No final do século XX surge a preocupação mundial
com o desenvolvimento e meio ambiente. Nessa mesma época, na Amazônia
Brasileira, alguns pesquisadores brasileiros e estrangeiros (arqueólogos, etnólogos,
antropólogos, etc.) descobriam vestígios de um modelo de desenvolvimento
social, econômico, tecnológico e humano totalmente diferente do que se vinha
propondo em termos de desenvolvimento local, até então baseados unicamente no determinismo
ecológico (FAUSTO, 2000). Surge uma nova explicação para o desenvolvimento
social na Amazônia, centrado na questão ecológica.
As provas arqueológicas mostram que as sociedades
que se desenvolveram na Amazônia antes da conquista européia adotavam sistemas
de manejo que não agredem o meio ambiente, conseqüentemente, não prejudicam as gerações
futuras, mediante uma forma de desenvolvimento planejado que otimizou o uso dos
recursos disponíveis num lugar, dentro das restrições ambientais locais. Para Godard
(1997) o ecodesenvolvimento pode ser compreendido como uma visão do
desenvolvimento consorciado com o manejo dos ecossistemas, procurando utilizar
os conhecimentos já existentes na região, no âmbito cultural, biológico,
ambiental, social e político, evitando-se assim a agressão ao meio ambiente.
Portanto, ecodesenvolvimento também pode se definido como um processo criativo
de transformação do meio com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas
em função das potencialidades deste meio, impedindo o desperdício inconsiderado
dos recursos, e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades
de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos
contextos culturais (SACHS apud VEIGA, 2005)
As estratégias do ecodesenvolvimento são
múltiplas e só podem ser concebidas a partir de um espaço endógeno das
populações consideradas. Atualmente, promover o ecodesenvolvimento é, no
essencial, ajudar as populações envolvidas a se organizar e se educar, para que
repensem seus problemas, identifiquem suas necessidades e recursos potenciais
para conceber e realizar um futuro digno de ser vivido, conforme os postulados
de justiça social e prudência ecológica (SACHS apud VEIGA, 2005). Um estilo ou
modelo para o desenvolvimento de cada ecossistema, que, além dos aspectos
gerais, considera de maneira particular os dados ecológicos e culturais do
próprio ecossistema para otimizar seu aproveitamento, evitando a degradação e ações
degradadoras. E uma técnica de planejamento que busca articular dois objetivos:
por um lado, o desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida através do incremento
da produtividade, por outro, manter em equilíbrio o ecossistema onde se
realizam essas atividades.
A Arqueologia Amazônica é marcada por uma
forte herança histórico-cultural. Durante os anos 1970, o principal foco da
pesquisa foi à realização de prospecções arqueológicas, empreendidas pelo PRONAPABA
– Programa Nacional de Prospecções Arqueológicas na Bacia Amazônica. Criado por
Clifford Evans, Betty Meggers e Mário Simões, o programa concentrou suas
atividades ao longo dos principais rios e tributários da bacia Amazônica,
visando a determinação de fases e tradições cerâmicas. A metodologia da época baseava-se
na construção de cronologias relativas, por meio da seriação (NUNES FILHO,
2005).
De modo geral, o registro arqueológico da
Amazônia era visto como o produto de sociedades ceramistas de pequena escala,
que, impactadas pelas restrições impostas pelo meio-ambiente, eram obrigadas a uma
mudança constante do local de assentamento, o que resultava em sucessivas
ocupações de curta duração, num padrão bastante semelhante às sociedades
conhecidas etnograficamente (MEGGERS, 1977, 1979). Evidências de complexidade sócio-política,
especialmente no caso da Ilha de Marajó, foram interpretadas como sociedades
originárias dos Andes, com uma organização social do tipo cacicado, que, em
contato com o meio ambiente da floresta tropical decaíram (MEGGERS, 77; EVANS,
1955). Contudo, a partir de 1980, com o início dos trabalhos de Anna Roosevelt
no Baixo Amazonas, assistimos a uma mudança nos parâmetros da arqueologia amazônica,
em termos de teoria, prática e escolha dos temas de pesquisa.
Além da investigação em antigos sítios
cerâmicos e paleoíndios, Roosevelt têm se dedicado ao estudo das sociedades
complexas na Amazônia. A cultura pré-colonial Santarém (1000-1500 d.C.) é uma
destas sociedades estudada por ela. Embora os dados que poderiam comprovar o desenvolvimento
de um cacicado local ainda não tenha sido publicado pela autora, seu modelo
preditivo, baseado em antigos relatos etno-históricos e em trabalhos
arqueológicos anteriores, destaca a existência de hierarquia social e política,
concentração territorial, expansão da guerra, agricultura intensiva, trabalhos
de larga escala e presença de especialistas – exemplificada pelo
desenvolvimento de uma indústria cerâmica elaborada (Roosevelt 1992).
De fato, a cerâmica Santarém pode ser
considerada como exemplo de uma das indústrias pré-coloniais mais elaboradas da
Amazônia. Sua iconografia é caracterizada por um repertório básico de animais
de floresta tropical, estruturados de maneira coerente e recursiva, a fim
comunicar princípios de significado mitológico. Por outro lado, grandes
representações de homens, algumas delas bastante naturalistas, exibem
indivíduos sentados em bancos, segurando chocalhos, que demonstram a importância
dos xamãs como líderes de rituais e guardiões do conhecimento cosmológico desta
sociedade (GOMES, 2002).
Depois deste panorama das pesquisas
arqueológicas na Amazônia, devemos considerar que ela não foi hostil à presença
do ser humano. A vida na floresta nunca foi fácil, mas há milhares de anos o
homem aprendeu a se estabelecer na mata e nela desenvolveu sociedades
complexas. Grupos com hierarquia de poder bem definidas criaram verdadeiras
capitais que integravam vastas áreas da Amazônia. A descobertas arqueológicas mostram
que a ocupação da floresta amazônica começou há cerca de 12 mil anos e que
alguns dos grupos pré-históricos chegaram a desenvolver trabalhos sofisticados,
como: tesos (elevação artificial do solo), canais, estradas, poços funerários,
urnas funerárias refinadas, mumificação e manejo florestal. Inicialmente, a ocupação
aconteceu por populações caçadoras-coletoras, mas algumas delas se
desenvolveram em sociedades complexas, que desapareceram deixando suas marcas
enterradas no solo da Amazônia.
Os indícios do início da ocupação da Amazônia
foram encontrados por Anna Roosevelt na Caverna da Pedra Pintada, no Baixo
Amazonas, no Pará. E seriam de mais de dez mil anos atrás. A cerâmica mais
antiga das Américas também foi achada nessa região, com datação de oito mil
anos. Segundo Roosevelt, as sociedades complexas viriam bem mais tarde,
começando por volta do século XI d.C. (ainda considerado pré-história nas
Américas) e indo até o século XVII ou XVIII. Seu desaparecimento estaria ligado
ao contato com os colonizadores. Cronistas espanhóis do Século XVI e XVII que
estiveram na Amazônia registraram que estas sociedades possuíam uma hierarquia
de chefes e de assentamentos, na qual Santarém funcionava como uma espécie de capital.
Existiam paralelamente outros centros com aldeias subordinadas a eles. Estas
sociedades produziram uma cerâmica em que fica claro o cuidado com seu
acabamento (PORRO, 1996). Os motivos e a técnica utilizados são bem diferentes
dos andinos.
Com a descoberta e a exploração da América
pelos europeus, filósofos, autoridades políticas, teólogos e cientistas
conheceram uma realidade de contrastes culturais espantosos em relação à
civilização humana até então conhecida. No período conhecido como Iluminismo,
surgiram as primeiras tentativas sistemáticas para explicar as diferenças
culturais. A idéia central era a noção de progresso, onde se acreditava que a
humanidade havia passado por estágio não civilizado: sem leis, governos,
agricultura ou qualquer conhecimento técnico.
Gradualmente, no entanto, guiada pela razão,
evoluiu do estado natural para o estado civilizado iluminista. As diferenças
culturais eram atribuídas aos diversos estágios de progresso moral e intelectual
dos povos. Nesta concepção de progresso alguns pesquisadores e cientista que
tentaram explicar a evolução humana a partir de modelos explicativos.
Assim, no século XIX, teremos: Augusto Comte,
que postulou um progresso em que o pensamento teológico cedia lugar ao
pensamento científico; Hengel que via o movimento de um passado onde só havia
um homem livre (despotismo oriental), passando por um estágio intermediário
onde poucos homens podiam exercer a liberdade (cidades-estado da Grécia), até o
estágio final onde todos os homens eram livres (monarquias constitucionais e
democracias modernas); Morgan que dividiu a evolução cultural em estágios
(selvagem, barbárie e civilização), detalhando minuciosamente a passagem de um
para outro em estudos etnográficos; Darwin com o social-darwinismo, movimento
que acreditava ser o progresso biológico e cultural dependente da competição
das espécies pela sobrevivência; Marx e Engels avaliaram as culturas por meio
de estágios progressivos (comunismo primitivo, escravismo, feudalismo,
capitalismo e comunismo).
No Século XX, os antropólogos se dividiram em
diversas correntes de pensamento, criticando tanto os esquemas
social-darwinistas como o pensamento marxista. Sem encampar nenhuma das
correntes, há conceitos de uma e de outra que devem ser consideradas para uma
compreensão ampla do processo de evolução cultural. Assim, os antropólogos
assumiram a tarefa de elaborar modelos teóricos para explicar a presença humana
no planeta Terra.
Frans Boas, antropólogo americano, defende o
Particularismo Histórico, onde todas as tentativas de esquematizar estágios ou
determinar leis para a evolução cultural são infrutíferas. Segundo ele, cada
cultura possui sua própria história e é única. Sustenta o relativismo cultural,
em que não há formas culturais superiores ou inferiores e os conceitos de
selvageria, barbárie e civilização são etnocêntricos, refletindo a preocupação
de cada povo em afirmar que seu próprio meio de vida é melhor que os demais.
Durante muito tempo, e por inspiração dos
filósofos racionalistas do século XVIII, a palavra civilização significou um
conjunto de instituições capazes de instaurar a ordem, a paz e a felicidade, favorecendo
o progresso intelectual da humanidade. Por ser uma concepção eurocêntrica, a
palavra civilização teve emprego dificultado na América quando utilizada para distinguir
os povos autóctones antes da chegada do europeu, pois, no caso particular da
Amazônia esta dificuldade é somada as teorias que tentam explicar a ocupação da
Amazônia, por parte de pesquisadores norte americanos a partir da década de 30
do Século XX. Assim, por mais de cinco décadas pensou-se na Amazônia pré-colonial
como uma região sem expressão cultural, pouco povoada e sem o desenvolvimento
de grandes civilizações humanas.
Para Pinsky (2003), na concepção européia,
uma civilização, via de regra, implica ter: uma organização política formal; projetos
amplos de trabalho conjunto e administrativo centralizados; corpo de
sustentação política; incorporação de crenças por uma religião vinculada ao
poder central; uma produção artística que tenha sobrevivido ao tempo e ainda
nos encante; criação ou incorporação de um sistema de escrita e a criação de cidades.
Por outro lado Porro (1996) utilizando os
cronistas do século XVI e XVII (Carvajal, de Altamirano, de Vasquez, Rojas,
Acuña, Cruz e Heriarte), fala da existência de organizações sociopolíticas
complexas na Amazônia antes da chegada dos europeus; de grandes territórios
tribais; de uma grande demografia, com grandes assentamentos nas áreas de várzeas;
de estratificação social; de poder político de alguns caciques; de uma
dominação intertribal; de religião estruturada; da realização de comércio entre
as tribos; de mitologias e da produção de artesanatos.
Corroborando com o trabalho etno-histórico de
Porro (1996) temos o artigo “Sociedades
complexas na mata”, de Eduardo Góes Neves (2004), que destaca que a
arqueologia amazônica tem passado por uma grande transformação na última
década. Isto é, estudos realizados em diferentes partes têm mostrado que a
região foi densamente ocupada antes da chegada do europeu. Prova disso são as
descobertas arqueológicas realizadas nas últimas décadas, como também, essas evidências
contribuem para que se repense a relação entre as populações humanas e o meio
ambiente na Amazônia pré-colonial. As novas informações têm mostrado, ao contrário,
que amplas partes da Amazônia no século XVI eram densamente ocupadas por
populações sedentárias, que viviam em grandes aldeias com centenas e talvez, em
alguns casos, milhares de pessoas.
Segundo Neves (2004), a Amazônia é ocupada há
pelo menos 12 mil anos. Entre 9 mil e 8 mil anos atrás, sítios localizados na
serra dos Carajás, em Rondônia, no rio Caquetá (Colômbia) e na Amazônia
central, perto de Manaus, já eram ocupados por populações com economias
baseadas na caça, pesca e coleta. A distribuição desses sítios por áreas
ribeirinhas e de terra firme mostra que essas populações não estavam restritas
apenas a locais próximos aos grandes rios. Assim, a ocupação da Amazônia não
pode mais ser pensada a partir de um único modelo teórico ecológico.
Segundo Jameson (2005), o conceito da palavra
modernidade já estava em uso desde o século V d.C. e, que a palavra latina modernus significa simplesmente “agora” ou “o tempo do agora”. Para ele moderno é necessariamente novo, ao
passo que tudo que é novo não é necessariamente moderno. Assim, significa
sempre estabelecer e postular uma data e um começo. Portanto, a modernidade refere-se
a uma inovação relevante no presente atual ou passado.
Utilizando o conceito de modernidade de
Jameson (2005) já é possível fazer inferências, a partir de dados
arqueológicos, da existência de sociedades modernas em sociedades pré-coloniais
da Amazônia a partir de complexos culturais arqueológicos, como: Marajoara, Tapajônica, Maracá, Aristé e Mazagão. Alguns grupos culturais pré-coloniais, de uma forma ou de
outra, desenvolveram inovações culturais relevantes no passado e no presente.
Para Gomes (2002) a maior parte das pesquisas arqueológicas atuais,
desenvolvidas na Amazônia brasileira, tem mostrado a existência de sociedades
complexas pré-coloniais.
Fontes etno-históricas sugerem que, na época
da conquista européia, as várzeas dos principais rios estavam repletas de
assentamentos humanos. Os relatos indicam que tais assentamentos estavam
integrados a amplos territórios, controlados por chefias políticas hierarquizadas
(ACUÑA, 1891; PORRO, 1996). O registro arqueológico destas áreas apresenta estilos
cerâmicos elaborados, construções coletivas, além de inúmeras evidências que
confirmam a existência de grandes densidades populacionais (ROOSEVELT,
1991,1992).
Exemplo de inovação cultural na Amazônia
Pré-Colonial tem confirmado a utilização do manejo florestal com a produção de
terra preta, batizada pela população do interior da Amazônia de Terra Preta de Índio (TPI), estudada desde
1995 por pesquisadores da Universidade de São Paulo, através do Projeto
Amazônia Central – PAC. Segundo Beckerman (1991) ocorreram mudanças na paisagem
da Amazônia Pré-Colonial, sobre a qual o homem teve uma participação não
intencional: o desenvolvimento de TPI.
O conhecimento da existência das TPI é muito
antigo na Amazônia, remota o Século XVII, quando os primeiros colonos europeus
(ingleses, franceses, holandeses e portugueses) estabeleceram-se na região, os
quais localizaram suas plantações agrícolas nesse tipo de terra. No espaço de pesquisa
do PAC, o testemunho mais perceptível de modificação antrópicas ocorridas no
passado são solo de terra preta. Normalmente, o solo da Amazônia é amarelado,
pouco fértil e ácido, já as terras pretas, ao contrário, são bastante férteis,
escuras ricas em matéria orgânica e com um pH tendendo a neutro, ela é surpreendentemente
estável ao longo do tempo, sendo capaz de manter alta quantidade de nutrientes
ao longo dos séculos.
Para os pesquisadores do PAC ainda não está
claro por que as terras pretas são tão estáveis. Contudo, eles supõem que a
estabilidade é resultado da associação entre fatores naturais (o próprio solo)
e fatores culturais (fragmentos de cerâmicas, carvão resultante fogueiras,
ossos de animais em restos de comida) nas matrizes dos sítios arqueológicos. A
pesquisa do PAC está sendo muito significativa do ponto de vista
interdisciplinar, pois, com a participação de diferentes áreas cientificas,
estamos podem entender a verdadeira história dos povos antigos que viveram na
Amazônia.
Depois de todos os dados apresentados,
naturalmente, surgem diversas dúvidas, por exemplo: como era a qualidade de
vida das pessoas na Amazônia Pré-Colonial? Qual era a relação entre
desenvolvimento e meio ambiente?
Respondendo a primeira questão podemos dizer
que medir a qualidade de vida segundo o modelo utilizado hoje, não é possível,
pois, de acordo com Veiga (2005) os bens de primeira necessidade variam de
cultura para cultura e, a cultura é a principal geradora de diferenças. Assim, podemos
dizer que os nativos da Amazônia pré-colombiana não conheciam um sistema de
escrita e comunicação parecido com o nosso; alguns grupos desenvolveram um sistema
de comunicação iconográfico presente em seus vasilhames cerâmicos (SCHAAN,
1999); não tinham que angustiar-se com pagamento de despesas, pois, não
possuíam renda per capita; não possuíam água encanada e nem energia elétrica.
Enfim, eles não tinham que se preocupar com o dia seguinte e, muito menos com a
fome e a privação física e material, preocupações da maioria das pessoas que
hoje vivem no planeta Terra.
A relação entre desenvolvimento e meio
ambiente é algo que surge com a produção de bens e produtos a partir de matérias
primas que são transformadas em um processo de produção industrializada ou
artesanal, o que resulta na produção de riscos, em especial os ambientais de
graves conseqüências. O conceito de risco passa a ocupar um papel estratégico para
entender as características, os limites e as transformações do projeto histórico
da modernidade (JACOBI, 2005). As sociedades americanas no nosso entendimento
não chegaram a uma produção de riscos, pois, a sua relação com o meio ambiente
ocorreu a partir da diversidade e especialização econômica, ou seja, cultivo de
plantas, criação de animais aquáticos em cativeiro, pesca e caça (Roosevelt 1992).
Portanto, o que caracterizava as sociedades americanas antes do contato com os
europeus era a diversidade econômica, política, cultural e religiosa (EVANS,
2003).
Baseado em texto de Edinaldo Pinheiro Nunes
Filho
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