requer tempo, energia e dedicação. Outro dado extraordinário é a mumificação as crianças com o mesmo cuidado dispensado aos mais velhos, ao contrário da maior parte das culturas antigas, onde as crianças sequer tinham um funeral minimamente decente. Juntamente com múmias de crianças foram encontradas formas que poderiam ser bonecos, mas que, depois de análise radiológica, descobriu-se se tratar de fetos mumificados. Ora, se mumificar crianças já de si é algo difícil, mumificar natimortos é absolutamente único!

Tudo isso parecem apontar para uma sociedade que, apesar de "primitiva", não deixava por isso de ter uma noção de alma muito presente. Os dados também parecem indicar que o seu conceito de alma era também importante para si enquanto grupo organizado. De fato, os Chinchorros pareciam não atribuir muita importância a aspectos mais materiais da vida (mobiliários, cerâmica, edifícios) mas tinham uma clara idéia da importância do corpo e da existência de uma "alma". A mumificação parece indicar uma noção bem desenvolvida de que a morte era uma passagem para outro estado e que haveria algum elemento presente nas duas vidas (a pré-morte e a pós-morte) que necessitaria do corpo preservado. A mumificação poderia ser uma maneira de manter os entes queridos quase vivos através da presença do seu corpo apesar de a sua alma ter passado para outro estádio da vida.



domingo, 9 de agosto de 2009

O CONDOR

Quando voa o condor
Com o céu por detrás
Traz na asa um sonho
Com o céu por detrás
Voa condor
Que a gente voa atrás
Voa atrás do sonho
com o céu por detrás

Ah, que o vôo do condor no sol
Trace a linha da nossa paixão
Eu quero que seja
mostrada no meio da rua

e rolando no chão.
Ah, que a gente despedaçe em luz
Ah, que Deus seja o que quiser
Explode a cabeça
com olho de bicho
mas com um coração de mulher.

Ah, se fosse como a gente quer
Ah, e se o planeta explodir
Eu quero que seja
em plena manhã de domingo
e que eu possa assistir
Ah, que na miserável condição
da raça humana procurando o céu
levante a cabeça
e ao levantar por encanto
escorregue o seu véu

Quando voa o condor
Com o céu por detrás
Traz na asa um sonho
Com o céu por detrás
Voa condor
Que a gente voa atrás
Voa atrás do sonho
com o céu por detrás.



Oswaldo Montenegro

QUISHPI CONDOR


Há séculos nosso continente é sistematicamente saqueado. Daqui partiam, de diversos portos, navios cheios de ouro, prata e outras riquezas para manter a opulência das cortes européias, insensíveis ao fato de que isso provocava a morte indiscriminada de homens mulheres e crianças.

Mas além dessa rapina, queriam calar também nossa alma, nossas emoções e sentimentos, destruindo quaisquer vestígios de nossas crenças, visões e identidades. A dança folclórica QUISHPI CÓNDOR é uma das expressões mais valiosas e comoventes da resistência de um povo na defesa de sua identidade. Ela tem como base um DEUS TUTELAR da cosmovisão e religiosidade ancestral andinas: KUNTUR (condor), com sua natureza selvagem e bravia.

Quishpi é o nome quéchua do cristal branco, que decompõe a luz nas sete cores do arco-íris. Por seu significado é PEDRA DO ARCO-ÍRIS. E o arco-íris é entendido nos Andes como um ato de amor entre o céu e a terra. Dessa forma, a dança do Quishpi Condor relaciona-se com o arco-íris, a alvorada, a abertura de caminhos, o ensinar o filhote a bater as asas e voar. Vincula-se, ainda, com a luta do mundo, a confrontação dos caminhos de terra e pedra, representados na boleadeira que os dançarinos carregam.

Quishpi é um ser luminoso e translúcido como a estrela da manhã, que antecede a chegada de Inti, o Sol. Pai e protetor dos curacas, que o adoravam oferecendo-lhe o molusco da mullu (cuja concha torna-se, então, instrumento sagrado). Ele é um deus tutelar, um guardião, um enviado, um ser das alturas posto ali para preservar a ordem contra todo mal. É o pajem de Inti, seu servidor e acompanhante; quem o anuncia, o guarda e vela por ele. É seu representante e mensageiro: a ALVORADA ANDINA, que mistura fogo e vento nas asas do condor. É a primeira luz chamando para o trabalho, a primeira visão do dia, o primeiro amor e o primeiro símbolo.

No amanhecer encontramos, também, a brisa tênue, como uma criança nascendo das plumas do condor, que plana no alto com suas asas abertas. Por isso, essa dança ritual – que remete ao condor e seu vôo circular – envolve a idéia de liberdade, de ser intocado, de estrela que algum dia renascerá.

O condor é um símbolo andino muito antigo de grandeza, de força e poder. Em primeiro lugar por seu vôo naquelas alturas. Ele se eleva até regiões em que nenhuma outra ave chega; conhece os ventos e sabe seguir suas correntes mesmo nas tempestades. Ele domina o mundo. Às vezes fecha suas asas e se deixa cair quase verticalmente até poucos metros da terra... para então abri-las novamente e pousar suavemente, sem ruído algum. Não compartilha seu cotidiano com outras aves; e um ser das alturas, distante, orgulhoso e soberano.

A sobrevivência do Quishpi Condor nos dá uma grande mensagem de esperança e utopia: nossas raízes e nossa essência ainda vivem. Essa dança é uma expressão heróica da resistência cultural no caminho da libertação. Precisamos reconhecer o heroísmo não apenas nos campos de batalha, mas em nossos feitos culturais, por manterem vivos nossos Deuses. O Quishpi é a presença de uma força ancestral que não nos deixa perder nossa identidade e, pelo contrário, a mantém viva aqui e agora.

O Quishpi Condor é mais do que aparenta ser: é um labirinto que esconde um tesouro, um conjuro, um sortilégio, um oráculo. Ele é o recipiente de uma cosmogonia, de um corpo de crenças e visões sobre o mundo e a vida, simbolizados no totem do condor.



Baseado no texto de Danilo Sánchez Lihón

domingo, 2 de agosto de 2009

HINO A PACHAMAMA


Oh! Madre de las maravilhas
que de mil formas te muestras:
cual selva húmeda y bravia,
o como estepas desérticas,
o como arenales candentes,
o como montañas frias.

Todo te está permitido:
tomar las águas del cielo,
hacer los mares que quieras,
torcer a tu gusto los rios,
jugar con haycos y piedras,
y tronar las veces que quieras.

Nada te está prohibido
porque a las mismas montañas
ardientes bocas les pones,
y se la tierra se duerme
le sacudes sus entrañas
y le sopias sus praderas.

sábado, 1 de agosto de 2009

PACHAMAMA


EH! ÊIÊIÊE, ÊIÊIÊ, AAAH....

Toquem os trocanos para dançar
Flautas de pan, maracás
Todos os guerreiros para dançar
Todas as nações a celebrar
Os tambores da terra

Pachamama,
Oh! Mãe Terra, toquem os tambores da terra

O grande tambor indígena
a ocara sagrada no centro da taba pra celebração
era, auera...hei
Hera, auera...hei

O povo da bandeira do sol
Os guerreiros da mata, os filhos das águas
Todos virão

Das águas, bravos canoeiros
Dos vales e montanhas, grandes caçadores
Virão dançar
Aclamando a Mãe Terra

Kanamari - Kachinauá – Yanomami – Zuruahá
Bará – Macu – Mura – Matis – Juma – Corubo – Erickbátsa

Onaiê... Onaiê...Onaiê...Onaiê

EH! ÊIÊIÊE, ÊIÊIÊ, AAAH...

Composição: Adriano Aguiar e Geovane Bastos