O deserto de Atacama, no Chile, é o lugar mais seco da Terra; há poucos sinais de vida ali e, em algumas partes, não chove há milhares de anos. Mas foi essa própria secura que fez dele o guardião perfeito de um tesouro único: em suas areias encontram-se os segredos íntimos de um velho mundo, o legado de um povo da Idade da Pedra que acreditava ser capaz de vencer a morte: a CULTURA CHINCHORRO.
A cidade de Arica, na costa do Pacífico, começou como pequena aldeia de pescadores. Escavações de 1983, nos arredores da cidade, trouxeram à mostra um antigo local de sepultamento do povo Chinchorro: cerca de 96 corpos mumificados, enterrados com alguns artefatos. A múmia mais antiga tem cerca de 9.000 anos. Portanto, são as múmias mais antigas do mundo. Ou seja: essa remota comunidade de pescadores da América do Sul já praticava a mumificação antes mesmo do nascimento da civilização e pelo menos 2000 anos antes das lendárias múmias do antigo Egito.
“Chinchorro” é uma palavra espanhola que designa uma pequena rede de pesca em forma de bolsa (hoje também usada para referir-se a rede de dormir). Algumas destas bolsas de pesca foram encontradas enterradas junto de múmias. Daí terem recebido esse nome. Os 96 corpos recuperados consagraram os Chinchorros como os primeiros e mais prolíficos preparadores de múmias que o mundo conheceu: envolvida numa capa de juncos, com uma máscara facial de argila que suporta uma grande cabeleira.
Na escavação da encosta junto ao mar, descobriram-se conchas de moluscos e outros objetos que revelam o modo de vida dos Chinchorros: um povo de caçadores-recoletores da Idade da Pedra que trocaram a vida por uma existência mais estável e sedentária junto à costa. Permaneceram nesta zona durante milhares de anos, pois aqui tinham tudo quanto necessitavam para uma existência relativamente confortável: havia leões marinhos e peixe com fartura; as agulhas dos cactos serviam para fazer os anzóis; dos juncos do vale à beira-rio, das peles dos animais, faziam vestuário e esteiras, sólidas redes de pesca, delicados ornamentos corporais e sudários para envolver os mortos. Não conheciam os metais, a cerâmica, a roda ou animais de carga. A análise dos crânios muitos homens sofriam de problemas auditivos e doenças do canal auditivo que levavam à surdez, provavelmente provocadas pelo mergulho em águas frias para a coleta de mariscos e outros animais marinhos. Podemos presumir – baseados nos dados recolhidos e na comparação com outras culturas de período mais ou menos semelhantes –, que os homens iam para o mar mergulhar e pescar, enquanto as mulheres se encarregariam de preparar os alimentos recolhidos pelos homens. Não deixaram quaisquer sinais de escrita nem construções duradouras. Eram simplesmente um povo da Idade da Pedra. Mas a maneira como tratavam os mortos era tudo menos simples. Os Chinchorros mumificavam todos – homens, mulheres e crianças – sem distinção. E o mais estranho é que as múmias não eram logo sepultadas; antes, ao que parece, eram mantidas em exposição junto dos vivos.
O quadro que se pode fazer com estes dados é o de um povo muitíssimo criativo, cuja imaginação e energia espiritual não se manifestavam na cerâmica, no mobiliário ou em construções, mas sim na misteriosa arte de mumificar os mortos.
A sua técnica de mumificação era absolutamente única: com lâminas de pedra lascada arrancavam toda a carne, esvaziavam o corpo retirando todos os tecidos moles e o sangue. Depois reforçavam o esqueleto atando estacas de madeira aos ossos. As cavidades do corpo eram preenchidas então com ervas, cinzas e pêlo de animais. A pele era então resposta no lugar e cozida. Braços e pernas eram também reforçados com paus e depois envolvidos em tecido vegetal. Por fim, o corpo todo era coberto com uma espécie de pasta de cinza branca, posteriormente pintada com manganês preto. Uma máscara de argila com uma sofisticada cabeleira feita de cabelo humano cobria o rosto e a cabeça. Uma vez pronta, a múmia estava apta a ser transportada acompanhando os vivos. Era uma efígie robusta, muito diferente do esplendor pictórico dos egípcios. O mais notável de tudo, e é um aspecto em que se distinguem de todos os outros é que os Chincorros aplicavam os seus sofisticados processos de mumificação tanto nas crianças como nos adultos, como se quisessem conservar junto de si todos os seus mortos ou como se, de certo modo, sentissem que eles ainda continuavam vivos.
Presumivelmente que também seriam as mulheres que teriam os conhecimentos necessários (que aprendiam na preparação de alimentos) para esfolarem os corpos, retirar os tecidos moles do interior do corpo e depois reconstruí-lo cosendo a pele sobre a múmia. De toda forma, a maneira como trabalhavam os mortos revela um alto grau de sofisticação no manuseio de ferramentas e materiais muito elevado, além de mostrarem-se extremamente familiarizados com a anatomia humana – sabiam remover os órgãos internos para evitar a decomposição e as costuras na pele revela um fabuloso conhecimento dos processos necessários e atenção aos detalhes. Por outro lado, a forma como a múmia era depois vestida e cuidada mostra uma preocupação e, aparentemente, um carinho fora do comum para com os seus mortos.
Algo que chama a atenção é o fato de os Chinchorros mumificarem todas as pessoas com o mesmo requinte, quanto outras culturas antigas habitualmente reservarem a mumificação para privilegiados, os ricos e poderosos, por tratar-se de uma arte que requer tempo, energia e dedicação. Outro dado extraordinário é a mumificação as crianças com o mesmo cuidado dispensado aos mais velhos, ao contrário da maior parte das culturas antigas, onde as crianças sequer tinham um funeral minimamente decente. Juntamente com múmias de crianças foram encontradas formas que poderiam ser bonecos, mas que, depois de análise radiológica, descobriu-se se tratar de fetos mumificados. Ora, se mumificar crianças já de si é algo difícil, mumificar natimortos é absolutamente único!
Tudo isso parecem apontar para uma sociedade que, apesar de "primitiva", não deixava por isso de ter uma noção de alma muito presente. Os dados também parecem indicar que o seu conceito de alma era também importante para si enquanto grupo organizado. De fato, os Chinchorros pareciam não atribuir muita importância a aspectos mais materiais da vida (mobiliários, cerâmica, edifícios) mas tinham uma clara idéia da importância do corpo e da existência de uma "alma". A mumificação parece indicar uma noção bem desenvolvida de que a morte era uma passagem para outro estado e que haveria algum elemento presente nas duas vidas (a pré-morte e a pós-morte) que necessitaria do corpo preservado. A mumificação poderia ser uma maneira de manter os entes queridos quase vivos através da presença do seu corpo apesar de a sua alma ter passado para outro estádio da vida.
“Chinchorro” é uma palavra espanhola que designa uma pequena rede de pesca em forma de bolsa (hoje também usada para referir-se a rede de dormir). Algumas destas bolsas de pesca foram encontradas enterradas junto de múmias. Daí terem recebido esse nome. Os 96 corpos recuperados consagraram os Chinchorros como os primeiros e mais prolíficos preparadores de múmias que o mundo conheceu: envolvida numa capa de juncos, com uma máscara facial de argila que suporta uma grande cabeleira.
Na escavação da encosta junto ao mar, descobriram-se conchas de moluscos e outros objetos que revelam o modo de vida dos Chinchorros: um povo de caçadores-recoletores da Idade da Pedra que trocaram a vida por uma existência mais estável e sedentária junto à costa. Permaneceram nesta zona durante milhares de anos, pois aqui tinham tudo quanto necessitavam para uma existência relativamente confortável: havia leões marinhos e peixe com fartura; as agulhas dos cactos serviam para fazer os anzóis; dos juncos do vale à beira-rio, das peles dos animais, faziam vestuário e esteiras, sólidas redes de pesca, delicados ornamentos corporais e sudários para envolver os mortos. Não conheciam os metais, a cerâmica, a roda ou animais de carga. A análise dos crânios muitos homens sofriam de problemas auditivos e doenças do canal auditivo que levavam à surdez, provavelmente provocadas pelo mergulho em águas frias para a coleta de mariscos e outros animais marinhos. Podemos presumir – baseados nos dados recolhidos e na comparação com outras culturas de período mais ou menos semelhantes –, que os homens iam para o mar mergulhar e pescar, enquanto as mulheres se encarregariam de preparar os alimentos recolhidos pelos homens. Não deixaram quaisquer sinais de escrita nem construções duradouras. Eram simplesmente um povo da Idade da Pedra. Mas a maneira como tratavam os mortos era tudo menos simples. Os Chinchorros mumificavam todos – homens, mulheres e crianças – sem distinção. E o mais estranho é que as múmias não eram logo sepultadas; antes, ao que parece, eram mantidas em exposição junto dos vivos.
O quadro que se pode fazer com estes dados é o de um povo muitíssimo criativo, cuja imaginação e energia espiritual não se manifestavam na cerâmica, no mobiliário ou em construções, mas sim na misteriosa arte de mumificar os mortos.
A sua técnica de mumificação era absolutamente única: com lâminas de pedra lascada arrancavam toda a carne, esvaziavam o corpo retirando todos os tecidos moles e o sangue. Depois reforçavam o esqueleto atando estacas de madeira aos ossos. As cavidades do corpo eram preenchidas então com ervas, cinzas e pêlo de animais. A pele era então resposta no lugar e cozida. Braços e pernas eram também reforçados com paus e depois envolvidos em tecido vegetal. Por fim, o corpo todo era coberto com uma espécie de pasta de cinza branca, posteriormente pintada com manganês preto. Uma máscara de argila com uma sofisticada cabeleira feita de cabelo humano cobria o rosto e a cabeça. Uma vez pronta, a múmia estava apta a ser transportada acompanhando os vivos. Era uma efígie robusta, muito diferente do esplendor pictórico dos egípcios. O mais notável de tudo, e é um aspecto em que se distinguem de todos os outros é que os Chincorros aplicavam os seus sofisticados processos de mumificação tanto nas crianças como nos adultos, como se quisessem conservar junto de si todos os seus mortos ou como se, de certo modo, sentissem que eles ainda continuavam vivos.
Presumivelmente que também seriam as mulheres que teriam os conhecimentos necessários (que aprendiam na preparação de alimentos) para esfolarem os corpos, retirar os tecidos moles do interior do corpo e depois reconstruí-lo cosendo a pele sobre a múmia. De toda forma, a maneira como trabalhavam os mortos revela um alto grau de sofisticação no manuseio de ferramentas e materiais muito elevado, além de mostrarem-se extremamente familiarizados com a anatomia humana – sabiam remover os órgãos internos para evitar a decomposição e as costuras na pele revela um fabuloso conhecimento dos processos necessários e atenção aos detalhes. Por outro lado, a forma como a múmia era depois vestida e cuidada mostra uma preocupação e, aparentemente, um carinho fora do comum para com os seus mortos.
Algo que chama a atenção é o fato de os Chinchorros mumificarem todas as pessoas com o mesmo requinte, quanto outras culturas antigas habitualmente reservarem a mumificação para privilegiados, os ricos e poderosos, por tratar-se de uma arte que requer tempo, energia e dedicação. Outro dado extraordinário é a mumificação as crianças com o mesmo cuidado dispensado aos mais velhos, ao contrário da maior parte das culturas antigas, onde as crianças sequer tinham um funeral minimamente decente. Juntamente com múmias de crianças foram encontradas formas que poderiam ser bonecos, mas que, depois de análise radiológica, descobriu-se se tratar de fetos mumificados. Ora, se mumificar crianças já de si é algo difícil, mumificar natimortos é absolutamente único!
Tudo isso parecem apontar para uma sociedade que, apesar de "primitiva", não deixava por isso de ter uma noção de alma muito presente. Os dados também parecem indicar que o seu conceito de alma era também importante para si enquanto grupo organizado. De fato, os Chinchorros pareciam não atribuir muita importância a aspectos mais materiais da vida (mobiliários, cerâmica, edifícios) mas tinham uma clara idéia da importância do corpo e da existência de uma "alma". A mumificação parece indicar uma noção bem desenvolvida de que a morte era uma passagem para outro estado e que haveria algum elemento presente nas duas vidas (a pré-morte e a pós-morte) que necessitaria do corpo preservado. A mumificação poderia ser uma maneira de manter os entes queridos quase vivos através da presença do seu corpo apesar de a sua alma ter passado para outro estádio da vida.
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