O tempo é uma constante da natureza em que existimos e todas as civilizações do mundo desenvolveram sua maneira própria para compreender e ser relacionar com ele. A civilização Qolla, por exemplo, conta com dois calendários: o primeiro é o CALENDÁRIO AMAWTA, contendo as metáforas sobre a origem do tempo e suas respectivas idades; o segundo é o CALENDÁRIO QOLLA. Ambos, no entanto, têm referência astronômica e são calendários luni-solares.
Em sua versão ancestral, o calendário qolla sistematiza o ciclo solar, lunar e agrícola usando uma unidade de tempo chamada KUMI - um período de 20 anos, muito conhecida nos Andes e ainda hoje usada, sobretudo pelos mais velhos, que contam o tempo de 20 em 20 anos. O kumi é formado por cinco TAWA, e cada tawa tem quatro anos. Um tawa une-se ao seguinte por intermédio de um dia chamado JACH’A URU ou JUTUN P’UCHAY, que significa “O Grande Dia”.
O termo andino para significar o ano é MARAWATA.Mara significa “ano” na língua Aymara; em quéchua, mara é uma pedra especial, aquecida pelos raios solares e wata significa “reforço” ou “remendo”,com o sentido de sustentar algo. Portanto, MARAWATA significa “sustento do ano”. O marawata se expressa através da INTIWATANA (as amarras do Sol), um gnomo: uma coluna de pedra usada para acompanhar a passagem do ano através da sombra projetada pelo sol nas diferentes épocas. O campo dessa sombra é dividido em dois tirsu, que equivale a meio ano, e quatro taru, que é a quarta parte do ano. As estações do ano de acordo com o material lítico e as informações orais que nos chegaram, se traduzem em quatro PACHAS – indicada pelos quatro taru –, que são:
- Juyphipacha (tempo do frio), começa em 04 de Maio e termina em 02 de Agosto. Em 04 de Maio acontece a FESTA DA CHAKANA, talvez a mais popular em todo Andes, sinalizada pelo Cruzeiro do Sul (Chakana) que atinge seu ponto mais alto no céu. No dia 21de Junho – solstício de inverno – acontece o INTIRAYMI ou a FESTA DO SOL. Essa festa começa a ser preparada a partir da lua nova antes de 21 de junho, e dura três dias antes e três dias depois solstício, ou seja, de 18 a 24 de junho.
- Wayrapacha (tempo do vento), começa no dia 3 de agosto e acaba em 1º de Novembro. No dia 21 de Setembro – equinócio da primavera – acontece a QHUAYARAYMI ou FESTA DOS JOVENS
- Jallupacha (tempo das chuvas), começa em 1º de Novembro e termina em 02 de Fevereiro. No dia 21 de Dezembro – solstício de verão – celebra-se o QHAPAXRAYMI ou A GRANDE FESTA DO SOL, festa da família.
- Llamp´upacha (tempo do calor), vai de 2 de fevereiro a 2 de maio. No dia 21 de março – equinócio de outono – acontece o PAWKAR RAYMI ou FESTA DOS SÁBIOS, das pessoas mais velhas.
O ano qolla é composto por 13 meses lunares de 28 dias aproximadamente chamados PHAXIS, que começam sempre na Lua Nova.Em aymara, “phaxis” tanto significa “mês” quanto “lua”. Dessa forma, o ano tem normalmente 364 dias. Para equivaler ao ciclo solar, recebe um dia extra chamado MARAT’AQA ou WATAP’ITI, que significa “ruptura do ano”.
O Marat’aqa é considerado um dia fora do ano, um tinku – a ponte entre o ano velho e o ano novo. O tinku era tradicionalmente celebrado pelo confronto entre dois grupos – de jovens, sobretudo – que se enfrentavam fisicamente através de uma dança violenta, na praça principal da cidade ou em seu espaço comunitário central, deixando-a respingada de sangue. Representa o embate entre o novo e o velho. Hoje, esse confronto tornou-se uma competição de dança, mas os movimentos mantêm a agressividade original; vendo-os, compreende-se o que significaria quando dois grupos dançando dessa maneira se enfrentavam.
O Marat’aqa, por estar relacionado ao Sol, também é chamado de WILLKI – “o que derrama sua luz”. Por isso, em tempos mais recente, foi associado ao Intiraymi, “festa do Sol”, e sua comemoração passou do dia 03 de Maio para 21 de Junho.
O JACH’A URU ou JUTUN P’UCHAY, o “Grande Dia” que une um tawa a outro, é um dia de acréscimo que acontece a cada quatro anos. Também é chamado de WILLKASI, o “Encontro do Sol” e celebrado com grandiosidade.
Os meses aymarás têm uma orientação agrícola marcante:
1 – SAMAÑA - Mês em que a natureza diminui sua atividade e entra em processo de hibernação ou “SAMI”. Nesse tempo, nos Ayllus (comunidades) as pessoas terminam suas atividades agrícolas e se preparam para o ano seguinte.
2 – LOQAYA - Mês em que cai a neve, abaixando a temperatura. Logo o degelo irá alimentar as vertentes e arroios. No Ayllu se realiza a LOQTA ou OFERENDA A PACHAMAMA.
3 – QUPAÑA - Mês em que caem as primeiras chuvas. As pessoas começam a preparar a terra para a semeadura, revolvendo sua superfície, facilitando a penetração da água da chuva para que fiquem mais úmidas.
4 – WAKICHAÑA - Mês em que começa a semeadura dos vales. As pessoas do Ayllu começam suas hortas, alimentadas pela irrigação. Também preparam as sementes para o plantio, tão logo acabem as chuvas.
5 – SATAÑA - Mês da semeadura de milho nas partes altas e o plantio de batatas e forragem para os animais nas partes baixas.
6 - ALIRAYAÑA- Mês em as plantas começam a brotar. Os rebanhos são levados para os campos de pasto para que não entrem nas plantações e comam os brotos.
7 – IRNAQAÑA - Continua a rega da plantação e se reforça os canais de irrigação; cuida-se para que a água das chuvas se espalhe de maneira uniforme por toda a roça, para que as plantas cresçam sadias.
8 – QAWAÑA - Durante esse mês as chuvas aumentam em intensidade. As roças começam a se encher de ervas e os canais precisam de cuidados constantes, reforçando suas paredes, tirando a terra do fundo.
9 – URUCHAYAÑA - Neste mês as roças estão em seu máximo crescimento e plenitude. As pessoas do Ayllu dedicam canções às suas plantações e festejam com muita alegria a ANATAÑA.
10 – POQORAYAÑA - Nesse mês, as pessoas se dedicam à rega das roças que ainda necessitam de água, provocando o amadurecimento da folhagem. Extraem-se os primeiros produtos.
11 – ALLIRAÑA - Nesse mês começam as colheitas de batatas e algumas variedades de grãos. Quando o trabalho se intensifica, as pessoas se organizam em AYNI (trabalho comunitário).
12 – QAYRUÑA - Simultaneamente à colheita, começam a armazenar os produtos para que não percam sua umidade. Usam os QAYRUS, ou depósitos subterrâneos, que mantém os alimentos quase intactos e frescos por vários meses.
13 – PIRWAÑA - Parte dos produtos são armazenados nas casas, para consumo imediato ou usados nas feiras para troca de mercadorias. Os produtos secos são guardados nas PIWAS; entre eles, o “chuno”(batata desidratada) que pode se conservar por anos.
A semana de 7 dias imposta pelos conquistadores acabou sendo incorporada à cosmovisão andina. Sua popularização só foi possível por representar a quatripartição do mês lunar típico dos Andes e, portanto, ver as QUATRO PARTES que são tão caras aos povos andinos: as quatro semanas do mês representam as quatro partes de um território que se identificava exatamente pela quatripartição: TAWANTISUYO – “Os Quatro Cantos do Mundo”.
Os dias da semana, inicialmente, receberam nomes que dão uma idéia de mobilidade:
Nayruru =outro dia
Waluru = antes de ontem.
Wasuru =ontem
Jichhuru = hoje
Qharuru = amanhã.
Jurpuru = depois de amanhã.
Qhepuru = depois de depois de amanhã.
Só bem depois, os dias foram recebendo nomes mais fixos e associados às cores do arco-íris – outro símbolo potente nos Andes:
Sábado - Chupuru - VERMELHO
Domingo - Wanturu - LARANJA
Segunda - Q’illuru - AMARELO
Terça - Ch’uxñuru - VERDE
Quarta - Laqpuru - CELESTE
Quinta - Larmuru - AZUL
Sexta - Qulluru – VIOLETA
Os dias e noites de terça e sexta são momentos para se reverenciar e honrar os protetores naturais, particularmente se coincidem com a Lua Cheia.
Baseado em texto de Qollasuyu Hemisfferio Sur
Muito reveladora essa Roda.
ResponderExcluirInteressante...