quinta-feira, 22 de abril de 2010

CIÊNCIA INCA

O saber inca nas áreas das artes e das ciências foi, em boa parte, herdado das civilizações que os precederam. O império cuzquenho aproveitou para si os avanços dos povos incorporados e aliados. Sua maior virtude, porém, foi não ter se limitado à imitação e sim reelaborado aquelas experiências somando-as aos seus próprios conhecimentos.

A história costuma apontar a astronomia como a ciência que emergiu primeiro entre várias civilizações. Nos Andes, assim como em outras partes do mundo, os movimentos cíclicos do sol e da lua foram entendidos como grandes determinantes do ritmo bioecológico da vida.

As observações astronômicas dos antigos mexicanos e os calendários centro-americanos são apresentados, comumente, como superiores aos incas. No entanto, John Earls explica que a astronomia inca baseou-se na observação e apreciação de regularidades bem alheias às concepções adotadas pelos povos do hemisfério norte. E, ousadamente, sugere que o cálculo do tempo, nos Andes, visando a agropecuária e sua cuidadosa organização, foi talvez mais importante do que em outras civilizações.

O ano inca correspondia ao ano solar, provavelmente começando no solstício de inverno (junho). Eles possuiam observatórios astronômicos e davam grande importância às estrelas e planetas. Conheciam Vênus (Chaska), Saturno (Jaucha), Marte (Auqakuc), Júpiter (Pirwa); as constelações das Plêiades (Qollqa), de Virgem (Mamana), Aquário (Mikikiray), Gêmeos (Mirku), a estrela Sírius e etc. Como alguns desses astros eram deificados, percebe-se que a ciência mesclava-se com a religião. Era tênue também a fronteira entre astronomia e astrologia.

A ciência da saúde também tinha algo de divino e parte dela era ritualizada. Poma de Ayala menciona a existência de curandeiros que "chupavam" as enfermidades do corpo - ação semelhante à dos pajés brasileiros, por exemplo. Os jejuns, comprovadamente benéficos ao organismo, eram frequentes e parecem ter tido uma dupla função: homenagear os deuses e melhorar a saúde, ou seja, limpar a alma e o corpo.

Ritualizada também era a lavagem anual dos povoados e casas, sem dúvida uma medida de bom efeito sanitário. A higiene pessoal e material (residências, estábulos, bens coletivos) era um a exigência do Estado. A sujeira era crime! Segundo Laurette Séjourné, o povo inca tomava banho todos os dias, mesmo sob temperaturas gélidas.

Além dos curandeiros havia também médicos - os janpikamayuc. Tudo indica que realizavam inclusive cirurgias. Arqueólogos encontraram corpos com sinais semelhantes a intervenções cirúrgicas, como se pode ver no Museu Arqueológico de Lima.

Como medicamentos, os incas utilizavam uma enormidade de substâncias naturais, cujos nomes, em sua maioria, perderam-se com a invasão européia. As folhas de coca, mascadas em ocasiões especiais com autorização do Inca, davam vigor e força. Como remédio, os médicos utilizavam emplasto de coca para desinfetar ferimentos, fortalecer ossos quebrados e abrandar febre. Garcilazo de la Vega e Jesús Lara informam que empregavam também a salsaparrilha, a quínua e o milho. Conheciam ainda a akhana, a amasisa, chachakuma, ijmawacachi (tipo de malva), jayacpichana (usada para afugentar pulga), kachiyuyu (para enfermidades hepáticas), mullaka e centenas de outras ervas.

Hoje, em Las Huaringas, conjunto de lagoas de águas medicinais nas alturas da cordilheira de Piura, extremo norte do Peru, ainda há velhos índios conhecidos por praticar curas através de banhos e ervas.

Numa grande interrelação, a produção de alimentos e medicamentos exigiu a astronomia; a astronomia exigiu a matemática, e a esta exigiu a estatística. "Não importa que nos falte compreender os princípios da matemática inca, ou andina em geral: o importante é que sua existência foi estabelecida para os fins da computação", afirma Earls.

A estatística e a computação eram usadas para tudo: fenômenos climáticos, demografia, plantio, colheita, produção de tecidos, estoque dos depósitos, etc. Os cálculos eram feitos com base num sistema numérico decimal, facilitados pela invenção de um tipo de ábaco. Esse ábaco tinha cinco fileiras de quatro casas, entre as quais se distribuíam séries de um a cinco grãos de milho. Os resultados eram registrados nos quippus. Constituído por um cordão mestre, medindo desde alguns centímetros a mais de um metro de comprimento - do qual pendiam vários cordõezinhos com nós, torções e cores diversas - o quipu representava números, de acordo com a espessura dos nós e sua localização nos cordões.

Os quipus eram confeccionados e interpretados apenas por funcionários treinados e ainda não foram totalmente decifrados. O padre Blas Valera garantia ter traduzido quipus antigos e neles ter encontrado poesias. Poma de Ayala concorda: os nós não registravam apenas números, mas também histórias.

Isso conduz a um tema polêmico: os incas tinham escrita? Grande parte dos historiadores afirmam que os Filhos do Sol não tiveram escrita ou que parecem não ter tido. No entanto, alguns cronistas, como Sarmiento de Gamboa, Cristobal de Molina e Fernando Montesinos relataram a existência de uma escrutra ideográfica (quellca), cujo exemplo maior teriam sido os painéis históricos da pinacoteca criada por Pachakuti nas redondezas de Cuzco.

Pesquisadores contemporâneos, como a peruana Victoria de la Jara e o alemão Thomas Barthel levataram a hipótese de que, por volta do século XV, os incas tinham superado a quellca com a invenção de uma escrita policromática de palavras (não de letras ou sílabas). Consistia em símbolos quadrados e retângulos bordados, tecidos ou pintados em mantos, túnicas, jarros, cântaros cerimoniais, cuja leitura se fazia no sentido vertical ou horizontal, da esquerda para a direita. Victoria de la Jara, a primeira a investigar essa escritura pré-alfabética, conseguiu, entre 1962 e 1970, interpretar 294 de seus símbolos.

A língua mais utilizada no império foi o quêchua. Declara como oficial e obrigatório, o quêchua - também chamado de "runasimi" (língua humana) - suplantou e enfraqueceu outros idiomas. Tudo indica que sua origem não seja cuzquenha mas das regiões de Abancay e Andahuaylas. Talvez por isso certos historiadores digam que os primeiros incas não falavam quêchua mas outra língua.

Baseado em texto de Rosana Bond

Nenhum comentário:

Postar um comentário