terça-feira, 28 de abril de 2009

TUPAC KATARI... a profecia se realizou



“Matam apenas a mim. Voltarei e serei milhões.”



Assim disse o líder aymara TUPAC KATARI, antes de ser executado em 15 de Novembro de 1781 - 228 anos antes que 2 milhões de bolivianos aprovassem sua nova Constituição e assistissem dias depois à promulgação, diante do povo “e não mais entre quatro paredes”, como discursou o presidente Evo Morales Ayma, um descendente de Túpac Katari.

Primeiro levaram toda a prata que puderam, começando por Potosí. As famílias dos escolhidos para as minas os acompanhavam entoando canções fúnebres – dificilmente voltariam a vê-los. Com a insalubridade, a maioria morria em dez anos com os pulmões enegrecidos e duros feito pedra.

A escravização dos indígenas foi sustentada pelo método do terror. Francisco Pizarro, um dos líderes da colonização espanhola, passou à história como um dos maiores facínoras de que se tem notícia. Uma de suas diversões era apostar com os soldados quem furava mais índios com uma só espadada.

A opressão enfrentou a resistência dos povos originários. Os líderes aymaras Túpac Katari e Bartolina Sisa comandaram dois cercos a La Paz, em 1781, com 40 mil guerreiros, e estremeceram o domínio espanhol. Apesar da valentia, o levante foi derrotado.

Os povos se recolheram, mas jamais abandonaram sua cultura e até hoje preservam hábitos e costumes dos ancestrais. Ao contrário de outras regiões, na Bolívia a maioria da população é indígena. Há lugares onde os idiomas aymara, quéchua e guarani são mais falados que o castelhano.

Outras rebeliões populares vieram até a independência em 1825. Simon Bolívar liderou a vitória sobre o domínio espanhol e semeou o sonho da Pátria Grande.

A exploração não cessou, porém, nesta terra de imensas riquezas. Simón Patiño, o Magnata do Estanho, chegou a terceiro homem mais rico do planeta na década de 1920. Assim como no Brasil, a Inglaterra passou a principal beneficiária dos recursos naturais bolivianos – depois dividiria o botim com os Estados Unidos. Os sucessivos saques fizeram da Bolívia o país mais pobre da América do Sul.

A Revolução de 1952 reacendeu a esperança. As minas de estanho foram nacionalizadas, os hidrocarbonetos. Iniciou-se um projeto de integração nacional, mas não durou muito. A era neoliberal que varreu a América Latina teve início na Bolívia em 1985, quando se pôs em prática todos os ajustes recomendados pelo FMI e Banco Mundial, arruinando a proteção social, privatizando empresas e abrindo terreno para a especulação financeira – a mesma que provocou a atual crise mundial.




Texto de Marcelo Salles

sábado, 25 de abril de 2009

SUMAK KAWSAY - Viver Plenamente


A teoria constitucional, no continente americano, historicamente, bebeu das fontes européias, sejam da Espanha, Portugal, Alemanha ou França. Um modelo que foi construído a partir de uma equivalência: um Estado = um território = uma nação = uma língua nacional. Foi, em grande parte, uma teoria constitucional eurocentrada, branca, monocultural e, até certo ponto, monorreligiosa e monolingüística.
Os modelos de repartição de funções do Estado, suas relações com a sociedade civil, a própria formação da nacionalidade foram inspirados nos parâmetros que as teorias européias construíram como cânones. Os últimos movimentos constitucionais dos países da América do Sul questionam este modelo colonial em pontos até então hegemônicos e tidos como inquestionáveis.

Primeiro, porque, diante de uma crise de representação dos partidos políticos e de uma “democracia de baixa intensidade”, insistem em novas inter-relações da democracia representativa e democracia participativa. Não somente referendos e plebiscitos, mas diversos movimentos de participação popular e de constituição de corpos intermediários entre o Estado e os representados (conselhos, órgãos de fiscalização, orçamento participativo, etc). No caso da Bolívia, quatro níveis distintos de autonomia, dentro de um Estado unitário. O constitucionalismo clássico ficara paralisado na fórmula “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”.

Segundo, porque rompem, parcialmente, com uma visão eurocentrada de mundo e admitem a inclusão de visões até então marginais na teoria constitucional, fruto também do forte protagonismo das comunidades indígenas. São exemplos: a inscrição de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve garantir a sustentabilidade e o bem viver (“sumak kawsay” , artigo 14 da Constituição equatoriana); a inclusão de “ama qhilla, ama lulla, ama suwa” (não seja preguiçoso, mentiroso nem ladrão), “sumak kawsay” (viver bem), “ivi maraei (terra sem mal), ñandereko” (vida harmoniosa) entre os princípios ético-morais da sociedade plural (artigo 7º da Constituição boliviana) ou mesmo o reconhecimento de que a natureza (“pacha mama”) tem direito “a que se respeite integralmente sua existência, manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos" (art. 71 da constituição do Equador).

Terceiro, porque o reconhecimento da diversidade étnica vem, simultaneamente, ao status constitucional da “jurisdição indígena”, ressaltado nas novas Constituições da Bolívia e do Equador, mas já esboçada, em termos distintos, na constituição colombiana de 1991 e objeto da Convenção 169-OIT. A teoria constitucional clássica ainda reluta no reconhecimento do pluralismo jurídico e da possibilidade de autodeterminação jurisdicional das comunidades indígenas (vide, no Brasil, a discussão, envolvendo a Terra Indígena Raposa Serra do Sol e as alegações de que constituiria verdadeiro “Estado” fora do “Estado nacional ou mesmo quanto ao risco do ”separatismo” ).

Quarto, porque os ventos da interculturalidade acabam por reconhecer a diversidade étnica, cultural, religiosa, lingüística e social, de que são exemplos a co-oficialidade de 36 idiomas indígenas ao lado do espanhol (artigo 5.1 da constituição boliviana), a necessidade da educação em termos interculturais, as afirmações constitucionais de “Estado plurinacional” (caso da Nicarágua) e a própria existência de etnoeducadores, para formação dos jovens nas contribuições das comunidades afrocolombianas. Isto acarreta, portanto, a inclusão de saberes indígenas e negros, até então marginalizados (a “descolonização do saber”).

Quinto, porque isto implica repensar as soluções institucionais uniformes, descentralizar o Estado e repensar as juridicidades. Afinal, é o reconhecimento da demodiversidade (diferentes instituições com distintos graus democráticos), da sociodiversidade (distintos grupos sociais) e cosmodiversidade (diferentes cosmologias).

Sexto, porque a territorialidade passa a ser pensada de forma distinta. Por exemplo, indígenas de vários países não querem a separação do Estado nacional para criação de um novo, mas sim um reconhecimento de seu território simbólico, que muitas vezes também ultrapassa a fronteira de um Estado, mas que, por outro lado, não se resume à luta por terras, no sentido clássico. A situação dos indígenas bolivianos não é a mesma da Catalunha/Espanha, Chechênia/Rússia e, talvez, Tibete/China.

Sétimo, porque os textos constitucionais reforçam a dimensão dos direitos econômicos, sociais e culturais, ao passo que as constituições européias sempre tiveram uma forte ênfase nos direitos civis e políticos. O que implica, por outro lado, redimensionar a teoria dos direitos humanos, nos seus tradicionais termos de universalidade e interdependência.

Resta saber se este processo rico, criador de textos constitucionais inovadores, é suficientemente forte para a transformação da realidade ou servirá apenas para o diagnóstico de uma realidade pós-colonial que necessita ser vencida. Por enquanto, o certo é que o mapa constitucional, tal como o de Al-Idrisi no século XII, gira, nos últimos tempos, com o sul na parte de cima, e o norte, abaixo. Não deve ser fácil para as ex-metrópoles tomarem lições de democracia, constitucionalismo e direitos humanos das ex-colônias.


Texto de César Augusto Baldi, mestre em Direito pela ULBRA-RS
doutorando Universidad Pablo Olavide (Espanha)
e chefe de gabinete no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre).

segunda-feira, 20 de abril de 2009

ÁSPERO - UM BERÇO DA CIVILIZAÇÃO

Na costa do Peru, há 5.000 anos, surgiram as primeiras cidades da América do Sul. Na mesma época, aliás, que as cidades da Mesopotâmia, Egito, Creta, China, Índia, México e Guatemala. Mas à diferença daquelas cinco primeiras regiões, que ao longo de sua história, desde épocas antigas, mantiveram contato entre si, a civilização peruana nasceu e se desenvolveu num isolamento parcial, com intercâmbio cultural apenas com seus vizinhos mais próximos – Equador, Bolívia (Altiplano) e Amazônia.

Dentre as cidades peruanas, ÁSPERO se destaca, para os arqueólogos, como um ou o principal centro de origem da civilização peruana – juntamente com cidades contemporâneas de Caral, Bandurrias, Luriunhais e Miraya.

Áspero foi construída sobre suaves colinas na margem direita do Rio Supe, muito próxima ao Oceano Pacífico – cerca de 500 metros apenas –, a 35 metros acima do nível do mar, de frente para uma baia, numa área total tem cerca de 513 hectares. A arqueologia mundial, baseando-se na Mesopotâmia, Egito, Índia e China, considera que o início da civilização se deu a partir do uso da agricultura como suporte da subsistência, o que permitiu aos grupos humanos assentar-se em um lugar e construir cidades. No Peru, no entanto, a sedentarização e a construção de cidades na costa, pródiga em peixes e mariscos, estão ligadas à exploração dos recursos marinhos. A descoberta de Áspero, em 1973, ajudou solidificar a teoria de uma origem marítima dessa civilização, ou seja, sua sedentarização e desenvolvimento posterior deveu-se a produtos obtidos do mar, e não à agricultura. Graças à pesca (particularmente de sardinha e anchova) e a coleta de mariscos puderam sustentar uma vida permanente e sedentária, com uma economia que gerou excedentes que foram usados para estabelecer relações sociais com outros grupos humanos sedentários na costa e no interior do vale, como Bandurria e Caral, e dar origem, finalmente, a uma civilização.

Áspero foi construída no período Pré-Cerâmico Médio e Tardio, começando como uma aldeia de pescadores e marisqueiros sedentários, por volta de 5.000 a.C. Em torno do ano 3.000 a.C, inicia-se a construção das pirâmides, espaços públicos (praças circulares) e áreas residenciais, transformando-a numa cidade de pirâmides que se sustentou da extração de recursos marinhos e o intercâmbio por reciprocidade dos excedentes por produtos agrícolas com as cidades do interior do vale – como Caral –, de onde obtiveram algodão e produtos exóticos como plumas multicoloridas, pedras semi-preciosas, o mullu (concha de caramujo), que foram usadas pela elite governante como símbolo de poder.

Dentro da área urbana, os diversos edifícios e espaços tiveram diferentes funções: as pirâmides, dedicadas ao culto e à administração; as praças públicas como espaços de encontro social; os terraços para a produção artesanal especializada; os armazéns para guardar o excedente e a zona residencial onde se desenvolvia a vida cotidiana.

As pirâmides de Áspero têm um modelo cultural próprio: são estruturas formadas por plataformas sobrepostas, com uma escadaria no centro da sua fachada, que liga um espaço público – geralmente uma praça circular – aos vários recintos pequenos no alto dela formando um único eixo. A técnica usada também é particular e única: o interior das plataformas é sólido, formando por uma mistura de pedra e terra misturados, depositados em pequenos recintos demarcados por finos muros de pedra sem argamassa, formando “alvéolos” chamados SHICRAS. Esta técnica não foi usada nas construções domésticas




A praça circular tem cerca de 16 metros de diâmetro, com um muro de pedras marcando seu contorno. A entrada nessas praças se faz por duas pequenas escadarias em lados opostos, mas no mesmo eixo da escadaria central. Ao lado dessas entradas, há dois monólitos de 1.80m de altura, na forma de pórtico.

De acordo com sua localização e características das edificações, e o milenar costume da cultura andina conhecida como DUALIDADE, os arqueólogos dividem essa cidade em duas metades: a “Áspero Alto” e a “Áspero Baixo”. A Áspero Alto foi construída sobre as colinas do oeste da cidade, compreendendo três pirâmides maiores – Huaca dos Ídolos, Huaca Alta e Huaca dos Sacrifícios, cada qual com seus respectivos espaços públicos (praças circulares). Além disso, há um conjunto residencial e área de artesãos. A Áspero Baixo está aos pés dessas colinas, ao norte; é formada por um conjunto de edifícios menores, duas pirâmides, um extenso conjunto residencial e uma grande praça central.

Huaca AltaÉ considerada a pirâmide principal de Áspero, por sei tamanho e localização (na parte mais alta das colinas). É formada pela superposição de três plataformas e uma longa e proeminente escadaria, que parte da praça circular..

Huaca dos Ídolos
Recebeu esse nome por haverem encontrado doze pequenas figuras de argila crua em um dos recintos do alto. Sua escadaria central conduz a um amplo recinto (ante-sala) de 11 x 16 m. a partir da qual pode-se chegar aos demais cômodos, que ficam atrás dela. Desses outros, o recinto principal mede 5,1 x 4,4 m., dividido em duas partes por um pequeno muro em forma de T. Suas paredes estão adornadas por 9 nichos. Ao lado desse cômodo, há um outro recito, menor, que também parece ser importante pois embaixo de se piso foram encontradas, dentro de uma câmara, doze figuras humanas (ídolos) modelados em argila branca e conchas.



Debaixo do piso da praça circular encontrou-se duas cabeças humanas (uma delas olhando para a escadaria central), um antebraço direito, um pé e diversos objetos, além de concha de mullu – um caracol do vale.

Huaca dos Sacrificios
Seu desenho é mais complexo que das anteriores: em seu cume há um recinto considerado principal, com o piso escavado para formar uma pequena lareira considerado como de uso cerimonial, para incinerar pequenas oferendas. Recebeu esse nome por causa dos corpos humanos com marcas de sacrifício encontrados nela – quatro meninos entre 8 e 10 anos e um neonatal. Os crânios dos meninos apresentam evidências de terem sido mortos por um forte golpe na cabeça.

Armazéns
Em uma área localizada ao sul da Huaca Alta e atrás da Huaca dos Sacrifícios há poços que serviram para armazenar alimentos. Isso prova que em Áspero a produção não era apenas para satisfazer o consumo diário, mas que também se armazenava, talvez para cumprir com os deveres de reciprocidade (intercâmbio de bens e serviços) que os unia a Caral. Os poços para armazenamento são circulares, com 1,10 m de diâmetro por 75 cm de profundidade, com paredes revestidas com pedras canteadas e, em seu interior, há restos de conchas de moluscos comestíveis.

Conjuntos Residenciais
Identifica-se ao menos duas áreas que concentram habitações: uma em Áspero Alto e outra em Áspero Baixo. Associados a essas construções, encontram extensos depósitos de restos de moluscos, fibras vegetais e pedra queimada.
Com Áspero foi ocupada durante o período pré-cerâmico, os habitantes dessa cidade não contaram com potes de barro prá cozinhar seus alimentos. A hipótese levantada para explicar a maneira como preparavam seus alimentos é seguinte: esquentavam pedras diretamente no fogo, até ficarem num vermelho vivo; então eram colocadas dentro de depósitos cheios de água. A pedra quente fazia a água entrar em ponto de ebulição ou, ao menos, uma temperatura suficiente para cozinhar os alimentos colocados dentro do depósito. A descoberta de pedras queimadas apóia essa hipótese.

Baseado no artigo homônimo em
http://www.arqueologia.com.ar/peru

sábado, 18 de abril de 2009

KAMPA - OS INCAS BRASILEIROS

Hoje, com pouco mais de mil indivíduos, os Kampa são uma nação indígena meio amazônica, meio andina, distribuídos em quatro reservas, nos municípios acreanos de Tarauca, Marechal Taumaturgo e Feijó, nas proximidades dos rios Breu, Envira, Amoner e Igarapé Primavera. Há um grupo entre os Kampa que ainda se mantém arredio, isolado, não aceitando qualquer contato com os brancos.

Pelo que se tem notícia, são os únicos índios do território brasileiro a usar a tecelagem para a confecção de roupas. O guarda-roupa original deles é semelhante ao dos Incas, de quem são descendentes; uma túnica simples que vai até a altura dos joelhos, para os homens, enquanto a das mulheres chega ao tornozelo. A túnica dos Kampa é feita de algodão grosso – mas fresco que a lã das túnicas incas tradicionais.

Quanto à habitação, são um dos poucos ou talvez os únicos índios ‘brasileiros’ que vivem em abrigos sobre estrutura de palafitas. As cabanas possuem o assoalho suspenso. As grandes vantagens desse tipo de estrutura é que ela evita a umidade do solo e permite maior ventilação, além de favorecer a higiene, facilitando a limpeza. O assoalho das casas é construído do caule de uma palmeira chamada ‘Paxuba’. A madeira é prensada ou amassada para a construção do assoalho que, depois de pronto, se abre em pequenas frestas por onde ocorre a circulação do ar.



A caça é uma das atividades desenvolvidas pelos Kampa para a obtenção de alimento. Um dos pratos do principais da floresta é o macaco assado. O animal é levado ao fogo, sobre uma grelha ou em espetos de madeira com o couro e tudo mais. Além do carvão vegetal, pedras ajudam a manter a alta temperatura.

Também chama a atenção a agilidade dos Kampa na navegação. Transportam-se em pequenos barcos de madeira com abrigos de palha. Em pé, utilizam longas varas para dar impulso e manobrar as embarcações de forma impressionante.

Assim são os Kampa, uma das nações entre as centenas de povos indígenas que vivem o avesso dos 500 anos de colonização das américas. Foram contatados no final do século XIX, pela primeira leva de seringueiros que buscou a borracha como fonte de riqueza, na divisa do Brasil com o Peru, hoje Estado do Acre. Sua história, à exemplo da maioria do povo brasileiro, é rica e triste.

Já na década de 1940, a nação Kampa se encontrava escravizada pelos seringueiros. Não sabemos se é por mérito ou se por hipocrisia mesmo, mas naquela época do Estado Novo, eles eram considerados excelentes extratores do látex.


Baseado na reportagem de Armando Araújo e Vicente Rios
Altiplano.com.br

quinta-feira, 9 de abril de 2009

PEABIRU - O CAMINHO ANTIGO

PEABIRU é uma palavra tupi-guarani que quer dizer “CAMINHO ANTIGO”; “CAMINHO DO CÉU”; “CAMINHO DA MONTANHA DO SOL”. Milenar, o caminho foi descrito pela primeira vez no século XVI como uma trilha de cerca de oito palmos de largura por 40 cm de profundidade, forrado com gramíneas que impediam o crescimento do mato, indo de Porto dos Patos, no litoral de Santa Catarina, até a Assumpção, no Paraguai, e Potossi, na Bolívia, onde se encontra com a Estrada Real Inca e, daí, chega-se até ao Pacífico. Ou seja: é um caminho transcontinental pré-colombiano.

Os estudiosos ainda não têm certeza de quem abriu o Caminho do Peabiru, mas há duas hipóteses:

1 – CAMINHO INCA – a hipótese mais corrente é que a construção dessa estrada foi uma iniciativa inca ou pré-inca, visando o comércio com tribos dos atuais Paraguai e sul do Brasil. Essa construção, com mais de 2000 quilômetros, trouxe as poderosas civilizações andinas até o Atlântico sul. E, sendo uma via de mão dupla, o Peabiru permitiu que os guaranis também chegassem aos Andes. É espantoso constatar que os Guarani de Florianópolis, ainda hoje, falam que conhecem Potosí nos Andes; que sabem com o ir e como voltar a pé.

As idas e vindas de guaranis e incas pelo Caminho deixaram vestígios de uma certa influência cultural na astronomia (leitura e uso de manchas da Via Láctea), estatística (semelhança do AINHÉ, cordão de cipó guarani, com o quipu dos incas), música (flauta andina), armamento (semelhança da MACANÁ e da BORDUNA guarani com a MAQANA incaica), denominação de fauna e flora – como por exemplo: SARA (espiga, em guarani; milho em quechua), CUI (roedor, nos dois idiomas), JAGUAR (felino, nos dois idiomas), SURI (ema, nos dois idiomas) e MANDIOCA.

2 - CAMINHO PARA A TERRA SEM MALES – porém, também há a possibilidade de que o Peabiru possa ter sido aberto pelos GUARANIS ou por povos anteriores (talvez os ITARARÉS). Originária do Paraguai, a tribo teria se deslocado para o litoral sul do Brasil, entre os anos 1000 e 1300 a.C. O Peabiru – ou pelo menos na sua porção que vai de Assumpção à costa do Atlântico – teria sido aberto nessa migração, cujo objetivo era procurar a TERRA SEM MALES – o “paraíso” guarani.

Seja como for, o fato é que o Caminho do Peabiru está fortemente ligado à cultura dos povos indígenas do Paraguai e de Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul, constando inclusive como referencial de sua astronomia.


Olhando o mapa do Peabiru, uma coisa que chama logo a atenção é o fato dele não ser na direção norte-sul e nem leste-oeste, mas sim “inclinado”; ele vai aproximadamente de sudeste para noroeste. Ao notar essa inclinação, a primeira pergunta que se coloca é a seguinte: por que os índios escolheram essa direção ao abrir a trilha? E como eles se orientaram para percorrer esse caminho?

Ao olharmos para o céu, em condições propícias, vemos a Via Láctea, que é chamada pelos guarani de CAMINHO DA ANTA (Tapirapé), ou MORADA DOS DEUSES. É natural supor que o caminho para a Terra Sem Males seria similar àquele caminho que estava lá em cima, no céu... que é o Caminho dos Deuses e dos espíritos. Ora, seguindo a Via Láctea por terra, viam que o fim do Caminho Celeste ia dar no mar, no oceano Atlântico. Portanto, a Terra Sem Males ficaria “ali”, ou “lá”, em algum lugar. Por isso eles foram na direção do mar. Mas e do lado contrário do Caminho da Anta, o que existe? Indo à procura na terra, seguindo a Via Láctea, acabou chegando num outro mar – o oceano Pacífico. Então a idéia básica é essa: o Caminho que os construtores do Peabiru percorreu é aquele da Via Láctea. E que é também, aproximadamente o caminho que liga as posições do nascer-do-sol no verão com o pôr-do-sol no inverno. Ou seja: SUDESTE-NOROESTE.

Baseado na palestra do astrônomo GERMANO BRUNO AFONSO
I Encontro Nacional dos Estudiosos do Caminho do Peabiru, em Pitanga-PR

segunda-feira, 6 de abril de 2009

SABEDORIA MAPUCHE



Hoje enfrentam-se dois olhares contraditórios com referencia à Terra. Um a vê como um grande objeto, destituído de espírito, à disposição do ser humano que pode dispôr de seus recursos como bem entender. Este olhar permitu o projeto técnico-científico de conquista e dominação da Terra, que está na base do atual aquecimento global. O outro, a considera como um super organismo vivo, a Gaia dos modernos ou a Pacha Mama dos povos originários andinos. Ela se auto-regula e articula todos os seus componentes de forma que se faz a permanente produtora e reprodutora de todo o tipo de vida.

Este segundo olhar, foi o dominante na história da humanidade e foi responsável pelo equilíbrio que se estabeleceu entre a satisfação das necessidades humanas e a manutenção do capital natural em sua integridade e vitalidade. Hoje cresce a consciência de que o primeiro olhar – da dominação e devastação – precisa ser limitado e superado, pois, do contrario, pode provocar imenso desastre no sistema da vida. A Terra seguramente continuará, mas talvez sem a nossa presença. Dai a urgência de revisitar os portadores do primeiro olhar – da Terra como Grande Mãe e Casa Comum- pois eles são portadores de uma sabedoria que nos falta e de formas de relação para com a natureza que nos poderá salvar. Então nos encontramos com os povos originários, os indígenas que, segundo dados da ONU, são mais de cem milhões no mundo inteiro, distribuídos em quase todos os paises, como no extremo Norte com os sami (esquimós) ou no extremo Sul, com os mapuche.



Em setembro do corrente ano pude me entreter longamente com os mapuche que vivem na Patagônia argentina e chilena. São muitos, somente no sul do Chile mais de quinhentos mil. Vivem nestas regiões andinas há cerca de 15 mil anos. Resistiram a todas as conquistas. Quase foram exterminados, no lado argentino, pelo feroz general Roca e, no lado chileno, são muito discriminados. Aos que hoje ocupam terras que eram suas, se aplicam as leis contra os terroristas da constituição de Pinochet.

Falando com seus lideres (lonko) e sábios (machis), logo salta à vista a extraordinária cosmologia que elaboraram. Tudo é pensado em quatro termos. Sentem-se tão vinculados à Terra que se chamam “mapu-che”: seres (che) que são um com a Terra (mapu). Por isso se sentem água, pedra, flor, montanhas, insetos, sol, lua, todos irmanados entre si. Aprenderam a descodificar e comprender o idioma da Mãe Terra (Ñeku Mapu): o soprar do vento, o pio do pássaro, o farfalhar das folhas, o movimentos das águas e principalmente os estados do sol e da lua. Em tudo sabem tirar lições. Seu ideal maior é viver e alimentar profunda harmonia com todos os elementos, com as energias positivas e negativas e com o céu e com a terra. Sentem-se os cuidadores da natureza. A comunidade sobe ao morro mais alto. Toda a terra que avista até se encontrar com o céu, é-lhe designada para cuidar. Perturbam-se quando outros não mapuche penetram estas terras para introduzir cultivos, pois entendem que assim se torna mais difícil cumprir a sua missão de cuidar.

Desenvolveram sofisticados métodos de cura. Toda doença representa uma quebra do equilíbrio com as energias da Terra e do universo. A cura implica reconstituir este equilíbrio, de sorte que o enfermo se sinta novamente inserido no todo. Os mapuche são orgulhosos de seu conhecimento. Não aceitam que seja considerado folclore ou visão ancestral. Insistem em dizer que é um saber tão sério e importante como o nosso científico, apenas diferente. Na busca de regeneração da Terra eles podem nos inspirar.

Texto de Leonardo Boff, teólogo