Uma mulher casada não gostava nem um pouquinho do marido. Achava horrível dormir com ele e o evitava sempre que possível. Vivia espiando os rapazes da aldeia. Era graciosa, andava leve, parecia estar sempre dançando, e não lhe faltavam candidatos a namorados.
Um dia, andando pela floresta para apanhar frutos, encontrou por acaso com um dos guerreiros mais valentes. Nem precisaram conversar muito para já estarem rolando no chão entre as folhas, brincando e ardendo.
Agora, à noite, ela vivia em fogo, imaginando estar nos braços dele, alisando suave suas costas, seu peito, suas pernas, misturando peles, agarrando-se um ao outro.
Ao pôr-do-sol, quando todo mundo costumava buscar lenha ou tomar banho, eles procuravam se encontrar em algum lugar fechado da mata, não muito distante. Mas sempre havia alguém vigiando, principalmente as crianças, e ela tinha que se cuidar para não voltar com terra ou gravetos grudados no corpo. O seu maior desejo seria receber o amado na rede, num silêncio sossegado, sem serem vistos e sem mordidas de formigas ou outros bichinhos do chão.
Para fugir melhor das investidas do marido, a moça pendurava sua rede num canto da maloca, um pouco afastada dos demais, e adormecia encostada na parede de palha.
Um dia, já quase deslizando no sono, ela sentiu mãos que a acariciavam. Começaram pelo rosto, de leve, os dedos desenhando com ternura seus olhos, nariz, boca, faces e pescoço. Foram descendo sem pressa, demoraram-se nos seios e nos bicos dos peitos. Ela se lembrou dos gestos do namorado nas escapadas raras demais e ficou caladinha, morta de medo que alguém os interrompesse. As mãos desceram sábias, não deixaram um cantinho sem tocar e se refestelaram na xoxota. Os dedos dos braços misteriosos que haviam atravessado a parede de palha bolinavam e puxavam o clitóris, enfiavam-se ousados como se fosse uma lança masculina. Ela estremecia em sóis de prazer, procurava tocar o corpo do amado, desejosa de retribui o dom da magia noturna, mas só encontrava a lisura dos braços, doces como polpa de pariri. Queria furar a barreira da maloca e alcançar o namorado do lado de fora, mas tinha medo de fazer barulho farfalhando a palha.
Todas as noites, ela esperava ansiosa, e os braços vinham tocá-la. Já nem corria para o mato atrás do namorado, e ele, durante o dia, quase não lhe falava; era como se não tivessem nada a ver um com o outro. Mas, à noite, como sabia usar as mãos! Elas pareciam substituir com proveito os recursos do corpo de homem proibido de se aproximar, separado dela pela palha! As hábeis mãos pareciam ter gosto especial em encantar o clitóris, que puxavam e puxavam em carícias de fogo.
Dia a dia, a moça foi percebendo que seu clitóris vinha crescendo. Vivia repleta de satisfação erótica, mas aquele pedacinho tão pequeno, tão imperceptível aos outros mesmo na nudez da aldeia, começava a perturbá-la. Passada uma semana, já estava do tamanho do de um homem nos arroubos do amor. Morta de vergonha, ela se escondia de todos, não andava mais para canto nenhum.
– Por que você vive se escondendo, por que não vem conosco à roça, nem senta perto de nós e do seu marido? – estranhou a mãe.
Vendo que era impossível enganar quem quer que fosse, ela confessou a verdade à mãe. Revelou até mesmo a existência do namorado da floresta.
– Como você é ingênua, minha filhinha! Não é um homem, é um Txopokod, um espírito, um fantasma, que vem namorar você através da palha! E você pensando que é um dos nossos guerreiros! Se fosse gente, chamaria você para te enlaçar às escondidas perto do rio, longe da maloca.
– Ele vem toda a noite, mamãe, como gente, me ama com tanto jeito e carinho!
A moça corava, chorava, chorava, com o clitóris já arrastando pelo chão. Solidária, a mãe convocou os parentes para darem cabo do Txopokod. O marido traído era o que mais estimulava os outros à vingança:
– Hoje à noite saberemos arrancar os braços desse bicho imundo!
Os homens passaram o dia afiando as taquaras das flechas, suas lâminas de bambu. Esperaram a noite, silenciaram, espreitaram a moça encabulada, deitada na rede, com o clitóris pesado.
A noite ia alta quando o Txopokod a chamou cauteloso, assobiando. Meteu um braço pela palha, logo alcançou o lugar mais sensível, descomunal... e tchok! Ela agarrou o braço, gritou para os homens. Acenderam uma vela de resina de jatobá, correram para ela e zapt! Cortaram o braço.
Houve um estrondo, e o Txopokod fugiu para o mato. A maloca inteira cercava o braço esquisito, coberto de pulseiras de tucumã, de dentes, de plumas, enfeitado. Saciados de olhar, jogaram o braço-amante na panela de barro, para cozinhar.
No fogo alto, fervia o caldo de braço, mas nada de mudar o que quer que fosse naquela carne. Não amolecia! Parecia que o Txopokod não tinha ossos, a carne não se desprendia.
E, espanto maior: já era hora de amanhecer, mas a noite continuava escura. Nenhuma claridade. A manhã virara noite, a noite estava esticada como o clitóris da moça...
Não se podia deixar apagar o fogo. É no escuro, sem luz, que os Txopokods vêm para comer os homens, e havia muitos Txopokods, deviam estar com raiva, querendo se vingar. Foi a correria para buscar lenha. Todo mundo atrás de madeira para queimar.
A lenha se acabou toda, e a escuridão era a mesma. Nada de alvorada. Uma noite que já durava três dias...
Tiveram que entrar nos milhos e na mandioca, para usar como combustível. Tremiam de medo dos Txopokods, das sombras soturnas na noite. Mantinham o fogo cozinhando o braço, par ao Txopokod não poder vir comer a aldeia inteira...
– Joguem fora o braço desse fantasma! – ordenou o cacique. – Para que cozinhar esse bicho esquisito? Nosso milho está se acabando, já não temos mais nada para queimar!
Chegou o Coelho, Kupipurô. Cantava bonito, como cantamos há pouco. Todo mundo pediu para ele entrar na maloca, vir cantar com eles.
Percebiam movimentos no escuro, já eram muitos Txopokods no terreiro, rondando as pessoas para um banquete de extermínio.
Os coelhos Kupipurô resolveram ajudar os homens, levantaram-se e foram cantar, distraindo os Txopokods.
– Joguem fora o braço, para os Txopokods não nos comerem!
Juntaram-se para levantar a panela e pôr o conteúdo num pilão de pedra. Tentaram socar o braço com mão de pilão de pedra, mas era o mesmo que um sernambi – não se desfazia de forma alguma. Também as pulseiras do Txopokods não se quebraram.
Terminaram por desistir e jogar o braço no terreiro. O dono, o Tsopokod namorador, correu e grudou o braço outra vez no próprio corpo. Mais que depressa procurou um igarapé, porque seu braço estava queimando. Jogou-se na água. Dizem que por isso a água desse igarapé é quente, porque lá é que o braço fervente mergulhou...
O Txopokod ia nadando em todos os rios e igarapés que encontrava, para esfriar. Só no último, já perto da cachoeira do Paulo Saldanha, o fogo do braço apagou. Por isso esse igarapé tem água fria.
Quando o calor do braço acabou, a noite comprida se extinguiu, o dia foi amanhecendo outra vez e a paz voltou à aldeia. Muitos dias de luz perdida tinham se escoado, já era de tarde, próximo do escurecer.
Cortaram o clitóris da mulher e jogaram dentro d’água – virou poraquê, o peixe-elétrico. A cuia onde levaram o clitóris virou caranguejo. O marido traído não a quis mais, teve medo. Quanto ao namorado, não se sabe se ainda a quis, tudo é segredo... Mas o Txopodod nunca mais voltou.
Mitologia do Povo Macurap
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