sábado, 19 de julho de 2014

DECLARAÇÃO DA ALDEIA KARI-OCA 2012

“CONFERÊNCIA MUNDIAL DOS Povos Indígenas SOBRE RIO+20 e a Mãe TERRA”
13‐22 Junho 2012

Nós, os Povos Indígenas da Mãe Terra reunidos na sede da Kari-Oca I, sagrado Kari-Oka Púku, no Rio de Janeiro para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20, agradecemos aos Povos Indígenas do Brasil por nos darem o bem vindo aos seus territórios. Reafirmamos nossa responsabilidade para falar sobre a proteção e o bem-estar da Mãe Terra, da natureza e das futuras gerações de nossos Povos Indígenas e toda a humanidade e a vida.
Reconhecemos o significado desta segunda convocatória dos Povos Indígenas do mundo e reafirmamos a reunião histórica de 1992 da Kari-Oca I, onde os Povos Indígenas emitiram a Declaração da Kari-Oca e a Carta da Terra dos Povos Indígenas.

A conferência da Kari-Oca e a mobilização dos Povos Indígenas durante a Reunião da Terra marcou um grande avanço do movimento internacional para os direitos dos Povos Indígenas e o papel importante que desempenhamos na conservação e no desenvolvimento sustentável.
Reafirmamos também a Declaração de Manaus sobre a convocatória da Kari-Oca 2 como o encontro internacional dos Povos Indígenas na Río+20.

A institucionalização do colonialismo
1. Consideramos que os objetivos da Conferência das Naciones Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD) Río+20, a “Economia Verde” e seu argumento de que o mundo somente pode “salvar” a natureza com a mercantilizar de suas capacidades de dar vida e garantir a vida como uma continuação do colonialismo que os Povos Indígenas e nossa Mãe Terra tem resistido durante 520 anos.

2. A “Economia Verde” se promete erradicar a pobreza, mas na realidade somente vai favorecer e responder as empresas multinacionais e o capitalismo. Se trata da continuação de uma economia global baseada nos combustíveis fósseis, na destruição do meio ambiente mediante a exploração da natureza através das indústrias extrativistas, tais como a mineração, a extração e produção petrolífera, a agricultura intensiva de monoculturas e outras inversões capitalistas. Todos esses esforços estão encaminhados as ganâncias e a acumulação de capital por uns poucos.
Desde Rio 1992, nós como Povos Indígenas vemos que o colonialismo está sendo transformado na base da globalização do comércio e da hegemonia econômíca capitalista mundial. Se vem intensificado a exploração e o roubo dos ecossistemas e biodiversidade do mundo, assim como a violação aos diretos inerentes dos povos indígenas. Nosso direito a livre determinação, a nossa própria governança e ao nosso desenvolvimento livremente determinado, nossos direitos inerentes as nossas terras, territórios e recursos estão cada vez mais atacados por uma colaboração de governos e empresas transnacionais. Ativistas e líderes indígenas que defendem seus territórios seguem sofrendo repressão, militarização, incluindo assassinatos, prisões, humilhações e classificação como “terroristas”. A violação de nossos direitos coletivos enfrenta a mesma impunidade. O deslocamento forçado ou assimilação ameaça nossas futuras gerações, culturas, idiomas, espiritualidade y relação com a Mãe Terra económica e políticamente.

3. Nós, povos indígenas de todas as regiões do mundo, temos defendido a Nossa Mãe Terra das agressões do desenvolvimento não sustentável e a super exploração de nossos recursos por mineração, madeireiras, grandes represas hidroelétricas, exploração e extração petrolífera.
Nossos bosques sofrem pela produção de agrocombustíveis, biomassa, plantações e outras imposições como as falsas soluções à mudança climática e ao desenvolvimento não sustentável e danoso.
A Economia Verde é nada menos que o capitalismo da natureza; um esforço perverso das grandes empresas, as indústrias extrativistas e dos governos para converter em dinheiro toda a Criação mediante a privatização, mercantilização e venda do Sagrado e todas as formas de vida, assim como o céu, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos e todos os genes, plantas, sementes nativas, árvores, animais, peixes, diversidade biológica e cultural, ecossistemas e conhecimentos tradicionais que fazem possível e desfrutável a vida sobre a terra.

4. Violações graves dos direitos dos povos indígenas da soberania alimentar continuam sem parar ao que dá lugar a inseguridade alimentar. Nossa própria produção de alimentos, as plantas que nos rodeiam, os animais que caçamos, nossos campos e as plantações, a água que bebemos e a água dos nossos campos, os peixes que pescamos de nossos rios e riachos, está diminuindo a um ritmo alarmante. Projetos de desenvolvimento não sustentável, tais como monoculturas plantações de soja quimicamente intensiva, as indústrias extrativistas como a mineração e outros projetos destrutivos do meio ambiente e as inversões com fins de lucro, estão destruindo nossa biodiversidade, envenenando nossa água, nossos rios, riachos, e a terra e sua capacidade para manter a vida.
Isto se agrava ainda mais devido ao cambio climático e as represas hidroelétricas e outras formas de produção de energia que afetam a todo o ecossistema e sua capacidade para promover a vida.
A soberania alimentaria é uma expressão fundamental de nossos direitos coletivo a livre determinação e desenvolvimento sustentável. A soberania alimentar e o direito a alimentação devem ser reconhecidos e respeitados: alimentação não deve ser mercadoria que se utiliza, comercializa ou especula com fins de lucro. Nutre nossas identidades, nossas culturas e idiomas, e nossa capacidade para sobreviver como povos indígenas.

5. A Mãe Terra é a fonte da vida que se requer proteger, não como um recurso para ser explorado e mercantilizado como “capital natural”. Temos nosso lugar e nossas responsabilidades dentro da ordem sagrada da Criação.
Sentimos a alegria sustentadora quando as coisas ocorrem em harmonia com a Terra e com toda a vida que cria e sustenta. Sentimos a dor da falta de harmonia quando somos testemunho da desonra da ordem natural da Criação e da colonização econômica e continua, assim como a degradação da Madre Terra e toda a vida nela. Até que os direitos dos povos indígenas sejam observados, velados e respeitados, o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza não ocorrerão.

A solução
6. A relação inseparável entre os seres humanos e a Terra, inerente para os povos indígenas deve ser respeitada pelo bem das gerações futuras e toda a humanidade. Instamos a toda a humanidade a se unir conosco para transformar as estruturas sociais, as instituições e relações de poder que são a base de nossa pobreza, opressão e exploração.
A globalização imperialista explora todo o que garante a vida e a terra. Necessitamos reorientar totalmente a produção e o consumo na base das necessidades humanas no lugar da acumulação desenfreada de ganância para com poucos.
A sociedade deve tomar controle coletivo dos recursos produtivos para satisfazer as necessidades de desenvolvimento social sustentável e evitar a sobreprodução, o sobreconsumo e a sobreexploração das pessoas e da natureza que são inevitáveis abaixo o atual sistema capitalista monopólico.
Devemos enfocar sobre comunidades sustentáveis com base nos conhecimentos indígenas e no desenvolvimento capitalista.

7. Exigimos que as Nações Unidas, os governos e as empresas abandonem as falsas soluções a mudança climática, tais como as grandes represas hidroelétricas, os organismos geneticamente modificados, incluindo as árvores transgênicas, as plantações, os agro combustíveis, o “carbono limpo”, a energia nuclear, o gás natural, a transposição das águas dos rios, a nanotecnologia, a biologia sintética, a bio energia, a biomassa, o biochar, a geoengenharia, os mercados de carbono, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e REDD+ que colocam em perigo o futuro e a vida tal como a conhecemos.
No lugar de ajudar a reduzir o aquecimento global, eles envenenam e destroem o meio ambiente e deixam que a crise climática aumente exponencialmente, o que pode deixar o planeta praticamente inabitável. Não podemos permitir que as falsas soluções destruam o equilíbrio da Terra, assassinem as estações, desencadeiem o caos do mal tempo, privatizem a vida e ameacem a supervivência da humanidade. A Economia Verde é um crime de lese humanidade e contra a Terra.

8. Para lograr o desenvolvimento sustentável os Estados devem reconhecer os sistemas tradicionais de manejo de recursos dos povos indígenas que há existido por milênios, nos sustentando assim durante o colonialismo. È fundamental garantir a participação ativa dos povos indígenas nos processos de tomada de decisões que os afetam e seu direito ao consentimento livre, prévio e informado.
Os Estados também devem proporcionar apoio aos povos indígenas que seja adequada a sua sustentabilidade e prioridades livremente determinadas, sem restrições e diretrizes limitantes.

9. Seguiremos lutando contra a construção de represas hidrelétricas e todas as formas de produção de energia que afetam nossas águas, nossos peixes, nossa biodiversidade e os ecossistemas que contribuem com a nossa soberania alimentar. Trabalharemos para preservar nossos territórios contra o veneno das plantações de monoculturas, das indústrias extrativas e outros projetos destrutivos do meio ambiente, e continuar nossas formas de vida, preservando nossas culturas e identidades.
Trabalharemos para preservar nossas plantas e as sementes tradicionais, e manter o equilíbrio entre nossas necessidades e as necessidades de nossa Mãe Terra e sua capacidade de garantir a vida.
Demonstraremos ao mundo que se pode e se deve fazer.
Em todos estes assuntos documentaremos e organizaremos a solidariedade de todos os povos indígenas de todas as partes do mundo, e todas as demais fontes de solidariedade dos não indígenas de boa vontade a se unir a nossa luta pela soberania alimentar e a seguridade alimentaria.
Rejeitamos a privatização e o controle corporativo dos recursos, tais como nossas sementes tradicionais e dos alimentos. Por último, exigimos aos estados que defenda nossos direitos ao controle dos sistemas de gestões tradicionais e ofereça um apoio concreto, tais como as tecnologias adequadas para que possamos defender nossa soberania alimentar.
Rejeitamos as promessas falsas do desenvolvimento sustentável e soluções ao cambio climático que somente serve a ordem econômica dominante.
Rejeitamos a REDD, REDD+ e outras soluções baseadas no mercado que têm como enfoque nossos bosques, para continuar violando nossos direitos inerentes a livre determinação e ao direito as nossas terras, territórios, águas e recursos, e direito da Terra a criar e manter a vida.
Não existe tal coisa como “mineração sustentável”. Não existe tal coisa como “petróleo ético”.

10. Rejeitamos a aplicação de direitos de propriedade intelectual sobre os recursos genéticos e o conhecimento tradicional dos povos indígenas que resulta na privatização e mercantilização do Sagrado essencial para nossas vidas e culturas.
Rejeitamos as formas industriais da produção alimentícia que promove o uso de agrotóxicos, sementes e organismos transgênicos.
Portanto, afirmamos nosso direito a ter, controlar, proteger e herdeiros as sementes nativas, plantas medicinais e os conhecimentos tradicionais provenientes de nossas terras e territórios para o beneficio de nossas futuras gerações.

Nosso Compromisso com o Futuro que Queremos
11. Pela ausência da implementação verdadeira do desenvolvimento sustentável o mundo está em múltiplas crises ecológicas, econômicas y climáticas. Incluindo a perda de biodiversidade, desertificação, o derretimento dos glaciares, escassez de alimentos, água e energia, uma recessão econômica mundial que se acentua, a instabilidade social e a crise de valores.
Nesse sentido, reconhecemos que temos muito fazer para que os acordos internacionais respondam adequadamente aos direitos e necessidades dos povos indígenas.
As contribuições atuais potenciais de nossos povos devem ser reconhecidas como um desenvolvimento sustentável verdadeiro para nossas comunidades que permita que cada um de nós alcance o Bem Viver.

12. Como povos, reafirmamos nosso direito a livre determinação a controlar e manejar nossas terras e territórios tradicionais, águas e outros recursos. Nossas terras e territórios são a parte estrutural de nossa existência – somos a Terra a Terra, é nós -. Temos uma relação espiritual e material com nossas terras e territórios e estão intrinsecamente ligados a nossa supervivência e a preservassem e desenvolvimento de nossos sistemas de conhecimentos e culturas, a conservação, uso sustentável da biodiversidade e o manejo de ecossistemas.
Exerceremos o direito a determinar e estabelecer nossas prioridades e estratégias de auto desenvolvimento para o uso de nossas terras, territórios e outros recursos. Exigimos que o consentimento livre, prévio e informado seja o princípio de aprovação ou desaprovação definitivo y vinculante de qualquer plano, projeto ou atividade que afete nossas terras, territórios e outros recursos. Sem o direito ao consentimento livre, prévio e informado o modelo colonialista, o domínio da Terra e seus recursos seguirá com a mesma impunidade.

13. Seguiremos nos unindo como povos indígenas e construindo una solidariedade e aliança forte entre nós mesmos, comunidades locais e verdadeiros promotores não-indígenas de nossos temas.
Esta solidariedade avançará a campanha mundial para os direitos dos povos indígenas a sua terra, vida e recursos e o lugar de nossa livre determinação e liberação.
Seguiremos desafiando e resistindo aos modelos colonialistas e capitalistas que promovem a dominação da natureza, o crescimento econômico desenfreado, a extração de recursos sem limite para ganâncias, o consumo e a produção insustentável e as acordos não regulamentados e os mercados financeiros.
Os seres humanos são uma parte integral do mundo natural e todos os direitos humanos, incluindo os direitos dos povos indígenas, devem ser respeitados e observados por o desenvolvimento.

14. Convidamos a toda a sociedade civil a proteger e promover nossos direitos e cosmovisões e respeitar a lei da natureza, nossas espiritualidades e culturas e nossos valores de reciprocidade, Harmonia com a natureza, a solidariedade e a coletividade. Valores como cuidar o compartilhar, entre outros, são cruciais para criar um mundo más justo, equitativo e sustentável. Neste contexto, fazemos um chamado para inclusão da cultura como o quarto pilar do desenvolvimento sustentável.

15. O reconhecimento jurídico e a proteção dos direitos dos povos indígenas da terra, dos territórios,dos recursos e os conhecimentos tradicionais deveriam ser um requisito para o desenvolvimento e planificação de todos e cada um dos tipos de adaptação e mitigação da mudança climática, conservação ambiental (incluindo a criação de “áreas protegidas”), o uso sustentável da biodiversidade e medidas a combater desertificação.
Em todos os casos, tem que haver consentimento livre, prévio e informado.

16. Continuamos dando seguimento aos compromissos assumidos na Reunião da Terra tal como se reflete nesta declaração política. Fazemos um chamado a ONU a começar sua implementação, e assegurar a participação plena, formal e efetiva dos povos indígenas em todos os processos e atividades da Conferência de Rio+20 e mais além, de acordo com a Declaração das Nações Unidas sobe os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPI) e o principio do consentimento livre, prévio e informado (CLPI).
Seguimos habitando e mantendo os últimos ecossistemas sustentáveis com as mais altas concentrações de biodiversidade no mundo.
Podemos contribuir de uma maneira significativa ao desenvolvimento sustentável porém acreditamos que o marco holístico de ecossistemas para o desenvolvimento se deve promover. isso inclui a integração do enfoque de direitos humanos, o enfoque de ecossistemas e enfoques culturalmente sensíveis e baseados em conhecimentos.

17. Expressamos nossa solidariedade e apoio para as demandas e aspirações dos povos indígenas no Brasil encontradas no anexo a esta declaração.

“Caminhamos para o futuro nos rastros de nossos antepassados”.

Aprovado por aclamação, Aldeia de Kari-Oca, no Sagrado Kari-Oca Púku
Rio de Janeiro, Brasil, 18 de junho de 2012

DECLARAÇÃO DA ALDEIA KARI-OCA 1992

No dia 30 de maio passado, fez 22 anos da Declaração da Aldeia Kari-oca, promulgada durante a Conferência Mundial dos Povos Indígenas sobre Território, Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro, por ocasião da “Eco-92”. Duas décadas depois, ela se mantém atual, pois pouco mudou. Vale a pena rele-la:

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Nós, Povos Indígenas das Américas, Ásia, África, Austrália, Europa e Pacífico, unidos em só voz na Aldeia Kari-Oca, expressamos a nossa gratidão coletiva aos povos indígenas do Brasil.
Inspirados por este encontro histórico, celebramos a unidade espiritual dos povos indígenas com a Terra e nossos antepassados.
Continuamos construindo e formulando nosso compromisso mútuo de salvar a nossa mãe Terra.
Nós, Povos Indígenas, apoiamos a seguinte declaração como nossa responsabilidade coletiva para que nossas mentes e nossas vozes continuem no futuro.
Nós, Povos Indígenas, caminhamos em direção ao futuro nas trilhas dos nossos antepassados.
Do maior ao menor ser vivente, das quatro direções do ar, da água, da terra e das montanhas, o Criador colocou a nós, povos indígenas, em nossa terra, que é nossa mãe.
As pegadas de nossos antepassados estão permanentemente gravadas nas terras de nossos povos.
Nós, Povos Indígenas, mantemos nossos direitos inerentes à autodeterminação. Sempre tivemos o direito de decidir as nossas próprias formas de governo, de usar nossas próprias leis, de criar e educar nossos filhos, direito a nossa própria identidade cultural sem interferências.
Continuamos mantendo nossos direitos inalienáveis a nossa terras e territórios, e a todos os nossos recursos do solo e do subsolo, e das nossas águas.
Afirmamos nossa contínua responsabilidade de passar todos esses direitos às gerações futuras.
Não podemos ser desalojados de nossas terras. Nós, Povos Indígenas, estamos unidos pelo círculo da vida em nossas terras e nosso meio ambiente.
Nós, Povos Indígenas, caminhamos em direção ao futuro, nas trilhas dos nossos antepassados!

Direitos Humanos e Direito Internacional
1. Nós, Povos Indígenas, exigimos o direito à vida.
2. O Direito Internacional deve referir-se também aos Direitos Humanos coletivos dos Povos Indígenas.
3. Existem muitos instrumentos internacionais que tratam dos direitos individuais, porém não há declarações que reconheçam os direitos humanos coletivos. Assim, nós recomendamos aos governos que apoiem o Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas nas Nações Unidas, para que possam chegar a uma Declaração Universal sobre Direitos Indígenas, atualmente em estudo final.
4. Recomendamos que a convenção contra o genocídio deve ser mudada incluindo o genocídio dos Povos Indígenas. Há muitos exemplos de genocídio contra os Povos Indígenas.
5. A Organização das Nações Unidas deve estar capacitada para enviar indígenas representativos, para manter a paz em territórios indígenas onde haja ameaça de conflitos, ajudando a preveni-los. O mundo deve contribuir para atender as solicitações e os interesses dos Povos Indígenas.
6. O conceito Terra Nullius deve ser eliminado do Direito Internacional. Muitos governos dos Estados têm usado Leis internas para apoderar-se de nossas terras. Estes atos ilegais devem ser condenados em todo o mundo.
7. Tem havido muitas discussões por parte dos chamados países democráticos quanto aos direitos dos Povos Indígenas, em aprovar medidas concernentes aos seus futuros, devido ao pequeno número de indígenas que vivem dentro das fronteiras desses Estados. Os governos têm usado o conceito de “maioria” para decidir o futuro dos indígenas. Os Povos Indígenas devem ter preservado seus direitos de serem consultados sobre quaisquer projetos que afetam suas áreas.
8. Devemos promover a expressão “povos indígenas” em todos os foros, evitando seu uso com qualidade depreciativo.
9. Recomendamos aos governos que ratifiquem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, para garantir instrumentos legais internacionais para os Povos Indígenas.
10. Aos Povos Indígenas devem ser reconhecidos possuírem direitos distintos e separados dentro de seus territórios.
11. Devemos assegurar nossos direitos ao livre trânsito através das fronteiras políticas impostas pelo Estado e que dividem nossos territórios tradicionais. Deve-se estabelecer mecanismos adequados que assegurem esses direitos.
12. Os sistemas coloniais trataram de dominar e assimilar nossos povos. No entanto, nossos povos devem ser respeitados ao permanecerem distintos apesar dessa pressão.
13. Nossos sistemas de governos indígenas e os sistemas legais devem ser reconhecidos pela Organização das Nações Unidas.
14. Nossos direitos à autodeterminação devem ser reconhecidos.
15. Os governos não devem obrigar-nos a aceitar mudanças de localização de nossas populações.
16. Devemos manter nosso direito às formas tradicionais de nossas vidas.
17. Devemos manter direito às formas espirituais de nossas vidas.
18. Devemos manter nosso direito de não sermos pressionados pelas multinacionais, sobre nossas vidas e nossas terras. Todas as incorporações que violarem nossas terras nativas devem ser denunciadas às representações da Organização das Nações Unidas a nível internacional.
19. Devemos estar livres de qualquer forma de racismo.
20. Devemos manter nosso direito de decidir os rumos de nossas aldeias.
21. A Organização das Nações Unidas deve contar com procedimentos especiais ao tratar de temas sobre violação das convenções de direitos dos Povos Indígenas.
22. As convenções assinadas entre Povos Indígenas e não-indigenas devem ser acatadas como formas legais e de direito internacional.
23. A Organização das Nações Unidas deve exercitar também o direito de impor sanções contra governos que violarem os direitos dos Povos Indígenas.
24. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas inclua o tema dos Povos Indígenas na Agenda da Conferência Mundial dos Direitos Humanos a ser realizada em 1993.
25. Os Povos Indígenas devem ter assegurado o direitos a sua própria ciência, linguagem, cultura e educação, incluindo aspectos biculturais e bilíngues através do reconhecimento formal e informal com a participação da família e da aldeia assegurado.
26. O direito dos Povos indígenas à saúde deve incluir a sabedoria tradicional dos anciões e curandeiros indígenas. O reconhecimento à medicina tradicional e seu poder preventivo e espiritual devem ser reconhecidos e protegidos contra formas de exploração.
27. A Corte Mundial deve estender seus poderes também aos povos indígenas e suas aspirações.
28. Recomendamos que se estabeleça um sistema de segurança para o retorno dos delegados indígenas aos seus territórios. Esses dirigentes devem ser livres e respeitados, ao atenderem chamados e ao participarem de eventos internacionais de interesse indígena.
29. Recomendamos que os direitos da mulher indígena sejam respeitados. Elas devem ser respeitadas na sua região local e a nível nacional e internacional.
30. Os direitos históricos dos povos indígenas, anteriormente mencionados, devem ser garantidos nas leis de cada país.

Terras e Territórios
31. Os Povos Indígenas foram colocados pelo Criador na Mãe Terra. Nós pertencemos à Terra, não podemos ser separados de nossas terras e de nossos territórios.
32. Nossos territórios são uma totalidade viva em permanente relação vital entre os seres humanos e a natureza. A posse de nossos territórios produz nosso desenvolvimento cultural. Nossas propriedade territorial deve ser inalienável e permanente. E não se devem negar nossos títulos de propriedade. Para garantir isto, fazem falta apoios econômicos, legais e técnicos.
33. Os direitos inalienáveis dos Povos Indígenas sobre a Terra e os recursos existentes reafirmam a necessidade de termos assegurado sua posse e sua administração feitas por nós mesmos. Exigimos que isso seja respeitado.
34. Ratificamos nossos direitos à demarcação de nossos territórios tradicionais. A definição de “território” deve incluir o espaço (o ar), a terra e as águas, como tradição especial indígena.
35. Onde os territórios indígenas tenham sido degradados deve-se facilitar recursos para restaurá-los. A recuperação desses territórios afetados é um dever dos Estados nacionais que não pode tardar. Dentro deste processo de recuperação, a compensação da dívida histórica ecológica deve ser levada em conta. Os Estados nacionais devem revisar em profundidade suas políticas agrárias, minerais e florestais.
36. Nós, os Povos Indígenas, rechaçamos a imposição de leis não-indígenas em nossas terras. Os Estados não podem estender unilateralmente sua jurisdição sobre nossas terras e territórios. O conceito de Terra Nullius deve ser eliminado para sempre das leis do Estado.
37. Nós, os Povos Indígenas, não devemos nunca alterar as formas tradicionais de relacionamento com a Terra, assegurando-a para as gerações futuras.
38. Se um governo não-indígena, indivíduos ou corporações quiserem usar nossas terras, deverá haver um acordo formal que estabeleça os termos e as condições. Nós, os Povos Indígenas, devemos ter a segurança de uso de nossas terras para o bem comum e a compensação para nossas populações.
39. As fronteiras tradicionais de nossos territórios, incluindo as águas, devem ser respeitadas.
40. Deve haver controle sobre os grupos ambientalistas que tratam de proteger nossos territórios e as espécies dentro de nossos territórios. Em muitos casos, os grupos ambientalistas estão mais preocupados com os animais que com os seres humanos. Fazemos um chamado aos Povos Indígenas para que determinem os limites, antes de permitir seu ingresso a nossos territórios.
41. Não se deve criar parques às expensas dos povos indígenas. Não há modo de separar os povos indígenas de suas terras.
42. Os povos indígenas não devem ser expulsos de suas terras para dá-las aos colonizadores ou para outras formas de atividade econômica.
43. Em muitos casos, o número de povos indígenas foi reduzido, devido às invasões de povos não-indigenas.
44. Os povos indígenas devem apoiar sua gente para que cultive seus próprios produtos tradicionais em lugar de usar cultivos exóticos importados que não beneficiam sua gente.
45. Não se deve depositar dejetos tóxicos em nossas terras. Os povos indígenas devem tomar consciência de que os produtos químicos como pesticidas e dejetos perigosos não beneficiam nossa gente.
46. As áreas tradicionais dos Povos Indígenas devem ser protegidas contra formas futuras de degradação ambiental.
47. Recomendamos que cessem todo uso de materiais nucleares.
48. Recomendamos que a extração de produtos minerais para uso nuclear seja proibida em áreas indígenas, cuja violação deve ser considerada como crime contra a humanidade.
49. As terras indígenas jamais deverão ser usadas para testes ou depósitos de produtos nucleares.
50. As políticas de governo e de Estado sobre transferência de população indígena devem ser evitadas pois sempre ocasionam degradação territorial e ambiental e prejuízos sociais.
51. Alguns governos se utilizam das terras indígenas para captação de fundos internacionais, ocasionando prejuízos e perdas de nossas terras e territórios. Recomendamos que isso não seja mais praticado.
52. Em muitos países, as terras indígenas são utilizadas para propósitos militares, isso é um uso inaceitável para com a mãe Terra.
53. Os colonizadores das terras indígenas devem evitar tocar ou usar indevidamente os códigos e os nomes sagrados de nossas terras. Isso seria uma afronta espiritual e um genocídio contra o futuro de nossos filhos e seus aprendizados tradicionais.
54. As nossas florestas não estão usadas para os propósitos pelas quais foram criadas. Elas têm sido usadas para ganhar dinheiro. Recomendamos que isso seja evitado.
55. As atividades tradicionais, tais como cerâmica e o artesanato, estão sendo destruídas pela importação de bens industriais. Isso empobrece nossa gente.

Biodiversidade e Conservação
56. Os círculos vitais estão em continuamente interrelação, de tal modo que quando se muda um dos elementos, se afeta a totalidade.
57. As mudanças climáticas afetam tanto os Povos Indígenas como toda a humanidade, ocasionando total desequilíbrio ecológico. Recomendamos que isso seja evitado, pois ocasionará prejuízos à agricultura e à qualidade da vida.
58. As florestas estão sendo destruídas para estabelecer atividades que não beneficiam os seres humanos, animais, pássaros e peixes. Estas atividades só buscam o benefício econômico sem se importarem com a destruição do equilíbrio ecológico. Devem ser canceladas todas as concessões florestais e os incentivos às indústrias madeireiras, de criação de gado e mineiras que afetam os ecossistemas e os recursos naturais.
59. Os Povos Indígenas reconhecem e valorizam a busca de proteção à biodiversidade, mas rejeitamos sermos incluídos como parte da diversidade inerte, preservado por razões científicas ou folclóricas.
60. As estratégias de vida dos Povos Indígenas adotada ao longo do tempo devem ser levadas consideradas como referência para a formulação e aplicação das políticas ambientais nacionais e sobre a diversidade biológica.

Estratégias de Desenvolvimento
61. Os povos indígenas devem ser consultados para quaisquer trabalhos e projetos em seus territórios. Antes do consentimento ser obtido, as pessoas indígenas devem estar totalmente envolvidas nas decisões. A eles devem ser dadas todas as informações a respeito do projeto e seus efeitos. Do contrário, será considerado um crime contra os Povos Indígenas. A pessoa ou as pessoas que violarem isto devem ser julgadas em um tribunal mundial com o controle das pessoas indígenas designadas para esse propósito, que pode ser similar aos julgamentos feitos depois da Segunda Guerra Mundial contra crimes à humanidade.
62. Temos o direito às nossas próprias estratégias de desenvolvimento baseadas em nossas práticas culturais transparente, eficiente e com viabilidade econômica e ecológica.
63. Nosso desenvolvimento e estratégias para a vida estão sendo obstruídos pelos interesses dos governos, das grandes empresas e pelas políticas neoliberais. Nossas estratégias têm como condição fundamental a existência de relações internacionais baseadas na justiça, na equidade e na solidariedade entre seres humanos e as nações.
64. Qualquer estratégia de desenvolvimento deve priorizar a eliminação da pobreza, a garantia relativa ao clima, a administração sustentável dos recursos naturais, a continuidade das sociedades democráticas e o respeito às diferenças culturais.
65. A ajuda global para o meio ambiente deverá consignar pelo menos 20% (vinte por cento) para as estratégias e programas de contingência ambiental para os povos indígenas, assim como elevar sua qualidade de vida, a proteção dos recursos naturais e a reabilitação dos ecossistemas. Esta proposta no caso de Estados Unidos e Caribe, deve concretizar-se num Fundo de Desenvolvimento Indígena como uma experiência piloto com o fim de estender-se para outros povos indígenas e continentes.
66. O conceito de “desenvolvimento” significou a destruição de nossas terras. Rechaçamos qualquer argumento que esse “desenvolvimento” tenha sido benéfico para nossos povos. Não somos culturas estáticas e mantemos nossas identidades através de permanente recriação de nossas condições de vida, e isso tem sido obstaculizado com o argumento desse “desenvolvimento”.
67. Reconhecendo a relação harmônica que existe entre os povos indígenas e a natureza, os modelos de desenvolvimento ambiental e valores culturais devem ser respeitados como distintas e vitais fontes de sabedoria.
68. Os povos indígenas estiveram na terra desde antes do começo do “tempo”. Surgimos diretamente do criador. Temos vivido e cuidado da terra desde o primeiro dia. Os povos, aos quais não pertence a terra, deverão deixá-las porque aquilo que chamam de “desenvolvimento” (sobre a terra) vai contra as Leis do Criador.
69. a) Para que os povos indígenas assumam o controle, o manejo e a administração de seus recursos e territórios, os projetos de desenvolvimento deverão estar baseados nos princípios de autodeterminação e administração.
b) Os povos indígenas devem ser auto-suficientes.
70. Se nós formos plantar, a colheita deve ser para alimentar as pessoas. Não é apropriado que a terra seja usada para cultivar colheitas que não alimentem as populações locais.
a) Com respeito às políticas indígenas, os Estados governamentais devem parar com processos de assimilação e integração.
b) Os povos indígenas devem aprovar todos os projetos em seus territórios. Antes de obtida a aprovação, as pessoas devem estar completamente envolvidas nas decisões. Elas devem ter toda a informação sobre o projeto e seus efeitos. Se isto não se cumprir, será considerado um crime contra os povos indígenas. A pessoa ou pessoas devem ser julgadas diante de um tribunal do mundo, com a participação de indígenas, organizados para esse propósito. Isto pode ser similar aos julgamentos realizados depois da Segunda Guerra Mundial.
71. Nós, os Povos Indígenas, nunca deveremos usar o termo “demandas da terra”. São as pessoas não-indígenas as que não têm terras. Todas as terras são nossas terras. São as pessoas não-indígenas as que estão demandando nossas terras. Nós não estamos fazendo demandas de nossas terras.
72. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas crie um grupo fiscalizador a fim de monitorar as disputas territoriais no mundo, incluso aquelas que prevêem projetos de “desenvolvimento” polêmicos.
73. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas promova uma grande conferência a respeito de “Terras Indígenas e desenvolvimento”.
74. Os povos não-indígenas vieram a nossa terra com o propósito de explorar essa terra e suas reservas, para beneficiar a eles mesmos, e para empobrecer o nosso povo. Os povos indígenas são vítimas do desenvolvimento; em muitos casos os povos indígenas são exterminados em nome dos programas de desenvolvimento. Há vários exemplos dessas ocorrências.
75. Desenvolvimento que ocorra em terras indígenas sem o consentimento das pessoas indígenas deve ser parado.
76. O desenvolvimento que ocorre em terras indígenas é usualmente decidido sem consulta local, por pessoas que não são da família indígena, nem conhecedoras das condições e necessidades locais.
77. A noção eurocêntrica de propriedade está destruindo nosso povo. Nós devemos retornar para a nossa visão do mundo, da terra e do desenvolvimento. Este tema não deve ser separado dos direitos dos povos indígenas.
78. Há diferentes formas de desenvolvimento, como a construção de estradas, comunicações, eletricidade, que facilitam acesso às terras dos Povos Indígenas. Essa industrialização tem efeitos destrutivos sobre nossos povos.
79. Em várias partes do mundo, existem movimentos visando remover os Povos Indígenas das terras para as cidades. Rechaçamos esse uso em nome do “desenvolvimento”.
80. Recomendamos que quando a agência governamental vier morar em nossos territórios, evitem dizer ao nosso povo o que deve ser feito, ou o que é necessário.
81. Muitos governos criaram instâncias artificiais como os “Conselhos de Distritos” para agradar a comunidade internacional. Essas entidades dominadas por ele mesmos têm funcionado como consultoras sobre o desenvolvimento da região. Os Povos Indígenas rechaçam e denunciam tais manobras que utilizam seus nomes.
82. Recomendamos que haja uma rede de informações indígenas, que distribua material informativo, visando intercambiar notícias sobre outras realidades.
83. Os Povos Indígenas devem formar e divulgar sua própria visão de meio ambiente, valores e meio.

Cultura, Ciência e Propriedade Intelectual
84. Sentimos o planeta Terra como nossa mãe. Quando o planeta estiver contaminado e enfermo, a saúde humana será impossível. Para que possamos nos curar, devemos curar o planeta e para curar o planeta devemos nos curar.
85. Devemos buscar a cura do planeta, desde nossas bases até o nível mundial.
86. A destruição cultural sempre foi considerada como um problema interno de cada país. Recomendamos que a Organização das Nações Unidas crie um tribunal para advertir e evitar a destruição das culturas indígenas.
87. Os Povos Indígenas devem contar com observadores internacionais, quando houver risco de corrosão social, econômica e cultural nos seus territórios.
88. Os restos humanos e os objetos materiais das populações indígenas devem ser devolvidos a seus donos originais.
89. Nossos lugares sagrados e nossas cerimônias devem ser protegidos e considerados como patrimônios indígenas e da humanidade, garantido por instrumentos legais a nível internacional e internacional.
90. O uso das línguas indígenas existentes é um direito nosso e isso deve ser protegido e incentivado.
91. Os Estados que eliminaram o uso das línguas indígenas e seus alfabetos devem ser censurados pela Organização das Nações Unidas.
92. Não devemos permitir que o turismo seja utilizado para diminuir a nossa cultura. Eles chegam em nossas comunidades, vêem nossas gentes como se fossem parte de um zoológico. Os Povos Indígenas devem ter o poder de decidir a favor ou contra o turismo em suas áreas.
93. Nós, os indígenas, devemos contar com recursos necessários para controlar e adotar nossos sistemas educacionais.
94. Os anciãos devem ser respeitados e reconhecidos como mestres dos jovens.
95. Sabedorias indígenas devem ser reconhecidas e apoiadas.
96. O conhecimento tradicional das plantas e ervas deve ser protegido e transmitido às gerações futuras.
97. As tradições não devem ser separadas da terra, dos territórios e das ciências.
98. O conhecimento tradicional permitiu até agora a sobrevivência dos Povos Indígenas.
99. Quando houver usurpação e apropriação indevida das medicinais tradicionais e dos conhecimentos indígenas, será considerado crime contra os povos e a humanidade.
100. A cultura material está sendo usada pelas pessoas não-indigenas para conseguir acesso às nossas terras e reservas, assim destruindo a nossa cultura tradicional.
101. A maioria da imprensa inconsequente, nesta conferência, somente estava interessada em fotos, que serão vendidas com lucro. Este é um outro caso de exploração indígena que não ajuda a causa índia.
102. Como criadores e transmissores de civilizações, que deram e continuam a repartir conhecimento e valores com a humanidade, nós requisitamos que os nossos direitos à propriedade intelectual e cultural seja garantido e que o mecanismo de cada implantação seja em favor do nosso povo. A esse respeito, deve incluir o direito sobre recursos genéticos, banco de gens, biotecnologia e conhecimento de programas da biodiversidade.
103. Nós deveremos denunciar museus e instituições suspeitos que têm usado mal a nossa cultura e propriedades intelectuais, com prejuízo a nossa dignidade.
104. A proteção, normas e mecanismos dos artistas e artesanatos criadas por nosso povo devem ser estabelecidas e implementadas a fim de evitar exploração, plágios, exposição e uso indevido.
105. Quando as pessoas indígenas forem obrigadas a saírem de suas aldeias, devem fazer todo esforço e criar mecanismos que assegurem seu retorno, para evitar a dizimação de seu povo.
106. Os Povos Indígenas têm tido suas músicas, danças e cerimônias como únicos aspectos de vida. Rechaçamos qualquer forma de modificação desses costumes com o argumento de modernidade.
107. Recomendamos aos governos locais, nacional e internacional, que criem fundos para educação e treinamento indígena, como forma de contribuir para novos métodos de sobrevivência e acessível a todos os níveis, em particular nos jovens, crianças e mulheres.
108. Nós, Povos Indígenas, recomendamos a proibição das discriminações folclóricas.
109. Nós, Povos Indígenas, recomendamos à Organização das Nações Unidas que promova uma pesquisa com dados científicos dos conhecimentos indígenas e contribua com sua divulgação, criando uma rede de ciência dos primeiros povos.

Aldeia Kari-Oka, 30 de Maio de 1992

ORIGEM DOS POVOS AMERICANOS - HIPÓTESES PRÉ-CIENTÍFICAS

Quando os europeus chegaram no Novo Mundo, encontraram uma nova humanidade, completamente desconhecida. Colombo e seus companheiros ficaram admirados de que sobre eles não houvesse referências nem na Bíblia, nem nos escritos dos filósofos de qualquer época. À falta de informações, as mais rudimentares, sobre aqueles estranhos habitantes, supôs a expedição colombiana que eles fossem “índios”, isto é, habitantes das Índias, que estavam certos haver atingido pelo caminho do ocidente.

De fato, desde o início, começaram a se elaborar as mais extravagantes hipóteses sobre a procedência dos “índios” do Novo Mundo. O inquisidor espanhol Gregório Garcia reuniu toda a vasta bibliografia que foram construídas sobre as hipóteses até fins do século XVI. Depois dele, muitos outros autores continuaram esse trabalho e hoje temos, por exemplo, a obra de Imbelloni “La Esfinge Indiana” – um exame de conjunto de todas as hipóteses americanistas. Podemos sintetizar essas teorias pré-científicas nos seguintes grupos: origens bíblicas, origens de continentes desaparecidos, origens de outros continentes e origens autóctones.

ORIGENS BÍBLICAS
Discutiu-se muito, nos primeiros tempos, se os índios do Novo Mundo teriam provindo de Adão e Eva, como a outra parte da humanidade... Foi preciso que Paulo III emitisse a bula Veritas Ipsa, em1537, para os proclamar filhos do Éden, como todos os outros humanos. E, então, surgiram as várias hipóteses bíblicas dos séculos XVI e XVII. A primeira dessas hipóteses, segundo nos conta Gregório Garcia, foi a de Arias Montano, em 1593, para quem os índios americanos em geral priviriam dos filhos e netos de Noé. Um dos descendentes da estirpe de Noé – Ofir – teria povoado a América até o Peru, enquanto outro – Jobal – teria entrado no Brasil. Grande número de autores procurou logo mostrar as analogias linguísticas entre Ofir (Ophir) e Peru.

Outros autores admitiram diferentes filiações bíblicas: de Cam (Torquemada), de Jafet (Piedrahita e Zamora), de Jacó, etc.

A origem israelita dos índios americanos tem sido uma das hipóteses mais acariciadas, desde os padres Bartolomeu de Las Casas e Duran, e o próprio Gregório Garcia, até autores do século XX, como Horowitz. Que os índios fossem judeus, descendentes das dez tribos de Israel, é o que Gregório Garcia admitiu sem contestação. “Os indígenas, - escreveu ele – são poltrões, não reconhecem Jesus Cristo, não agradecem o bem que se lhes faz”. Só podiam ser judeus! Não é preciso citar a lista enorme de autores que sustentaram a hipótese judia, em todos os séculos XVII e XVIII. Basta destacar os argumentos de Diego Andrés Rocha, um erudito autor que em 1681 escreveu “Origem dos índios de Peru, México, Santa Fé e Chile”; entre outros argumentos da origem judaica dos índios, estaria o próprio nome “índio”, corruptela de “iudio” (judeu), com a mudança do “u” para “n”.

ORIGEM DE CONTINENTES DESAPARECIDOS
É conhecida a literatura sobre os chamados “continentes desaparecidos”. Todo um grupo de hipóteses sobre esses continentes gira em derredor da “Atlântida”, do relato platônico. Sua literatura é vastíssima e interessante é que muitas dessas idéias foram revividas em pleno século XX. Os índios teriam vindo da Atlântida para um grande número de autores, a começar pelo o Conde Carli, em fins do século XVIII. Outros “continentes desaparecidos” foram admitidos como ponto de origem dos índios americanos: “Continente Pacífico” (Scharff e Clarck, Reginald Enoch); “Lemúria”, continente desaparecido entre a Índia e a África (Haeckel); “Antártida” ou “Continente Austral” (Huxley, Osborn, Francisco Moreno, Mendes Correa).

Embora autores recentes, como Mendes Correa, pretendam aduzir razões científicas para hipóteses como a da Antártida, a seu ver explicando a passagem de australianos para a América do Sul, podemos considerar, de modo geral, que as origens indígenas de continentes desaparecidos como sem consistência científica.

ORIGEM DE OUTROS CONTINENTES
Das origens bíblicas, estenderam-se os escritores às hipóteses de origem do índio do Novo Mundo de outras partes da Terra. Pode-se dizer que praticamente TODOS os pontos da Terra foram aventurados como lugar de origem. Não é possível examinar todas essas hipóteses, quase sempre baseadas em analogias lingüísticas, e que enchem a bibliografia dos séculos passados.

A origem asiática foi, talvez, a hipótese de maior número de adeptos, e que resnasce no século XX com tintas científicas. Realmente a hipótese da origem asiática começa com os exegetas bíblicos. Foi admitida também a migração dos Cananeus, afirmada por Hornius, em 1652, e continuada por uma longa série de escritores. Também a hipótese de uma origem fenícia logrou grande número de adeptos. Pode ser considerada uma continuação das hipóteses bíblicas. Ela já vem enunciada nos escritores dos primeiros tempos do descobrimento, mas logrou uma grande voga em períodos mais recentes, quando se iniciaram os trabalhos de aproximação dos índios (Court de Gebelin, Exzra, Stiles, Castelnau, De Thoron e muitos outros, incluindo-se na lista vários americanistas dos Estados Unidos, do Brasil e outros países americanos, como Putman, L.A.Childe, Ladislau Netto, etc). A hipótese fenícia é uma das que lograram maior aceitação.

Ainda na Ásia, vários autores admitiram tivesse havido migrações de mongóis, tártaros, chineses... para a América (Padre Lafitau, John Ranking, Varnhagen, Humbolt e, mais recentemente, Dekien e M. de Ts’ai). A Ásia Meridional foi identificada como berço dos índios americanos por Bradford, Bancroft e muitos outros. As origens asiáticas ocidentais e a hipótese ariana tiveram como adeptos outro grande número de autores, tais como J. de Laet, R. Ellis, Couto de Magalhães e G. Mendonza.

As origens mesopotâmicas deram lugar a uma série de considerações, principalmente no que concerne às origens sumerianas e babilônicas. São hipóteses que se emparelham às teses da origem egípcia e foram submetidas a uma análise crítica rigorosa por Imbelloni. A hipótese sumeriana foi defendida recentemente pelo Prof. Ricci, da Universidade de Buenos Aires, e por todo um grupo de autores contemporâneos, também inclinados à hipótese da origem egípcia.

Nesse grupo de hipótese asiáticas inclui-se a maior parte dos monogenistas, que admitem o berço da humanidade num ponto asiático, variando apenas a localização: Índia, Irã, Ásia Central, etc.

A origem européia foi admitida por grande numero de escritores. Troianos, gregos, pelasgos, hicsos, romanos... teriam chegado até o Novo Mundo, é o que sustenta uma cadeia de autores, como Morton, Campbell, Solas, etc. O próprio Gregório Garcia admitiu que tivessem chegado gregos às Américas. Lafitau quer descobrir analogias lingüísticas entre os idiomas indígenas e as raízes gregas. A obra recente de Fernando Lahille também aponta para analogias lingüísticas dos idiomas da Terra do Fogo com palavras gregas.

Outras origens européias foram admitidas: os arianistas argumentaram que germanos e índios americanos tiveram origem comum (H. Wirth, L. Adam, etc). A origem escandinava já havia sido defendida por Grotius em 1642 e é retomada dois séculos depois pelo dinamarquês Rafn (1837), Abner Morse (1861) e o Barão Bretton (1875). A chamada hipótese hiperbórea foi recentemente revivida com a admissão de uma conexão cultural dos esquimós com o ciclo ártico europeu e asiático. Certos antropólogos do século passado, como Quatrefages e o americano Brinton também admitiram conexões européias dos índios americanos.

Walter Raleigh sustentou as origens britânicas dos índios americanos (segundo ele Inca Manco Capac seria corruptela de Englishman Capac). A origem espanhola foi defendida por grande número de autores espanhóis e hispano-americanos, como Andrés Rocha – autor de um livro famoso sobre a origem dos índios (1681). E ainda contabilizamos uma hipótese de origem basca, de Basaldim.

As origens africanas foram aceitas por grande número de investigadores. Assim logrou grande aceitação entre cronistas e sacerdotes do século XVI – Padre Mariano, Torquemada, Alejo Venegas, etc. Sobretudo a idéia de que os índios americanos procedessem dos cartagineses. Outros autores, séculos depois, quiseram argumentar que a pele negra de muitos índios americanos seria a prova de sua origem africana – Bernardin de Saint-Pierre e Hugo Grotius, por exemplo.

Autores mais recentes, como L. Capitan, destacam a semelhança de certas práticas culturais, como a deformação dos lábios por meio de discos de madeira (Botocudos do Brasil e mulheres africanas Sara do Chari), como prova de origem africana, pelo menos para alguns grupos de índios americanos. As pesquisas do professor Leo Wiener, da Universidade de Harvard, procuraram provar, também, que antes de Colombo, entraram no Novo Mundo negros africanos. Supõe este autor que muitas práticas religiosas, ritos, cerimônias e palavras dos índios antilhanos sejam de origem africana. Palavras como “canoe”, as designações de “batata doce” e “yam” seriam de origem africana, tudo isso provando que os negros africanos teriam cruzado o oceano vindos da Guiné.

Entre as teorias de origens africanas, um lugar especial deve caber à teoria egípcia. Ela já havia sido enunciada em 1875 por John Campbell, que sustentava a identidade física e cultural de egípcios, mexicanos e peruanos. É, porém, com os hiperdifusionistas da Escola de Manchester (Elliot Smith e seus colaboradores, Jackson, Perry e Rivers) que essa hipótese toam uma expressão mais direta. Elliot Smith e seu grupo admitiram que teria havido uma fase geral da humanidade em que os homens eram coletores nômades. A mutação cultural para a agricultura ter-se-ia passado no Vale do Nilo, onde, no quinto milênio antes de Cristo, se formou um conjunto de processos culturais que foi denominado “complexo heliolítico”: culto do sol, mumificação de cadáveres e construções megalíticas. Este conjunto cultural completava-se com uma série de outros traços, como a agricultura por irrigação, a circuncisão, a tatuagem, a couvade ou choco, a deformação craniana, os ritos funerários, etc. Do Egito, a civilização heliolítica teria se difundido para o mundo inteiro, em alguns casos se aperfeiçoando e em outros decaindo. As culturas americanas mostrariam-se como exemplos particulares dessa difusão universal. O complexo heliolítico se mostra sobretudo nas civilizações méxico-andinóides.

As origens oceânicas constituem uma série de hipóteses que vêm desde o século XVI. Elas forma revividas por alguns americanistas recentes, como Rivet.

ORIGEM AUTÓCTONE
Um dos primeiros autores a defender a origem autóctone dos índios do Novo Mundo foi E. Bailli d’Engel, em 1767, combatendo as hipóteses fenícias, cartaginesas, etc. Afirmou, inclusive, que o homem americano é anterior a Noé. Mas foi depois do norte-americano Samuel G. Morton que a doutrina do autoctonismo se define, afirmando, em 1839, que o homem americano – à exceção dos esquimós – seria fruto do solo americano. É a época das acesas discussões entre monogenistas ou não-autoctonistas e poligenistas ou partidários do autoctonismo do homem americano, como advento dos naturalistas e antropólogos que enchem com suas discussões todo o século XIX.


Baseado em texto de Arthur Ramos

segunda-feira, 14 de julho de 2014

ORIGEM DOS POVOS AMERICANOS - TEORIA POLIGÊNICA

Nos últimos anos se vem desenvolvendo no âmbito científico a teoria de que o homem americano tenha tido múltiplas origens.

A hipótese inicial, ou seja, a idéia de que grupos de Homines sapientes atravessaram a pradaria de Beríngia (o atual estreito de Bering), há aproximadamente 14 milênios, não foi posta de lado, mas precisou ser complementada por outras teses. Até há poucos anos, ainda que por puro nacionalismo, muitos estudiosos estadunidenses indicavam o sítio de Clovis no Novo México como o lugar onde teve origem a cultura mãe de toda América (há 13.2 milênios).

No entanto, nos últimos anos, posterior a surpreendentes descobrimentos efetuados na América do Sul (Pedra Furada, Brasil; Monte Verde, Chile e a Caverna de Pedra Pintada, no Brasil), só para citar alguns, chegou-se à conclusão de que o Homo Sapiens veio primeiro a América do Sul e, só depois de vários milênios, a América do Norte.

A segunda teoria, chamada a teoria africana, está suportada nos descobrimentos de Pedra Furada, no Piauí (Brasil), estudado pela arqueóloga Nied Guidon. Foram achados ossos humanos que datam de 12.000 anos, que provam a presença do homem no Brasil atual, contemporaneamente à cultura Clovis da América do Norte. Além de alguns restos de fogueiras (datadas através do método do carbono 14 e da luminescência), tem-se provado que o lugar foi habitado há 60 milênios. Quem eram os antigos habitantes do Piauí, e de onde vinham? Segundo Niede Guidon eram Sapiens arcaicos, não mais de alguns milhares, cuja origem era da África setentrional, desde onde casualmente haviam chegado sobre embarcações rústicas, às costas do Novo Mundo.

Estas considerações foram sustentadas pelos investigadores Walter Neves e Danilo Bernardo (do departamento de Genética e Biologia Evolutiva, da Universidade de São Paulo, Brasil), que identificaram, nos crânios encontrados no Piauí, o tipo humano Sapiens arcaico (presente na África desde há 130 milênios).

A terceira teoria, que indica a origem do homem americano na Melanésia e Polinésia, está sustentada por provas antropológicas, etnográficas e linguísticas.

As primeiras se baseiam na notável similitude entre vários grupos de indígenas americanos atuais e o tipo humano melanésio e polinésio. Para dar um exemplo se pode citar os Tunebo da Colômbia, que segundo eminentes estudiosos têm extraordinárias semelhanças com nativos da Nova Guiné, ou os Sirionó da Bolívia, que têm características morfológicas melanésias. Existem algumas provas morfológicas indiretas, como as famosas cabeças Olmecas, do México, ou as estátuas de San Agustín na Colômbia Meridional, que apresentam marcadas características negróides, e, portanto, melanésias (ou africanas).

Existem ademais algumas provas etnográficas. A respeito disto, o eminente estudioso Erland Nordenskiold identificou numerosos instrumentos, usos e costumes próprios de várias culturas autóctones americanas, estranhamente similares a outros, típicos de etnias da Nova Guiné, Melanésia e Polinésia. Por exemplo: zarabatanas, porretes, arcos, flechas, lanças, atiradeiras, pontes de cipó, remos, balsas, choças, cerâmicas, morteiros, redes, mosquiteiros, pentes, procedimentos têxteis, ponchos, estojos fálicos, ornamentos nasais, placas peitorais, sistemas arcaicos de numeração como o quipu, tambores de madeira e de couro, máscaras de madeira, tatuagens, uso de pedras de jade incrustadas nos dentes, deformações do crânio e dos joelhos por meio de estranhas faixas e finalmente o uso de conchas como meio de intercâmbio.

O etnólogo e linguista francês Paul Rivet (1876 - 1958), provou ademais, com profundos estudos filológicos, que os idiomas americanos têm analogias extraordinárias com os dos indonésios, melanésios e polinésios. Rivet estudou o grupo linguístico Hoka que compreende a já extinta língua Shasta de Óregon, a Chantal do istmo de Tehuantepec, a Subtiaba da Nicarágua e a Yurumangui da Colômbia. Comparando a Hoka com as línguas malésio-polinésias, Rivet encontrou mais de 280 semelhanças nos vocábulos e nas formas gramaticais.

Resulta muito difícil, uma vez admitida a veracidade de tais provas, identificar como os povos melanésios e polinésios chegaram a América, quais rotas seguiram, e, sobretudo, onde e quando desembarcaram.

Vários estudiosos têm proposto que, diferentemente da teoria africana, as migrações dos povos oceânicos se desenvolveram em repetidas oportunidades e não ocasionalmente. Os polinésios de fato, foram sempre excelentes navegadores e não pareceria estranho admitir que tenham navegado de uma ilha a outra, provavelmente saindo de Nova Guiné. Pelo estudo das línguas indígenas americanas, analisando aquelas que mostram mais analogias com as melanésias, chega-se à conclusão que existiram numerosos desembarques em muitos lugares: Óregon, México, Colômbia meridional, Equador. Provavelmente estes desembarques cobriram uma faixa temporal que vai desde 12.000 até 1.000 a.C..

A quarta teoria que tenta explicar o povoamento das Américas, está baseada no fato de que alguns grupos de Sapiens Australóides, chegaram a América desde Austrália há 6 milênios.

As provas filológicas desta antiga emigração remontam a 1907, quando o estudioso italiano Trombetti assinalou que os idiomas da Terra do Fogo, pertencentes ao grupo linguístico Chon, próprios das etnias Patagônicas, e Onas tinham surpreendentes afinidades com as línguas australianas. Trombetti achou 93 afinidades de vocábulos e regras gramaticais.

Existem algumas provas etnográficas que relacionam os Australóides arcaicos com os indígenas americanos, por exemplo, com a cultura da Terra do Fogo, similar a dos aborígenes australianos. Ambos os povos ignoravam a cerâmica e a rede, e usavam bumerangues e cobertas de couro para se cobrirem do frio.

É difícil determinar a rota oceânica que foi empreendida por estes antigos habitantes Australóides para chegar ao cone sul do continente americano. De fato, diferentemente dos Melanésios e Polinésios, os antigos australianos não foram nunca especialistas em navegação e isso complica as coisas.

Se analisarmos as correntes oceânicas do Pacífico, nos damos conta de que, enquanto no hemisfério norte há uma circulação no sentido horário, no hemisfério sul sucede o contrário. Isso explica que os Melanésios e os Polinésios, junto com os antigos japoneses, como veremos mais adiante, tenham chegado às costas da América do Norte até o Equador, enquanto os Australóides, admitindo a hipotética perícia na navegação, desembarcaram na zona da América do Sul, que vai desde o cone sul até o Peru meridional.

O antropólogo português Méndez Correa imaginou uma estranha teoria que cito só por curiosidade. Segundo ele, os australianos arcaicos haveriam chegado ao cone sul da América meridional seguindo a via Austrália - Tasmânia - ilhas Macquarie - continente Antártico -Terra do Fogo.

Segundo esta suposição, os antigos australianos se encontraram de frente a braços de mar não muito extensos, máximo de 200 quilômetros, considerando que durante a última era glacial (que iniciou há 130 milênios e durou até há 11,5 milênios) o nível dos mares era muito mais baixo que o atual (de mais ou menos 120 metros). É verossímil que tenham seguido este itinerário? Segundo Correa, o clima da Antártida (cujos glaciais iniciaram a se derreter há 17 milênios) nem sempre foi igual ao de hoje. Segundo eminentes climatólogos, durante a glaciação de Wisconsin -Wurm, a maioria dos glaciais do planeta havia ficado concentrada na cúpula polar ártica do hemisfério boreal, mas não no Antártico. Sempre com base nessas suposições, alguns australianos arcaicos haveriam podido viver adaptando-se ao clima rígido de maneira similar aos esquimós do Ártico. Quando logo o clima da Antártida se fez mais frio, buscaram novas terras para colonizar e através da península antártica chegaram navegando a Terra do Fogo.

A quinta teoria sobre a população das Américas se baseia no fato de que japoneses arcaicos da cultura Jomon, tenham chegado a América, ao redor de 3.000 a.C., rodeando as costas do Pacífico setentrional, chegando até as costas do atual Equador. Esta tese foi sustentada pelos arqueólogos Evans, Megger e Estrada, em 1950.

A cultura Jomon, que se desenvolveu a partir do décimo milênio a.C., se distinguiu por ser a primeira no mundo em usar a cerâmica, mas adotou a agricultura intensiva só em épocas tardias.

As surpreendentes similitudes com a cerâmica da cultura Valdívia do Equador, tem levado alguns estudiosos a considerarem como possível esta imigração. As similitudes não são só nas decorações, senão também na forma dos vasos. As datas também colimam: a cultura Jomon teve seu período central desde 4.835 até 1.860 a. C., enquanto que o período clássico da cultura Valdívia foi desde 3.600 até 1.500 a.C..

No entanto existem alguns pontos obscuros: por que os japoneses da cultura Jomon, depois de haverem navegado aproximadamente 13.000 km, rodeando as costas do Alaska, Óregon, Califórnia, México, América central e Colômbia, detiveram-se precisamente no Equador? É possível, para um povo que não domina ainda a agricultura, e que, portanto, não pode aprovisionar suas naves com cereais, realizar viagens assim tão longas?

Não é fácil imaginar as condições ambientais destas viagens transpacíficas, nem os motivos que levaram os navegantes pré-históricos a começá-las, com destino desconhecido.

Necessitar-se-á considerar, de todas as formas, que, mais que migrações, essas explorações foram empreendidas por grupos limitados de pessoas. A população da América pré-histórica era tão limitada que a chegada de uma dezena de homens com poucas mulheres, em uma só embarcação, poderia haver sido suficiente para deixar mudanças significativas na história genética de regiões inteiras.

Porque se foi tão simples para os povos pré-históricos africanos, melanésios, polinésios, australianos e japoneses atravessarem grandes oceanos sem haver adquirido as conquistas típicas da civilização ocidental, como a agricultura e o uso do ferro, não foi igualmente fácil para os europeus navegarem pelo Atlântico, coisa que fizeram só a partir do ano 1.000 d.C. com a viagem de Leif Erikson (o filho de Erik o vermelho) e em 1492 d.C. com a expedição de Cristóvão Colombo?

Há que considerar que a civilização ocidental, com as culturas dos sumérios, dos egípcios e logo dos gregos e dos romanos, estava centrada, sobretudo, no Mediterrâneo, um mar enorme praticamente fechado e conectado com o Oceano Atlântico só através do estreito de Gibraltar. Foi precisamente a configuração geográfica do Mediterrâneo a que contribuiu a não divulgar demasiado as técnicas de navegação oceânica, com exceção dos Fenícios, que segundo Eródoto circunavegaram a África no século VII a.C..

No entanto, não existem provas certas de contatos entre os Fenícios e os povos do Novo Mundo, ainda que alguns investigadores afirmem que a antiga cidade de Tartésios, na atual Andaluzia (Espanha), foi o porto base na antiguidade para as navegações transatlânticas.

Como se vê, a chave para compreender as múltiplas origens dos nativos americanos está no estudo da antropologia, etnografia, linguística e agora também da genética, por meio da qual no futuro se poderá decifrar todo o genoma de muitos indígenas do Novo Mundo, compreendendo ainda mais suas origens e revelando finalmente um dos maiores mistérios da arqueologia.

Desafortunadamente, a desaparição de dezenas de grupos de nativos americanos, sobretudo a partir do século XX, tem cancelado para sempre a possibilidade de conhecer mais a fundo sua história ancestral e suas origens. Preservando os últimos indígenas, que por fortuna na América do Sul ainda são numerosos, poderíamos dar luz a um dos enigmas mais cativantes da aventura do homem sobre o planeta Terra.

Texto de YURI LEVERATTO - www.yurileveratto.com