sexta-feira, 27 de setembro de 2013

JAMINAWÁ, povo Pano


Os Jaminawá são habitantes do centro da mata e da periferia miserável das cidades: representam o "selvagem" arredio ou o índio "deculturado" que esmola nas ruas. Encarnam as contradições mais dramáticas do imaginário e da história da Amazônia. Podemos encontrar as duas versões dos Jaminawá numa única página da Gazeta de Rio Branco (17/09/97): uma matéria informa da sua presença numa favela da capital acreana e uma outra atribui aos "Jaminawá" uma série de ataques que aterrorizam os habitantes de um remoto seringal.

O termo JAMINAWÁ começa a aparecer na segunda metade do passado século, e é traduzido habitualmente como "gente do machado" -- ora de pedra, índice do seu primitivismo, ora de ferro, pela avidez com que procuravam utensílios de metal nas colocações seringueiras. Habitualmente sabe-se deles só por intermédio de outros índios, os Kaxinawá no Brasil e os Shipibo no Peru, que temem suas incursões ou delas são vítimas, e que cunharam o nome com que os brancos passaram a conhecê-los. As grafias são muito variáveis: além de Jaminawá (no Brasil) e Yaminahua (no Peru e na Bolívia) podemos encontrar Yuminahua, Yabinahua, Yambinahua etc. Para além da diversidade ortográfica, devemos considerar que o costume de fazer trocadilho com o nome de povos vizinhos, muito comum no jogo das relações intertribais Pano, pode gerar outras versões.

O sufixo -nawa, que carateriza a maioria dos povos Pano do Acre, se apresenta, dependendo dos povos, em versão oxítona ou paroxítona. "Jaminawá" espelha melhor a pronúncia indígena e preserva assim as conotações históricas do nome.

Os Jaminawá se identificam com esse nome dado por outrem. Explicam que seus nomes "verdadeiros" são Xixinawa (xixi = quati branco), Yawanawa (yawa = queixada), Bashonawa (basho = mucura), Marinawa (mari = cutia) e assim por diante, dentro de uma série virtualmente infinita. Os -nawa formam uma constelação de grupos que ao longo de sua história tem se combinado de diversos modos, em sucessivas cissões, fusões ou anexações. Alguns desses nomes coincidem com o de povos genealógica e historicamente diferentes, embora sua língua e cultura sejam muito próximas - é o caso de "Yawanawa", que não alude aqui aos Yawanawá do Rio Gregorio. Nawa, vale a pena indicar, além de sufixo étnico é a palavra que designa os brancos.

Os Jaminawá são falantes de uma língua Pano, classificada num mesmo subgrupo junto com as outras línguas -nawa da região do Purus, de um lado e de outro da fronteira. É inteligível para outros grupos da área do Purus, como Sharanahua ou Marinawa; não para os Kaxinawá nem para os Amahuaca, também próximos. Com mínimas variações fonéticas e léxicas a língua coincide com a dos Yawanawá do rio Gregório. Em geral os falantes atribuem às outras línguas Pano uma proximidade muito maior que a admitida pelos técnicos: alguns Jaminawá e alguns Yawanawá do Gregório dizem poder se entender, por exemplo, com os Shipibo do Ucayali.

Excetuando-se a geração mais velha, que apenas conhece algumas palavras em português e espanhol, os Jaminawá são bilíngües. Têm participado dos projetos pedagógicos da Comissão Pró-Índio do Acre, com resultados duvidosos. O prestígio da atividade escolar -- e de algum dos professores -- é muito baixo no grupo, a frequência às aulas é escassa e irregular em comparação com o que pode ser observado em outros grupos, e, pertencendo todos os agentes à mesma facção do grupo, as cisões recentes têm isolado a maior parte dos Jaminawá da atividade educativa. A implementação de projetos de desenvolvimento, governamentais ou não, tem enfrentado dificuldades especiais entre os Jaminawá, em decorrência sobretudo da sua instabilidade política.

Qual seria, então, o sujeito e o fio da história desse povo? Devemos pensá-los como um feixe de linhas que se entrecruzam. Os Jaminawá do rio Acre situam o começo da sua história em duas grandes aldeias: uma sobre o rio Moa - não o afluente do Juruá, mas um outro menor, do rio Iaco - e outra entre os rios Iaco e Tahuamanu. Dali se deslocaram para as cabeceiras do Chandless, onde tiveram seus primeiros contatos pacíficos com os brancos, no caso caucheiros peruanos ou bolivianos. No rio Shambuyacu, no Peru, conviviam com Sharanawa, Marinawa e Mastanawa, que intermediavam, geográfica e comercialmente, com os brancos, como faziam mais ao noroeste os Shipibo. As relações com esses outros grupos Pano levavam regularmente ao conflito e à fuga dos Jaminawá mata adentro. Eles por sua vez exerciam a mesma função em relação a outros grupos nawa mais "selváticos", que acabaram incorporando.

Depois de um longo período em que alternam as aproximações pacíficas e as correrias - protagonizadas em muitos casos por índios Manchineri aliados aos seringalistas - os Jaminawá vão estabelecendo relações diretas com patrões brancos, entre o rio Acre e o Iaco. Em 1968 um grupo de algo mais de cem Jaminawá - debilitados por repetidas epidemias - se instalam no seringal Petrópolis, assumindo certo grau de dependência dos brancos, fato inédito até então. Os informes da FUNAI, que se instala no Acre em 1975, descrevem uma situação clássica: alcoolismo, prostituição, desorganização do grupo e exploração econômica. É estabelecido nesse ano um Posto Indígena, que quebra o monopólio do seringal. Com esse apoio, os Jaminawá se instalam rio acima, na área Mamoadate, que congrega duas aldeias Jaminawá (Bétel e Jatobá) e uma Manchineri (Extrema). Em 1989, provavelmente em função de desavenças internas e da vontade de se aproximar mais do mundo branco, um grupo considerável dirigido pelo chefe José Correia Tunumã migra para o rio Acre, onde já morava outro grupo de Jaminawá. Consolida-se assim a Terra Indígena Cabeceiras do Rio Acre, interditada em 1988, cuja declaração de posse permanente, oficializada em 6/3/92, alcança um área total de 78.512 hectares, no município de Assis Brasil, fronteira com o Peru. Em 1998, teve sua homologação publicada no Diário Oficial da União.

Há outras aldeias com as que os Jaminawá reconhecem vínculos próximos de parentesco. A primeira, conhecida como "A Escola", em território boliviano, a umas duas horas de canoa a partir de Assis Brasil, é uma aldeia organizada em volta de uma missão protestante, com uma população próxima dos duzentos habitantes Jaminawá do subgrupo Yawanawa. Em Brasiléia, no Bairro Samaúma, habita um contingente Jaminawá desgarrado do grupo do Iaco desde 1987, por causa de um conflito interno. Desde a cisão têm sido conhecidos com o nome de Bashonawa. Os Bashonawa de Brasiléia, carentes de terras, vivem em uma situação precária sem roças nem fontes fixas de renda.

Nos rios Iaco e Purus há mais Jaminawá. No primeiro encontra-se o sítio Guajará, que conta com uma comunidade. A montante, a Terra Indígena Mamoadate congrega na aldeia Bétel pouco mais de cem Xixinawa. No rio Purus, existe o grupo de Paumari, em que se contam oitenta ou noventa indivíduos Kaxinawa e Xixinawa, e famílias nucleares dispersas e misturadas com "peruanos". Próximo à fronteira peruana do Purus, alguns deles têm se deslocado para Sepahua, no rio Urubamba, e estão vinculados a uma missão católica dominicana. Em território peruano existem ainda algumas comunidades Jaminawá no rio Purus e outras na área do alto Juruá, nos rios Mapuya e Huacapishtea. Os Jaminawá brasileiros têm vagas notícias a seu respeito. Outros grupos conhecidos como Jaminawa no Brasil, como os da aldeia Igarapé Preto, carecem de relação com os Jaminawá aqui descritos. Os Jaminawá costumam se instalar em estreita relação com outros povos indígenas: no Brasil, especialmente com os Manchineri, de língua da família arawak. Relações maritais são freqüentes entre ambos os grupos, mas não são consideradas matrimônios legítimos. Do mesmo modo, a visível mestiçagem com os "brancos" não tem dado lugar a uma categoria de "mestiço": a alteridade dos brancos é assimilada dentro do conjunto de alteridades que já organiza as relações entre os diversos grupos nawa.

Deve-se advertir o leitor da precariedade destes dados, por causa das freqüentes rearticulações dos grupos. Pouco depois do final da minha pesquisa de campo, em 1993, o assassinato de um Jaminawá em Brasiléia, pelas mãos de um Bashonawa residente nessa cidade, acabou provocando uma cisão no grupo do rio Acre. Dois grupos numerosos -- que freqüentavam a cidade de Rio Branco -- foram realocados nos anos seguintes em Santa Rosa -- no Alto Juruá -- e no rio Caeté; um contingente considerável tem-se instalado de modo mais ou menos permanente na capital. A população total de Jaminawá no Brasil é difícil de avaliar: os grupos aqui descritos devem reunir uma cifra aproximada de 500 indivíduos.

Os Jaminawá contam no Peru com uma população de 324 pessoas, segundo o censo de 1993. Na Bolívia, de acordo com o livro Amazonia Peruana (1997), são 630 indivíduos. Os contatos dos Jaminawá com os missionários têm sido esporádicos ou indiretos, primeiro com os missionários católicos dominicanos do Peru que se aventuravam nos seringais, depois com os missionários evangélicos da Missão Novas Tribos do Brasil, instalados junto aos Manchineri na Terra Indígena Mamoadate, no rio Iaco. Na Aldeia da Escola, na margem boliviana do rio Acre, tem lugar uma catequização mais sistemática. Até agora as missões não parecem ter tido grandes conseqüências quanto à cultura tradicional.

Nos últimos dez anos a presença dos Jaminawá em Rio Branco tem se intensificado, seja na Casa do Índio, seja em áreas de favela, seja em precários acampamentos no centro da cidade ou sob a ponte. As conseqüências são graves: desnutrição de crianças, sério risco de doenças sexualmente transmisíveis, conflitos que acabam na delegacia ou na cadeia, sem contar com o alto índice de alcoolismo que já vem do tempo do seringal e na cidade se vê agravado pela má alimentação. Essa atração letal pela cidade é a face escura da colaboração dos Jaminawá com as entidades indigenistas: o compromisso político tem levado com demasiada freqüência as lideranças Jaminawá para a cidade, privando a comunidade de um centro de referência e de uma instituição essencial para resolver os conflitos. A FUNAI, sem possibilidades de atacar a raíz do problema, tem reagido deslocando os sucessivos grupos dissidentes para outras áreas, algumas -- como Santa Rosa e Caeté -- muito distantes. Essa dispersão é muito negativa para a defesa dos direitos territoriais já adquiridos pelo grupo. Os Jaminawá estão vinculados à UNI-Acre desde a sua criação.

Os Jaminawá praticam uma agricultura de subsistência quase monopolizada pela macaxeira e a banana. Dispõem em geral de caça abundante; a pesca, ao menos na aldeia do rio Acre, é pobre durante boa parte do ano. Sua integração econômica no mundo branco é secundária e marginal; os salários e as aposentadorias obtidos do FUNRURAL, de projetos educativos ou desenvolvimentistas estão em geral comprometidos, a crédito, com comerciantes de Assis Brasil. Salários como diaristas, ou o produto da venda de banana, peixe ou caça, servem em geral para financiar as viagens e estadias em Assis Brasil e Rio Branco. Os empreendimentos de criação de bovino ou suíno ou de plantação de arroz são individuais e pouco significativos, assim como as atividades extrativas. A pressão dos brancos sobre os seus territórios -- em geral fronteiriços com áreas de preservação -- resume-se à ação individual de pescadores ou caçadores. A eventual pavimentação da ligação rodoviária Acre--Peru por Assis Brasil--Iñapari pode alterar essa situação.

As aldeias Jaminawá são um agregado de pequenos casarios, cada um dos quais pode reunir um "velho" com suas filhas e genros, ou dois "velhos" cunhados cujos filhos casam entre si, ou um grupo de irmãos com suas famílias. O conjunto das casas familiares, palafitas construídas sobre os barrancos do rio no estilo das casas seringueiras, equivale à maloca coletiva do tempo antigo, e é designado pelo nome daquela, peshewa. O chefe do grupo pode nuclear um assentamento maior, congregando à sua volta várias famílias e jovens solteiros; mas esta concentração costuma ser passageira.

Os Jaminawá se dividem em um número indeterminado de kaio, que seriam clãs de caráter "totêmico" e de linha paterna, e cujo conjunto em geral coincide com o dos etnônimos: Xixinawa, Yawanawa, Bashonawa, Xapanawa... No aspecto simbólico essa divisão parece um desdobramento do dualismo comum entre os grupos Pano: a tradição indica que as relações com os animais epônimos observam alguma das regras que definem a conduta com os consangüíneos. Mas não deve se exagerar a transcendência nem a objetividade dessas unidades "parentais": dependendo do contexto, um Jaminawá pode ser contabilizado em kaio diferentes. A residência pode também modificá-lo: um kaio predomina em cada aldeia e acaba funcionando essencialmente como etnônimo. Frequentemente segregadas em função de conflitos, as diversas aldeias acabam operando também como grupos exogâmicos: poderíamos dizer que as rixas acabam sendo uma condição prévia da aliança matrimonial.

Mais de perto -- quando se observa um pequeno grupo residencial, e sobretudo quando se interroga as mulheres -- o aspecto da sociedade Jaminawá é dualista: os habitantes de uma peshewa são classificados em duas metades (por exemplo, Xixinawa e Yawanawa), respectivamente consangüíneos ou afins do ponto de vista de um ego. Os "desagregados" Jaminawá expõem, assim, visões alternativas de uma mesma organização. Uma -- a que privilegia as "metades" -- depende de um ponto de vista local, "sociológico" e predominantemente feminino; a outra -- a que insiste na pluralidade de grupos -nawa -- é global, histórica e parte habitual de um discurso masculino.

O chefe Jaminawá pode ser designado pelos termos diyewo, tuxaua, patrão e liderança, quatro termos que resumem a história política Jaminawá deste século. Um diyewo é um rico, um cabeça de família poderoso, de quem dependem muitos jovens; alude a um tipo de chefia que ainda existe e que opera no âmbito do parentesco.

O tuxaua e o patrão nos lembram da época de vinculação dos Jaminawá a seringais e fazendas. O tuxaua era em geral um diyewo mais ou menos importante que estabelecia relações de clientela ou compadrio com um patrão branco, dentro do sistema de "aviamento" comum na Amazônia. O poder do tuxaua reside na sua habilidade para lidar com o mundo externo; e essa mesma habilidade pode convertê-lo em "patrão" aos olhos dos seus seguidores.

A "liderança" pertence à época em que os Jaminawá estabelecem alianças com brancos distantes, começando pela FUNAI e acabando com ONGs nacionais ou internacionais, que lhes possibilitam uma ampla autonomia dos patrões locais. Em certo sentido, e malgrado o discurso tradicionalista que a caracteriza, é esta versão da chefia a que mais se distancia do modelo do diyewo: trata-se de um homem mais jovem, cujo peso dentro do sistema de parentesco é baixo. A persistência no uso dos quatro termos indica que os quatro modelos de autoridade convivem nos dias de hoje, e as contradições entre eles talvez estejam na raiz da instabilidade Jaminawá. É importante assinalar que é o chefe quem "constrói" o grupo para além dos vínculos ativos de parentesco: sua fraqueza tem consequências estruturais.

Tudo parece indicar que o xamanismo Jaminawá tem sofrido mudanças recentes e profundas. Até trinta anos atrás via-se dominado pela figura do niumuã, consumidor de diversas substâncias psicotrópicas ou tóxicas, conhecedor de cantos poderosos, capaz de adivinhar o futuro das incursões guerreiras, de viajar e matar à distância. Os Jaminawá alegam que o niumuã não mais pode existir em tempo "de paz". O koshuiti, bebedor de ayahuasca e cantor, dono de uma arte curativa que maneja as mesmas artes e os mesmos símbolos, ocupa o seu lugar -- não sem uma grande carga de ambiguidade.

Os Jaminawá têm vários koshuiti, que estendem suas atividades para uma clientela branca. A "koshuitia" é adquirida através de um longo processo iniciatório, dedicado a aprender os segredos da ayahuasca e pontuado por uma série de provas extremamente dolorosas. É uma arte cada vez mais restrita, que a nova geração não está aprendendo.

A falta quase absoluta de manifestações plásticas - da pintura corporal à cerâmica -, sempre atribuída ao "esquecimento" da cultura tradicional, pode ser melhor entendida como uma vontade de omitir os signos que, aos olhos dos brancos, os caracterizariam como "índios". Em aldeias afastadas, como a do Iaco, são ainda praticadas.

Em troca, a arte oral e musical Yaminawa é muito rica. Além dos belos cantos xamânicos, conhecidos por poucos, homens e mulheres têm seus yamayama (chamados assim pelo bordão que une as estrofes), cantos líricos individuais de teor erótico e apaixonado, que descrevem os sentimentos do autor e as peripécias de sua vida. Eis alguns exemplos (versões livres, baseadas na tradução de Arialdo Correia):

Dorme, filha, cantarei a cantiga
que os nossos sempre cantaram;
para ver os mortos em sonhos;]
para ver o pai voltando da pesca.
Sou infeliz; cresci sem ver meu pai,
só vi estrangeiros.
Meu pai morreu, quero também morrer logo,
e acabarão minhas mágoas.
Mas não irei ao Céu.
Virarei o rosto para não ver o urubu
e ficarei mais embaixo,
lá onde os meus mortos moram.
(Nazaré, aprox. 35 anos)

Canto porque te amo; mas tu me amaste só quando era moça,
quando não havia casa e dormiamos no chão, quando ia embora e voltava nos teus braços chorando.
Mas não gosto de um homem que quer provar todas as mulheres...
...
Meninos devem casar
com uma mulher mais velha, que os faça adormecer;
quando cresçam, gostarão dela.
Infeliz de mim;
meu rosto já está velho, e os meninos não me desejam,
eu queria perguntar às mais novas
o que fazem para atraí-los...
(Luzia, aprox. 45 anos)

Gostava de ti, irmãzinha,
gostava de te ver deitada,
me alegrava tua voz.
Como gostava de ti, irmãzinha –
na hora do amor puxavas meu sexo,
e eu te deitava na madeira mole
da árvore caída: vamos fazer amor
como fazem dois estranhos.
Quando morrer quero
que me enterrem contigo.
(Clementino, aprox. 75 anos)

A narrativa tem um gênero dominante: o dos shedipawó, "histórias dos antigos". Há alguns excelentes narradores, que fazem do relato um espetáculo ritmado, com jogos de vozes e efeitos de som; mas as histórias são conhecidas por todos. As mulheres e mesmo as crianças gostam também de narrar, porém com um repertório em geral restrito a relatos de tema humorístico ou zoológico. Os shedipawó Jaminawá poderiam ser descritos como mitologia historificada: os mesmos acontecimentos que outros povos situam num início dos tempos ou atribuem a seres mais ou menos divinos aparecem em boca dos Jaminawá como aventuras de um antigo, um indivíduo dramático e concreto.

Os Jaminawá parecem pouco interessados na exegese: não há desse modo um discurso articulado a respeito deste ou de outros mundos - além das próprias narrações. Os shedipawo têm três cenários habituais: o fundo das águas, a mata fechada e o céu. O céu Jaminawá é sempre um lugar de decepção: os seres humanos se perdem a caminho dele, as tentativas de estabelecer contato com seus habitantes acabam em fracasso. A selva é o lugar da guerra e das metamorfoses: os seres trocam suas identidades, se devoram e casam entre si; sob cada forma visível há um "espírito" (nhusi, yoshi) capaz de transmigrações. O mundo das águas participa desse mesmo panorama, mas nele põem os Jaminawá o seu olhar mais esperançoso: lá estão as grandes cobras d’água, as Ronoá, que oferecem aos homens suas riquezas: o ferro, as mercadorias, a ayahuasca.

Baseado em texto de Graham Townsley e Oscar Calavia

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