sábado, 21 de maio de 2011

MANOA, a cidade perdida no Brasil


A conquista da América cortou bruscamente todo o ciclo natural dos ameríndios, já que, além de terem sido escravizados, foram obrigados a abandonar seus costumes, suas tradições e seus Deuses.

A destruição de suas civilizações e a proibição da utilização dos símbolos pictóricos fez com que ficassem esquecidas muitas cidades e centros cerimoniais, situados, muitas vezes, no âmago de florestas luxuriantes. Vez por outra, são encontradas algumas dessas antigas cidades, geralmente cobertas pela vegetação tropical ou em locais de difícil acesso, como ocorreu com a espetacular Machu-Pichu, descoberta no ano de 1911, no Peru, ou a pequena cidade de Bonampak, encontrada nas nas selvas da América Central após a II Grande Guerra e que abriga, em um de seus edifícios, as mais notáveis pinturas murais do Novo Mundo.

No interior do Brasil, tem sido mencionada, com frequência, uma cidade abandonada desde os primeiros anos que se seguiram à chegada dos portugueses. MANOA, nome que lhe dão os nativos, foi procurada por dezenas de exploradores, a partir do século XVI, sendo os mais conhecidos Francisco de Orellana, Cabeza de Vaca e, neste século, o coronel Percy Fawcett.

Descrita como cidade prodigiosamente rica em ouro, prata, pedras preciosas, etc, Manoa tem sido muitas vezes confundida com a capital dos Chibchas, cultura da Colômbia, onde era realizada, anualmente, a cerimônia de El-Dorado, que consistia em cobrir o líder local com ouro em pó e que terminava com o mergulho deste nas águas do Lago Guatavita.

Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, seguindo a intuição de Orellana, que de Manoa nada tinha a ver com as cerimônias do Chibchas, conclui que a cidade perdida deveria se encontrar no interior do Brasil. Após exaustivas buscas através dos atuais estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Cabeza de Vaca foi forçado a interromper a procura, embora os silvícolas da região insistissem na informação de que Manoa se encontrava a apenas dez dias de distância. Febres tropicais, fome e temor dos indígenas levaram os soldados do aventureiro espanhol a se amotinarem, o que fez com que ele lamentasse, até o fim de seus dias, ter sido obrigado a regressar, estando tão perto de seu objetivo.

As lendas acerca da cidade perdida, entretanto, persistiram pelos séculos à fora e, em 1753, chegou à Capital do Brasil colonial uma intrigante relação enviada por um bandeirante, descrevendo o encontro de ruínas de uma cidade, próxima a uma mina de prata abandonada. A mensagem descrevia, ainda, as casas - todas de pedra -, uma estátua de basalto e a existência de uma tribo deíndios de pele clara que habitavam as cercanias da vila abandonada. Esse documento nunca foi levado muito a sério; permaneceu esquecido por muitos anos, encontrando-se, atualmente, na Biblioteca Nacional, catalogado sob o número 512.l

Podemos, ainda, adiantar que o primeiro mapa amazônico, confeccionado em bases reais, devido às explorações do missionário alemão Samuel Fritz, realizadas entre 1690 e 1691, apresentava ao norte do rio Amazonas uma indicação assás curiosa: a localização do lago "Parima", onde se situava a Vila Manoa d'El Dorado. De posse dess mapa, o explorador francês La Condamine percorreu uma boa parte da região e informou em seu relatório à Academia Francesa que os resultados obtidos em suas andanças deviam-se à fidelidade do trabalho do padre Fritz.

As descrições dos antigos exploradores e o manuscrito 512 fizeram com que o conhecido explorador inglês Percy Fawcett, coronel do Exército de Sua Majestade Britânica e que serviu por vários anos e diversos governos sul-americanos demarcando limites, resolvesse embrenhar-se pelas selvas brasileiras em busca de Manoa. Certo de que alcançaria o sucesso esperado, Fawcett partiu de Cuiabá nos primeiros meses de 1925, acompanhado de seu filho Jack e do fotógrafo Raleigh Rimel. Em sua última carta à esposa, datada de 29 de Maio daquele ano, demonstrava um excesso de otimismo que contrastava com o temperamento britânico. Em certo trecho, informava que um silvícola fizera-lhe uma surpreendente descrição de uma cidade no interior da floresta, existinto no local mencionado diversos edifícios de pedra, num dos quais se encontrava um espelho de cristal que, refletindo a luz, iluminava o interior da construção, senod possivelmente um templo de adoração ao sol. Após essa carta, ninguem mais ouviu falar da pequena expedição.

Hoje, salvo o trecho que se encontra após as cachoeiras de Von Martius, muitas vezes apontada pelos indígenas da região como sendo o local da Cidade do Sol, toda aquela região acha-se bastante explorada, principalmente graças ao trabalho desenvolvido pelos irmãos Villas-Boas.

Manoa, faria parte de um complexo sagrado outras duas cidades - Salazare e Tiahuanaco. É dito que de sua estrutura, no centro, elevava-se uma gigantesca pirâmide e uma vasta escadaria se erguia até a plataforma, onde os Deuses celebravam cerimônias que hoje nos são desconhecidas. O edifício principal era rodeado por pirâmides menores interligadas por colunas e, mais adiante, em colinas criadas artificialmente, erguiam-se outros edifícios decorados com placas brilhantes. À luz do sol-nascente, contam-se, as cidades dos Deuses pareciam estar em chamas. Irradiavam uma luz misteriosa que brilhava nas montanhas
Baseado em texto de Aurélio M. G. de Abreu.

XAMANISMO KANELA


Os Kanela são um povo da família Macro-Jê, do Maranhão, compostos das cinco nações remanescentes dos Timbira Orientais, sendo a maior a dos Ramkokamekrá, descendentes dos Kapiekran (como eram conhecidos até 1820). O nome Kanela também era utilizado pelos sertanejos para os Apanyekráe e os Kenkateye, que foram massacrados e dispersos em 1913. Os Kenkateye separaram-se dos Apanyekrá por volta de 1860.

O grupo Ramkokamekrá atualmente se auto-denomina com o nome português Kanela. Ramkokamekrá significa "índios do arvoredo de almécega". É provável que o nome Kanela seja uma referência ao fato desses índios serem visivelmente mais altos - com suas longas pernas -, quando comparados pela população regional a seus vizinhos Guajajara.


O grupo Apanyekrá se auto-denominam como tal. São conhecidos pela bibliografia apenas por esse nome e suas variações ortográficas, ou ainda por Apanyekrá-Kanela. Apanyekrá significa "o povo indígena da piranha". Nimuendajú supõe que eram chamados por esse nome porque pintavam o maxilar inferior de vermelho, remetendo à imagem desse peixe carnívoro.


Segundo a tradição Kanela, depois da morte a alma vai para uma aldeia de almas em algum local a oeste, onde vive em condições similares à vida em uma aldeia, exceto porque as coisas são amenas e menos agradáveis. Por exemplo, a comida tem menos sabor, a água é morna mas não fria e o sexo menos prazeroso. Depois de certo tempo, os espíritos tornam-se animais de caça, em seguida animais menores e, mais tarde, algo como um mosquito ou um toco de árvore. Finalmente, deixa de existir.

Almas que ainda estão sob a forma humana podem ser contatadas por xamãs. Mas se porventura alguém mantiver contato com elas ficará seriamente doente ou mesmo morrerá. Os Kanela acreditam que se violarem determinadas regras (TABU), tais como ir ao mato durante a noite ou apanhar água do riacho depois do anoitecer, as almas podem pegá-los. De qualquer forma, as almas trazem prejuízos aos homens, e apenas os xamãs podem descobri-las.

Acredita-se que, tempos atrás, poderosos xamãs tinham extraordinário poder sobrenatural, essencialmente o de onisciência - o conhecimento e a antevisão de tudo. Isso, no entanto, só era possível mediante a ajuda das almas (os recém-mortos), que em sua maioria foram grandes xamãs enquanto vivos. Os bons xamãs convocam uma alma que lhes diz tudo o que precisam saber. Por exemplo, se falece o recém-nascido de uma mulher, o xamã é capaz de dizer porque isto aconteceu, o que costuma ser atribuído à ingestão de alimentos "carregados" e, conseqüentemente, poluídos. Algumas almas teriam visto e contado a outros, que, por sua vez, reportariam o fato ao xamã interessado. O diagnóstico do xamã é definitivo, mesmo que a mãe tenha uma outra versão. A decisão dele jamais é contestada.

Os xamãs não competem por poder com os chefes políticos. Muitos chefes já tiveram algum poder xamânico, porém nunca à altura de um bom xamã. Raras vezes mulheres tornam-se xamãs, mas, nos anos 1970, havia várias mulheres xamã e duas, no mínimo, estão exaltadas na mitologia.

Os xamãs curam os pacientes através da extração da doença ou poluição, e são remunerados apenas quando bem sucedidos. Há também xamãs anti-sociais, os quais podem jogar feitiços ruins, que entram no corpo como doenças. Outros xamãs lutam para tirar os feitiços, procurando devolvê-los ao emissor. Antigamente, um xamã anti-social, acusado de homicídio por feitiço pelo conselho da aldeia, era golpeado com bastões até a morte. A última vez que isso aconteceu foi por volta de 1903.

Submeter-se a restrições alimentares e sexuais é um instrumento para que o indivíduo se torne forte em caráter e habilidade, e para que possa desenvolver, através de esforço pessoal, as habilidades para as carreiras principais - caçador, corredor ou xamã -, mas não para dançar e cantar com o maracá.

Os Kanela acreditam que a poluição penetra pelo corpo através da ingestão de caldos de carne e por meio do contato dos fluídos sexuais. Tais poluições não afetam uma pessoa saudável, porém enfraquece os poderes de um guerreiro, caçador, corredor ou xamã. No entanto, se um indivíduo está doente, ou fraco, como é caso de um bebê, poluições comuns podem torná-lo mais doente, ou até mesmo matá-lo. Os Kanela acreditam que o sangue dos pais, irmãos uterinos e filhos de um indivíduo é muito parecido com o seu próprio. Assim, essa família nuclear está tão inter-conectada que a poluição de um de seus membros poder afetar os outros. Se eles já estão em situação mais vulnerável, essas poluições suplementares podem adoecer ou matar o indivíduo. Quando, então, uma pessoa tem um dos integrantes de sua família nuclear adoecida, ela precisa submeter-se a restrições alimentares e sexuais para ajudar na recuperação do doente.

Um indivíduo torna-se xamã depois de receber a visita de uma ou várias almas, por ocasião de uma doença grave, quando as almas vêm para curar o moribundo. Um jovem que quer se tornar xamã deve submeter-se a um intensivo processo de restrições alimentares e sexuais, para impedir a entrada de elementos contaminadores em seu corpo. Ele pode, também, ingerir determinadas infusões de ervas para eliminar a poluição. As almas são atraídas pelo indivíduo mais livre de poluição. Quando as acham, fazem-lhe uma visita e dão-lhe os poderes para ser um xamã. Geralmente os poderes são específicos para curar certas intrusões corporais, como a picada de cobra, mas, para os grandes xamãs, tais poderes têm aplicações mais gerais.

Em resumo, os Kanela possuíam, tradicionalmente, diversas formas para fortalecer suas condições de vida. Primeiro, os xamãs podem comunicar-se com almas quando necessitam de informações e poderes. Segundo, uma fonte de força em geral provém do canto de determinada canção mediante festivais particulares. Terceiro, um Kanela pode manter restrições alimentares e sexuais para manter a poluição afastada do seu corpo e, assim, alcançar determinadas capacidades. Quarto, também é possível cheirar certas infusões para aumentar as habilidades de caçador e melhorar as condições de saúde em geral.

O grupo Ramkokamekrá acreditam que os xamãs do grupo Apanyekrá são mais poderosos como curadores, tanto que freqüentemente os procuram. Em meados dos anos 1970, o universo dos espíritos e dos perigos das poluições tinha mais crédito entre os Apanyekrá que entre os Ramkokamekrá, e aqueles também respeitavam mais seriamente as restrições. Desde 1830, os Kanela vêm partilhando de crenças e práticas do catolicismo popular. A partir de 1970, veio crescendo o número de Ramkokamekrá que se dizem "crentes" (protestantes), em 1993 chegou a 25% da população, mas em 2001 foi reduzido a 15%. Diferentemente, os Apanyekrá sempre tiveram menos contato com protestantes.

Baseado em texto de http://pib.socioambiental.org

sábado, 14 de maio de 2011

ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2011


Documento final do Acampamento TERRA LIVRE 2011.

Pelo direito à vida e à mãe terra
Nós, mais de 700 lideranças, representantes de povos e organizações indígenas das distintas regiões do Brasil, reunidos em Brasília–DF, por ocasião do VIII Acampamento Terra Livre, a maior mobilização indígena nacional, considerando o atual quadro de violação dos nossos direitos que se agrava dia a dia sob o olhar omisso e a conivência do Estado brasileiro, viemos de público manifestar a nossa indignação e repúdio pela morosidade e descaso com que estão sendo tratadas as políticas públicas que tratam dos nossos interesses e aspirações.

Animados pelo exemplo e o espírito de luta e coragem dos nossos antepassados, anciãos e caciques que nos presidiram, reiteramos a nossa vontade de continuar unidos na diversidade e de lutar acima das nossas diferenças pela garantia dos nossos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 e leis internacionais de proteção e promoção dos direitos indígenas como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas.

Diante do Projeto de morte da ofensiva dos interesses do agronegócio, do latifúndio, dos consórcios empresariais, das multinacionais e demais poderes econômicos e políticos sobre as nossas terras e suas riquezas (naturais, hídricas, minerais e da biodiversidade), proclamamos a nossa determinação de defender os nossos direitos, principalmente quanto à vida e à terra e, se preciso for, com a nossa própria vida.

Não admitiremos que o que até hoje preservamos milenarmente – a Mãe Terra - contribuindo para a sustentabilidade ambiental e social do território nacional e do planeta, seja arrancado mais uma vez das nossas mãos ou destruído irracionalmente, como foi há 511 anos pelos colonizadores europeus, em detrimento da vida dos nossos povos e suas futuras gerações.

Não podemos admitir continuar sendo vítimas da voracidade do capitalismo neoliberal, do modelo de desenvolvimento depredador que impera no mundo, inclusive no nosso país, de forma implacável, sob o olhar omisso, a conivência e adesão explícita do governo atual.

Em nome de todos os povos e organizações indígenas do Brasil reivindicamos que a Presidenta Dilma Rousseff torne realidade o seu compromisso de garantir o respeito aos direitos humanos, a justiça social, a sustentabilidade ambiental e social proclamada por ela na sua campanha e em viagens internacionais, considerando que nós os povos indígenas, relegados secularmente pelo Estado brasileiro e tratados como empecilhos ao plano de desenvolvimento e crescimento econômico do país, enquanto cidadãos e coletividades étnica e culturalmente diferentes, temos direitos assegurados pela Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário que devem ser devidamente respeitados.

Dessa forma reivindicamos o atendimento das seguintes demandas.

Terras: demarcação e desintrução
Que a FUNAI crie GTs para dar continuidade aos trabalhos fundiários, voltados a regularizar as terras indígenas, com metas claras para a demarcação, revisão de limites e desintrusão imediata, incluindo o julgamento de casos parados no Supremo Tribunal Federal (STF). A paralisação dos processos demarcatórios e a morosidade nas ações da FUNAI provocam o aumento de conflitos com os invasores das terras indígenas, alongando o sofrimento dos nossos povos e comunidades em todas as regiões do país, situação agravada pelas 19 condicionantes estabelecidas pelo STF.

A FUNAI deve contratar funcionários para atender as demandas específicas de demarcação das Terras Indígenas. O órgão deve ainda tomar providências contra servidores envolvidos com fazendeiros e contrários ao direito territorial dos nossos povos como no Mato Grosso do Sul.

Que não se adote a aquisição de terras para os povos indígenas como substituição do devido procedimento legal de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas. Só admitimos esse procedimento em casos em que não se comprove a ocupação tradicional.

É falsa a informação pomposamente divulgada com freqüência pelo governo de que 95% das terras indígenas já foram demarcadas. Ao contrário, além de não ter sido demarcada essa totalidade, a maioria das terras indígenas continuam sendo invadidas, sem que todas as fases de regularização estejam concluídas: relatório de identificação, declaração de reconhecimento, colocação de marcos, homologação, registro, desintrusão. Isso em todas as regiões do país. O Acampamento Terra Livre, por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) encaminhará ao Governo um levantamento deste mapeamento que revela a situação crítica das terras indígenas.

Reiteramos que a agilidade na conclusão das distintas fases do procedimento de regularização é necessária para diminuir a crescente judicialização que vem retardando a efetividade das demarcações concluídas pelo Executivo, vulnerabilizando as comunidades frente à violência de grupos contrários ao reconhecimento das terras indígenas e à sua proteção pela União.

Cabe, no entanto, lembrar que demarcar não é suficiente se o governo não adota medidas de proteção e sustentabilidade às terras indígenas, adotando programa especial para a fiscalização e proteção das terras indígenas nas faixas de fronteira, com a participação dos nossos povos e organizações.

Empreendimentos que impactam terras indígenas
Que o Governo da presidenta Dilma garanta a aplicabilidade da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Constituição Federal, respeitando o direito dos nossos povos à consulta livre, prévia e informada, a respeito de empreendimentos que impactam as suas terras. É fundamental para isso que o governo regulamente e institucionalize o direito à consulta. Os povos indígenas devem ser devidamente informados quanto aos seus direitos evitando que acordos sejam firmados ou políticas de cooptação praticadas, em detrimento de seus direitos. No caso de comunidades impactadas por empreendimentos, a compensação decorrente deve ser permanente e destinada diretamente para a elas, que definirão de forma autônoma quem deverá gerenciar os recursos em questão. Não admitimos que essa gestão seja feita pela FUNAI ou qualquer outra instituição, sem se considerar este pressuposto.

Os nossos povos não podem mais ser vítimas de impactos sociais e ambientais na maioria dos casos irreversíveis provocados por estradas que cortam as terras indígenas, monocultivos (soja, cana de açúcar, bambu, eucalipto, pinos), a pecuária, o uso de agrotóxicos e outros tantos projetos e empreendimentos econômicos que impactam de forma negativa a nossa vida e cultura, e provocam a judicialização das demarcações de terras, a perseguição e a criminalização de centenas de lideranças nossas. São usinas hidrelétricas como Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, Estreito; projetos de transposição (Rio São Francisco), rodovias, mineração, rede elétrica de alta tensão, Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), mansões na orla marítima, assentamentos de colonização, criação de parques nacionais e áreas de preservação, portos, esgotos, usinas de álcool, pedreiras, exploração de calcário e areia, fábricas siderúrgicas, refinarias, gasodutos, termoelétricas, dentre outros. Pelo menos 434 empreendimentos atingem nossos territórios. Os programas desenvolvimentistas do governo federal, vinculados ou não ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vão gerar impactos em 182 terras indígenas, em pelo menos 108 povos.

Por tudo isso, não admitimos que o governo “enfie goela abaixo” empreendimentos do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) que ameaçam a continuidade e segurança física, psíquica e cultural dos nossos povos e comunidades.

Criminalização de lideranças indígenas
Que as lutas dos nossos povos pelos seus direitos territoriais não sejam criminalizadas, sendo eles perseguidos e criminalizados na maioria das vezes por agentes do poder público que deveriam exercer a função de proteger e zelar pelos direitos indígenas.

Denunciamos a articulação existente entre o judiciário, órgãos de segurança e interesses privados, fazendeiros, sobretudo, para criminalizar líderes indígenas. Em alguns estados as polícias militar, civil e federal, e a força nacional ou são omissas ou são utilizadas para expulsar indígenas das terras retomadas. Os fazendeiros, como no sul da Bahia, formam milícias inclusive com a participação de membros da polícia militar e federal.

De acordo com o InfoPen/MJ, pelo menos 748 indígenas estão presos, sendo que muitos são lideranças e outras por luta são perseguidos, submetidas a atos de violência, processos judiciais e com ordem de prisão decretada. Em Pernambuco, a cabeça de uma das lideranças está anunciada por 500 reais.

Lideranças indígenas, mulheres e homens, são assassinados, e os criminosos estão soltos e não são tomadas providências. Reivindicamos que sejam julgados e punidos os mandantes e executores de crimes (assassinatos, esbulho, estupros, torturas) cometidos contra os nossos povos e comunidades.

Juízes ocupantes de terras indígenas ou que defendem interesses de fazendeiros e até de grileiros assentados em áreas demarcadas ou reivindicadas não podem julgar as ações relativas às nossas terras. Devem, portanto, serem impedidos uma vez que são partes interessadas nas ações.

Que o Ministério Público Federal não ofereça denúncia contra lideranças indígenas, uma vez que não se trata de crimes e sim de uma luta coletiva dos povos indígenas pela demarcação de seus territórios tradicionais e demais direitos coletivos constitucionalmente garantidos. O Ministério Público Federal, omisso em alguns casos, deve ao contrário assistir as comunidades e impetrar Habeas Corpus em favor das lideranças que sofrem o processo de criminalização quando em luta por seus territórios.

Que seja fortalecida a Procuradoria da Funai, assegurando o retorno dos Procuradores para a sede das coordenações regionais do Órgão.

Que seja assegurada a liberdade de expressão e de luta dos nossos povos pela garantia de seus direitos, especialmente territoriais.

Reestruturação da Funai
Queremos uma Funai que deixe de atender aos interesses econômicos e do latifúndio, e que pare de ser órgão licenciador de obras que rasgam nossas terras. Queremos uma Funai com recursos suficientes para retirar os invasores de nossos territórios e, ao mesmo tempo, ter condições de concluir os procedimentos demarcatórios de nossas terras. Chega de paralisia nas demarcações. Queremos uma Funai com condições de defender nossos direitos coletivos e individuais, especialmente de nossas lideranças que são criminalizadas. Queremos um órgão presidido por alguém que realmente tenha compromisso com os interesses e aspirações dos nossos povos e comunidades.

Com a reestruturação da FUNAI, a violação dos nossos direitos se agravou. Os processos de demarcação ficaram paralisados e as terras desprotegidas, sem a presença dos chefes de postos. Que os postos e as coordenações regionais extintos com o decreto 7056, retornem. Considerando que o governo brasileiro violou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), reivindicamos que esse decreto seja revogado, até que seja discutido e haja consenso com todos os Povos sobre como deve ser a reestruturação e que seja substituído o atual presidente, como tem reivindicado as regiões afetadas por este processo.

Legislação Indigenista
Que o presidente da Câmara dos Deputados inclua na ordem do dia o PL 2057/91 e crie a Comissão Especial para analisar o projeto em questão, a fim de permitir a discussão e apresentação de emendas, considerando as propostas dos nossos povos e organizações, visando à aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas. Dessa forma, todas as questões de interesse dos nossos povos serão tratadas dentro desta proposta, evitando ser retalhadas por meio de distintas iniciativas legislativas que buscam reverter os avanços assegurados pela Constituição Federal.

Que o governo, por meio de sua bancada, assegure a tramitação e aprovação do Projeto de Lei 3.571/2008 que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância deliberativa, normativa e articuladora de todas as políticas e ações atualmente dispersas nos distintos órgãos de Governo. Após cinco anos da existência da Comissão Nacional de Política Indigenista, está na hora da mesma ser substituída pelo Conselho, a fim de evitar maiores desgastes e dificuldades no interior de nosso movimento. Acreditamos que a CNPI já cumpriu a sua função após ter assegurado a consolidação e o encaminhamento do Projeto de Lei do Conselho, que realmente interessa aos povos e organizações indígenas.

Saúde Indígena
Que o Governo garanta os recursos financeiros suficientes para a implementação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a efetivação da autonomia política, financeira e administrativa dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI`s), com a participação plena e o controle social efetivo dos nossos povos e organizações nos distintos âmbitos, local e nacional, evitando a reprodução de práticas de corrupção, apadrinhamentos políticos, e o agravamento da situação de abandono e desassistência em que estão muitos povos e comunidades indígenas. Garantir, ainda, concurso público diferenciado e a capacitação de quadros indígenas para assumirem responsabilidades no atendimento à saúde indígena.

A demora na transição das responsabilidades da Funasa para a SESAI, em razão de interesses políticos partidários e corporativos, está gerando caos no atendimento básico e insegurança sobre a garantia do saneamento básico nas comunidades indígenas. O Governo da presidenta Dilma deve tomar providências para que os órgãos competentes cumpram as suas responsabilidades institucionais em bem da saúde dos nossos povos.

Educação Indígena
Que o Ministério da Educação assegure a participação dos povos e organizações indígenas na implementação dos territórios etnoeducacionais e que cumpra as resoluções aprovadas pela I Conferência Nacional de Educação Indígena de 2009.

Código Florestal
Repudiamos a ofensiva da bancada ruralista, empenhada na alteração do Código Florestal que, certamente, provocará danos irreparáveis às nossas terras e aos recursos naturais que elas abrigam.

Reforma Política
Reivindicamos que no processo da Reforma Política, em curso no parlamento, seja considerado o direito dos nossos povos à participação, inclusive sendo estabelecida uma quota que garanta a nossa representatividade.

domingo, 8 de maio de 2011

LEI DA MÃE TERRA


A Bolívia está em vias da aprovar a primeira legislação mundial dando à natureza direitos iguais aos dos humanos. A Lei da Mãe Terra, que conta com apoio de políticos e grupos sociais, é uma enorme redefinição de direitos. Ela qualifica os ricos depósitos minerais do país como "bençãos", e se espera que promova uma mudança importante na conservação e em medidas sociais para a redução da poluição e controle da indústria, em um país que tem sido há anos destruído por conta de seus recursos.

Na Conferência do Clima, em Cancun, a Bolívia destoou da maioria quando declarou que todo o processo era uma farsa, e que países em desenvolvimento não apenas estavam carregando a cruz da mudança do clima como, com novas medidas, teriam de cortar também mais suas emissões.

A Lei da Mãe Terra vai estabelecer 11 direitos para a natureza, incluindo o direito à vida, o direito da continuação de ciclos e processos vitais livres de alteração humana, o direito a água e ar limpos, o direito ao equilíbrio, e o direito de não ter estruturas celulares modificadas ou alteradas geneticamente. Ela também vai assegurar o direito de o país "não ser afetado por megaestruturas e projetos de desenvolvimento que afetem o equilíbrio de ecossistemas e as comunidades locais".

Segundo o vice-presidente Alvaro García Linera. "ela estabelece uma nova relação entre homem e natureza. A harmonia que tem de ser preservada como garantia de sua regeneração. A terra é a mãe de todos". O presidente Evo Morales é o primeiro indígena americano a ocupar tal cargo, e tem sido um crítico veemente de países industrializados que não estão dispostos a manter o aquecimento da temperatura em um grau. É compreensível, já que o grau de aquecimento, que poderia chegar de 3.5 a 4 graus centígrados, dadas tendências atuais, significaria a desertifição de grande parte da Bolívia.

Esta mudança significa a ressurgência da visão de um mundo indígena andino, que coloca a deusa da Terra e do ambiente, Pachamama, no centro de toda a vida. Esta visão considera iguais os direitos humanos e de todas as outras entidades. A Bolivia sofre há tempos sérios problema ambientais com a mineração de alumínio, prata, ouro e outras matérias primas.

O ministro do exterior David Choquehuanca disse que o respeito tradicional dos índios por Pachamama é vital para impedir a mudança do clima. "Nossos antepassados nos ensinaram que pertencemos a uma grande família de plantas e animais. Nós, povos indígenas, podemos com nossos valores contribuir com a solução das crises energética, climática e alimentar". Segundo a filosofia indígena, Pachamama é "sagrada, fértil e a fonte da vida que alimenta e cuida de todos os seres viventes em seu ventre".

Texto do Instituto Uk`a

quarta-feira, 4 de maio de 2011

ESCRITA PRÉ-CABRALINA

O assunto relativo a uma escrita pré-colombiana no Brasil é um dos mais apaixonantes temas da arqueologia brasileira em virtude do número avultado de trabalhos existentes, dividindo os que acreditam e os que consideram total absurdo. As inscrições encontradas em cavernas e rochedos situados em diversos pontos do território brasileiro, contam-se aos milhares e têm propiciado as mais fantásticas teorias atribuindo as gravações a fenícios, gregos, vikings e até mesmo a atlantes! Mas as inscrições do Brasil são isto mesmo: inscrições indígenas. Querer atribuir aos litoglifos uma outra origem, constitui desconhecimento do assunto ou, o que é pior, má fé.

A PEDRA DO INGÁ, na Paraíba, tem sinais que se assemelham muito à escrita "rongo-rongo" da Ilha de Páscoa. Encontra-se, ainda, naquela pedra representações de diversos astros a que foi dada a denominação de TÁBUA ASTRONÔMICA e que parece ter sido feita com o propósito de reproduzir todos os corpos celestes visíveis naquela região

Já no ano de 1896, o conselheiro do Instituto Histórico Brasileiro, Tristão de Alencar Araripe, apresentava, na sessão de 9 de dezembro, uma memória de sua autoria que relacionava 34 sítios que continham, a seu ver, inscrições lapidares, apresentando os desenhos colhidos em diversos locais daqueles sítios e que eram citados com minúcias. Seu extenso trabalho foi publicado na Revista do Instituto Histórico, tomo 50, e passou a figurar como fonte de consultas até os dias atuais. Entretanto, ele não chegou a emitir um juízo acerca dos possíveis autores daquelas inscrições.

O coronel Bernardo Azevedo da Silva Ramos acreditou que a maior parte das inscrições lapidares eram gregas ou fenícias, escrevendo um monumental trabalho em dois volumes, intitulado "Inscrições e Tradições da América Pré-Colombiana" em função de tal idéia.

Ainda no fim do Século XIX, surgiu um livro do famoso explorador americano Carlos Frederic Hartz, lançado em tradução brasileira no ano de 1895, com o título de "Inscrições em Rochedos do Brazil". Suas conclusões não lhe permitiram emitir um parecer definitivo, mas a obra é de grande importância por conter sinais de sítios que já não existem.

Finalmente, Alfredo Brandão, em seu trabalho "A Escrita Pré-Histórica do Brasil", aventa a possibilidade de os indígenas brasileiros terem possuído uma escrita própria, ora silábica, ora hieroglífica. De toda forma, deve ter sido um dos que mais se aproximaram da r
ealidade. Modernamente, alguns autores atribuíram os glifos à mera atividade ociosa de determinadas tribos. Seguindo tal linha de raciocínio, um indígena desenhava uma figura qualquer, a seguir um outro, por espírito de emulação, fazia novas figurações e assim por diante, até cobrirem uma larga extensão, seja de uma laje, seja de uma caverna. Tal raciocínio afigura-se um autêntico absurdo, pois muitos dos sinais encontram-se em locais de difícil acesso, o que elimina qualquer dúvida quanto à intencionalidade do trabalho.

A repetição de certos símbolos em regiões distantes centenas de quilômetros, dão-nos a convicção de que os nativos possuíam meios de identificá-los, conhecidos por vários grupos. Formariam idéias ou indicações qu
e poderiam ser entendidas, por diversas pessoas, o que os colocava inequivocamente na categoria de escrita.

Ainda dentro da presumida teoria fenícia, temos a destacar a inscrição encontrada na Paraíba, no século XIX, por Ladislau Neto, que a traduziu e interpretou como sendo a descrição do naufrágio de uma nave de Sidon, feita por seus tripulantes. Apodada de fantasia pelos doutos da época, a aludida tradução foi ressuscitada, devido a uma nova interpretação do conhecido professor americano Cirus Gordon, que reinteira a tradução de Ladislau Neto. Não é de todo impossível, aquela e outras naves terem naufragado nas proximidades do continente americano, mas não podemos atribuir todas as inscrições a náufragos, mesmo porque muitas encontram-se distantes do litoral centenas de quilômetros.

Curiosamente do mesmo Estado da Paraíba, surgiram diversas menções acerca da existência de um tipo de escrita, desenvolvida pelos indígenas da região, e que teria sido empregados em livros, fabricados com papel de entre-casca de árvores e encadernados em madeira dura. Esta história, que a primeira vista pode ser tachada como fantasiosa, consta de várias obras e comunicações jesuítas, e está referida no livro do pesquisador inglês Robert Southey, "História do Brazil", conforme pode ser verificado na edição publicada pela Melhoramentos em 1977, onde encontra-se relatado que os livros teriam sido "feitos por inspiração demoníaca, com caracteres ensinados pelo Diabo", razão porque os jesuítas trataram de destruir aqueles "livros malditos". O que vem de encontro a citação do Padre Simão de Vasconcelos, de que na entrada da cidade da Paraíba existia uma pedra muito antiga, incrustada num penedo, coberta por sinais que tinham sido feitos por "inspiração demoníaca", como consta em sua "Crônica da Companhia de Jesus". Também Rocha Pita, o laureado escritor nascido no Brasil, toca bem de leve no assunto, evitando se estender, numa matéria que evidentemente não seria do agrado dos membros da Santa Inquisição, "zelosos protetores do povo contra as tentações demoníacas", que pelo visto tinham particular interesse em instruir os silvícolas brasileiros.

Mas o maior mistério acerca deste apaixonante assunto, poderá se constituir nos vasos existentes no Museu Nacional do Rio de Janeiro, que foram considerados pelo coronel Fawcet e pelo então diretor daquele estabelecimento, como ornados com uma espécie de escrita, sendo que os vasos em questão eram oriundos de pontos diversos do território nacional. O professor Alberto Childe, em artigo intitulado "Vasos Brasileiros Pré-Colombianos com Inscrições", publicado na revista "Ciências", da Biblioteca Nacional, revela-nos desenhos dos aludidos vasos, sugerindo uma forma de escrita bastante desenvolvida. Um estudo das figurações não permite a conclusão do tipo de escrita, que ora parece silábica, ora ideogramática. O estilo dos próprios vasos lembra la cerâmica de Miracanguera, a enigmática cultura descoberta por Barboza Rodrigues e que não apresenta nenhuma ligação com as demais culturas do Brasil.

Baseado em texto de AURÉLIO M. B. DE ABREU

domingo, 1 de maio de 2011

DIVISÃO DO TRABALHO

O desenvolvimento tecnológico dos povos indígenas brasileiros não levou a especializações profissionais. Não há especialistas, ou seja, indivíduos que se dedicam exclusivamente a um determinado tipo de trabalho. O que um homem faz, todos os outros fazem também, embora possa diferir na habilidade com que executam cada tipo de tarefa: todos caçam, todos pescam, todos derrubam árvores, todos fabricam arco e flecha, etc. O mesmo acontece com as mulheres: todas cultivam, todas colhem, todas fabricam potes, etc. Então pode-se dizer que existe entre os indígenas uma divisão de trabalho por sexo. Embora tal divisão não seja exatamente a mesma em todos os povos, de um modo geral, às mulheres cabem as atividades culinárias, o cuidado das crianças, além de partilhar com os homens o plantio e a colheita; aos homens são destinadas as atividades de caça, a derrubada de árvores e a preparação do terreno da lavoura.

As atividades coletoras, em muitos povos, cabem às mulheres, como, por exemplo, entre os Xavante e os Timbíra. No entanto, entre esses últimos, pelo menos,
o mel é sempre retirado das colméias por homens. Entre os Mundurukú, os homens fazem a coleta em caso de insucesso na caçada; as mulheres, quando realizam a coleta, levam um homem para subir nas árvores. Entre os Xokléng, a coleta do pinhão é realizada pelos casais, sendo que cabe ao homem subir no pinheiro para derrubar os cones, que depois são reunidos pelo marido e a mulher, que os quebram e juntam os pinhões.A divisão de trabalho chega às vezes ao ponto de exigir que duas partes de um mesmo objeto sejam confeccionadas por pessoas de sexo diferente: por exemplo entre os Krahó, há determinados tipos de cestos que são geralmente confeccionados pelas mulheres, mas as alças só podem ser feitas pelos homens. O mesmo ocorre entre os Tenetehara: um determinado tipo de colar, feito de dentes de animais, sementes e contas de vidro é elaborado em duas etapas; na primeira, as peças são perfuradas pelos homens; na segunda, tais peças são colocadas ano fio pelas mulheres.

Mesmo na arte existe uma divisão de trabalho: entre os Kadiweu, por exemplo, os desenhos geométricos das pinturas de rosto são traçados pelas mulheres, enquanto a arte figurativa, constituída de pequenas estatuetas de cera, barro cozido ou cortiça, é trabalho tanto de homens como de mulheres.

É comum se ouvir dizer que entre os indígenas a mulher trabalha mais do que o homem; este só faria serviços leves, enquanto ela se aplica ao trabalho pesado. Mas isso não é verdade. Existe uma divisão de trabalho entre homem e mulher. E ele n
em sempre fica com a parte mais leve. A produção de canoas, que cabem aos homens, são bastante desagradáveis e cansativos. Mesmo a caça, que entre nós é um divertimento, um “esporte” realizado em tempo de folga, tem para o homem indígena outro sentido: de seu esforço na caçada depende o abastecimento de carne da sua comunidade. Ente os Krahó, por exemplo, voltar da mata de mãos vazias, sem nenhum animal capturado, significa refeições mais pobres e menos saborosas e, às vezes, discussão com as mulheres. O caçador, para ser bem sucedido, não somente cuida de manter suas armas em bom estado, atenta em observar os locais e ocasiões propícias para a caçada, como também procura interpretar sonhos e observar uma porção de cuidados religiosos, como, por exemplo, esfregar o corpo com determinadas plantas de acordo com o animal que deseja caçar; para algumas caças, é preciso também abstinência de certos alimentos.

Além da divisão de trabalho por sexo, existe também uma distribuição de tarefas por idade. Meninos e meninas costumam imitar os adultos de seu sexo. Desde pequenos, os meninos flecham calangos e passarinhos com pequenos
arcos e as meninas ajudam a tomar conta dos irmãos menores. Entre os Krahó, cabe aos meninos e aos velhos carregar as armas e a carne para a aldeia, enquanto os caçadores entram na aldeia disputando uma corrida de toras. Também cabe às crianças e aos velhos espantar os pássaros das roças no período que precede a colheita. Entre os antigos Tupinambá eram as moças que mastigavam a raiz com que se faziam as bebidas.


Essa estruturação social do trabalho – todos fazem tudo que cabe a seu sexo e idade – dificilmente há o que trocar entre as pessoas da mesma aldeia, já que todos produzem as mesmas coisas. No entanto, cada povo costuma produzir alguns artefatos que outros povos não possuem, ou tem em seu território coisas que outros povos não possuem. Isso torna possível um comércio entre povos.

No alto Xingu determinados povos se destacam na produção de certos artefatos. Por exemplo: os Waurá são produtores exclusivos de cerâmica; suas grandes panelas de barro são procuradas por todos os outros povos da região. Os Kamayurá, por seu turno, se destacam na manufatura de arcos; os Kuikuro e os Kalapálo se esmeram na fabricação de colares de caramujo. No passado, eram os Trumái que forneciam os machados de pedra aos demais povos, pois em seu território encontrava-se o diabásio próprio para fabricação de machados. Os Trumái e os Waurá também produzem sal. Tais produtos passam de um povo para outro através de trocas.

Baseado em texto de Júlio Cesar Melati