O nome xamã, originalmente, é asiático. Diz respeito aos SAMANS, feiticeiros tungues, um dos povos da família altaica que habitava a região centro-setentrional siberiana na Era Paleolítica, cerca de 20.000 a.C. O termo é aparentado do sânscrito SRAMANA e do pâli SAMANA, que designam o homem inspirado por espíritos, podendo igualmente significar esconjurador ou exorcista. Mas o xamã é, antes de tudo, o porta-voz oracular de seu povo. É o iniciado nos mistérios da natureza, nos segredos dos ciclos de vida e morte, nos fenômenos que podem ameaçar sua comunidade. Desempenhando um papel de agente equalizador de forças naturais, ele detém a sabedoria de interpretar os desígnios da natureza e escutar os seus apelos para contrapor às vicissitudes e às intempéries da vida rituais capazes de reinstaurar a ordem cósmica, garantindo assim a permanência de sua gente ao longo das gerações.
O xamã está sempre atento aos sinais à sua volta. Ele ouve as pulsações da terra, compreende o caráter dos ventos e tempestades, entende o que lhe dizem os animais, extrai conhecimento de plantas sagradas, vale-se das propriedades medicinais dos reinos mineral, vegetal e animal que o cercam e prevê, graças a eventos observados, a tendência das ocorrências vindouras.
Longe da relação de causa e efeito a que o mundo civilizado ocidental, filho da ciência moderna, acostumou-se a viver nos últimos três séculos de história, o modo de viver xamânico privilegia as SINCRONICIDADES. Tal termo, no sentido que lhe deu C. G. Jung, diz respeito ao fenômeno de coincidirem no tempo dois ou mais eventos objetivos, sem relação causal entre si, mas que, simultaneamente, são consonantes com algum estado psíquico fortemente emocional. Isso permite àquele que presencia tal experiência abstrair dela algum significado súbito e evidente, capaz até mesmo de subverter suas próximas condutas, ainda que tal entendimento se faça por vias não racionais. Assim sendo, o xamã é aquele que atualiza em seu contexto cultural a tendência inata da espécie humana de criar símbolos e transformar inconscientemente o significado de objetos, seres vivos ou eventos naturais, conferindo-lhes uma importância psicológica mais profunda (ou mesmo sagrada), para daí fazer uma leitura sincronística de todos os fenômenos que os agreguem.
Tal prática, comprovada pela paleoantropologia, remonta aos tempos pré-históricos. Inúmeras cavernas do paleolítico apresentam figuras rupestres de animais em câmaras interiores de difícil acesso. Evidentemente, esses locais quase inacessíveis serviam ao propósito de cerimônias ritualísticas reservadas. Tomado em sua qualidade de arquétipo, o animal, na verdade, representa nosso conjunto de potencialidades e instintos, que, se devidamente assimilados, podem desdobrar-se em dons especiais. Via de regra, animais simbolizam forças cósmicas terrenas, e acham-se presentes por todas as mitologias, quer associados à imagem dos deuses, quer ocupando o lugar das próprias divindades.
Nesse aspecto, o poder do xamã decorre do entendimento que se estabelece entre ele e as hostes espirituais que o rodeiam, visto que não se discute que o xamã possa perceber a realidade sutil disfarçada por detrás dos eventos corriqueiros da vida, como o vôo rasante de um pássaro, a passagem de um morcego em hora de sagração ritualística, o rugir de uma fera, a queda de uma árvore, etc. A percepção intuitiva xamânica não se limita, obviamente, à esfera animal. Toda a natureza pode servir-lhe de texto sagrado; o xamã interage com o espírito da lagoa, com a força da montanha, com as entidades do fogo e assim por diante. Segundo Don Juan, famoso brujo dos livros de Carlos Castañeda, “o xamã é aquele que realiza, graças aos espíritos-guardiões, aquilo que nenhum homem comum conceberia ser possível”.
A lhama é o tronco genético da família dos camelídeos, sendo a alpaca, o guanaco e a vicunha os demais componentes de seu grupo. Deste animal – importantíssimo para a economia andina – tudo é aproveitado, desde o esterco e a gordura até a lã. Os camelídeos habitam as altas montanhas e representam a própria Pachamama, ou Mãe-Terra, posto que são animais serenos, resistentes ao frio, fortes e estáveis. Da vicunha pode-se extrair a lã mais fina, com a qual, antigamente, apenas os nobres incas podiam vestir-se. Seu surgimento em sonhos e visões traz a idéia de trabalhos e fardos a serem cumpridos, sugere-nos resistir às dificuldades e nos anuncia bom agouro aos novos empreendimentos.
Já o condor, em todas as mitologias da Cordilheira dos Andes, seja em Tiahuanaco, em Chavin de Huantar, nas cerâmicas de Nazca ou pedras de Ica, é uma ave cósmica, portadora de energia solar, e simboliza o espírito das montanhas. A maior ave de rapina do planeta, representa a consciência arguta e desabrochada, de asas abertas, capaz de enxergar com clareza o presente e o futuro. É também símbolo de liberdade, de renascimento e sinal de intuição sincronizada à inteligência.
O puma, animal caçador de hábitos noturnos, por sua vez, é a contraparte do condor. Simboliza a essência feminina e comumente é visto representado com um meio disco preso ao pescoço, sugestivo do elemento lunar. Podemos dizer que o condor e o puma compõem o “tao” andino, já que são respectivamente exemplos das energias opostas primordiais, das quais tudo se deriva: k’onhi (yang, ou o quente) e tchiri (yin, ou o frio).
Evidentemente, existem muitos outros animais dentro do mundo andino, e todos eles se prestam para impressionar nosso psiquismo ou assumir a função de espíritos-guardiões. Cada animal traz os talentos que lhe são inerentes. Sempre que os vislumbramos, quer em sonhos, quer em visões ou exercícios de imaginação ativa, conforme nos ensinou Jung, não devemos desperdiçar a chance de explorar os aspectos para os quais eles chamam nossa atenção. Muitas vezes o surgimento de certos animais propõe que focalizemos a consciência sobre determinado modo de agir e, a partir dessa nova percepção, somos inspirados para melhorar nossa conduta.