Em 1632, Galileu Galilei publicou o livro: “Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo; ptolomaico e copernicano”, onde afirmava que a principal causa do fenômeno das marés seriam os dois movimentos circulares da Terra: o de rotação em torno de seu eixo (diário) e o de translação em torno do Sol (anual), desconsiderando a influência da Lua.
Em 1612, o missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville passou quatro meses entre os Tupinambá do Maranhão, da família tupi-guarani, localizados perto da Linha do Equador. Seu livro “Histoire de la mission de pères capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines”, publicado em Paris em 1614, é considerado uma das mais importantes fontes da etnografia dos indígenas do tronco tupi. Nesse livro, publicado dezoito anos antes do livro “Diálogo” de Galileu, d’Abbeville escreveu: “Os tupinambá atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois”. Além disso, a maioria dos antigos mitos indígenas sobre o fenômeno da pororoca, que traz uma grande onda do mar para os rios volumosos da Amazônia, mostra que ele ocorre perto da lua cheia e da lua nova, demonstrando o conhecimento, por esses povos, da relação entre as marés e as fases da Lua.
Somente em 1687, setenta e três anos após a publicação de d’Abbeville, Isaac Newton demonstrou que a causa das marés é a atração gravitacional do Sol e, principalmente, da Lua sobre a superfície da Terra. Esses fatos mostram que, muito antes da Teoria de Galileu, que não considerava a Lua, os indígenas que habitavam o Brasil já sabiam que ela é a principal causadora das marés.
Os indígenas observavam os movimentos aparentes do Sol para determinar, o meio dia solar, os pontos cardeais e as estações do ano utilizando o GNÔMON, que consiste de uma haste cravada verticalmente no solo, da qual se observa a sombra projetada pelo Sol, sobre um terreno horizontal. Ele é um dos mais simples e antigos instrumentos de Astronomia, sendo chamado de Kuaray Ra'anga, em guarani e Cuaracy Raangaba, em tupi antigo.
Um tipo de gnômon indígena, que temos encontrado no Brasil, em diversos sítios arqueológicos, é constituído de uma rocha, pouco trabalhada artificialmente, com cerca de 1,50 metros de altura, aproximadamente em forma de tronco de pirâmide e talhada para os quatro pontos cardeais. Ele aponta verticalmente para o ponto mais alto do céu (chamado zênite), sendo que as suas faces maiores ficam voltadas para a linha norte-sul e as menores para a leste-oeste. Em geral, o zênite é o domínio do Deus maior da etnia considerada; os pontos cardeais são os domínios dos quatro deuses que o auxiliaram na criação do mundo e de seus habitantes; os pontos colaterais são domínios das esposas desses deuses.
Em volta do gnômon indígena há rochas menores (seixos) que formam uma circunferência e três linhas orientadas para as direções dos pontos cardeais e do nascer e do pôr-do-sol nos dias do início de cada estação do ano (solstícios e equinócios). Chamamos esse monumento de rochas, constituído pelo gnômon e pelos seixos, de Observatório Solar Indígena, devido à sua relação com os movimentos aparentes do Sol.
Em 1614, Claude d'Abbeville escreveu que os tupinambá também observavam o movimento do nascer e do pôr-do-sol e o seu deslocamento na linha do horizonte, que efetua entre os dois trópicos, limites que jamais ultrapassam. Eles sabiam que quando o Sol vinha do lado norte trazia-lhes ventos e brisas e que, ao contrário, quando vinha do lado sul, trazia chuvas. Eles contavam perfeitamente os anos, pelo conhecimento do deslocamento do Sol de um trópico a outro. Dividiam o ano pela época das chuvas e pela época dos ventos ou, ainda, pelo tempo dos cajus.
Além da orientação geográfica, um dos principais objetivos práticos da astronomia indígena era sua utilização na agricultura. Os indígenas associavam as estações do ano e as fases da Lua com a biodiversidade local, para determinarem a época de plantio e da colheita, bem como para a melhoria da produção e o controle natural das pragas. Eles consideram que a melhor época para certas atividades, tais como, a caça, o plantio e o corte de madeira, é perto da lua nova, pois perto da lua cheia os animais se tornam mais agitados devido ao aumento de luminosidade, por exemplo, a incidência dos percevejos que atacam a lavoura. A incidência de mosquitos também é muito maior na lua cheia do que na lua nova. Esse fato pode ajudar a combater o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, pois é muito mais eficaz dedetizar perto da lua cheia.
Os indígenas que habitam o litoral também conhecem a relação das fases da Lua com as marés. Eles associam as marés às estações do ano para a pesca artesanal. Em geral, quando saem para pescar, seja no rio ou no mar, já sabem quais as espécies de peixe mais abundantes, em função da época do ano e da fase da Lua. Por exemplo, eles pescam a gurijuba (Arius parkeri), o peixe mais tradicional da região de Belém, PA, principalmente entre as fases de lua minguante para a nova, nos meses de outubro e novembro.
Para os guarani, do sul do Brasil, até o ritual do “batismo”, em que as crianças recebem seu nome, depende de um calendário lunissolar: o plantio principal do milho ocorre, geralmente, na primeira lua minguante de agosto. Após a colheita do milho plantado nessa época é que realizam o batismo das crianças. Esse evento deve coincidir com a época do máximo do “tempo novo”, caracterizada pelos fortes temporais de verão, geralmente o mês de janeiro, quando os guarani celebram a colheita do milho e o ritual do batismo.
As constelações indígenas diferem das concepções das sociedades exteriores ocidentais principalmente em três aspectos.
Primeiro, as principais constelações ocidentais registradas pelos povos antigos são aquelas que interceptam o caminho imaginário que chamamos de eclíptica, por onde aparentemente passa o Sol, e próximo do qual encontramos a Lua e os planetas. Essas constelações são chamadas zodiacais. As principais constelações indígenas estão localizadas na Via Láctea, a faixa esbranquiçada que atravessa o céu, onde as estrelas e as nebulosas aparecem em maior quantidade, facilmente visível à noite.
Segundo, os desenhos das constelações ocidentais são feitos pela união de estrelas. Mas, para os indígenas, as constelações são constituídas pela união de estrelas e, também, pelas manchas claras e escuras da Via Láctea, sendo mais fáceis de imaginar. Muitas vezes, apenas as manchas claras ou escuras, sem estrelas, formam uma constelação. A Grande Nuvem de Magalhães e a Pequena Nuvem de Magalhães são consideradas constelações.
O terceiro aspecto que diferencia as constelações indígenas das ocidentais está relacionado ao número delas conhecido pelos indígenas. A União Astronômica Internacional (UAI) utiliza um total de 88 constelações, distribuídas nos dois hemisférios terrestres, enquanto certos grupos indígenas já nos mostraram mais de cem constelações, vistas de sua região de observação. Quando indagados sobre quantas constelações existem, os pajés dizem que tudo que existe no céu existe também na Terra, que nada mais seria do que uma cópia imperfeita do céu. Assim, cada animal terrestre tem seu correspondente celeste, em forma de constelação.
O Cruzeiro do Sul fica em plena Via Láctea, sendo a constelação mais conhecida dos indígenas do Hemisfério Sul, que a utilizam para determinar os pontos cardeais, as estações do ano e a duração do tempo à noite. As Plêiades ficam em segundo lugar, sendo utilizadas para calendário.
Segundo d’Abbeville, os tupinambá conheciam muito bem o aglomerado estelar das Plêiades e o denominavam “Seichu”. Quando elas apareciam no lado leste, ao anoitecer, afirmavam que as chuvas chegariam como chegavam, efetivamente, poucos dias depois. Como a constelação aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no fim para tornar a reaparecer em igual época, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo decorrido de um ano a outro. Da mesma maneira, atualmente para os tembé, que habitam o norte do Brasil, o surgimento das Plêiades anuncia a estação da chuva e o seu ocaso, quando elas desaparecem no lado oeste, ao anoitecer, indica a estação da seca. Para os guarani do sul do país, o aparecimento das Plêiades anuncia o verão, enquanto o seu desaparecimento indica a proximidade do inverno.
Além dessas duas constelações, há outras que servem para calendário e orientação geográfica, tais como o Colibri, o Homem Velho, a Ema e a Cervo-do-Pantanal, todas elas localizadas na Via Láctea.
Devemos ressaltar o valor pedagógico do ensino da astronomia indígena para os alunos do ensino fundamental de todo o Brasil, por se tratar de uma astronomia baseada em elementos sensoriais (como as Plêiades e a Via Láctea), e não em elementos geométricos e abstratos, e também por fazer alusão a elementos da nossa natureza (sobretudo fauna e flora) e história, promovendo auto-estima e valorização dos saberes antigos, salientando que as diferentes interpretações da mesma região do céu, feitas por diversas culturas, auxiliam na compreensão das diversidades culturais. Em geral, por solicitação da comunidade pesquisada, entregamos uma cartilha bilíngüe, em português e na língua nativa, com o resgate do conhecimento astronômico obtido e, também, uma réplica do observatório solar, para serem utilizadas como material didático nas escolas indígenas.
Texto de Germano B. Afonso
Isso é algo maravilhoso que deveria ser multiplicado e TAMBÉM ensinado nem que fosse como curiosidade nos livros de Ciências do nosso país.
ResponderExcluirEu já tinha lido essa matéria em outro site, mas o texto estava tão mal escrito que não entendi direito certos detalhes, mas aqui está muito bom.
Parabéns pelo blog!