A filha de um pajé foi abandonada pelo amado, em troca de outra donzela. Tão grande foi a desilusão e de tal forma ficou ferido o coração da jovem desprezada, que esta não resistiu à dor da separação e faleceu. O pajé, pai da infeliz, transformou-a na jurutí, e no local onde foi enterrada surgiu uma planta – o tajá (tinhorão) – que encerrava alma da desditosa e apaixonada criatura. Essa planta, empregada em sortilégios de amor, enfeitiça os amantes traidores, que passam a ser perseguidos pelo piar da ave, até que se cumpra a maldição, isto é, até que aquele que trocou de amores fique inválido, paralítico.
São inúmeros os fenômenos que ocorrem nos confins do sertão e que mantêm o indígena e o caboclo em constante sobressalto. Eles identificam o sobrenatural a todo o momento, e em diferentes lugares: no ar, nas águas, nos montes, nas cavernas e na selva. Algumas presenças se traduzem em bom augúrio, outras o assustam e o atormentam. O seu espírito e a sua conduta, por isso, variam de instante a instante. As teias e os movimentos da aranhas, o carreiro das formigas, o zumbido dos insetos, a coloração do céu e as formas das nuvens são interpretados como porta-vozes dos espíritos. O canto e o vôo dos pássaros, também são tidos como portadores de mensagens.
Há, por exemplo, um som curioso, que em determinadas situações parte do interior ou das proximidades de uma touceira de tajá: é um arrulho repetitivo e tristonho que parece estar perto de nós, do nosso lado, sobre a nossa cabeça, sem que a gente consiga ver o misterioso pássaro cantador. Podemos até remexer os arbustos, nada encontramos, nem nós nem os cachorros. Não é sempre que o fenômeno ocorre, mas quando começa, custa a parar. Sem uma explicação científica que o justifique, é possível que o rumor seja devido ao desabrochar de uma folha nova, ou, quem sabe, à passagem do ar pelas axilas da planta.
O indígena, em suas andanças pela mata, não gosta de encontrar um tajá. Se isso ocorre, desvia rápido, e vai-se embora. Do mesmo modo, se o selvagem ouve o canto de uma pomba jurutí, olha logo para os lados, procurando localizar o passarinho. Ele sabe, e de resto, todos na Amazônia sabem, que encontrar pela frente um pé de tajá e ouvir, ao mesmo tempo, o piado insistente de uma rolinha invisível, é sinal certo de desgraça.
Querer destruir o tajá é uma temeridade. Conta-se que Januário, um pescador do Cambixe, certa tarde começou a ouvir "bater sapopema". Em seguida notou, não longe de seu tapiri (cabana), um pé de tajá. Era tajá membeca, o pior de todos. Ficou desconfiado. Por via das dúvidas, resolveu meter o terçado (facão). No segundo golpe, ficou com o braço inteiramente seco. Tarde, ele aprendeu que deveria ter feito aquilo que os velhos recomendam para esses casos: ir-se embora rápido, sem olhar para trás.
Esse pio misterioso, que vem do pé de tajá ou de suas imediações, é o canto do infortúnio. É o fim de todas as coisas. É JURITÍ-PEPENA - diz o caboclo. Sinal de ter sido escolhido para destinatário de tragédia. Sabe que o Gênio do Mal lhe pegou. Procura se lembrar de algum mal que tenha feito; do prejuízo que possa ter causado aos outros, mesmo inadvertidamente; de algum feitiço que injustamente tenha feito contra outra pessoa e que agora "vira" contra si. Convencido ou não de sua culpa, fica silencioso e abatido, tomado de uma tristeza sem fim.
É uma punição, sem dúvida, "coisa feita". Dizem ser uma vingança traiçoeira e implacável, que sempre atormenta os errantes filhos da selva. Dentro de pouco, estará paralítico. De nada adiantará friccionar o corpo com copaíba, manacá, tatapiririca, banha de sucurijú ou leite de mulher virgem... ou nenhuma outra medicina da selva. Só lhe restará o desengano, a morte. Está definitivamente "atuado" (marcado). Vai ter que prestar contas aos "companheiros do fundo". Anhanga lhe espera no "ibiapitera", aquele medonho caldeirão que os brancos chamam de "quintos-dos-infernos".
Nada se pode fazer contra a Jurití-Pepena, essa desgraçada pomba invisível, mensageira do mal, que pia na touceira do tajá, nas proximidades das taperas.
Os pajés, quando solicitados para tratar casos de Juriti-Pepena, examina tudo minuciosamente; fica em silêncio, auscultando o barulho... Certifica-se de que o gemido seja mesmo de jurutí. Caso positivo, manda todo mundo se afastar. Que ninguém faça barulho! Cruza as mãos. Permanece imóvel, contrito, durante alguns minutos, junto ao doente. Depois, ajoelha-se piedosamente. Persigna-se com o polegar direito e beija a mão. Reza, então, em voz baixa, a oração recomendada:
Jurití-Pepena, por que tu pena ?
Quem te fez pena ?
Ser humano, anima ou vegeta ?
Fulano (aqui dá o nome a vítima) só qué trabaiá.
Tem famía prá cuidá. Deixa de lê aperriá !
Anhangá, Anhangá, Anhangá, leva a jurití pr'o teu tejupá.
Deus Nosso Sinhô, Vige Maria e Sino Salomão, venham ajuda.
Nóis num pode mais aguentá.
Quem te fez pena ?
Ser humano, anima ou vegeta ?
Fulano (aqui dá o nome a vítima) só qué trabaiá.
Tem famía prá cuidá. Deixa de lê aperriá !
Anhangá, Anhangá, Anhangá, leva a jurití pr'o teu tejupá.
Deus Nosso Sinhô, Vige Maria e Sino Salomão, venham ajuda.
Nóis num pode mais aguentá.
A oração é completada por um "Amém" solene que parte de todos os presentes.
Em seguida, o pajé corta umas ramas de mato. Cobre-as com a fumaça de seu cachimbo. Em movimento agitados, "limpa" o espaço ambiental circunjacente. Depois, varre cuidadosamente o chão. Larga as ramas e, com o corpo inclinado para a frente, dá voltas em círculo, oportunidade em que costura um pequeno breve de morim roxo, levado de propósito, e dentro do qual introduz uma folha da ramagem defumada. Finalmente, dá por encerrada a "sessão", recomendando à vítima que use sempre o patuá colado ao corpo. Dizem que é o único jeito de atenuar os malefícios da Jurití-Pepena. Anular o seu mal, é impossível.
Normalmente, não há aleijados entre os indígenas e mesmo entre os caboclos. Mas, se encontrarmos um inválido e lhe perguntarmos a razão do seu mal, é quase certo que ele nos responda com convicção: Jurití-Pepena...
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Juriti é um pássaro da família dos Columbidae (pombos), da espécie: Leptotila rufaxilla. Tem 26,5 cm de comprimento e é comum do sul dos Estados Unidos à Argentina, estando presente em quase todo o Brasil. Comum no chão de habitats quentes, tais como capoeiras e campos adjacentes, bordas de florestas densas e cerrados. Vive solitária ou aos pares. Alimenta-se de sementes e frutos no chão. Quando perturbada, foge caminhando sem fazer barulho, ou voa, emitindo um som com as asas, até uma árvore próxima.
Faz ninho típico de pombinhas - uma plataforma construída de gravetos e grama, localizada em arbustos baixos ou árvores, eventualmente no chão. Põe 2 ovos brancos. Conhecida também como pu-pú (Rio Grande do Sul) e juriti-pupu.
Baseado em texto de Altino Berthier Brasil