terça-feira, 21 de junho de 2011

O CORAÇÃO LATINO-AMERICANO

Incas, Ianomamis, Tiahuanacos, Aztecas,
Mayas, Tupis, Guaranis, a sagrada intuição
das nações mais saudosas. Os resíduos.
A cruz e o arcabuz dos homens brancos.

O assombro diante dos cavalos,
a adoração dos astros.
Uma porção de sangues abraçados.
Os heróis e os mártires que fincaram no
tempo

A espada de uma pátria maior.
A lucidez do sonho arando o mar.
As águas amazônicas, as neves da
cordilheira.
O quetzal dourado, o condor solitário,
o uirapuru da floresta, canto de todos os
pássaros.

A destreza felina das onças e dos pumas.
Rosas, hortênsias, violetas, margaridas,
flores e mulheres de todas as cores,
todos os perfis. A sombra fresca.
As tardes tropicais, o ritmo pungente,
Rumba, milonga, tango, marinera,
samba-canção.

O alambique de barro gotejando a
luz ardente do canavial.
O perfume da floresta que reúne,
em morna convivência, a árvore altaneira,
e a planta mais rasteirinha do chão.
O fragos dos vulcões, o árido
silêncio do deserto, o arquipélago florido,
a pampa desolada, a primavera
amanhecendo luminosa nos pêssegos e nos
jasmineiros,
a palavra luminosa dos poetas, o sopro
denso e perfumado do mar, a aurora
de cada chuva reunidos na divina
origem do arco-íris.

Cinco séculos árduos de esperança.
De tudo isso, e de dor, espanto
e pranto, para sempre se fez, lateja e canta
o coração latino-americano.


De Thiago de Mello

LOS HIJOS DEL SOL


Soy
un hijo del Sol, que voy en busca de mi raza,
Soy uno de los hijos del Sol, que voy hácia mi gente.
Yo soy el hijo del Sol, que he venido por una razón.

He venido en busca de mi gente de la nación Inca.
Mi propósito es enseñar nuestros valores, y nuestro idioma Quechua.
Niño Inca, como yo, em qué pueblo estás llorando?
Hijo del Sol, como yo, escucha a ésta mi llamada.

Si escuchas a ésta mi llamada, regresa a nuesta tierra y nuestra cultura.
Si escucha a ésta mi llamada, regresa con nuestra gente y rehagamos nuestra ación.

He venido para enseñar a la gente nuestra tradiciones:
No robar, no ser flojo, no mentir y no ser sucio.

No robar ni ser flojo, para que de esa manera vivamos bien.
Ser honesto y limpio, de esse modo no andemos perdidos.

Gente Inca, que te encuentras sólo en éste mundo, tómame la mano.
Niño Inca, que no formas parte de éste mundo, ven conmigo a casa.
Si tú vienes y me tomas la mano, te llevaré a nuestra tierra, con lo nuestro.
Si tú vienes conmigo, te enseñaré nuestro idioma Inca.

Muerte ou muerte, todavia no me lleves.
Aún tengo mucho que caminar, ando buscando mi gente.
Aún tengo mucho por recorrer, enseñando el idioma Quechua.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A ARTE MBYA GUARANI

Conversando com alguns Mbya Guarani, pode-se perceber que cada um deles é um artista, um artista da vida; eles são originais, pois possuem origem própria, o contato com o homem branco não lhes fez mal, não os fez perder suas tradições; nesse convívio, os indígenas não apenas crescem, como também reinventam as novidades trazidas pelos brancos a partir de seus próprios critérios de pensamento. Em vez de copiar, eles preferem criar, dar flores, fazer a coisa ao modo Mbya, a arte é verdadeiramente original e como o Mbya Guarani Olívio Jekupé devemos acreditar que a arte, e principalmente a literatura indígena, pode fazer com que a sociedade respeite o índio.

Para os Mbya Guarani não há muita diferença entre tocar um instrumento rudimentar, um violino, ou tomar um banho de rio. O barulho das águas é o primeiro som que nasce em sua cultura e seu corpo o primeiro instrumento musical com o qual tem contato. Caminhar é uma arte, acender o fogo é uma arte, mantê-lo aceso é uma arte, brincar no rio, pela manhã, é uma arte, enfim, viver na cultura Mbya Guarani é fazer arte.

Para falar, é preciso um motivo, mais que um motivo, um objetivo; nesse momento, o de proferir palavras, a questão é a expressão e não a comunicação. O que importa é a qualidade de chama do som, a qualidade de água do som, a qualidade de flor do som, a qualidade de cheiro do som. O som deve ser um nascimento, como um Sol, como uma flor.

Muitas de suas palavras vêm acompanhadas de som e de dança; os Mbya Guarani e a realidade são uma coisa só: suas palavras se transformam em cantos mágicos que fazem o objeto, não representam ou falam sobre ele, mas são a sua própria essência por meio de uma poesia que ainda não diferencia música, ritmo, som, dança e palavra.

Ao proferir ou ouvir essas palavras, podemos “vê-las” transformarem-se em corpos tangíveis, com a qualidade da música e da dança associadas a elas e podemos sentir essa transformação. A qualidade dessa materialização faz o objeto aparecer em cada um dos que tomam contato com essa arte poética por meio do movimento e da dança, mesmo que não haja contato visual com o momento poético. É fácil perceber e sentir a presença do ser/ente no lugar e no momento em que a música e a dança se fazem presentes pela palavra. Ao ouvir ou participar de um canto Mbya Guarani é como se um rio passasse por nosso corpo fazendo-nos sentir a poesia e nos purificando com suas águas.

Uma das fantásticas sensações que se tem ao tomar contato com a kosmofonia Mbya Guarani é a de descobrir que eles ainda não conhecem a linguagem poética porque nunca conheceram outra linguagem que não fosse a linguagem poética.

Ao cantar seus rituais sagrados, as crianças, os anciãos, os indefesos, protegem uns aos outros, cantando sempre belas palavras por cada um deles. A magia da palavra e seu poder não são desprezados, mas transmitidos por gerações com a espontaneidade de algo realmente natural.

A cada noite os Mbya Guarani lançam suas palavras ao céu para que no dia seguinte elas atinjam outros Mbyas Guaranis e os inundem de um frescor, de um alívio para suas angústias.

Cantar à noite a poesia aprendida durante o dia para que ela se perpetue e volte para todos como uma brisa de conhecimento e um frescor que alivia seus corações, orienta e limpa os caminhos do próximo dia de Ñamandu (Deus Primeiro). Essa tarefa diária dos Mbya Guarani faz lembrar os ensinamentos e preceitos do filósofo e matemático grego Pitágoras, nesse momento tão distante e tão próximo de nossos índios.

Ainda hoje, e desde que se sabe, ao observarem a primeira luz brilhante do dia, os Mbya Guarani lançam novamente ao céu seus sons, suas palavras verdadeiras, seus cantos para que Ñamandu os ilumine, bem como a todos nós, guiando-nos em nosso novo dia e em nossas vidas.

A identidade musical Guarani nasce da diversidade dos sons naturais com que têm contato; os animais podem cantar, falar, emitir sons, bufar, rugir, uivar; essa percepção parte do silêncio (kiririri – silêncio como som primeiro), até o estrondo de um trovão. As técnicas e formas com que trabalham com esses sons estão vinculadas às danças, aos rituais, aos corais e aos instrumentos simples que representam cada situação que se quer vivenciar.

Muitos de seus instrumentos são como bastões rítmicos de diversos tamanhos e grossuras, fabricados a partir de bambus, que usam como caixa de ressonância o próprio chão ou um pedaço de madeira (bastão maciço) sobre cuja superfície se bate marcando a pulsação básica de uma dança ritual.

Texto de Milton Sgambatti Júnior

domingo, 12 de junho de 2011

PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA

Na história européia, os nomes geralmente usados na periodização universal são: Paleolítico (Inferior, Médio e Superior), Mesolítico, Neolítico e Civilização ou Urbanismo (Pré-Clássico, Clássico e Pós-Clássico). Os nomes americanos aproximadamente correspondentes são:

I Período Lítico, que pode ser usado no sentido semelhante ao Paleolítico e dividido em um período Prépontas e outro Paleoíndio.
II Período Arcaico (Mesolítico);
III Período Formativo (Neolítico);
IV Período Pós-Cabralino, a partir da presença européia e o estabelecimento do processo civilizatório (excluídas, no período, as fases pré-clássica e clássica).

O povoamento da América e, naturalmente, do Brasil, ocorreu no final do Pleistoceno, ao término da última glaciação. Os principais artefatos da pré-história brasileira dessa época são as pedras manipuladas para a confecção de instrumentos, os fragmentos cerâmicos, a reciclagem de ossos de animais e conchas, notadamente. O conceito de PALEOÍNDIO, no Brasil, é utilizado para as culturas mais antigas, encontradas em Goiás, Minas Gerais, Piauí, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Para as outras culturas de caçadores pré-cerâmicos usa-e o conceito de “arcaico”.

A pré-história brasileira é dividida em dois grandes períodos: culturas do pleistoceno (anteriores a 12.000 anos A.P.) e culturas do holoceno (posteriores a 12.000 anos A.P.). Sítios arqueológicos do Pleistoceno são, principalmente, áreas de caça e matança, não de acampamentos residenciais. Os artefatos identificadores mais comuns são as pontas bifaciais, especializadas; de projétil, geralmente acompanhadas de lascas usadas como facas, raspadores e raspadeiras. O ambiente nesse período era frio e seco; a população, pouco numerosa e nômade, organizada em bandos frouxos.

Essas populações teriam convivido com a megafauna. Os animais caçados seriam, como hipótese ainda não plenamente constatada, os que se extinguiram com o final da glaciação e que, em termos populares, poderíamos denominar de bisontes, cervídeos e camelídeos, antigos cavalos, preguiças e tatus gigantes, antas e tigres-dente-de-sabre, entre outros.

Em alguns estados brasileiros há datações que registram a presença do homem antes de doze mil anos: em Minas Gerais, a cultura do homem de Lagoa Santa (Gruta do Sumidoro, Lapa Mortuária de Confins, Cerca Grande em Pedro Leopoldo); em São Paulo, o Sítio Alice Boer, em Rio Claro e no rio Ribeira do Iguape; no Mato Grosso, o Abrigo do Sol, em um afluente do Guaporé.

“Hoje sabemos, por meio de datações pelo Carbono 14, que as importantes coleções de esqueletos de Lagoa Santa possuem mais de 10 mil anos. Em 1999, pesquisadores da Universidade Manchester, na Inglaterra, reconstituíram a face do crânio humano mais antigo já encontrado nas Américas, proveniente de Lagoa Santa. Apelidado, de forma carinhosa, com o nome de Luzia, o crânio é de uma mulher e tem cerca de 11.680 anos. O crânio e outros ossos do corpo de Luzia haviam sido descobertos em 1975, em Lagoa Santa, por uma equipe franco-brasileira coordenada pela arqueóloga francesa Annete Laming-Emperaire, e hoje se encontram no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro” (FUNARI, 2001).

As datações mais antigas recuam a presença de culturas humanas há 14 mil anos do presente. Há uma correlação cronológica entre o paleoíndio e os megatérios.

Segundo Mendes, os megatérios “foram animais de grande porte, chegando a ultrapassar 5m de comprimento. Os seus caracteres anatômicos aproximam-se muito das preguiças atuais. Mas, no tocante aos hábitos, parecem ter divergido, pelo menos numa particularidade: animais tão corpulentos não poderiam ter sido arborícolas. Alimentavam-se, também, de folhas e brotos, a julgar pelo tipo de dentição. Eram cobertos de pêlos grosseiros, como as preguiças e tamanduás, fato que comprova através de um fragmento de pele de milodonte, parente do megatério, preservada numa gruta de Patagônia. Os seus membros locomotores apresentavam uma torção em virtude da qual as plantas dos pés se voltavam para dentro. Eram dotados de grandes garras em forma de gancho. Enfim, a sua conformação anatômica somente lhe permitiria marcha lenta e pesada sobre o solo, embora não tão vagarosa quanto à das preguiças de hoje. Essa interpretação valeu-lhes o cognome de “preguiças terrícolas”. Se o animal desejasse alcançar ramos mais altos, teria que se erguer sobre os membros posteriores, apoiando-se com as patas dianteiras sobre o tronco das árvores. “(...) Assim como os megatérios se assemelhavam às preguiças, os gliptodontes lembram os tatus. Mas estes são mais antigos que os gliptodontes e provavelmente deram-lhes origem do decorrer do terciário. Ambos os grupos se caracterizam pela posse de uma carapaça dorsal. No caso dos gliptodontes, a carapaça não se constituía de anéis móveis, como a dos tatus, mas de um mosaico de placas ósseas, solidamente ligadas entre si”. (Mendes,1970). Os gliptodontes alcançavam, em média, dois metros de comprimento.

Entre os grandes carnívoros do final do pleistoceno, o maior e mais agressivo foi o Smilodon populator, ou tigre-dentes-de-sabre. Porte superior ao da maior onça conhecida, os caninos atingiam cerca de trinta centímetros de comprimento.

Registra-se também a presença dos toxodontes, do tamanho de um hipopótamo e, como aqueles, eram anfíbios.

Os mastodontes assemelhavam-se fisicamente aos elefantes. Enormes presas, com pontas encurvadas para o alto e mais de um metro de comprimento. (Mendes)

“No caso da América, acreditamos que pode ter ocorrido uma confluência dos três fatores, pois houve, efetivamente, mudança climática, com a diminuição da área dos campos e cerrados – os habitat originais desses grandes animais – concomitantemente a expansão da ocupação humana, que pode tanto ter espalhado doenças como extinguido o número desses animais por meios das caçadas. Segundo alguns estudos realizados com o auxilio de simulação com modelos computacionais, em apenas mil anos a caça excessiva seria o suficiente para acabar com algumas espécies de animais. Como quer que seja, o fim da megafauna foi a mais significativa extinção de animais do planeta desses a época dos dinossauros, podendo ser considerada importante por ter sido contemporânea do ser humano e, portanto, possivelmente relacionada à ação deste. Entretanto, seria mesmo correto atribuir ao homem essa destruição, ou seria apenas a nossa consciência pesada a sugerir tais hipóteses? Não sabemos, mas o estudo da megafauna extinta, por essa ligação umbilical com o ser humano, promete continuar a concentrar a atenção dos pesquisadores do passado pré-histórico e a gerar novos conhecimentos coevolucionários entre humanos e animais.” (FUNARI, 2001).

Aspectos climáticos apontam, como reflexo das glaciações no hemisfério norte, períodos de chuvas e secas. A oscilação do clima, (glaciação Wisconsin), chegou a quatro graus centígrados. O nível do mar estava a 90 metros abaixo do atual há vinte mil anos. Há sete mil anos o nível se apresentava a dez metros abaixo. Este é o fator apontado para a ausência de culturas pleistocênicas no litoral: com a subida do nível do mar, os possíveis sítios de ocupação encontram-se, agora, submersos, tornando impossível a pesquisa arqueológica.


No Brasil, os vestígios da vida pré-histórica estão presentes
principalmente nas bacias sedimentares do Paraná, Parnaíba, Amazonas,
Solimões, Parecis e São Francisco.
A linha pontilhada ao longo da costa mostra o antigo litoral
e a paulatina subida do nível do mar até a configuração atual
.


O final do pleistoceno (+- 18.000 – 12.000 anos A.P.) é rigorosamente frio e seco e o nível do mar está ao menos 100m abaixo do atual. O holoceno, finalmente, traz consigo o calor e a umidade, junto com um nível de mar alto, que redundam na tropicalização do Brasil e, a partir do início de nossa era, numa certa estabilidade dessas condições. Os animais herbívoros, a que o homem estava principalmente ligado, reagiram de forma idêntica ao aparecimento e desaparecimento decada ciclo climático, de forma que a fauna florestal podia, em qualquer lugar, ser substituída por outra adaptada às condições da estepe ou da tundra e vice-versa.

Os sítios arqueológicos no pleistoceno estão ligados a nichos naturais de recursos diversificados: alimentos, combustível, abrigo e matérias primas para a promoção de utensílios, instrumentos e armas. Neles, os caçadores-coletores tinham acesso a grande número de espécies de animais de médio e pequeno porte. A captura não exigia um arma especializada: armadilhas, porretes, a criatividade e a força muscular do homem eram suficientes. As proteínas vegetais provinham, emsua maior parte, frutos de acesso fácil, raízes e tubérculos. A partir de vestígios da dieta alimentar e registros rupestres, algumas espécies animais são conhecidas: antas, capivaras, veados, pacas, tatus, tamanduás, lagartos, emas, peixes e aves. Nos rios, como o São Francisco e seus afluentes, a piscosidade durante a piracema foi fator decisivo para os deslocamentos e instalação de grupos.

Os habitat dos caçadores-coletores se dão em grutas ou abrigos, no alto de colinas ou à beira dos rios.

Baseado em texto de Fernando Lins de Carvalho

quarta-feira, 8 de junho de 2011

DIVERSIDADE DE POVOS


A categoria “ÍNDIO” só se define por oposição aos brancos, pois abrange populações muito diferentes entre si, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista lingüístico, seja do ponto de vista dos costumes.

Os “índios” do Brasil, quando olhados numa perspectiva biológica, não constituem, de modo algum, um todo homogêneo. Qualquer pessoa pode constatar que em muitos grupos Tupi os indivíduos apresentam estatura sensivelmente baixa, que entre os Timbíra predominam os de estatura média e corpo delgado, que os do alto Xingu são bem mais corpulentos. Além disso, mesmo entre os membros de um mesmo grupo as diferenças podem ser muito grandes, já que as relações entre os povos, sejam amistosas ou hostis, levam ao intercruzamento sexual. Ente os Gaviões, da floresta do médio Tocantins, pode-se notar presença de indivíduos muito altos ao lado de outros de baixa estatura, havendo também uma diferença acentuada na cor da pele, sendo uns bem claros e outros bastante escuros; as mulheres do grupo tendem de um modo geral para a estatura baixa, enquanto entre os homens há altos e baixos.

Não é raro encontrar pessoas que acreditam que todos os “índios” falam língua tupi. Essa crença tem explicação: os conquistadores portugueses encontraram todo o litoral ocupado por “índios” entre os quais predominava a língua tupi; assim, essa foi a primeira língua que os missionários aprenderam, a ela se apegaram e adotaram uma atitude de desdém para com as outras línguas que não compreendiam, chamando-as de “línguas travadas”. A língua tupi foi não somente aprendida, mas também modificada por esses missionários, que lhe impuseram uma gramática nos moldes do latim, sendo divulgada por eles à força, de modo que populações indígenas de outras tradições lingüísticas foram obrigadas a aprender o tupi, sob a forma de NHENGATU, a “língua geral”. Hoje, até mesmo dentro do Brasil, na região do rio Negro, afluente do Amazonas, encontramos povos que ainda usam a “língua geral” para se comunicarem entre si e com os sertanejos. Desta forma, muitos povos vieram a aprender o tupi por imposição dos missionários.

Os índios Tupi contaram, ainda, com um grande número de cronistas, que deixaram muitas informações sobre seus costumes, o que não aconteceu com outros grupos. Antes que a pesquisa etnológica se iniciasse no Brasil, a partir do final do século XIX, o que se sabia dos costumes indígenas referia-se sobretudo aos índios Tupi, devido às informações de André Thevet, Jean de Léry, Claude d’Abbeville, Hans Staden, Gabriel Soares, José de Anchieta, Pero de Magalhães Gandavo, entre outros. Dada a falta de informações sobre os “índios” não-tupi, as grandes figuras da literatura brasileira, nos seus trabalhos indianistas, focalizaram predominantemente os Tupi, chegando mesmo a atribuir a eles costumes de outros povos, como o faz Gonçalves Dias nos seus poemas.

A primeira classificação das línguas indígenas do Brasil foi aquela que as distribuía em “Línguas Tupi” e “Línguas Tapuia”. Tal classificação deve-se aos primeiros colonizadores e missionários, que adotaram também os preconceitos dos Tupi contra os demais. Assim, enquanto as línguas classificadas como Tupi se relacionavam entre si, as classificadas como Tapuia eram as mais diversas, completamente diferentes umas das outras, e que aos missionários não interessava conhecer. Essa classificação vigorou por muito tempo, até que Von Martius, no século XIX, demonstrou que as línguas tapuia não formam um todo homogêneo. Ele destacou, da confusão, a família JÊ e mais outras duas, que os estudos lingüísticos recentes não aceitam mais. Ainda no final do século XIX, Von de Steinen estuda o Bakairí, da família Karíb. Desse modo se foi, pouco a pouco, chegando à tão conhecida classificação das línguas indígenas no Brasil em TUPI, JÊ, KARIB e ARUAK. E o termo “tapuia” perdeu cada vez mais sua razão de ser. Além dessas grandes famílias lingüísticas, os pesquisadores conseguiram distinguir conjuntos menores, como o PANO, TUKANO, GAUIKURÚ, MAKÚ e outros.

Há várias maneiras de se fazer uma classificação das línguas, mas os lingüistas atuais consideram como mais desejável a classificação do tipo genético, só recorrendo a outras quando não há dados suficientes para realizá-la. A classificação de tipo genético consiste em reunir numa só classe as línguas que tenham tido origem comum numa língua anterior. Esta língua anterior é reconstituída de tal maneira pelos lingüistas que de seus vocábulos se possa fazer derivar, através de leis fonéticas, os vocábulos das línguas atuais que constituem a referida classe. Desse modo, as línguas que têm uma origem comum são todas reunidas numa “família”. As famílias que apresentam certas afinidades são agrupadas num “bloco”. Os blocos que apresentam certas afinidades são, por sua vez, colocadas num mesmo “filo”. Com base nesse critério, os lingüistas se esforçam para conseguir incluir as línguas ainda não classificadas numa família.

No que diz respeito aos “índios”, o trabalho de classificação genética mais ousado parece ser o de Greenberg, em que tenta classificar todas as línguas americanas. Reúne, por exemplo, num mesmo filo, todas as línguas Jê, Pano e Karib; num outro filo, as línguas Tupi, Aruak e Tukano. Embora o ideal dos lingüistas seja obter famílias, blocos e filos que abranjam o máximo de unidades, simplificando cada vez mais a classificação, como faz Greenberg, a classificação elaborada por ele ainda é muito prematura, uma vez que não se assenta em informações suficientes.

Além do valor que tem para a lingüística, a classificação das línguas indígenas pelo critério genético muito serve para auxiliar os etnólogos. De fato, se as línguas de uma mesma família têm origem anterior, isso significa que os povos que as falam podem ter tido origem num único grupo ainda mais antigo, embora tal hipótese não valha para todos os casos, já que uma língua pode ser imposta por um povo a outro. De qualquer modo, se dois povos falam línguas da mesma família, isto indica uma conexão histórica no passado. Se têm uma origem comum ou uma conexão histórica, tais povos podem dispor também de algumas instituições sociais em comum.

A etnologia, em seus estudos sobre o “índios” brasileiro, não se vale apenas das classificações lingüísticas, mas também de classificações de cunho mais nitidamente etnológico, como são as divisões em “áreas culturais”. Uma área cultural é uma região que apresenta uma certa homogeneidade quanto à presença de certos costumes e de certos artefatos que a caracterizam. Muitas são as tentativas de classificação dos indígenas em áreas culturais; visam abranger todos os povos da América ou, pelo menos, da América do Sul. As atuais áreas culturais dos povos do Brasil aceitas atualmente foram elaboradas por Eduardo Galvão.

Este etnólogo, ao realizá-la, tomou uma série de cuidados. Em primeiro lugar, só foram incluídas nas suas áreas os povos indígenas do Brasil existentes entre os anos de 1900 e 1959, quando esta classificação foi apresentada à IV Reunião Brasileira de Antropologia. Ou seja: inclui apenas os povos do século XX. Por conseguinte, esta divisão não abrange os Tupinambá, os Kaeté, os Goitaka, por exemplo, simplesmente porque tais povos desapareceram muito antes de iniciar o século. A delimitação dessa classificação dentro de um período bem determinado tem sua razão de ser. Suponha-se, por exemplo, uma classificação em áreas culturais que não considerasse o tempo. O mapa dessas áreas registraria a presença de Xavante tanto em Goiás como no Mato Grosso. Isso daria uma idéia falsa a quem consultasse o mapa, pois seria levado a pensar que os Xavante ocupam toda essa área, mas na realidade eles habitaram em Goiás no passado e, atualmente, vivem no Mato Grosso. Usando essa delimitação de tempo, Eduardo Galvão admite que as áreas culturais se modificam com o tempo e que outras divisões podem ser elaboradas para outros períodos. Em segundo lugar, foram levadas em consideração as modificações sofridas pelas tradições dos grupos indígenas tanto pela influência de outros povos como pelo contato com os brancos. Em terceiro lugar, para a delimitação das áreas, ele deu grande importância à presença continua no espaço tanto de técnicas como de costumes. Finalmente, procurou aproveitar, na medida do possível, a contribuição de pesquisadores que anteriormente tinham se aplicado ao problema.

Dessa maneira, chegou a distribuir os “índios” do Brasil em ONZE ÁREAS CULTURAIS: Norte-Amazônica, Juruá-Purus, Guaporé, Tapajós-Madeira, Alto-Xingu, Tocantins-Xingu, Pindaré-Gurupi, Paraguai, Paraná, Tietê-Uruguai e Nordeste. Parece que certas áreas têm uma individualidade mais marcada devido à presença de certo número de elementos distribuídos mais homogeneamente, tal com a área Alto-Xingu. Nesta, a Festa dos Mortos, também conhecida como “Kuarup”, o uso cerimonial do propulsor de dardos, o acessório da indumentária feminina chamado “uluri”, as casas de projeção ovalada e tetos-paredes em ogiva, constituem, entre outros, elementos que não são encontrados fora da área e que estão presentes em quase todos os povos da região, tornando-a inconfundível. Quase não se encontram elementos que sejam compartilhados por grupos de cada diferente área.

Baseado em texto de Júlio Cezar Melatti

segunda-feira, 6 de junho de 2011

LAPA DO BOQUÊTE - MG


A Lapa do Boquête localiza-se no município de Januária (MG), no canyon do Rio Peruaçu, afluente da margem esquerda do Rio São Francisco.

Trata-se de um dos vários sítios dessa região do norte de Minas Gerais que foram escavados pelo arqueólogo André Prous (UFMG) e equipe, quando iniciaram, no final dos anos 70, um projeto de pesquisa arqueológica no Alto-Médio São Francisco. As escavações desse sítio iniciaram-se em 1981 e foram concluídas em 1998.

O nível de ocupação humana mais antigo da Lapa do Boquête foi datado pelo método do Carbono 14 em cerca de 12.000 anos antes do presente, sendo que a ocupação humana nesse sítio se estende durante todo o Holoceno. Até 2.000 anos antes do presente, não há evidências do uso de cerâmica no sítio. Entretanto, aparecem conjuntos de estacas verticais de grande diâmetro, indicando a presença de estruturas de habitação no sítio entre 2.000 e 7.000 anos antes do presente. Os seis sepultamentos encontrados na Lapa do Boquête (incluindo o Sepultamento I) estavam nas camadas correspondentes a 7.000 anos antes do presente.

O Sepultamento I é um adulto do sexo masculino, robusto e braquicéfalo (crânio cuja largura é maior que o comprimento), sepultado em uma fossa cujo sedimento estava repleto de conchas de moluscos. Grandes blocos de rochas cobriam parcialmente o indivíduo, sendo que um grande bloco do tipo quebra-côco repousava sobre o tórax e outro sobre o crânio. O indivíduo foi sepultado de costas (assim como os outros seis sepultamentos encontrados na Lapa do Boquête), com os membros totalmente fletidos, os fêmures na vertical e as mãos sobre o peito. A orientação do corpo seguia um eixo aproximadamente noroeste (crânio)/sudeste (pélvis). O crânio deslocou-se ligeiramente da posição inicial devido, provavelmente, a bioturbações (perturbações no sedimento, ocasionadas por seres vivos). Havia um acúmulo de grandes lascas de sílex ao lado do crânio.

Nos paredões abrigados e cavernas do vale do Peruaçu está preservada uma das maiores concentrações mundiais de arte rupestre. Grande parte das mais de mil gravuras da Lapa do Boquête é geométrica, de uma ou duas cores, acompanhada de algumas poucas figuras zoomorfas e humanas. Figuras mais recentes, como tatus, cervídeos e tamanduás aparecem em alguns painéis. Os pigmentos encontrados nas camadas datadas em cerca de 7.000 anos atrás sugerem que parte das pinturas rupestres, provavelmente as geométricas, seja contemporânea ao sepultamento I.

PRINCIPAIS SÍTIOS PLEISTOCÊNICOS COM VESTÍGIOS DAS MAIS ANTIGAS POPULAÇÕES AMERÍNDIAS

CLÓVIS FOLSON Os sítios dessa cultura espalham-se pela região centro-leste dos EUA. Instrumentos de caça ali encontrados em meados deste século foram considerados vestígios das mais antigas populações ameríndias no continente, que teriam vivido entre 10 e 11,5 mil anos atrás.

MEADOWCROFT (nordeste dos EUA) e MONTE VERDE I (sul do Chile): A identificação desses sítios na segunda metade do século XX sugerem uma ocupação humana mais antiga que a da cultura Clóvis: entre 15 e 19,6 mil anos para o primeiro e cerca de 30 mil para o segundo. Os especialistas divergem muito a respeito desses dados.

CALICO (Califórnia, EUA): Com base em formações geológicas desse sítio contendo supostos instrumentos humanos, propôs-se a presença do homem na América há pelo menos 70 mil anos. Como os artefatos são pouco convincentes, esse sítio é hoje desconsiderado pela maioria dos pesquisadores.

PEDRA FURADA (Piauí, Brasil): A partir da datação de supostos instrumentos e fogueiras identificados nesse sítio, escavado por N. Guidon e F. Parenti, respectivamente nos anos 70 e 80, afirma-se que o homem está na América há mais de 40 mil anos. Mas muitas das conclusões apresentadas pelos pesquisadores que defendem essa hipótese são questionadas por alguns especialistas.

ITABORAÍ (Rio de Janeiro, Brasil): Com base em supostos artefatos de quartzo encontrados nessa jazida paleontológica, M. Beltrão, que a escavou, defende a hipótese de que o homem esteja na América há 2.500.000 anos. A maioria dos arqueólogos considera que nenhum desses instrumentos têm origem humana.

TOCA DA ESPERANÇA (Bahia, Brasil): M. Beltrão, H. e M.A. de Lumley encontraram artefatos de pedra em estratos desse sítio datados de 200 e 300 mil anos pelo método do 230Th e do 234U. Mas a margem de erro dessas datações é enorme e há indícios de perturbações estratigráficas.

LAPA VERMELHA (Minas Gerais, Brasil): Foi encontrado nesse sítio o mais antigo esqueleto conhecido das Américas, com cerca de 11 mil anos.

LAPA DO BOQUETE e SANTANA DO RIACHO (Minas Gerais, Brasil), PEDRA PINTADA (Amazonas, Brasil) e SANTA ELINA (Mato Grosso, Brasil): Esses sítios contêm vestígios inquestionáveis da presença do homem na região há 11-12 mil anos.

Baseado em textos de André ProusJustificar