A terminação quéchua YLLU é uma onomatopéia. Yllu representa, numa de suas formas, a música que produzem as pequenas asas em vôo; música que surger do movimento dos objetos leves. Essa voz se assemelha a outra, mais vasta: ILLA. Illa designa certa espécie de luz e os monstros que nascem feridos pelos raios da lua. Illa é um menino de duas cabeças ou um bezerro que nasce decapitado; ou um penhasco gigante, todo preto e brilhante, cuja superfície aparecesse atravessada por um meio largo de rocha branca, de luz opaca; illa também é uma espiga cujas fileiras de milho se entrecruzam ou formam redemoinhos; são illas os touros místicos que habitam ao fundo dos lagos solitários, das altas lagoas rodeadas de sapé, povoadas de patos negros. Todos os illas provocam o bem e o mal, mas sempre em grau extremo. É possível tocar um illa e morrer ou alcançar a ressurreição. Essa forma de illa tem parentesco fonético e certa comunidade de sentido com a terminação yllu.
Chama-se tankayllu ao travão zumbidor e inofensivo que voa no campo libando flores. O tankayllu aparece em abril, mas nos campos regados pode-se ver em outros meses do ano. Agita suas asas com uma velocidade louca, para elevar seu pesado corpo, seu ventre excessivo. As crianças o perseguem, dão-lhe caça seu corpo alongado e escuro acaba numa espécie de aguilhão que não só é inofensivo como doce. As crianças lhe dão caça para beber o mel de que está untado esse falso aguilhão. O tankayllu não pode ser caçado facilmente, pois voa alto, procurando a flor dos arbustos. Sua cor é estranha, tabaco escuro; no ventre tem umas riscas brilhantes; e como o ruído de suas asas é intenso, forte demais para sua pequena figura, os índios pensam que o tankayllu traz no corpo algo mais que sua vida. Por que leva o mel na tampa do ventre? Por que suas pequenas e débeis asas movimentam o vento até agitá-lo e mudá-lo? Como sucede que o ar sopra sobre o rosto de quem olha para ele quando passa? Seu pequeno corpo não pode dar-lhe tanta força. Ele remexe o ar, zumbe como um ser grande; seu corpo felpudo desaparece na luz, elevando-se perpendicularmente. Não, não é um ser malvado; as crianças que bebem seu mel sentem no coração, durante toda a vida, como o roçar de um hálito morno que as protege contra o rancor e a melancolia. Mas os índios não consideram o tankayllu uma criatura de Deus como todos os insetos comuns; temem que seja um réprobo. De vez em quando, os missionários pregavam contra ele e outros seres privilegiados. Nas aldeias de Ayacucho houve um dançarino de tesouras que já se tornou legendário. Dançou nas praças das aldeias durante as grandes festas; fez proezas infernais nas vésperas dos dias santos; engolia pedaços de aço, atravessava o corpo com agulhas e ganchos; andava em volta dos átrios com três barretas entre os dentes; aquele danzak’ chamava-se “Tankayllu”. Sua roupa era de pele de condor enfeitada de espelhos.
Pinkuyllu é o nome da flauta gigante que os índios do sul tocam nas festas comunais. O pinkuyllu não se toca jamais nas festas particulares. É um instrumento épico. Não o fabricam de bambu comum nem de carriço, nem sequer de mámak, cana selvagem de uma espessura extraordinária e duas vezes mais comprida que a cana brava. O oco do mámak é escuro e profundo. Nas regiões onde não existe o huacaranhuay, os índios fabricam pinkuyllus menores de mámak, mas não se atrevem a dar ao instrumento o nome de pinkuyllu, chamam-no simplesmente de mámak, para diferenciá-lo da flauta familiar. Mámak quer dizer a mãe, a germinadora, aquela que dá origem; é um nome mágico. Mas não existe cana natural que possa servir de material para um pinkuyllu; o homem tem que fabricá-lo por si mesmo. Constrói um mámak mais profundo e grave, como não nasce nem mesmo na selva. Um grande bambu curvo. Extrai o coração dos galhos de huaranahuay, depois o curva ao sol e o ajusta com nervos de touro. Não é possível ver diretamente a que entra pelo buraco da extremidade inferior da madeira vazia, só se distingue uma penumbra que brota da curva, um resplendor tênue, como o do horizonte em que o sol se pôs.
O fabricante de pinkuyllu abre os buracos do instrumento deixando aparentemente distâncias excessivas entre um e outro. Os dois primeiros buracos devem ser cobertos pelo polegar e o indicador, ou o anular, abrindo-se a mão esquerda em toda sua extensão; os outros três, pelo indicador, o anular e o mínimo da mão direita, como os dedos muito abertos. Os índios de braços curtos não podem tocar pinkuyllu. O instrumento é tão comprido que o homem médio eu pretende usá-lo tem de esticar o pescoço e levantar a cabeça como para olhar o zênite. Tocam-no em tropa, com acompanhamento de tambores; nas praças, em campo aberto ou nos currais e pátios das casas não no interior dos cômodos.
Só a voz dos wak’rapuku é mais grave e poderosa que o dos pinkuyllu. Mas nas regiões onde aparece o wak’rapuku já não se conhece o pinkuyllu. Os dois servem ao homem em transes semelhantes. O wak’rapuku é uma corneta feita de chifres de touro, dos chifres mais grossos e torcidos. Põem-lhe uma boquilha de prata ou de bronze. Seu túnel sinuoso e úmido é mais impenetrável e escuro que o do pinkuyllu, e, como este, exige uma seleção entre os homens que podem tocá-lo.
No pinkuyllu e no wak’rapuku tocam-se somente canções e danças épicas. Os índios chegam a enfurecer-se cantando as danças guerreiras antigas; e enquanto outros cantam e tocam, alguns se batem cegamente, sangram e choram depois, junto da sombra das altas montanhas, perto dos abismos ou frente aos lagos frios e a planura.
Durante as festas religiosas não se ouve o pinkuyllu nem o wak’rapuku. Os missionários teriam proibido que os índios tocassem nos templos, nos átrios ou junto dos tronos das procissões católicas esses instrumentos de voz tão grave e estranha. Tocam o pinkuyllu e o wak’rapuku no ato de renovação das autoridades da comunidade; nas ferozes lutas dos jovens, durante os dias de carnaval; para a marca do gado; nas touradas. A voz do pinkuyllu e do wak’rapuku os ofusca, exalta-os, desata suas forças; desafiam a morte enquanto o ouvem. Lançam-se contra os touros selvagens, cantando e amaldiçoando; abrem caminhos extensos ou túneis nas pedras; dançam sem descanso, sem aperceber a mudança da luz nem do tempo. O pinkuyllu e o wak’rapuku marcam o ritmo; os comovem e os alimentam; nenhuma sonda, nenhuma música, nenhum elemento chega mais fundo no coração humano.
A terminação yllu significa a propagação dessa classe de música, e illa é a propagação da luz não solar. Killa é a lua, e illapa é o raio. Illaray designa o amanhecer, a luz que brota pelo fio do mundo, sem a presença do sol. Illa não designa a luz fixa, a esplendorosa e a sobre-humana luz solar. Nomeia a luz menor: a claridade, o relâmpago, o raio, toda luz vibrante. Essas espécies de luz não totalmente divinas com as quais o homem peruano antigo pensa ter ainda relações profundas, entre seu sangue e a matéria fulgurante.
Chama-se tankayllu ao travão zumbidor e inofensivo que voa no campo libando flores. O tankayllu aparece em abril, mas nos campos regados pode-se ver em outros meses do ano. Agita suas asas com uma velocidade louca, para elevar seu pesado corpo, seu ventre excessivo. As crianças o perseguem, dão-lhe caça seu corpo alongado e escuro acaba numa espécie de aguilhão que não só é inofensivo como doce. As crianças lhe dão caça para beber o mel de que está untado esse falso aguilhão. O tankayllu não pode ser caçado facilmente, pois voa alto, procurando a flor dos arbustos. Sua cor é estranha, tabaco escuro; no ventre tem umas riscas brilhantes; e como o ruído de suas asas é intenso, forte demais para sua pequena figura, os índios pensam que o tankayllu traz no corpo algo mais que sua vida. Por que leva o mel na tampa do ventre? Por que suas pequenas e débeis asas movimentam o vento até agitá-lo e mudá-lo? Como sucede que o ar sopra sobre o rosto de quem olha para ele quando passa? Seu pequeno corpo não pode dar-lhe tanta força. Ele remexe o ar, zumbe como um ser grande; seu corpo felpudo desaparece na luz, elevando-se perpendicularmente. Não, não é um ser malvado; as crianças que bebem seu mel sentem no coração, durante toda a vida, como o roçar de um hálito morno que as protege contra o rancor e a melancolia. Mas os índios não consideram o tankayllu uma criatura de Deus como todos os insetos comuns; temem que seja um réprobo. De vez em quando, os missionários pregavam contra ele e outros seres privilegiados. Nas aldeias de Ayacucho houve um dançarino de tesouras que já se tornou legendário. Dançou nas praças das aldeias durante as grandes festas; fez proezas infernais nas vésperas dos dias santos; engolia pedaços de aço, atravessava o corpo com agulhas e ganchos; andava em volta dos átrios com três barretas entre os dentes; aquele danzak’ chamava-se “Tankayllu”. Sua roupa era de pele de condor enfeitada de espelhos.
Pinkuyllu é o nome da flauta gigante que os índios do sul tocam nas festas comunais. O pinkuyllu não se toca jamais nas festas particulares. É um instrumento épico. Não o fabricam de bambu comum nem de carriço, nem sequer de mámak, cana selvagem de uma espessura extraordinária e duas vezes mais comprida que a cana brava. O oco do mámak é escuro e profundo. Nas regiões onde não existe o huacaranhuay, os índios fabricam pinkuyllus menores de mámak, mas não se atrevem a dar ao instrumento o nome de pinkuyllu, chamam-no simplesmente de mámak, para diferenciá-lo da flauta familiar. Mámak quer dizer a mãe, a germinadora, aquela que dá origem; é um nome mágico. Mas não existe cana natural que possa servir de material para um pinkuyllu; o homem tem que fabricá-lo por si mesmo. Constrói um mámak mais profundo e grave, como não nasce nem mesmo na selva. Um grande bambu curvo. Extrai o coração dos galhos de huaranahuay, depois o curva ao sol e o ajusta com nervos de touro. Não é possível ver diretamente a que entra pelo buraco da extremidade inferior da madeira vazia, só se distingue uma penumbra que brota da curva, um resplendor tênue, como o do horizonte em que o sol se pôs.
O fabricante de pinkuyllu abre os buracos do instrumento deixando aparentemente distâncias excessivas entre um e outro. Os dois primeiros buracos devem ser cobertos pelo polegar e o indicador, ou o anular, abrindo-se a mão esquerda em toda sua extensão; os outros três, pelo indicador, o anular e o mínimo da mão direita, como os dedos muito abertos. Os índios de braços curtos não podem tocar pinkuyllu. O instrumento é tão comprido que o homem médio eu pretende usá-lo tem de esticar o pescoço e levantar a cabeça como para olhar o zênite. Tocam-no em tropa, com acompanhamento de tambores; nas praças, em campo aberto ou nos currais e pátios das casas não no interior dos cômodos.
Só a voz dos wak’rapuku é mais grave e poderosa que o dos pinkuyllu. Mas nas regiões onde aparece o wak’rapuku já não se conhece o pinkuyllu. Os dois servem ao homem em transes semelhantes. O wak’rapuku é uma corneta feita de chifres de touro, dos chifres mais grossos e torcidos. Põem-lhe uma boquilha de prata ou de bronze. Seu túnel sinuoso e úmido é mais impenetrável e escuro que o do pinkuyllu, e, como este, exige uma seleção entre os homens que podem tocá-lo.
No pinkuyllu e no wak’rapuku tocam-se somente canções e danças épicas. Os índios chegam a enfurecer-se cantando as danças guerreiras antigas; e enquanto outros cantam e tocam, alguns se batem cegamente, sangram e choram depois, junto da sombra das altas montanhas, perto dos abismos ou frente aos lagos frios e a planura.
Durante as festas religiosas não se ouve o pinkuyllu nem o wak’rapuku. Os missionários teriam proibido que os índios tocassem nos templos, nos átrios ou junto dos tronos das procissões católicas esses instrumentos de voz tão grave e estranha. Tocam o pinkuyllu e o wak’rapuku no ato de renovação das autoridades da comunidade; nas ferozes lutas dos jovens, durante os dias de carnaval; para a marca do gado; nas touradas. A voz do pinkuyllu e do wak’rapuku os ofusca, exalta-os, desata suas forças; desafiam a morte enquanto o ouvem. Lançam-se contra os touros selvagens, cantando e amaldiçoando; abrem caminhos extensos ou túneis nas pedras; dançam sem descanso, sem aperceber a mudança da luz nem do tempo. O pinkuyllu e o wak’rapuku marcam o ritmo; os comovem e os alimentam; nenhuma sonda, nenhuma música, nenhum elemento chega mais fundo no coração humano.
A terminação yllu significa a propagação dessa classe de música, e illa é a propagação da luz não solar. Killa é a lua, e illapa é o raio. Illaray designa o amanhecer, a luz que brota pelo fio do mundo, sem a presença do sol. Illa não designa a luz fixa, a esplendorosa e a sobre-humana luz solar. Nomeia a luz menor: a claridade, o relâmpago, o raio, toda luz vibrante. Essas espécies de luz não totalmente divinas com as quais o homem peruano antigo pensa ter ainda relações profundas, entre seu sangue e a matéria fulgurante.
José Maira Arguedas, in “Os Rios Profundos”
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