Quando os europeus chegaram no Novo
Mundo, encontraram uma nova humanidade, completamente desconhecida. Colombo e
seus companheiros ficaram admirados de que sobre eles não houvesse referências
nem na Bíblia, nem nos escritos dos filósofos de qualquer época. À falta de
informações, as mais rudimentares, sobre aqueles estranhos habitantes, supôs a
expedição colombiana que eles fossem “índios”, isto é, habitantes das Índias,
que estavam certos haver atingido pelo caminho do ocidente.
De fato, desde o início, começaram a se elaborar
as mais extravagantes hipóteses sobre a procedência dos “índios” do Novo Mundo.
O inquisidor espanhol Gregório Garcia reuniu toda a vasta bibliografia que
foram construídas sobre as hipóteses até fins do século XVI. Depois dele,
muitos outros autores continuaram esse trabalho e hoje temos, por exemplo, a
obra de Imbelloni “La Esfinge Indiana” – um exame de conjunto de todas as
hipóteses americanistas. Podemos sintetizar essas teorias pré-científicas nos
seguintes grupos: origens bíblicas, origens de continentes desaparecidos,
origens de outros continentes e origens autóctones.
ORIGENS
BÍBLICAS
Discutiu-se muito, nos primeiros tempos,
se os índios do Novo Mundo teriam provindo de Adão e Eva, como a outra parte da
humanidade... Foi preciso que Paulo III emitisse a bula Veritas Ipsa, em1537, para os proclamar filhos do
Éden, como todos os outros humanos. E, então, surgiram as várias hipóteses
bíblicas dos séculos XVI e XVII. A primeira dessas hipóteses, segundo nos conta
Gregório Garcia, foi a de Arias Montano, em 1593, para quem os índios
americanos em geral priviriam dos filhos e netos de Noé. Um dos descendentes da
estirpe de Noé – Ofir – teria povoado a América até o Peru, enquanto outro –
Jobal – teria entrado no Brasil. Grande número de autores procurou logo mostrar
as analogias linguísticas entre Ofir (Ophir) e Peru.
Outros autores admitiram diferentes
filiações bíblicas: de Cam (Torquemada), de Jafet (Piedrahita e Zamora), de
Jacó, etc.
A origem israelita dos índios americanos
tem sido uma das hipóteses mais acariciadas, desde os padres Bartolomeu de Las
Casas e Duran, e o próprio Gregório Garcia, até autores do século XX, como
Horowitz. Que os índios fossem judeus, descendentes das dez tribos de Israel, é
o que Gregório Garcia admitiu sem contestação. “Os indígenas, - escreveu ele – são
poltrões, não reconhecem Jesus Cristo, não agradecem o bem que se lhes faz”.
Só podiam ser judeus! Não é preciso citar a lista enorme de autores que
sustentaram a hipótese judia, em todos os séculos XVII e XVIII. Basta destacar
os argumentos de Diego Andrés Rocha, um erudito autor que em 1681 escreveu “Origem
dos índios de Peru, México, Santa Fé e Chile”; entre outros argumentos da
origem judaica dos índios, estaria o próprio nome “índio”, corruptela de “iudio”
(judeu), com a mudança do “u” para “n”.
ORIGEM
DE CONTINENTES DESAPARECIDOS
É conhecida a literatura sobre os
chamados “continentes desaparecidos”. Todo um grupo de hipóteses sobre esses
continentes gira em derredor da “Atlântida”, do relato platônico. Sua literatura
é vastíssima e interessante é que muitas dessas idéias foram revividas em pleno
século XX. Os índios teriam vindo da Atlântida para um grande número de
autores, a começar pelo o Conde Carli, em fins do século XVIII. Outros “continentes
desaparecidos” foram admitidos como ponto de origem dos índios americanos: “Continente
Pacífico” (Scharff e Clarck, Reginald Enoch); “Lemúria”, continente
desaparecido entre a Índia e a África (Haeckel); “Antártida” ou “Continente
Austral” (Huxley, Osborn, Francisco Moreno, Mendes Correa).
Embora autores recentes, como Mendes
Correa, pretendam aduzir razões científicas para hipóteses como a da Antártida,
a seu ver explicando a passagem de australianos para a América do Sul, podemos
considerar, de modo geral, que as origens indígenas de continentes
desaparecidos como sem consistência científica.
ORIGEM
DE OUTROS CONTINENTES
Das origens bíblicas, estenderam-se os
escritores às hipóteses de origem do índio do Novo Mundo de outras partes da
Terra. Pode-se dizer que praticamente TODOS os pontos da Terra foram
aventurados como lugar de origem. Não é possível examinar todas essas
hipóteses, quase sempre baseadas em analogias lingüísticas, e que enchem a
bibliografia dos séculos passados.
A origem
asiática foi, talvez, a hipótese de maior número de adeptos, e que resnasce
no século XX com tintas científicas. Realmente a hipótese da origem asiática
começa com os exegetas bíblicos. Foi admitida também a migração dos Cananeus,
afirmada por Hornius, em 1652, e continuada por uma longa série de escritores. Também
a hipótese de uma origem fenícia
logrou grande número de adeptos. Pode ser considerada uma continuação das
hipóteses bíblicas. Ela já vem enunciada nos escritores dos primeiros tempos do
descobrimento, mas logrou uma grande voga em períodos mais recentes, quando se
iniciaram os trabalhos de aproximação dos índios (Court de Gebelin, Exzra,
Stiles, Castelnau, De Thoron e muitos outros, incluindo-se na lista vários
americanistas dos Estados Unidos, do Brasil e outros países americanos, como
Putman, L.A.Childe, Ladislau Netto, etc). A hipótese fenícia é uma das que
lograram maior aceitação.
Ainda na Ásia, vários autores admitiram
tivesse havido migrações de mongóis,
tártaros, chineses... para a América (Padre Lafitau, John Ranking,
Varnhagen, Humbolt e, mais recentemente, Dekien e M. de Ts’ai). A Ásia Meridional foi identificada como
berço dos índios americanos por Bradford, Bancroft e muitos outros. As origens asiáticas ocidentais e a hipótese ariana tiveram como adeptos
outro grande número de autores, tais como J. de Laet, R. Ellis, Couto de
Magalhães e G. Mendonza.
As origens
mesopotâmicas deram lugar a uma série de considerações, principalmente no
que concerne às origens sumerianas e
babilônicas. São hipóteses que se
emparelham às teses da origem egípcia
e foram submetidas a uma análise crítica rigorosa por Imbelloni. A hipótese
sumeriana foi defendida recentemente pelo Prof. Ricci, da Universidade de
Buenos Aires, e por todo um grupo de autores contemporâneos, também inclinados
à hipótese da origem egípcia.
Nesse grupo de hipótese asiáticas
inclui-se a maior parte dos monogenistas, que admitem o berço da humanidade num
ponto asiático, variando apenas a localização: Índia, Irã, Ásia Central, etc.
A origem
européia foi admitida por grande numero de escritores. Troianos, gregos,
pelasgos, hicsos, romanos... teriam chegado até o Novo Mundo, é o que sustenta
uma cadeia de autores, como Morton, Campbell, Solas, etc. O próprio Gregório
Garcia admitiu que tivessem chegado gregos às Américas. Lafitau quer descobrir
analogias lingüísticas entre os idiomas indígenas e as raízes gregas. A obra recente
de Fernando Lahille também aponta para analogias lingüísticas dos idiomas da
Terra do Fogo com palavras gregas.
Outras origens européias foram
admitidas: os arianistas argumentaram que germanos
e índios americanos tiveram origem comum (H. Wirth, L. Adam, etc). A origem escandinava já havia sido defendida por Grotius em 1642 e é retomada dois
séculos depois pelo dinamarquês Rafn (1837), Abner Morse (1861) e o Barão
Bretton (1875). A chamada hipótese
hiperbórea foi recentemente revivida com a admissão de uma conexão cultural
dos esquimós com o ciclo ártico europeu e asiático. Certos antropólogos do
século passado, como Quatrefages e o americano Brinton também admitiram
conexões européias dos índios americanos.
Walter Raleigh sustentou as origens britânicas dos índios
americanos (segundo ele Inca Manco Capac
seria corruptela de Englishman Capac).
A origem espanhola foi defendida por
grande número de autores espanhóis e hispano-americanos, como Andrés Rocha –
autor de um livro famoso sobre a origem dos índios (1681). E ainda
contabilizamos uma hipótese de origem
basca, de Basaldim.
As origens
africanas foram aceitas por grande número de investigadores. Assim logrou
grande aceitação entre cronistas e sacerdotes do século XVI – Padre Mariano,
Torquemada, Alejo Venegas, etc. Sobretudo a idéia de que os índios americanos
procedessem dos cartagineses. Outros
autores, séculos depois, quiseram argumentar que a pele negra de muitos índios
americanos seria a prova de sua origem africana – Bernardin de Saint-Pierre e
Hugo Grotius, por exemplo.
Autores mais recentes, como L. Capitan,
destacam a semelhança de certas práticas culturais, como a deformação dos
lábios por meio de discos de madeira (Botocudos do Brasil e mulheres africanas
Sara do Chari), como prova de origem africana, pelo menos para alguns grupos de
índios americanos. As pesquisas do professor Leo Wiener, da Universidade de
Harvard, procuraram provar, também, que antes de Colombo, entraram no Novo
Mundo negros africanos. Supõe este autor que muitas práticas religiosas, ritos,
cerimônias e palavras dos índios antilhanos sejam de origem africana. Palavras
como “canoe”, as designações de “batata doce” e “yam” seriam de origem
africana, tudo isso provando que os negros africanos teriam cruzado o oceano
vindos da Guiné.
Entre as teorias de origens africanas,
um lugar especial deve caber à teoria
egípcia. Ela já havia sido enunciada em 1875 por John Campbell, que
sustentava a identidade física e cultural de egípcios, mexicanos e peruanos. É,
porém, com os hiperdifusionistas da Escola de Manchester (Elliot Smith e seus
colaboradores, Jackson, Perry e Rivers) que essa hipótese toam uma expressão
mais direta. Elliot Smith e seu grupo admitiram que teria havido uma fase geral
da humanidade em que os homens eram coletores nômades. A mutação cultural para
a agricultura ter-se-ia passado no Vale do Nilo, onde, no quinto milênio antes
de Cristo, se formou um conjunto de processos culturais que foi denominado “complexo
heliolítico”: culto do sol, mumificação de cadáveres e construções megalíticas.
Este conjunto cultural completava-se com uma série de outros traços, como a
agricultura por irrigação, a circuncisão, a tatuagem, a couvade ou choco, a
deformação craniana, os ritos funerários, etc. Do Egito, a civilização
heliolítica teria se difundido para o mundo inteiro, em alguns casos se
aperfeiçoando e em outros decaindo. As culturas americanas mostrariam-se como
exemplos particulares dessa difusão universal. O complexo heliolítico se mostra
sobretudo nas civilizações méxico-andinóides.
As origens
oceânicas constituem uma série de hipóteses que vêm desde o século XVI. Elas
forma revividas por alguns americanistas recentes, como Rivet.
ORIGEM
AUTÓCTONE
Um dos primeiros autores a defender a
origem autóctone dos índios do Novo Mundo foi E. Bailli d’Engel, em 1767,
combatendo as hipóteses fenícias, cartaginesas, etc. Afirmou, inclusive, que o
homem americano é anterior a Noé. Mas foi depois do norte-americano Samuel G.
Morton que a doutrina do autoctonismo se define, afirmando, em 1839, que o
homem americano – à exceção dos esquimós – seria fruto do solo americano. É a
época das acesas discussões entre monogenistas ou não-autoctonistas e
poligenistas ou partidários do autoctonismo do homem americano, como advento
dos naturalistas e antropólogos que enchem com suas discussões todo o século
XIX.
Baseado
em texto de Arthur Ramos
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