sábado, 19 de julho de 2014

ORIGEM DOS POVOS AMERICANOS - HIPÓTESES PRÉ-CIENTÍFICAS

Quando os europeus chegaram no Novo Mundo, encontraram uma nova humanidade, completamente desconhecida. Colombo e seus companheiros ficaram admirados de que sobre eles não houvesse referências nem na Bíblia, nem nos escritos dos filósofos de qualquer época. À falta de informações, as mais rudimentares, sobre aqueles estranhos habitantes, supôs a expedição colombiana que eles fossem “índios”, isto é, habitantes das Índias, que estavam certos haver atingido pelo caminho do ocidente.

De fato, desde o início, começaram a se elaborar as mais extravagantes hipóteses sobre a procedência dos “índios” do Novo Mundo. O inquisidor espanhol Gregório Garcia reuniu toda a vasta bibliografia que foram construídas sobre as hipóteses até fins do século XVI. Depois dele, muitos outros autores continuaram esse trabalho e hoje temos, por exemplo, a obra de Imbelloni “La Esfinge Indiana” – um exame de conjunto de todas as hipóteses americanistas. Podemos sintetizar essas teorias pré-científicas nos seguintes grupos: origens bíblicas, origens de continentes desaparecidos, origens de outros continentes e origens autóctones.

ORIGENS BÍBLICAS
Discutiu-se muito, nos primeiros tempos, se os índios do Novo Mundo teriam provindo de Adão e Eva, como a outra parte da humanidade... Foi preciso que Paulo III emitisse a bula Veritas Ipsa, em1537, para os proclamar filhos do Éden, como todos os outros humanos. E, então, surgiram as várias hipóteses bíblicas dos séculos XVI e XVII. A primeira dessas hipóteses, segundo nos conta Gregório Garcia, foi a de Arias Montano, em 1593, para quem os índios americanos em geral priviriam dos filhos e netos de Noé. Um dos descendentes da estirpe de Noé – Ofir – teria povoado a América até o Peru, enquanto outro – Jobal – teria entrado no Brasil. Grande número de autores procurou logo mostrar as analogias linguísticas entre Ofir (Ophir) e Peru.

Outros autores admitiram diferentes filiações bíblicas: de Cam (Torquemada), de Jafet (Piedrahita e Zamora), de Jacó, etc.

A origem israelita dos índios americanos tem sido uma das hipóteses mais acariciadas, desde os padres Bartolomeu de Las Casas e Duran, e o próprio Gregório Garcia, até autores do século XX, como Horowitz. Que os índios fossem judeus, descendentes das dez tribos de Israel, é o que Gregório Garcia admitiu sem contestação. “Os indígenas, - escreveu ele – são poltrões, não reconhecem Jesus Cristo, não agradecem o bem que se lhes faz”. Só podiam ser judeus! Não é preciso citar a lista enorme de autores que sustentaram a hipótese judia, em todos os séculos XVII e XVIII. Basta destacar os argumentos de Diego Andrés Rocha, um erudito autor que em 1681 escreveu “Origem dos índios de Peru, México, Santa Fé e Chile”; entre outros argumentos da origem judaica dos índios, estaria o próprio nome “índio”, corruptela de “iudio” (judeu), com a mudança do “u” para “n”.

ORIGEM DE CONTINENTES DESAPARECIDOS
É conhecida a literatura sobre os chamados “continentes desaparecidos”. Todo um grupo de hipóteses sobre esses continentes gira em derredor da “Atlântida”, do relato platônico. Sua literatura é vastíssima e interessante é que muitas dessas idéias foram revividas em pleno século XX. Os índios teriam vindo da Atlântida para um grande número de autores, a começar pelo o Conde Carli, em fins do século XVIII. Outros “continentes desaparecidos” foram admitidos como ponto de origem dos índios americanos: “Continente Pacífico” (Scharff e Clarck, Reginald Enoch); “Lemúria”, continente desaparecido entre a Índia e a África (Haeckel); “Antártida” ou “Continente Austral” (Huxley, Osborn, Francisco Moreno, Mendes Correa).

Embora autores recentes, como Mendes Correa, pretendam aduzir razões científicas para hipóteses como a da Antártida, a seu ver explicando a passagem de australianos para a América do Sul, podemos considerar, de modo geral, que as origens indígenas de continentes desaparecidos como sem consistência científica.

ORIGEM DE OUTROS CONTINENTES
Das origens bíblicas, estenderam-se os escritores às hipóteses de origem do índio do Novo Mundo de outras partes da Terra. Pode-se dizer que praticamente TODOS os pontos da Terra foram aventurados como lugar de origem. Não é possível examinar todas essas hipóteses, quase sempre baseadas em analogias lingüísticas, e que enchem a bibliografia dos séculos passados.

A origem asiática foi, talvez, a hipótese de maior número de adeptos, e que resnasce no século XX com tintas científicas. Realmente a hipótese da origem asiática começa com os exegetas bíblicos. Foi admitida também a migração dos Cananeus, afirmada por Hornius, em 1652, e continuada por uma longa série de escritores. Também a hipótese de uma origem fenícia logrou grande número de adeptos. Pode ser considerada uma continuação das hipóteses bíblicas. Ela já vem enunciada nos escritores dos primeiros tempos do descobrimento, mas logrou uma grande voga em períodos mais recentes, quando se iniciaram os trabalhos de aproximação dos índios (Court de Gebelin, Exzra, Stiles, Castelnau, De Thoron e muitos outros, incluindo-se na lista vários americanistas dos Estados Unidos, do Brasil e outros países americanos, como Putman, L.A.Childe, Ladislau Netto, etc). A hipótese fenícia é uma das que lograram maior aceitação.

Ainda na Ásia, vários autores admitiram tivesse havido migrações de mongóis, tártaros, chineses... para a América (Padre Lafitau, John Ranking, Varnhagen, Humbolt e, mais recentemente, Dekien e M. de Ts’ai). A Ásia Meridional foi identificada como berço dos índios americanos por Bradford, Bancroft e muitos outros. As origens asiáticas ocidentais e a hipótese ariana tiveram como adeptos outro grande número de autores, tais como J. de Laet, R. Ellis, Couto de Magalhães e G. Mendonza.

As origens mesopotâmicas deram lugar a uma série de considerações, principalmente no que concerne às origens sumerianas e babilônicas. São hipóteses que se emparelham às teses da origem egípcia e foram submetidas a uma análise crítica rigorosa por Imbelloni. A hipótese sumeriana foi defendida recentemente pelo Prof. Ricci, da Universidade de Buenos Aires, e por todo um grupo de autores contemporâneos, também inclinados à hipótese da origem egípcia.

Nesse grupo de hipótese asiáticas inclui-se a maior parte dos monogenistas, que admitem o berço da humanidade num ponto asiático, variando apenas a localização: Índia, Irã, Ásia Central, etc.

A origem européia foi admitida por grande numero de escritores. Troianos, gregos, pelasgos, hicsos, romanos... teriam chegado até o Novo Mundo, é o que sustenta uma cadeia de autores, como Morton, Campbell, Solas, etc. O próprio Gregório Garcia admitiu que tivessem chegado gregos às Américas. Lafitau quer descobrir analogias lingüísticas entre os idiomas indígenas e as raízes gregas. A obra recente de Fernando Lahille também aponta para analogias lingüísticas dos idiomas da Terra do Fogo com palavras gregas.

Outras origens européias foram admitidas: os arianistas argumentaram que germanos e índios americanos tiveram origem comum (H. Wirth, L. Adam, etc). A origem escandinava já havia sido defendida por Grotius em 1642 e é retomada dois séculos depois pelo dinamarquês Rafn (1837), Abner Morse (1861) e o Barão Bretton (1875). A chamada hipótese hiperbórea foi recentemente revivida com a admissão de uma conexão cultural dos esquimós com o ciclo ártico europeu e asiático. Certos antropólogos do século passado, como Quatrefages e o americano Brinton também admitiram conexões européias dos índios americanos.

Walter Raleigh sustentou as origens britânicas dos índios americanos (segundo ele Inca Manco Capac seria corruptela de Englishman Capac). A origem espanhola foi defendida por grande número de autores espanhóis e hispano-americanos, como Andrés Rocha – autor de um livro famoso sobre a origem dos índios (1681). E ainda contabilizamos uma hipótese de origem basca, de Basaldim.

As origens africanas foram aceitas por grande número de investigadores. Assim logrou grande aceitação entre cronistas e sacerdotes do século XVI – Padre Mariano, Torquemada, Alejo Venegas, etc. Sobretudo a idéia de que os índios americanos procedessem dos cartagineses. Outros autores, séculos depois, quiseram argumentar que a pele negra de muitos índios americanos seria a prova de sua origem africana – Bernardin de Saint-Pierre e Hugo Grotius, por exemplo.

Autores mais recentes, como L. Capitan, destacam a semelhança de certas práticas culturais, como a deformação dos lábios por meio de discos de madeira (Botocudos do Brasil e mulheres africanas Sara do Chari), como prova de origem africana, pelo menos para alguns grupos de índios americanos. As pesquisas do professor Leo Wiener, da Universidade de Harvard, procuraram provar, também, que antes de Colombo, entraram no Novo Mundo negros africanos. Supõe este autor que muitas práticas religiosas, ritos, cerimônias e palavras dos índios antilhanos sejam de origem africana. Palavras como “canoe”, as designações de “batata doce” e “yam” seriam de origem africana, tudo isso provando que os negros africanos teriam cruzado o oceano vindos da Guiné.

Entre as teorias de origens africanas, um lugar especial deve caber à teoria egípcia. Ela já havia sido enunciada em 1875 por John Campbell, que sustentava a identidade física e cultural de egípcios, mexicanos e peruanos. É, porém, com os hiperdifusionistas da Escola de Manchester (Elliot Smith e seus colaboradores, Jackson, Perry e Rivers) que essa hipótese toam uma expressão mais direta. Elliot Smith e seu grupo admitiram que teria havido uma fase geral da humanidade em que os homens eram coletores nômades. A mutação cultural para a agricultura ter-se-ia passado no Vale do Nilo, onde, no quinto milênio antes de Cristo, se formou um conjunto de processos culturais que foi denominado “complexo heliolítico”: culto do sol, mumificação de cadáveres e construções megalíticas. Este conjunto cultural completava-se com uma série de outros traços, como a agricultura por irrigação, a circuncisão, a tatuagem, a couvade ou choco, a deformação craniana, os ritos funerários, etc. Do Egito, a civilização heliolítica teria se difundido para o mundo inteiro, em alguns casos se aperfeiçoando e em outros decaindo. As culturas americanas mostrariam-se como exemplos particulares dessa difusão universal. O complexo heliolítico se mostra sobretudo nas civilizações méxico-andinóides.

As origens oceânicas constituem uma série de hipóteses que vêm desde o século XVI. Elas forma revividas por alguns americanistas recentes, como Rivet.

ORIGEM AUTÓCTONE
Um dos primeiros autores a defender a origem autóctone dos índios do Novo Mundo foi E. Bailli d’Engel, em 1767, combatendo as hipóteses fenícias, cartaginesas, etc. Afirmou, inclusive, que o homem americano é anterior a Noé. Mas foi depois do norte-americano Samuel G. Morton que a doutrina do autoctonismo se define, afirmando, em 1839, que o homem americano – à exceção dos esquimós – seria fruto do solo americano. É a época das acesas discussões entre monogenistas ou não-autoctonistas e poligenistas ou partidários do autoctonismo do homem americano, como advento dos naturalistas e antropólogos que enchem com suas discussões todo o século XIX.


Baseado em texto de Arthur Ramos

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