quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

VÁRZEA AMAZÔNICA... ponto de partida

A VÁRZEA é uma planície sazonalmente inundável, que ocorre ao longo da calha do rio Amazonas e na voz de alguns de seus principais afluentes, bem como na bacia do Orinoco. Essa planície é chamada ALUVIAL porque sua superficie é formada pelo depósito, sempre renovado, de material em suspensão transportado pelo rio. O Amazonas é um rio quimicamente rico e farto em material depositável, pois seus formadores, nascem nas serrarias andinas, descem velozmente em direção leste, erodindo as margens e carregando grandes quantidades de sedimentos. Costuma-se opor a várzea à terra firme, que representa mais de 95% do território amazônico. Essa categoria é, no entanto, por demais genérica, e não dá conta da diversidade de solos e ambientes da região.


Robert Carneiro e Donald Lathrap foram dos primeiros historiadores a apontarem para a produtividade da várzea e, por isso, a sua ocupação por diversos povos durante séculos. Lathrap defende a idéia de que a Amazônia central foi um grande pólo de desenvolvimento cultural: centro de domesticação de plantas e do sistema produtivo baseado na mandioca amarga, local do desenvolvimento da primeira indústria cerâmica e de estilos artisticos sofisticados. De sua várzea, tão rica quanto disputada por uma população sempre crescente, teriam partido levas migratórias que iriam povoar a América do Sul. O modelo de Lathrap baseia-se na ideia de que a combinação entre um ambiente rico e ao mesmo tempo restrito funcionaria como uma espécie de coração, bombeando população e cultura para outras áreas do continente. O crescimento demográfico, possibiliitado pela abundância de recursos, provocaria competição e guerra; parte da população seria obrigada a migrar, levando consigo as realizações culturais da Amazônia central para regiões distantes.

Lathrap propos uma visão alternativa sobre a floresta tropical, invertendo o olhar "andes-cêntrico": a Amazônia - pelo menos a várzea - aparece como um lugar fértil e criativo, e não mais como um ambiente esterilizante das visões antigas. Etnre o mito do inferno verde e o do El Dorado, ele preferiu o segundo. Algumas de suas idéias, que pareciam implausíveis nos anos 1970, hoje ganham sustentação. A descoberta dos restos cerâmicos mais antigos das Américas no baixo Amazonas, na região de Santarém, veio reforçar a idéia de que a área possa ter sido um pólo de invenção e irradiação culturala. Datada por Anna Roosevelt, a cerâmica remonta a oito milênios, sendo cerca de 1 a 1,5 mil anos mais antiga do que aquelas encontradas no norte da Colômbia (San Jacinto) e na costa do Equador (Valdívia).


Ainda que essas inovações não tenham ocorrido na Amazônia central, e sim mais a jusante, a visão positiva de Lathrap parece hoje dominar a reflexão arqueologica. O Amazonas, com suas cheias e vazantes, converteu-se em nosso grande Nilo, com já sugeria o jesuíta Cristóbal de Acuña, em 1641: "Se o Nilo irriga o melhor da África, fecundando-a com sua corrente - o rio das Amazonas banha reinos mais extensos, fertiliza mais planícies, sustenta mais homens e aumenta com suas águas oceanos mais caudalosos."

Hoje, tende-se a pensar como Acuña. As estimativas demográficas para a várzea do Amazonas, por exemplo, saltaram dos 130 mil habitantes propostos por Steward para 1.5 milhões de pessoas (quase 15 hab/m2), segundo cálculos de Denevan. O retorno da visão do paraíso, contudo, só se tornou hegemônico a partir dos trabalhos de Anna Roosevelt, nas décadas de 1980 e 90. Foi então que o paradigma de Meggers começou a perder influência e dar lugar a uma nova imagem da Amazônia pré-conquista. Roosevelt renovou os métodos e as interpretrações arqueologicas na América do Sul tropical, realizando pesquisas na bacia do Orinoco e no baixo Amazonas. Sua influência é, hoje, notável e ultrapassa o âmbito da arqueologia, constituindo-se tambem um paradigma para etno-historiadores e etnólogos, com impacto profundo sobre a conceitualização das sociedades indígenas do passado e do presente.


A despeito do efeito liberador de seus trabalhos para a arqueologia regional, a autora permance presa aos pressupostos do modelo anteror. Compartilhando o determinismo ecológico de Meggers, discorda desta quanto ao potencial do ambiente amazônico, em particular no tocante aos solos aluviais da várzea (mas também em relação à diversidade pedológica e ecológica da região). Roosevelt sustenta que as planícies inundáveis às margens do Orinoco e do Amazonas propiciaram o desenvolvimento de formas sociopolíticas complexas. Sua hipótese inicial, baseada em pesquisas no Orinoco, era de que a introdução do cultivo do milho teria conduzido a um notável crescimento e adensamento populacional na várzea.

Embora a hipótese de mudança tecnológica não tenha sido confirmada por sua pesquisa em Marajó, a autora não alterou sua formulação sobre a história cultur
al amazônica. Segundo ela, a partir do primeiro milênio da era cristã, modificações nas atividades, escala e organização das sociedades da várzea começaram a ocorrer, com os seguintes ingredientes:
- incremento demográfico,
- intensificação da produção,
- especialização da produção artesanal,
- extensão das redes de comércio,
- estratificação social e

- centralização política.
Esse processo teria levado ao surgimento de grandes cacicados complexos em torno de 1.000 d.C., cujos domínios se estenderiam por dezenas de milhares de quilômetros, abrigando populações de vários milhares de pessoas, unificadas muitas vezes sob o comando de um chefe supremo. Essas sociedades seriam belicosas e expansionistas, com uma organização social hierárquica mantida por tributos e por uma economia intensiva, capaz de produzir e estocar alimentos em larga escala.

Baseado em texto de CARLOS FAUSTO

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