MAPA DE FELIPE GUANAM POMO DE AYALA |
Afirmam alguns, apoiados em achados pré-históricos, que o cultivo do solo na América teve seu princípio nas montanhas Tamaulipas e no altiplano de Puebla, no México, entre 7.000 e 2.000 a.C., sendo que, a partir daí, o cultivo do milho, o alimento principal da América pré-colombiana, começou a ser difundido através do resto da América, sobretudo em direção sudeste. Outros, mormente cientistas americanos, acreditam ser mais provável que a agricultura tenha se desenvolvido no sul, com consequente penetração para o norte.
Mas é a respeito da formação das grandes culturas americanas que os eruditos realmente se dividem.
Para contatos transpacíficos faltam provas históricas concretas, pois a conjetura sobre relações Mundo Velho/Mundo Novo, apóia-se apenas em uma série de comparações arqueológicas, etnológicas, linguísticas de ambas as partes da terra. Sua seleção, avaliação e análise, no entanto, deixam tanta margem a interpretação divergentes que facilmente se pode encontrar argumentos a favor e contra uma delas. Assim, apesar de, em princípio, convicta da existência de contatos pré-colombianos transpacíficos, não quero entrar em detalhes sobre esta questão e sim evidenciar apenas o inter-relacionamento das culturas americanas e papel que nele ocupa a adoração do felino.
Há quase trinta anos, o geógrafo Carl O. Sauer postulou que a cultura tropical baseada no cultivo de plantas tubérculas teria sido precursora do cultivo do solo na região centro-andina. Esse ponto de vista foi endossado pelo grande arqueólogo peruano Julio Tello e criticado, entre outros, pelo casal Meggers e Evans, dos Estados Unidos. Para ambos, a cultura da selva tropical é nada mais do que um fraco e tardio reflexo das civilizações centro e norte-andinas. Mas pesquisas pré-históricas efetuadas pelo arqueólogo D. Lathrap, em fins dos anos 50 do século XX, na baixada ocidental amazônica,a chamada MONTANA peruana, sobretudo em Tutishcainio, extremo norte de Yarinacocha, perto da cidade de Pucalpa, fazem o pêndulo inclinar-se a favor da primeira teoria.
A camada mais antiga destas escavações - Tutishcainio precoce - foi datada pro Lathrap entre 2.000 e 1.600 a.C. Os cacos de argila encontrados apresentam, tanto no estilo e motivos da decoração, como na forma, uma semelhança muito acentuada com o material enocntrado pelos japoneses Izumi e Sono, no começo dos anos sessenta do século passado, na camada mais antiga de Wairairca (escavações em Kotosh, região dos Andes Centrais, perto de Huanuco), datado, segundo método Carbono-14, em 1.800 a.C. e que pertence ao horizonte formativo de Chavin de Huantar. Devido a essa semelhança, Lathrap supõe um estreito parentesco entre os dois complexos culturais, deduzindo um movimento cultural baixada-altiplano.
Um dos motivos mais interessantes da cerâmcia do Tutishcainio precoce é a representação estilizada da cabeça, sobressaindo a dentadura de um felino, provavelmente jaguar.
O jaguar ocupou papel bastante relevante na religião e mitologia da cultura Chavin, bem como na cultura La Venta, pertencente ao formativo olmeca mesoamericano, que contribuiu em larga escala nas influências mesoamericanas sobre os Andes Centrais. Prova isto a iconografiade ambas as culturas. Acontece, porém, que o jaguar é um animal das baixadas tropicais e não do altiplano andino, fato que constituiu um dos motivos pelo qual considerou-se uma influência, ou até a origem da cultura Chavin, na região amazônica.
Mas, além do jaguar, Lathrap identificou outros animais típicos da selva tropical: o gavião-real da baixada amazônica, o grande caimão, que como suprema divindade tem duplo aspecto: "caimão do céu" e "caimão do submundo e da água" . Como caimão do céu, traz as plantas de sementes; como caimão do submundo, as plantas tubérculas, entre outras a mandioca, que nasce do seu pênis, como dádiva mais preciosa. Mas a mandioca também sai da boca e das narinas do jaguar, o que mostra, também aqui, a idéia desse animal como portador de alimento, como no Peru antigo.
Lathrap atribui a influência das baixadas sobre as culturas andinas do Peru, bem como sobre as culturas costeiras do Equador, durante o período formativo, a um único foco: uma cultura uniforme, de desenvolvimento relativamente elevado, a região fértil (várzea) dos rios da Bacia Amazônica central, baseada na economia da mandioca e da pesca.
Da velha "cultura amazônica", no entanto, restam hoje apenas alguns objetos: almofarizes, tabuleiros de madeira ou, mais raramente, de pedra destinados à olfatização ritual de um pó narcótico - o PARICÁ. Feito da semente alcalóide de determinadas plantas que crescem somente nas baixadas tropicais, o paricá faz parte das drogas de que os xamãs se serviam para entrar em êxatase, durante o qual lhes apareciam os Espíritos do jaguar, caimão, anaconda e outros.
Utensílios deste tipo, sobretudo almofarizes de pedra que representam animais, também foram encontrados em grande número na região das elevadas culturas andinas, testemunhando que o uso de drogas era também muito comum entre as civilizações andinas e provando, mais uma vez, a teoria de Lathrap e outros, sobre uma prematura influência da baixada amazônica.
Entre as numerosas peças encontradas, a mais famosa, pela importância artística e iconográfica, é um pequeno jaguar encontrado na esfera chavinóide, cujo corpo, coberto com sinais e símbolos, expressa concentrada força e vigor.
Não menos importante são dois outros almofarizes de Pacopampa, curso superior do rio Reque, perto de Cajamarca, que datam provavelmente do início do período formativo, período Wairajirca. Enquanto um deles representa novamente a figura do jaguar, o oturo possui, além de traços felinos, traços de águia ("felinized eagle"). Os pilões do almofariz-jaguar são ornados com cabeça de serpente. Aliás, a mescla de traços répteis e felinos é bastante familiar e constituiu elemento típico do círculo cultural andino-amazônico.
Almofarizes com caráter felino foram encontrados ambém no Equador, onde o animal tem, via de regra, corpo cúbico, pernas curtas e cabeça desproporcional. Pertencem, no entanto, a um período tardio, a fase "Manteno" (1.000 a 1.500 d.C.).
O arqueólogo A. R. Gonzales encontrou em Tafi del Valle, oese da pronvícia de Tucuman, Argentina, um almofariz datado entre 500 e 600 d.C., que também representa, nitidamente, um jaguar com cabeça humana. Também na segunda fase da cultura Condorhuasi, na província de Catamarca, Argentina (250 a 300 d.C), aparecem almofarizes de pedra com forma de felinos. Porém seu efeito era totalmente desconhecido até então: em pé, com pernas, cauda e cabeça desmensuradas e imponente dentadura.
Segundo a afirmação convicta de Gonzales, eses almofarizes apontam para o uso de drogas, o que permite enquadrá-los no seguinte contexto: um comprovado complexo arqueológico nos Andes meridionais, com centro na costa setentrional chilena (Chango, província Antofagasta) e no interior, na zona de San Pedro de Atacama e no vale Chalchaqui, da província de Salta, Argentina, que tem como enfoque a olfatização ritual e se estende até a região arqueológica de Tihuanaco. O estilo desta transparece, muitas vezes, no fetio das bandejas dos atacamenos, outrora habitantes da região de Atacama.
No que diz respeito à origem do "complexo de rapé" nos Andes meridionais, Wassen defende uma influência amazônica anterior sobre a região de Atacama. Levando em consideração sobretudo uma influência de tribos Aruak em direção norte-sul, espaço sul andino, isto pode ser perfeitamente compatível com as já citadas teses de Lathrap.
Mais comuns do que os almofarizes são, no entanto, as bandejas de madeira entalhada, destinadas à aspiração do pó narcótico da região amazônica. A maioria é atribuída à tibo tupi dos Mauhés, da região enre o baixo rio Tapajós e rio Madeira, ao sul da Amazônia. As alças destas bandejas quase sempre representam um acabeça de réptil, geralmente serpente. Os kachuiana, na região do Trombetas, há pouco mais de duas décadas ainda seguiam um rital xamã durante o qual eram empregadas pequenas tábuas de rapé, cujas alças continham representações plásticas de casais míticos de jaguar.
Do ponto de vista artístico, estas peças são inferiores a uma velha tábua maravilhosamente esculpida, provavelmente também na região do Trombetas, e em cuja alça se vê um jaguar montado nas costas de uma mulher. Provavelmente, é uma cena de copulação entre o jaguar e a mulher, conhecida através das esculturas de pedra de San Augustin (500 a.C a 1.000 d.C), da Colômbia. Este tipo de união, da qual nasce o homem-jaguar, ainda hoje ocupa certo papel de destaque na mitologia dos índios Paez, da mesma região.
Fora os utensílios rituais, ligados diretamente ao uso de narcóticos, ainda há outros requisitos pertencentes ao xamanismo sul-americano, amplamente orientado pelo uso de drogas, que apontam para uma relação das culturas andinas com a amazônica. São as banquetas zoomórficas, sede dos Espíritos, que serviam ao xamã durane os rituais cúlticos. Segundo Lathrap, essas banquetas são parte integrante de uma velha cultura amazônica. Lathrap aponta para a acentuada semelhança das pequenas banquetas de argila encontradas em Momil III (2.000 a 1.200 a.C.), costa setentrional da Colômbia, e na fase 3 e 4 (2.300 a 2.000 a.C.) de Valdívia, Equador, com as banquetas zoomórficas dos xamãs da Amazônia. Para Lathrap, os primeiros são autênticas réplicas das banquetas amazônicas que, como parte essencial da cultura tropical da selva, espalham-se pela costa colombiana jutnamente com o complexo de drogas. Como data do aparecimento das banquetas na região andina, Lathrap menciona cerca de 2.000 a.C. e diz que a formação do fenômeno na região amazônica se deu, no mínimo, um milênio antes.
A possibilidade de um afastamento contrário dos complexos "banqueta zoomórfica" e "de drogas", ou seja dos Andes para a Bacia Amazônica, é rejeitada por Lathrap, sob alegação de origem extra-andina de certas plantas narcóticas (Piptadenia e Banisteriopsis).
Texto de Elizabeth Loibl
Nenhum comentário:
Postar um comentário