segunda-feira, 14 de junho de 2010

DECLARAÇÃO DE AMOR À MÃE TERRA


Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço dessa terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esqeucem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem - todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando ao Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Essa terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e nos rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar de que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhe vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são os nossos irmãos, e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o omem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus fi lhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe,a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros e enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são tão diferentes dos seus... A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um homem selvagem e não compreenda.
Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque sou selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. EA o que resta da vida de um homem se ele não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago e o próprio vento, liimpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem: todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Coomo um homem agonizante há vários dias, é insensivel ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com a vida que mantém. O vento que deu ao nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhe vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como a um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vendo açucarado pelas flores do prado.
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais dessta terra como seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo nenhuma outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecermos vivos.
O que é o hoomem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, em breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo sob seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontece com a terra acontecerá com os filhos da terra. Se o homem cospe no solo, está cuspindo em si mesmo.

Isso sabemos: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. Isso sabemos: todas as coisas estão ligadas como sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorre com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a sim mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o homem branco poderá vir a descobir um dia: nosso Deus é o mesmo. Vocês podem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra, mas não é possível. Ele é o Deus do Homem e sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra é preciosa para ele e feri-la é desprezar o criador. Os brancos também passarão, talvez mais cedo do que todos os outros povos. Contaminem suas camas e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando da sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a essa terra e, por alguma razão especial, deu-lhes o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa sejam impregnados do cheiro de muitos homens e a visão dos morros seja obstruída por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.

Carta do chefe Seatle ao presidente dos Estados Unidos, em 1854,
que teimava em querer comprar a terra do povo Duswamish.

domingo, 13 de junho de 2010

MANIFESTO HOPI


O espírito do povo de mil anos atrás está aqui.
A terra, colinas e montanhas têm vida dentro de si.
O chão onde pisamos tem vida dentro de si.
Todas as nações chamam a terra de Mãe Natureza.
Nossos antepassados nos ensinaram a respeitar a terra, a tomar conta dela. Em troca, ela tomará conta de nós.
Nossas forças derivam da terra.
Estamos muito perto da lua.
Muito perto do sol.
Estamos muito perto da terra, da feminilidade da Mãe Terra.
Quando pensamos a respeito dessas coisas, nos tornamos parte delas e elas se tornam parte de nós.
Oramos para a terra, oramos para o céu, as nuvens, a chuva e a relva porque acreditamos que todas essas coisas têm espírito. Até as pedras têm vida.
Antes de sair para caçar, a coisa mais importante a fazer é rezar para a Mãe Natureza, para o céu e, então, para o animal. Depois, chorar um pouco e pedir à Mãe Naturezaa que nos forneça alguma carne. Quando entrar na floresta, você tem de ser o animal a ser caçado.
Aqui, necessitamos de chuva. É para ela que rezamos. É por isso que dançamos. Quando sair em busca de comida, temos de agradecer por essas coisas estarem nas colinas, plantadas pelo Criador.
As montanhas têm espírito. As montanhas são sagradas. Lá há paz e fé.
As nuvens que circundam são atraídas por elas. Há vida lá em cima.
Devemos adorar a terra, as estrelas e o céu, pois eles têm espírito.
São os poderosos espíritos que nos guiam, que nos ajudam a sobreviver.
Muito conhecimento deriva da família. Ainda tentamos perpetuar esta tradição. Eu, por exemplo, tento perpetuar as tradições do meu clã.
O clã que vive ao nosso redor, que está aqui para proteger a minha família. Eu perpetuo e levo adiante esta tradição. Ainda sou um guerreiro.
Sou um guerreiro porque reivindico por meu povo e falo em seu nome.
Rogamos por nossas crianças como rogamos pelas árvores.
Uma coisa que minha avó me ensinou é que, sem família, não somos nada. Ela me ensinou a proteger toda a minha família. E não é muito fácil hoje em dia ensinar isso para gente mais jovem. Não sei se minha filha mais velha me defenderá quando eu precisar dela, como agora eu defendo minha mãe.
As famílias são muito importantes. Caso não existissem, haveria muita gente perdida. Sinto-me um pouco perdido. Quando desejo encontrar a minha identidade, geralmente tenho de ir a um museu para ver como as coisas eram quando meus pais eram jovens. Nascemos com esse espírito, mas é nossa responsabilidade desenvolvê-lo de modo que tenhamos orgulho de dizer: "Sou um Hopi" ou "Sou um Navajo". É uma tradição. Uma linguagem. Uma identidade.
Também estamos envolvidos com o mundo animal, com o mundo vegetal e com o cosmos. A lição fundamental é que devemos compreender isso e viver em harmonia com a terra e todas as coisas que a habitam. É uma crença simples. É isso que faz os Hopi serem fortes.
Tarde da noite. Começam os cânticos.
Cantamos a respeito do vento, das nuvens e das chuvas que alimentam o povo.
Quando morremos, vamos para o Ocidente, vamos para a luz.
É um lugar poderoso para começar e um lugar muito poderoso para terminar nossa existência. A terra tem vida. A terra respira. A terra pode falar.
Certo dia, olhando as nuvens, vimos uma dançarina de longos cabelos.
Em primeiro lugar, somos artistas porque queremos criar. Depois, porque somos índios. Exprimimos nossa cultura dessa forma. A arte que vemos nos índios é a espiritualidade, agradecendo ao criador tudo aquilo que ele fez.
Haverá estradas no céu. Usaremos caixas com rodas para nos locomover. Essas eram as coisas que profetizávamoso quando éramos jovens. E pensávamos: como seria lá em cima, onde as estradas seriam construídas? E aí estão elas, hoje. Pessoas lá em cima, voando como pássaros.
Hoje reivindicamos muitas coisas como se fossem nossas.
A terra não é nossa.
A vida não é nossa.
A língua não é nossa.
Alguém criou isso tudo?
Quando fomos para a escola, o intérprete disse: "Esqueçam sua língua hualapai. Esqueçam a comida indígena. Esqueçam suas histórias, os nomes das montanhas e rios. Acima de tudo esqueçam sua língua. Falem apenas em inglês."
Entretanto, mantemos os princípios de nossa tradição em nossos corações. É algo que nos dá muito orgulho dizer: "Aqui está algo que nos pertence. Eis ai a minha língua, assim foi escrito, é isso que significa".
Passamos maus momentos na escola. Queríamos aprender a respeito das cobras e lagartos e tartarugas. Então descobrimos que estávamos envolvidos em dois mundos diferentes. Tivemos muito trabalho ao tentar ajustar-nos a esses dois mundos, tentando misturá-los. Não se pode aprender alguma coisa sem abrir mão de outra. Há muita gente criativa na reserva. Eles estão em uma situação paradoxal. Aderem aos valores de seus avós para estar de acordo consigo mesmos e com o meio ambiente. Mas, quando se trata de conseguir um emprego, não estão qualificados para tanto.
Esse sistema de valores segue em uma direção e os outros valores vêm na direção oposta. Devemos dizer aos jovens indígenas que há um lugar intermediário. Nem tanto para cá, mas exatamente no meio, entre pares opostos.

Texto de Harvey Lloyd, indígena Hopi do Arizona

sábado, 5 de junho de 2010

VICHO RANGA e AVAREI RANGA

A arte Mbyá Guarani tem relação direta com a espiritualidade desse povo. Rica em simbolismo e significado, circundada por mitos e histórias, ela retrata uma cultura milenar que sempre prezou pelo contato com a natureza, com os ancestrais e com seus deuses. Por isso, todo o trabalho – da coleta da matéria prima à sua finalização – é feito seguindo rituais e acompanhado por rezas tradicionais. Cada peça tem um significado específico, uma simbologia que está diretamente relacionada à história e crença desse povo.

As esculturas em forma de animais são chamadas VICHO RANGA e as em forma humanas são chamadas de AVAREI RANGA. Ambas são esculpidas em madeira de árvore sagrada – GUAJAYVI (guajuvira, apê-branco ou pau-d’arco), KURUPYCA’Y (pau-leiteiro) ou YGARY (cedro).

As esculturas são cópias da criação de Nhanderu. Por serem provenientes de uma árvore, que simboliza o masculino, elas são esculpidas pelos homens. Cada animal tem um significado específico e este conhecimento foi passado às novas gerações pelos mais velhos e os sonhos, momentos quando eles entram em contato com seus ancestrais e divindades.


Significados:

CHIVI (onça) – figura no mito da criação do mundo; símbolo da força, coragem e liderança.
TAGUATÓ (gavião) – é o mensageiro, que traz o conhecimento do que está acontecendo em outros lugares.
URUKURE’Á (coruja) – é a guardiã do céu e simboliza o contato com os espíritos, traz a visão de outros mundos.
TUKÃ (tucano) – mostra a vontade de querer viver livre e em paz; é o futuro.
PA’I (jacaré) – simboliza a força da vida e a sabedoria do amor e da paz.
MBÓI (cobra) – é defesa daquele que é atacado.
XINGYRE (tatu) – foi primeiro a remover a terra; é o seu guardião, aquele que a protege.
KARAMBÉ (tartaruga) – simboliza da proteção da saúde.
YAGY (tamanduá) – é a busca da tranqüilidade, simboliza a paz.

Baseado em texto do IECAM - Instituto de Estudos Culturais e Ambientais