Foto de Paulo Fradinho |
Em decisão histórica, a 5ª turma do Tribunal
Regional Federal da 1ª região (TRF1) decidiu, por unanimidade, pela suspensão
das obras da hidrelétrica no Rio Xingu (PA). A medida foi tomada após o
tribunal julgar recurso de embargo do Ministério Público Federal que pedia a
revogação da licença ambiental da megausina pela falta de consulta prévia aos
povos indígenas.
O
desembargador federal Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF1), anunciou na terça-feira (14) a paralisação imediata das obras de Belo
Monte. A decisão foi tomada na noite anterior (13), pela 5ª turma do TRF1, ao
julgar recurso de embargo do Ministério Público Federal sobre a falta de
consulta prévia aos povos indígenas para liberação da obra.
A ação
data de 2005, quando o Congresso Nacional, sem ouvir nenhuma das comunidades
afetadas, e sem se basear em nenhum estudo que apontasse as possíveis
consequências da obra, autorizou a construção da usina. A mesma turma, em decisão
confusa, havia julgado anteriormente que a ação era improcedente, mas o
Ministério Público recorreu e o teor da decisão foi alterado.
De acordo
com Souza Prudente, a paralisação da obra deve ser imediata. Caso a decisão
seja descumprida pela Norte Energia – empresa responsável pela construção e
operação do empreendimento – uma multa diária de R$ 500 mil será aplicada. A
empresa alega que só suspenderá a obra quando for notificada pela Justiça, o
que deve acontecer nesta quarta-feira (15), segundo o desembargador.
“Nós
vamos notificar [a empresa] por ofício eletrônico, mas o acórdão ainda deve
esperar até a próxima semana, pois precisamos reunir as notas taquigráficas e a
partir disso é que começa o prazo para recurso. Mas a multa já passa a valer a
partir do momento que a empresa tomar conhecimento da nossa decisão”, afirmou Souza Prudente em
entrevista coletiva.
A
paralisação de Belo Monte deve acontecer até que o Congresso Nacional ouça as
comunidades indígenas afetadas, fazendo valer seu direito à consulta prévia,
livre e informada – o que não foi feito antes da liberação do empreendimento.
Os parlamentares terão ainda, segundo o desembargador, que editar um novo
decreto legislativo autorizando as obras.
“Não
estamos combatendo o projeto de aceleração do governo. Mas não pode ser um
processo ditatorial. O Congresso terá que corrigir seu ato, materialmente
viciado. Só queremos garantir os direitos dessas populações”, disse.
A Convenção
169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a Constituição
Federal garantem aos índios o direito de serem ouvidos em empreendimentos que
vão afetar seu modo tradicional de vida. No caso de Belo Monte, esse direito
foi atropelado. O decreto legislativo nº 788, de 2005, que autoriza a
construção da usina, diz que as consultas, assim como o Estudo de Impacto
Ambiental – exigido pela legislação para liberação de empreendimentos –
poderiam ser realizados após a liberação da obra, caracterizando a primeira
falha do processo.
“Só em um
regime de ditadura tudo é póstumo. Não se pode admitir estudos póstumos. A
Constituição Federal diz que os estudos têm que ser prévios.” Além disso, disse o
desembargador, caso as comunidades resolvam que não querem o empreendimento, a
decisão deverá ser considerada pelos parlamentares, o que invalidaria de vez o
licenciamento da usina e paralisaria definitivamente a construção da
hidrelétrica no Rio Xingu.
“Eles têm
que ter voz ativa nesse processo, pois esse é um direito garantido a eles na
Constituição. Esse projeto está sofrendo várias impugnações e vai continuar
sofrendo. Não podemos pensar, como já disse o Supremo Tribunal Federal, apenas
em aproveitamento financeiro e econômico. Há outros valores de ordem cultural,
os direitos fundamentais dessas populações que têm que ser respeitados, como a
Constituição e os tratados internacionais dizem. Nem mesmo o parecer da Funai
substitui a decisão dos índios”, alega o desembargador.
Para o
procurador Felício Pontes Jr., do Ministério Público Federal do Pará, o decreto
legislativo que autorizou Belo Monte sem consultar os índios era uma afronta à
Carta Magna. “Finalmente, depois de anos de debates, o Judiciário se
pronunciou em defesa da lei maior do País e dos direitos dos povos
originários”,disse o procurador, em nota do MPF.
Essa é a
única ação na qual houve, até o momento, uma decisão de mérito ligada ao caso.
Todas as outras foram provisórias. Todas foram, invariavelmente, cassadas pelo
presidente do TRF1, sob o argumento de que a obra é importante para o País e,
portanto, o cumprimento da lei é secundário.
Apesar de
ser uma vitória em relação à batalha que se travou no processo atropelado de
licenciamento de Belo Monte, ainda cabe recurso. Segundo Souza Prudente, as
partes interessadas – Advocacia Geral da União e Norte Energia – podem recorrer
tanto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) como ao STF. “O Supremo tem sido
categórico em defender os direitos ambientais e indígenas. Nossa esperança é
que valide essa decisão”, disse Souza Prudente.
Para Raul
Telles do Valle, coordenador adjunto do Programa de Políticas Públicas do ISA,
a revisão feita pelo tribunal em sua própria decisão é muito bem-vinda. “A
decisão anterior era vergonhosa. A relatora, Selene de Almeida, proferiu um
voto muito consistente e bem fundamentado, reconhecendo que não houve consulta,
mas que deveria haver. Os demais juízes, no entanto, discordaram dela, mas sem
explicar bem o porquê. Um deles, inclusive, tinha sido advogado da Eletronorte,
mas mesmo assim participou do julgamento. Agora, finalmente, uma decisão sem
influência política foi tomada".
Notícia extraída do site www.socioambiental.org
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