Há
500 anos, quem morava aqui eram povos que foram denominados genericamente de ÍNDIOS pelo colonizador europeu. Esta denominação dá uma impressão
errada, como se designasse um único povo, com uma só cultura e até com o mesmo
tipo físico. Na verdade, da mesma forma que o termo europeu agrupa povos tão diferentes como os portugueses, espanhóis,
franceses, ingleses, holandeses e tantos outros, o nome índio esconde centenas de nações independentes, que falam línguas
diferentes, muitas delas não-intercomunicantes entre si. Cada uma tem uma
história própria, organização social, habilidades tecnológicas e crenças
religiosas peculiares. Cada uma possui a sua própria cultura, os seus costumes,
o seu jeito de ser e o seu próprio nome.
Não
é fácil dizer quem eram os índios que moravam no Rio de Janeiro no século XVI.
Esses povos transmitiam o que sabiam apenas por meio da palavra falada, própria
da memória oral; não deixaram, portanto, documentos escritos de identidade.
Poucas vezes disseram como se autodenominavam. Quando o fizeram, nem sempre
foram compreendidos. Os primeiros colonizadores portugueses, franceses e
espanhóis tentaram, em alguns casos, identificar o nome próprio de cada povo,
criando às vezes uma grande confusão, porque quase sempre desconheciam as línguas
faladas pelos índios. Nos documentos que escreveram, às vezes batizaram o mesmo
povo com vários nomes, como é o caso dos Tupinambá, conhecidos também como
Tamoio. Outras vezes, usaram um nome só - por exemplo, Coroado - para designar
grupos que apesar das semelhanças físicas eram culturalmente muito diferentes.
Registraram nomes que aparecem em poucos documentos e não conseguiram se firmar
como Bacunin ou Caxiné. Escreveram o mesmo nome com grafias desiguais: Goitacá,
Guaitacá, Waitaka ou Aitacaz. Inventaram nomes que mudaram com o tempo. Fica,
portanto, difícil saber quem era quem, com base apenas nessas denominações. É
necessário procurar outros critérios.
Um
critério comumente empregado para identificar e diferenciar os povos é a língua:
indivíduos que falam o mesmo idioma são considerados como pertencentes a uma
mesma pátria. O que é discutível hoje para as modernas nações que construíram
um estado - pois brasileiros e portugueses ou americanos e ingleses falam a
mesma língua, mas possuem pátrias diferentes - pode ser um critério válido para
identificar as nações indígenas. A questão, então, é saber quando a língua
falada por duas comunidades é a mesma, quando é diferente e em que consiste
essa diferença. Os lingüistas estudaram e classificaram muitas línguas, estabeleceram
relações entre elas, identificando seus elementos históricos para, desta forma,
determinar o seu grau de parentesco. Quando, apesar das diferenças, se descobre
semelhanças entre línguas, elas são colocadas dentro de uma mesma família. As
famílias com afinidades são reunidas num tronco comum. Assim, uma família
lingüística agrupa línguas diferentes, mas aparentadas, porque considera-se que
têm uma origem comum, que são provenientes de um único tronco, como o
português, o espanhol, o francês e o italiano, que são originários do latim.
Com
esse critério, as línguas indígenas foram classificadas e mapeadas por alguns
estudiosos. O alemão Curt Nimuendajú, que viveu mais de 40 anos entre os
índios, em 1944 fez o seu “Mapa
Etno-histórico”, considerado o maior documento etnográfico brasileiro, e o
tcheco Cestmir Loukotka desenhou a última versão do seu em 1968. Nos últimos
trinta anos, várias universidades brasileiras formaram linguistas que se
dedicaram a pesquisar as formas de falar dos índios. Com base no estado atual
desses trabalhos, podemos dizer que o território do Estado do Rio de Janeiro
foi habitado por povos que falavam pelo menos 20 idiomas diferentes, um deles não
classificado e os demais pertencentes a quatro famílias lingüísticas:
I - A FAMÍLIA TUPI, ou tupi-guarani, compreendia mais de uma centena
de línguas, faladas em áreas que pertencem atualmente ao Brasil e a alguns
países hispano-americanos. Pelo menos cinco delas eram faladas no Rio de
Janeiro pelos seguintes povos:
1. Tupinambá ou Tamoyo,
habitantes das zonas de lagunas e enseadas do litoral, do Cabo Frio até Angra
dos Reis;
2. Temiminó ou Maracajá,
localizados na Baía de Guanabara;
3. Tupinikin ou Margaya
no litoral norte fluminense e Espírito Santo;
4. Ararape ou Arary,
no vale do Paraíba do Sul; e
5. Maromomi ou Miramomim,
na antiga Missão de São Barnabé. Segundo Lukotka, trata-se de uma língua tupi.
Outros estudiosos, como o padre Serafim Leite, preferem situá-la como um
sub-grupo dos índios Guarulho.
II. A FAMÍLIA PURI foi vinculada pelo
pesquisador Aryon Rodrigues ao tronco Macro-Jê. Dividida em 23 línguas,
espalhava-se também por regiões que atualmente fazem parte dos estados de Minas
Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Doze delas eram faladas no Rio de Janeiro.
As três primeiras aqui enumeradas desapareceram, mas deixaram alguns registros.
As demais, pouco conhecidas e extintas, podem ter pertencido a esta família,
segundo suposições de Loukotka, que não apresenta evidências linguísticas para isso:
1. Puri, Telikong ou Paqui, falada nos vales do Itabapoana e
Médio Paraíba e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras, entre os rios Pomba
e Muriaé. Estava dividida em três sub-grupos denominados Sabonan, Uambori e
Xamixuna.
2. Coroado, em ramificações da Serra do Mar e nos vales
dos rios Paraíba, Pomba e Preto. Subdividida em vários grupos, entre os quais, Maritong, Cobanipaque, Tamprun e Sasaricon.
3. Coropó, no rio Pomba e na margem sul do Alto
Paraíba.
4. Goitacá, Guaitacá,
Waitaka ou Aitacaz, nas planícies e restingas do Norte Fluminense, em áreas
próximas ao Cabo de São Tomé, no território entre a Lagoa Feia e a boca do rio
Paraíba. Subdividida em quatro grupos: Goitacá-Mopi,
Goitacá-Jacoritó, Goitacá-Guassu e Goitacá-Mirim.
5. Guaru ou Guarulho,
falada na serra dos Órgãos e também nas margens dos rios Piabanha, Paraíba e
afluentes, incluindo o Muriaé, com as suas ramificações por Minas Gerais e
Espírito Santo.
6. Pitá, na região do rio Bonito.
7.
Xumeto, na Serra da Mantiqueira.
8. Bacunin, no rio Preto e próximo à atual cidade de
Valença.
9. Bocayú, nos rios Preto e Pomba.
10. Caxiné, na região entre os rios Preto e Paraíba.
11. Sacaru no vale do Médio Paraíba.
12.
Paraíba, também no Médio
Paraíba.
III. A FAMÍLIA
BOTOCUDO,
pertencente ao tronco Macro-Jê, é composta de 38 dialetos, quase todos falados
em áreas do atual Espírito Santo e Minas Gerais, como os Krenak no rio Doce e os Naknanuk,
no Mucuri e São Mateus, destacando-se no Rio de Janeiro o Botocudo, Aimoré ou Batachoa, nos vales do rio Itapaboana, e também
na região do rio Macacu.
IV. A FAMÍLIA
MAXAKALÍ
ou MASHAKALÍ, vinculada por Aryon Rodrigues
ao tronco Macro-Jê, abrange 27 línguas, faladas em áreas dos atuais Estados de
Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. No Rio de Janeiro, existe referência a
apenas uma língua: o Maxacari ou Mashakali, falada durante um tempo na
área do rio Carangola, nas atuais fronteiras do Rio de Janeiro, Espírito Santo
e Minas Gerais.
V. LÍNGUA
NÃO-CLASSIFICADA
O
Goianá, Guaianá, ou Guaianã,
cujos falantes estavam concentrados na capitania de São Vicente. Alguns grupos
foram localizados na Ilha Grande, em Angra dos Reis e em Parati.
De
todos esses idiomas, o Tupinambá era o que mantinha o maior número de falantes,
espalhados por extenso território da costa atlântica. Por isso, desde o século
XVI, foi aprendido por muitos portugueses e franceses, que tinham interesse
econômico em comunicar-se com os índios. Os missionários fizeram, então, uma
gramática, explicando como funcionava essa língua, que acabou sendo usada na
catequese. Traduziram para ela orações, hinos, catecismos e até peças de
teatro.
No
momento da chegada dos primeiros europeus, os índios viviam em aldeias ou tabas
espalhadas por todo o território do Rio de Janeiro. A aldeia era a maior
unidade política das sociedades indígenas. Cada uma delas tinha autonomia e reconhecia
como autoridade maior o seu chefe, tuxaua, morubixaba ou cacique.
Os
nomes dessas aldeias - os topônimos
indígenas - referem-se a acidentes geográficos, denominações de animais, de
plantas, de elementos culturais. Às vezes, eram designadas pelo nome do seu
próprio chefe. O cosmógrafo francês André
Thevet elaborou um mapa da Ilha do Governador onde aparecem cerca de 36
tabas. Era nesta ilha que ficavam as aldeias Paranapucuhy, Pindó-usú,
Koruké, Pirayijú, Coranguá. Outro
cronista francês, Jean de Léry, num
levantamento parcial, encontrou em torno da baía de Guanabara um total de 32
aldeias tupis entre 1550 e 1560. Depois, novas listas, também parciais, foram
feitas por missionários e cronistas portugueses, acrescentando outras
povoações.
O
primeiro nome da lista de Léry é a aldeia Kariók
ou Karióg, situada no sopé do morro
da Glória, na foz do rio Carioca, o rio sagrado dos Tamoio que tinha, além
dessa, uma segunda foz, mais caudalosa, na praia do Flamengo, onde
localizava-se outra aldeia, chamada Urusúmirim
ou Abruçumirim. O Pão de Açúcar
também estava cercado por aldeias indígenas. Três delas situadas ao lado do
Morro da Babilônia: Jaboracyá, Eyramiri, Pana-ucú. Duas - Japopim
e Ura-uassú-ué - quase em frente ao penedo.
Entre o Pão de Açúcar e o Morro da Viúva, ficava a aldeia Okarantim. No caminho para o rio Carioca, a aldeia Tantimã. Na barra da Tijuca, a aldeia Guiraguadú-mirim. A aldeia Maracajá, na ilha do Fundão, era
ocupada pelos Temiminó.
A
lista continua. Próximo à Lagoa Rodrigo de Freitas, existia uma aldeia chamada Kariané. Distribuídas pelos morros de
Santa Tereza e Santo Antônio, as aldeias de Katiuá, Kiriri, Anaraú e Purumuré. Na região ocupada hoje pelos subúrbios ao longo da
Central do Brasil existiam dezenas de aldeias, entre as quais Pavuna, Irajá Catiú, Savigahy, Taly, Uepeé, Itauá, Uery, Acorosó, Margavia, Sarapú, Iraramem, Sapopema.
Do
outro lado da baía, em Niterói, existiam também muitas aldeias, algumas das
quais foram registradas em documentos históricos, como Icaraí, Itauna, Nurucuné, Arapatué, Urapué, Uraramery, Caranacuy.
Eram
centenas e centenas de tabas, ao longo de todo o território, habitadas por um
número incalculável de índios. Segundo os relatos da época, a população de cada
aldeia tupinambá variava entre 500 a 3000 índios.
Baseado
em texto de José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros,
em
“Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro”
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